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As questões socioculturais: modos de viver a vida de diferentes sujeitos

5.3 O estudante e sua formação identitária: suas vozes, realidades e anseios

5.3.1 As questões socioculturais: modos de viver a vida de diferentes sujeitos

Como um discurso pode ter diversas faces, alguém dotado de subjetividade pode ter várias particularidades, seja no ponto de vista acerca de um determinado tema ou no julgamento das coisas, seja com relação a sentimentos ou preferências. Por isso, pensamos que não pode existir um discurso determinado ou um falar que compreenda por completo um objeto ou um sujeito em sua discursividade.

Neste ponto, interpretamos os dados/processos resultantes do questionário que teve a participação de 33 estudantes a respeito da face identitária que compõe os dizeres de nossos participantes. À luz do pensamento de Japiassú (1977, p. 27), consideramos esses dados como um processo para o conhecimento, “como uma história que, aos poucos e incessantemente, fazem-nos captar a realidade a ser conhecida. Devemos falar hoje de conhecimento-processo e não mais de conhecimento-estado”.

Os elementos gerais explorados neste primeiro questionário são intitulados como

“Questões Socioculturais”, perspectiva que traz aspectos que se aproximam de um ser-estar no modo de viver desses sujeitos. Nosso objetivo aqui é suscitar dos questionários apenas as respostas que sejam capazes de respaldar as análises possíveis. Honestamente, queremos delinear que o estudo não traz uma característica definitiva, tendo em vista que estamos tratando de sujeitos e de subjetividades, os quais estão em constante mutação. Assim, temos a consciência de que as análises advindas de nossas discussões podem ser provisórias, mesmo se tratando de uma pesquisa científica.

Algumas considerações que precisam ser feitas antes de irmos ao questionário aplicado:

o número total de participantes é de 33 estudantes, conforme mencionado anteriormente. A margem total de respostas, em alguns momentos, não é de 100%, em razão de determinadas questões não terem sido respondidas por alguns estudantes. Abaixo, são apresentadas as principais perguntas40 feitas aos participantes deste estudo:

Existe saneamento básico e tratamento de esgoto na sua rua?

33% dos participantes responderam que não dispõem de saneamento básico e tratamento de esgoto em sua rua de morada, enquanto 64% afirmam ter acesso a saneamento básico e tratamento de esgoto em sua rua de morada. 3% dos participantes não responderam à pergunta.

Figura 4 – Saneamento básico

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Quantas pessoas moram com você em sua casa?

40 O questionário completo, com todas as perguntas e respostas, estará disponível nos apêndices deste estudo, no fim do texto.

64%

33%

3%

EXISTE SANEAMENTO BÁSICO NA SUA RUA E TRATAMENTO DE ESGOTO?

SIM NÃO Não resp.

52% dos alunos responderam que moram em uma casa com quatro ou mais pessoas;

42% disseram morar com três ou menos pessoas e 6% dos participantes não responderam à pergunta

Figura 5 – Convívio em casa

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Qual é a renda familiar de sua casa?

40% dos participantes declararam que têm uma renda familiar de até 1 salário-mínimo em casa (cerca de R$ 1.212,00 por mês); 24% declaram ter uma renda familiar de até 2 salários- mínimos em casa (cerca de R$ 2.424,00 por mês); 18% declaram que têm uma renda familiar de mais de 2 salários-mínimos em casa e 18% dos participantes não responderam à pergunta.

Figura 6 – Renda familiar

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Em relação à renda per capita, 23% dos participantes da pesquisa possuem uma renda per capita de R$ 242,00; 30% possuem renda per capita de R$ 404,00; 10% possuem renda per capita de R$ 484,80; 14% possuem renda per capita de R$ 727,20 e 23% possuem renda per capita maior que R$ 800,00.

42%

52%

6%

QUANTOS MORAM COM VOCÊ EM SUA CASA?

3 Pessoas 4 ou mais Não Resp.

40%

24%

18%

18%

QUAL A RENDA FAMILIAR DE SUA CASA?

Até 1 salário Até 2 salários Mais de 2 salários Não resp.

Figura 7 – Renda per capita

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Qual é o nível de escolaridade de seus pais?

37% dos participantes responderam que os pais ou o responsável não têm escolaridade ou não terminaram o Ensino Fundamental; 15% disseram que os pais ou responsável têm um nível de escolaridade até o Ensino Fundamental; 24% disseram que os pais ou o responsável têm um nível de escolaridade até o ensino médio e 18% responderam que os pais ou responsável têm um nível de escolaridade até o Ensino Superior. 6% dos participantes não quiseram responder à pergunta.

Figura 8 – Escolaridade dos pais

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Você tem uma crença religiosa?

23%

10% 30%

14%

23%

RENDA PER CAPITA POR FAMÍLIA

Até R$ 242,40 Até R$ 404,00 Até R$ 484,80 Até R$ 727,20 Mais R$ 800,00

37%

15%

24%

18%

6%

QUAL NIVEL DE ESCOLARIDADE DE SEUS PAIS? Não concluiu o

Fundamental Ens. Fundamental Ens. Médio Ens. Superior Não Respondeu

67% dos participantes responderam ter uma crença religiosa; 19% responderam ser agnósticos e 11% responderam não ter crença religiosa. 3% dos participantes não responderam à pergunta.

Figura 9 – Crença religiosa

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

As singularidades de nossos estudantes denotam um padrão social contemporâneo bem definido de uma moradia precária, mas com um déficit de habitação muito alto, tendo em conta o contexto. Uma parte das famílias dispõe de baixa renda, de escolaridade debilitada, mas de um forte fervor religioso, características de um país de extensão continental e subdesenvolvido, que – impulsionado por políticas neoliberais, por guerras e pela pandemia – é palco para o crescimento vertiginoso da pobreza e das desigualdades (NERI, 2022).

Sobre a fome e pobreza, nossas discursividades são reais e assustadoras, sobretudo se levarmos em conta os dados de nossa pesquisa segundo os quais cerca de 23% dos participantes declararam ter uma renda familiar de até 1 salário-mínimo em casa, o que corresponde a cerca de R$ 1.212,00 ao mês. Os números são frios, mas, tomando como base a renda por pessoa de 1/4 do salário-mínimo41 de R$ 1.212,00, ou seja, de R$ 303,00 por pessoa, podemos afirmar em uma conta simples, que cerca de 23% das famílias que participaram de nossa pesquisa, levando em consideração uma família composta de 5 pessoas, teríamos uma média aproximada de R$ 242,00 por pessoa.

É triste, mas, com base nessa informação, podemos afirmar que, no mínimo, por volta de 23% daqueles que compõem nossos estudos convivem constantemente com a insegurança

41 Nossa fundamentação de cálculo para definir a renda per capita foi realizada com base na LOAS (LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL), de acordo com a LEI Nº 14.176, DE 22 DE JUNHO DE 2021, “§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo” (BRASIL, 2021).

11% 67%

19%

3%

QUAL SUA CRENÇA RELIGIOSA?

Tem crença religiosa Não crentes

Agnósticos Não resp.

alimentar em algum momento. Essa estatística tem, como fundamento, os dados da última pesquisa sobre a fome. Um estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar, divulgado no mês de setembro de 2022, constatou que Alagoas é o estado brasileiro onde a fome é frequente, atingindo 36,7% das famílias pesquisadas (PENSSAN, 2022).

Claro, esse tema não é nosso objetivo de discussão, mas podemos perceber uma constituição discursiva bem definida em relação ao modo de viver de nossos/as estudantes e condicionada a um contexto de continuidades; isto é, há, aqui, um encadeamento padronizado de ser-estar no mundo tracejado em um viver aprisionados por uma regulação sistêmica inquebrantável. Este, embora imprescindível, é um assunto que não é tratado nas salas de aulas.

Dessa maneira, parece que, “em seus parâmetros estruturais fundamentais, o capital deve permanecer sempre incontestável” (MÉSZÁROS, 2008, p. 27).

Olhando do macro para o particular, nossos estudantes refletem um modo de viver a vida assentado na segregação social e nas desigualdades econômicas acometidas, estigmatizadas historicamente e acentuadas nos últimos anos (PENSSAN, 2022). A falta de investimento nos componentes básicos de moradia e educação, por exemplo, são paradigmas que servem apenas para sustentar uma discursividade de esperança e/ou de reconstrução durante os períodos eleitorais.

Para Delory-Momberger (2014, p. 314):

Às dificuldades sentidas no seio de uma sociedade onde aumentam as desigualdades sociais e que não está mais em condição de garantir trabalho ou uma renda suficiente a cada um de seus membros, acresce o mal-estar identitário nascido da incapacidade das instituições de dar respostas às interrogações e às aspirações individuais [...] é significativo que as histórias de vida apareçam no campo da formação no momento em que o indivíduo tem cada vez maior dificuldade de encontrar seu lugar na história coletiva e onde ele é devolvido a si mesmo para definir suas próprias referências e fazer sua própria história.

Nosso intuito, como já mencionamos, não é discutir números da pobreza ou dos processos históricos de marginalização dos sujeitos, mas de pensar a sala de aula como um contributo na perspectiva de uma interpretação e compreensão das dificuldades dos indivíduos e da possibilidade de perceber-se inserido nesse projeto, para quem sabe, contradizer e reconstruir novas perspectivas para seu modo de viver. O estudante que olha para si, nesse contexto, pode esboçar uma quebra de paradigmas e criar uma ruptura com os discursos de continuidade. Ao sentir-se incomodado com seu modo de ser-estar, esse indivíduo passa a questioná-lo, a problematizá-lo e, por conjectura, a transformá-lo.

Em outras palavras, nosso olhar aqui não é para tratar das desigualdades, que são latentes e sempre foram muito evidentes em nosso país, seja em grau menor ou maior, como é hoje. O que objetivamos é instigar o sujeito, o jovem, o estudante a olhar para si mesmo e, consequentemente, a olhar para a sua maneira de viver; é perceber a sua realidade, as suas privações, os seus desamparos ou carências, os quais podem fazer parte de sua realidade social e os quais podem estar padronizando ou cerceando o seu modo de viver. Pensamos que esses problemas são históricos e será muito difícil erradicá-los um dia, mas uma coisa é cabível: ter consciência da possibilidade de transformar o lugar de fala, o contexto que impulsiona nosso discurso, nosso ver e viver no mundo.

Esse estudante que olha para si mesmo pode potencializar uma cicatrização dos estigmas vividos. Na prática, tratamos aqui de um viver a vida que o sujeito não deve só escutar ou perceber sua fala, mas transitar por um conhecimento e domínio do “eu”; deslocar-se para uma ressignificação de seu modo de pensar, de dizer e de viver no mundo. Só seremos capazes de fazer um carro funcionar e andar, se soubermos dirigir. Para dirigir, é preciso entender como o veículo funciona e como devemos proceder para ligá-lo; devemos saber o que acontece quando colocamos a primeira marcha ou como devemos fazer para se descolar e parar. Se aqui somos o motorista ou a motorista de nosso agir no mundo, devemos ter um conhecimento de como as coisas são e acontecem, para que possamos tomar as melhores e mais confiáveis decisões. Ao contrário, não sairemos do lugar, seremos sempre “carregados” por outros. Nada contra ser o carona, mas, como autores e condutores de nossas maneiras de viver a vida, precisamos tomar a direção de nosso percurso.

Os depoimentos colhidos nos questionários aplicados são demasiadamente valorosos, pois eles não apenas retratam o modo como os participantes percebem o espaço/tempo que lhes abraçam mas também dizem para nós quem são os nossos alunos. Eles não são ficção de uma realidade distante, não são aqueles que algumas vezes aparecem em alvissareiras e – mentirosas – estatísticas oficiais; São pessoas concretas com dificuldades reais, com objetivos e problemas que nos interpelam.

5.3.2 A filosofia para além da sala de aula: o estudante e a segunda impressão acerca da filosofia

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