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Pretextos que abraçam textos e contextos: olhando o falante e o seu lugar

➢ Qual será, a partir do contato com a filosofia, a possibilidade de ressignificação da narrativa anterior? Isso seria possível tratando-se de estudantes de uma disciplina de filosofia na educação básica de uma escola pública do interior do estado?

São essas as indagações que sustentaram e sustentam nosso objeto de pesquisa, pois pensamos que as questões presentes na verificação do conhecimento filosófico podem estar interligadas com a formação dos sujeitos no âmbito escolar. Em acordo com o pensamento de Gamboa (2013, p. 131): “[...] é preciso aprender a pesquisar. Isto é, a utilizar a lógica que dinamiza a relação entre perguntas e respostas”.

Nossa abordagem repousa nas amostras dos sujeitos participantes de nossa pesquisa, ponto abordado no próximo capítulo. Pensamos que a pesquisa de campo pode auxiliar na dinâmica hermenêutica do nosso estudo, o qual envolve perguntas da vida e possibilidades não só de respostas sobre o modo de viver mas também de um perceber-se diante destas respostas.

de gostos, de opiniões, de juízos que se referem a convenções e a códigos recebidos [...], é enunciar maneiras de agir que remetem a atitudes morais e ideológicas” (DELORY- MOMBERGER, 2014, p. 261).

Pensamos que reconhecer quem fala está ligado a uma vertente qualitativa, encontrada nas observações das perspectivas sobre o outro: é, quem sabe, poder revelar a ideia central dos/as autores/as e a ênfase evolutiva do sujeito durante o seu desenvolvimento dentro da pesquisa, tanto em seu dizer a vida quanto em seu modo de viver a vida encontrado no texto;

por fim, os aprofundamentos sobre quem fala reflete uma construção subjetiva, referente às experiências de vida daqueles que falam sua própria palavra, ou seja, dos/as estudantes. No dizer de Cunha (1994, p. 59), a percepção do discurso “trabalha com a linguagem no intuito de desvendar o significado que ela tem para o sujeito. Neste sentido, o estudo da linguagem não pode estar separado da sociedade que o produz”.

Por certo, os discursos estão sugestivamente alinhados a um meio e/ou a um objetivo pela simples expressão histórica do contexto social inserido, pelo entretenimento e perspicácia linguística ou pela autonomia desveladora e manipulação. O lugar de fala de quem está com a palavra tem uma característica interessante: a de interpretar e compreender o lugar do sujeito e de seus efeitos no modo de viver no mundo, pois “essas são algumas das variáveis que se tem de levar em conta, quando se pretende compreender o lugar do sujeito do discurso e dos efeitos discursivos da sua práxis” (CAVALCANTE et al., 2009, p. 49).

Nesse aspecto, somos hermenêuticos na atenção da interpretação e compreensão do outro sobre o contexto de seu modo de viver no mundo. A valer, deve-se ter cautela, pois adentrar a realidade do outro é configurar a nossa ação interpretativa de modo a respeitar as fenomenologias sociais presentes nas particularidades de cada sujeito.

Gamboa escreve que (2013, p. 74):

O enfoque histórico-hermenêutico, mais utilizado nas ciências humanas e sociais, concebe o real como fenômenos ‘contextualizados’; preocupa-se com a capacidade humana de produzir símbolos para comunicar significados; por isto, o processo cognitivo se realiza por meio de métodos interpretativos. Os fenômenos não são isolados ou analisados, são compreendidos por meio de um processo de recuperação de contextos e significados.

Esses contextos e significados podem ser compreendidos como um modo de agir de alguém em algum lugar. Nosso modo de viver corresponde às experiências históricas que estão configuradas em nosso falar, em nosso lugar e em nosso ser/estar no mundo. Partindo de uma

premissa na qual nenhum discurso é neutro e, portanto, toda fala é ideológica, é relevante destacar que um enunciado decorre das relações de um convívio social, uma vez que “toda e qualquer enunciação é resultado das relações sociais que o sujeito estabelece” (CAVALCANTE ET al., 2009, p. 53). Nesse sentido, a configuração de nosso falar no mundo dispõe de contextos históricos e conceituais que sugerem juízos aos seus significados. Importa quem fala e, sobretudo, importa “compreender o significado que o sujeito dá às suas palavras” (CUNHA, 1994, p. 59); isto é, o lugar de fala deve ser reconhecido.

Quando passamos a negar o discurso e a segregar o outro do seu lugar de fala, apresentamos apenas resquícios sobre alguém. Isso é especular o outro, é torná-lo concreto apenas a partir de interesses, suposições ou analogias. Por esse aspecto, pensamos ser urgente romper com a edificação do discurso indolente e desinteressado das biografias de vida e dos modos como vivem as pessoas no mundo.

Aos nossos olhos, esse falar petrifica o modo de viver do outro no mundo e embrutece a nossa maneira de olhá-lo. De certa maneira, agir assim é uma forma de desrespeito, de violência e de coação do outro. Por outro lado, estar aberto a perceber e a reconhecer quem fala é facilitar um descortinamento do lugar de fala do outro; é um ato de transformação e de descentramento do “eu”, afinal, o que não se transforma, fica rijo, se enrijece, torna-se duro, insensível, sem aberturas.

Em nossa pesquisa, saber quem fala (estudantes da disciplina de filosofia de uma escola pública) é procurar entender o lugar de fala (locus da pesquisa) desses indivíduos e compreender seu modo de agir no mundo frente aos problemas do cotidiano (práticas, hábitos, condutas e particularidades de ser-estar no mundo). Nesse caso, o discurso realizado no mundo reflete não uma neutralidade desse dizer, mas um falar e um lugar estabelecido. Trazendo para o contexto do nosso objeto de pesquisa, sinalizamos que o falar do estudante “[...] a partir de um lugar social, de uma perspectiva ideológica [...] veicula valores, crenças, visões de mundo que representam os lugares sociais que ocupa (CAVALCANTE et al., 2009, p. 28 e 29).

Finalmente, podemos concluir que o caminho epistemológico que configura a metodologia de nosso estudo está caracterizado pelo reconhecimento de um objeto/sujeito/estudante que tem discursividades, história e narrativa anterior e que é, acima de tudo, dinâmico, pois possui uma subjetividade que está em constante transformação histórica e discursiva. Portanto, não podemos negar, todo discurso é ideológico, toda fala expõe uma ação no mundo e constitui objetos de conhecimento, na medida em que, conforme o pensamento

foucaultiano, “trata-se de revelar as práticas discursivas em sua complexidade e em sua densidade; mostrar que falar é fazer alguma coisa [...]” (FOUCAULT, 2008a, p. 234).

À vista disso, a nossa pesquisa não é neutra, mas uma categoria fundante de uma formação discursiva que busca contribuir para uma transformação social. Nesse caso “alguns aspectos básicos a respeito do discurso precisam ser considerados. O primeiro deles é o entendimento de que a linguagem é ação” (PIZZI, 2006, p. 14). Dessa maneira, “o discurso constitui os objetos de conhecimento, os sujeitos e as formas sociais do “eu”, as relações sociais e as estruturas conceituais” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 64). O que queremos expressar é que o dizer. Seja em sala de aula, em uma pesquisa ou no filosofar a existência, o nosso enunciar no viver da vida pode implicar em uma ação transformadora do mundo. Aqui, falamos de uma mudança na ordem do discurso e da maneira de ser-estar.

A configuração social que constrói o lugar de fala de nossa pesquisa é o mesmo contexto social no qual estamos imersos. A transformação do discurso e/ou a possibilidade de ressignificação do lugar de fala determina a forma ideológica de nosso modo de ver, de falar e de viver no mundo. Segundo Volochinov (2017), a construção do discurso está vinculada à sua formação no lugar de fala, em outras palavras, pode compor experiências autocentradas no “eu”

individualista ou nas vivências descentradas do “nós” coletivo.

5 A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO E SEUS SUJEITOS: UM RECORTE REALIZADO EM UMA ESCOLA PÚBLICA DO INTERIOR DO ESTADO DE ALAGOAS

O filosofar como filosofia de vida pode/deve encaminhar novas relações dele com ele mesmo e com o mundo. De outro modo, o indivíduo passa a espantar-se no momento em que ele se debruça sobre a realidade que lhe é imposta. (LIMA; MATOS, 2018, p.

197).

Nos primórdios de nossa pesquisa, já estávamos embalados pela curiosidade que, formulada como indagação, manifestava-se da seguinte forma: qual a importância do conhecimento filosófico (isto é, ensino de filosofia) no ensino médio? Como esse conhecimento pode ser um contributo na formação e transformação do modo de viver a vida de adolescentes e jovens? Será que aquilo que aconteceu conosco, a ressignificação de nosso discurso anterior, desde o contato efetivo com o conhecimento filosófico, pode acontecer com outros modos de viver a vida? As respostas para esses questionamentos começaram a ser ensaiadas a partir de nossa participação, ainda como graduandos do curso de filosofia, no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), nas salas de aulas das escolas públicas de Maceió e no 5º período de nossa licenciatura, quando iniciamos as aulas de Estágio Supervisionado em Filosofia na Universidade Federal de Alagoas/UFAL.

Ao observar as dificuldades dos estudantes com o ensino médio e a sua pequena recepção para com um ensino de filosofia proposto como um conhecimento “sem a preocupação de fazer sentido”; percebemos que tratar de um trabalhar a filosofia desprovida daquilo que pode ser mais fundamental na educação básica – que é a construção de sentidos – ocasionaria um desleixo com a formação filosófica e colocaria essa disciplina em um discurso padrão de conteudismo, próprio da educação básica.

Assim, como em um restaurante que serve iguarias típicas de uma região, acreditamos que, tratando-se de um turista que visita o lugar e que não conhece bem a culinária do local, geralmente, só se tem aptidão por algo que é bonito aos olhos, apresentável e saboroso.

Pensando o contributo da filosofia na formação humana e filosófica dos sujeitos, que constituem o corpo social da educação básica, ponderamos a importância de um conhecimento filosófico em suas experiências teóricas e práticas, para mostrar a esses estudantes o quão vantajoso seria interpretar o mundo à sua volta e demorar-se no pensar das coisas – com vista na apreciação do conhecimento filosófico, em sua maneira de viver no dia a dia – e o quanto seríamos

apresentáveis, como pessoas autônomas e críticas, na compreensão factual das coisas e do mundo.

Em outras palavras, o que pretendemos é mostrar a esses indivíduos que dizer o mundo seria dizer de si a si mesmo, ao mesmo tempo que dizer de si seria dizer do mundo. Em tal diapasão, a filosofia apresentar-se-ia como um processo cartográfico de mão dupla: o sujeito e o mundo, o sujeito e os outros; o mundo e o sujeito, os outros e o sujeito, sempre no horizonte da construção de sentidos.

É importante lembrar que esse pensar filosófico não pode ser somente uma reprodução, mas deve disseminar no modo de vida, novos saberes, conceitos e práticas, pois, sem a tessitura de transformados modos de viver a vida, estamos apenas repetindo outras condutas ou nos silenciando. Foucault (1999) propõe, como relevante, que o pensamento seja “por si mesmo e na espessura de seu trabalho, ao mesmo tempo saber e modificação do que ele sabe, reflexão e transformação do modo de ser daquilo sobre o que ele reflete” (FOUCAULT, 1999, p. 452). Às vezes, os estudantes estão silenciosos na sala de aula porque, para eles, as coisas são enigmáticas ou banais; é como se um véu cobrisse as experiências e discursividades concretas.

Torna-se urgente, então, uma formação que estimule um olhar explorador acerca do mundo e que, especialmente, instigue o sujeito a levantar o véu sobre si mesmo.

Na formação básica do ensino médio, é cabida uma transição entre o viver indolente e uma maneira de viver perspicaz. Larrosa (2017, p. 86) observa que “o jovem está mudo porque as coisas são ilegíveis, e o planeta está mudo porque não tem nenhum narrador que o indulte e que, ao narrá-lo, lhe dê um sentido e o faça habitável”. O falar filosófico, na formação do estudante de ensino médio, repousa na importância do conhecimento enquanto um instrumento de formação e de transformação desses sujeitos no modo de oferecer sentido ao seu viver; em nossa opinião, trata-se de ressignificar a autonomia de pensamento, como já tratamos no segundo capítulo, de redefinir independente do modo de viver o mundo das experiências, e, principalmente, de atribuir novos significados para os conceitos e paradigmas que funcionam como padrões centralizadores e conservadores que escravizam crianças, adolescentes e jovens.

Vale mencionar que, nesse ponto, não tratamos de uma coletividade coerente de pensamentos, mas de divergentes concepções, cada qual com sua face histórica e discursiva.

À vista disso, precisamos pensar em um horizonte no qual ocorra o debate das ideias diferentes, os embates sobre o modo de viver a vida e as confrontações dos paradigmas.

Segundo Lima (2010, p. 66), é relevante uma ruptura com o senso comum paradigmático, “[...]

propiciando a abertura ao debate, à crítica, à manifestação da contradição no âmbito da relação

entre o público e o privado, naquilo que é urgente para a construção da cidadania”. Entendemos que o estudante de filosofia no ensino médio pode ser capaz de ter uma experiência particular com o conhecimento filosófico, através de sua maneira única de viver, procurando de forma crítica, sair do senso comum e adentrar um novo posicionamento, descentrado de uma posição conservadora e enrijecido do modo de viver contemporâneo.

O estudante pode, ele mesmo, desenvolver um pensamento independente, criar conceitos, e não mais somente reproduzir modos de ser, de dizer e de viver de outros. Para Lima (2000, p. 199): “a Filosofia é uma disciplina criadora, forja conceitos por necessidade de nos situar melhor no espaço-tempo”. Acreditamos que, quanto mais cedo os estudantes da educação básica tiverem contato com o conhecimento filosófico, mais cedo será o processo de fundamentação de seu discurso, seja sobre os valores morais e éticos, seja sobre a interpretação crítica do mundo ou mesmo sobre a formação autônoma do pensamento. Tudo isso pode contribuir na formação e na transformação do modo de viver e no desvelamento autêntico da vida em que estão inseridos, assim como veremos nos textos e nos dizeres dos sujeitos a seguir.

5.1 O ensino de filosofia no ensino médio: suas aguilhoadas e provocações no viver da vida

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