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CRISTIANISMO: AS DEFICIÊNCIAS CAUSADAS PELOS CASTIGOS RELIGIOSOS

Sêneca [...] indica que os recém-nascidos com deformidades físicas eram mortos por afogamento. O grande pensador e filosofo romano não analisa, em seus comentários, a validade da lei em si mesma. Analisa apenas a necessidade de, em nossas vidas, fazermos tudo, mesmo as coisas desagradáveis e chocantes, sem ira, sem ódio.

O autor do pensamento citado demonstra a necessidade de selecionar não somente pela lei, mas através da razão, os indivíduos em desacordo com o conceito de normal mantido em sua época.

2.5 CRISTIANISMO: AS DEFICIÊNCIAS CAUSADAS PELOS CASTIGOS

Assim nos relata Silva42:

Alguns desses imperadores, preocupados em manter uma certa imagem de clemência e de humanidade, resolveram mudar de tática: os juizes passaram a receber ordens para não mais condenar os cristãos à tortura e à morte. [...] Ordenou-se que a partir de então vazassem nossos olhos e aleijassem uma de nossas pernas. Esta foi a humanidade e esse lhes pareceu um gênero brando de suplício.

Como podemos verificar no parágrafo anterior a exclusão em tal período teve início contra aqueles que possuíam crença distinta da romana culminando assim nas várias penas mutiladoras, tornando vários cristãos deficientes, que subsequentemente eram excluídos e condenados a pagar por sua crença trabalhando em minas, assim como ser atormentados até seus últimos dias.

Tais minas eram compostas por estes cegos e coxos que tinha como consolo a solidariedade de alguns, os quais autorizavam a reunião dos deficientes para juntos fazerem suas orações.

Segundo Silva43:

Por vezes os algozes desses muitos cristãos que estavam condenados à minas [...] permitiam que se reunissem para orar. [...] Depois, todavia, dependendo sempre dos tipos de homens encarregados de sua vigilância, bem como da produção das diversas minas, começou a ocorrer a dispersão violenta, sua transferência de mina para mina e finalmente a decapitação dos condenados enfermos e menos produtivos, incluindo sempre os portadores de deficiências sérias e limitadoras da capacidade de trabalho.

Tais reuniões à época originaram o que conhecemos hoje como igreja.

42 SILVA, Otto Marques. A Epopéia Ignorada: A pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS, 1986. p. 156.

43 SILVA, Otto Marques. A Epopéia Ignorada: A pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS, 1986. p. 156.

2.5.1 Cristianismo: o Início da Tolerância à Deficiência

Já com o Cristianismo consolidado iniciou-se a mudança da mentalidade sobre a deficiência física.

Ensina-nos Silva44:

O cristianismo foi muito relevante [...] pois condenava abertamente muito do que o sistema vigente aprovava, como a libertinagem das pessoas solteiras, a perversão do casamento, a morte de crianças não desejadas pelos pais devido a deformações.

Ressalta-se o fato de tais alterações começarem com o imperador Constantino em 315 d.C, taxando aqueles que matavam seus filhos de parricidas.

Afirma Silva45:

[...] em 315, editou uma lei que bem demonstrava a influencia dos princípios defendidos pelos cristãos de respeito à vida. [...] Exigiu que essa nova lei fosse publicada em todas as cidades da Itália e da Grécia, e que fosse em todas as partes gravadas em bronze para, dessa forma, tornar-se eterna.

Entretanto não foram estes atos que mudaram por completo a mentalidade para com os deficientes, como exemplo, a própria Igreja e seu sistema restringiam a ascensão hierárquica de pessoas deficientes.

Relata Silva46:

[...] o cânone vigésimo segundo declara como “irregulares” os casos de sacerdotes que se auto-mutilavam, porque “eles são homicidas de si mesmos”. [...] Para casos de sacerdotes que tomavam essas medidas, o cânone vigésimo terceiro castiga com sua deposição, seu afastamento das funções sacerdotais.

44 SILVA, Otto Marques. A Epopéia Ignorada: A pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS, 1986. p. 160.

45 SILVA, Otto Marques. A Epopéia Ignorada: A pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS, 1986. p. 160.

46 SILVA, Otto Marques. A Epopéia Ignorada: A pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS, 1986. p. 166-167.

Em contrapartida o propósito de tal restrição, e até o banimento destes homens tem o entendimento benéfico por parte da Igreja, servindo como exemplo a futuros pecadores que também viam na “automutilação” - inclusive de órgãos sexuais - o perdão divino.

Seguindo, nos conta Silva47:

Gelásio I, papa que reinou de 492 a 496, reafirmou a mesma orientação de Hilário e do concilio de Roma contra aceitação de sacerdotes com deficiência, ao afirmar em sua carta ao bispo de Lucânia que candidatos ao sacerdócio não poderiam ser nem analfabetos nem “ter alguma parte do seu corpo incompleta”.

Dentre as personalidades marcantes na época em questão, cita-se a de um bispo cuja deficiência fora atribuída à vontade divina, tendo em vista tal fato assim narrado.

Conta-nos Silva48:

[...] havia um bispo chamado Papas, cujo temperamento, arrogância e orgulho haviam causados sérios problemas ao clero a ele subordinado.

[...] Procurando descobrir a causa do ódio com que Papas agia para com seus sacerdotes, Miles perguntou se ele afinal considerava-se um Deus.

No calor das discussões Papas respondeu muito irritado: “Insensato! Tu queres me ensinar coisas como se eu não as conhecesse?” Tomando o livro dos Evangelhos que trazia consigo, Miles colocou-o sobre a mesa dos debates e lhe disse: “Se menosprezas aprender coisas de minha parte, por eu ser um mortal, não desdenhe aprendê-las do Evangelho do senhor que aqui está.” Papas não conseguiu conter-se mais, pois tomou o livro entre as mãos e olhando ferozmente gritou : “Fala, Evangelho,fala!”

Miles, assustado e ao mesmo tempo chocado com aquela atitude questionadora, tirou-lhe o Evangelho das mãos [...]. Em seguida [...]

disse ao bispo irreverente: “Já que em teu orgulho ousaste falar dessa maneira contra as palavras de vida do Senhor, eis que seu anjo está pronto para secar metade de teu corpo para inspirar o terror a todos. [...]

47 SILVA, Otto Marques. A Epopéia Ignorada: A pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS, 1986. p. 167.

48 SILVA, Otto Marques. A Epopéia Ignorada: A pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS, 1986. p. 160-161.

No mesmo instante Papas sentiu a metade de seu corpo sem movimento e sem vida.

Conforme o fato descrito a arrogância de papas combinada com a desobediência a um ser supremo, culminaram no castigo da vontade divina, servindo como exemplo a não ser seguido.