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DISCUSSÃO ÉTICA E MORAL DA EUTANÁSIA

Os assuntos ligados à moral e, por conseguinte, ao comportamento ético do profissional médico, são estudados pela ética biomédica, que teve seu primeiro impulso a partir de um movimento que buscou conciliar os interesses da medicina com os interesses éticos e, ao mesmo tempo, humanísticos.

Procura-se, então, com uma visão crítica, examinar os princípios gerais éticos e a maneira como esses princípios poderão se incorporar ao dia a dia da atividade médica.

Os temas ligados à ética médica têm alcançado ainda maior repercussão à medida em que avançam os recursos técnicos e científicos da medicina com o propósito de alcançar a cura ou prolongar a vida do paciente, motivando acalorados questionamentos quanto aos aspectos econômicos, éticos e legais relativos à aplicação desses novos métodos e tecnologia, levando em conta os princípios, às vezes antagônicos, para manter a vida ou aliviar o sofrimento.

Assim, em razão desse avanço da medicina, a morte vem ganhando contornos éticos diferentes de outros tempos, alcançando o espaço de discussão do que poderia representar uma morte digna, havendo discussão antes inexistente sobre o direito da família decidir sobre o destino de seus entes queridos acometidos de doenças incuráveis, quando existente inconteste sofrimento físico e ausente esperança de cura116.

Sobre o tema, colhe-se o ensinamento de Pessini:

Ninguém nega e, menos ainda, rejeita que os progressos da higiene e da medicina marcam nosso tempo de modo determinante. De modo geral, a qualidade de vida e seu prolongamento espetacular nos países, por exemplo, aproximadamente uma entre duas meninas que hoje nascem será centenária117.

Ainda, do mesmo autor:

A discussão a respeito do papel da tecnologia no fim da vida apresenta-se como uma faca de dois gumes. De um lado, não podemos ignorar que muitas vidas continuam, recuperam seu potencial vital, sendo restituídas à saúde, mas, por outro lado,

116 PESSINI, Léo. Eutanásia. Por que abreviar a vida, p. 85.

117 PESSINI, Léo. Eutanásia. Por que abreviar a vida, p. 85.

surgem sérios problemas ético no sentido de manipular a dignidade da pessoa humana na fase final de vida118.

Continuando o citado autor expressa que:

Em meio a uma situação de possibilidades infinitamente maiores de manipulação da vida em seu acaso, ganha cada vez mais força reivindicativa o clamor pelo resgate da dignidade humana no fim da vida119.

Considerando a legislação brasileira, além das responsabilidades civil e penal decorrentes da prática da eutanásia pelo médico, existia, ainda, a sanção de natureza administrativa, que seria aplicada Conselho de Ética Médica do respectivo Conselho.

Todavia, a partir da aprovação, por unanimidade, pelo Conselho Federal de Medicina, da Resolução n. 1.805/06, que passou a permitir aos médicos, nos temos expostos pela referida resolução, a interrupção de tratamentos que prolongam a vida de pacientes terminais sem chances de cura, outro passou a ser o entendimento, sob o ponto de vista disciplinar, da atuação médica120.

Sobre os objetivos dessa resolução, explica Eduardo Luiz Santos Cabette:

O Conselho Federal de Medicina tem procurado deixar claro que não está convalidando a prática da eutanásia, mas sim da ortotanásia, de modo a apenas antecipar uma morte inevitável, sem nem mesmo causá-la por ação ou omissão. Ademais, a decisão sobre a adoção do procedimento não é arbitrariamente conferida ao profissional da medicina. As responsabilidades pela decisão são compartilhadas entre o médico e o doente ou seus representantes legais121.

Esse posicionamento do órgão da classe médica brasileira segue a linha de entendimento adotado internacionalmente. Nesse sentido, esclarece Cabette:

118 PESSINI, Léo. Eutanásia. Por que abreviar a vida, p. 87.

119 PESSINI, Léo. Eutanásia. Por que abreviar a vida, p. 89.

120 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e Ortotanásia, p. 35.

121 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e Ortotanásia, p. 35.

Ademais, frise-se que o posicionamento do Conselho Federal de Medicina brasileiro não é pioneiro em termos internacionais. Já em 1986 a American Medical Association assentou que é eticamente correto para o médico deliberar pela retirada dos sistemas de prolongamento artificial da vida, incluindo alimentação e água, em casos de enfermos terminais que estão perecendo e também daquelas pessoas que podem permanecer em como prolongado122. Esse novo estudo ético acerca do comportamento do profissional médico, assim como dos familiares, nos casos de enfermidades sem possibilidades de cura encontra na bioética um campo apropriado.

Etimologicamente falando, é sabido que bio significa vida;

ética o mesmo que ethos, que quer dizer modo de ser. Assim, na forma contemporânea, pode-se afirmar ainda que bioética é o ato correto de lidar com a vida, ou que deveria ser o correto, podendo, ainda, ter o entendimento das relações do homem com a vida, sob o enfoque das escolhas boas e más, do ponto de vista ético, conforme descrito anteriormente: a reflexão ética do "bem" e "mal", do "justo" e do "injusto".

Segundo Maria Helena Diniz:

A bioética seria, em sentido amplo, uma resposta da ética às novas situações oriundas da ciência no âmbito da saúde, ocupando-se não só dos problemas éticos, provocados pelas tecnociências biomédicas, e alusivas ao início e fim da vida humana, às pesquisas em seres humanos, às formas de eutanásia, à distância, às técnicas de engenharia genética, às terapias gênicas, aos métodos de reprodução humana assistida, à eugenia, à eleição do sexo do futuro descendente a ser concebido, à clonagem de seres humanos, à mudança de sexo em caso de transexualidade, à esterilização compulsória de deficientes físicos ou mentais, à utilização da tecnologia do DNA recombinante, às práticas laboratoriais de manipulação de agentes patogênicos etc [...]123.

Ainda sobre o tema relacionado à necessidade de se manter de forma artificial a vida humana, quando a ciência médica afirma extreme de dúvidas que a vida não mais é recuperável, extrai-se dos ensinamentos de Pessini, citando Haring, expressa:

122 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e Ortotanásia, p. 36-37.

123 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito, p. 10.

[…] se uma pessoa perdeu irrevogavelmente a consciência e inexistem esperanças de que a recupere, a história da liberdade chegou ao fim para essa pessoa, nesta terra... Uma coisa é cuidar da vida e prolongá-la, outra é prolongar apenas o processo inelutável da morte, depois que o médico soube claramente ser inútil qualquer tratamento. É lamentável que, em hospitais modernos perfeitamente equipados, as pessoas sejam manipuladas com toda a maquinaria e ativismo, cujo fim não é o de curar, mas somente prolongar um estado clínico sem futuro. A reanimação é boa prática clínica, quando subsiste a esperança razoável de restituir, de qualquer forma, a saúde ao paciente. No caso, porém, de existir a previsão de que serão reativados apenas os centros vegetativos do cérebro, ao passo que o córtex cerebral não poderá ser reanimado, o processo nada mais será do que manipulação das funções biológicas, visto que a pessoa chegou irrevogavelmente ao termo de sua história. A reanimação é meio excepcional de tratamento e não deve ser utilizada na falta razoável de esperança de restituir a pessoa ao estado consciente e à atividade mental normal (HARING, 1884, P.

125-126)124.

E adiante, citando Lepargneur:

[...] enquanto houver esperança de devolvermos a vida normal a uma pessoa que perdeu a consciência, façamos todos os esforços para reanimá-la. Esse é o papel dos médicos e eles têm o direito e o dever de cumpri-lo. No entanto, se a consciência está irremediavelmente perdida, e se a pessoa é dada como clinicamente morta, o caso precisa ser tratado diferentemente. [...] Quando comprovadamente inexistir vida cerebral, pode-se e deve-se desligar o aparelho que mantém uma pessoa em estado vegetativo (LEPARGNEUR, p. 157). 125

Portanto, ainda que seja compreensível, do ponto de vista humanístico e em especial tendo em conta a proximidade dos entes queridos com o enfermo, que exista uma "busca insana" pela cura a qualquer custo, esquecendo-se, em certos casos, que o mais relevante seria cuidar, ou seja, dar ao doente a necessária assistência, meios para aliviar sua dor física e psíquica, propiciando-lhe cuidados paliativos para o seu bem estar126.

Poderia se admitir, então, sem ofensa à ética ou à moral, a suspensão ou a não iniciação de tratamentos que não trouxessem nenhum benefício

124 PESSINI, Léo. Eutanásia. Por que abreviar a vida, p. 85-88.

125 PESSINI, Léo. Eutanásia. Por que abreviar a vida, p. 87.

126 PESSINI, Léo. Eutanásia. Por que abreviar a vida, p. 88.

ao doente terminal, prorrogando, apenas, o seu sofrimento, ainda que ocasionasse o seu falecimento.

Desse modo, por mais variável que seja a posição ética do tema eutanásia, é possível perceber que a aceitabilidade dessa conduta passa necessariamente pela inclusão do conceito dignidade humana a fim de evitar um sofrimento desproporcional do paciente.