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A TIPICIDADE DO CRIME DE HOMICÍDIONA CONDUTA MÉDICA NA

no momento de sua morte, propiciando-lhe, ou aos seus entes queridos, dentro de critérios estabelecidos por lei, condições de decidir sobre a continuidade da vida, quando vida mesmo já se sabe não mais existirá.

3.2 A TIPICIDADE DO CRIME DE HOMICÍDIO NA CONDUTA MÉDICA NA

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

De outra banda, a Lei Penal igualmente incrimina a conduta de quem cria em outrem ou fomenta a idéia de suicídio, prestando auxílio efetivo para o resultado, disciplinando no art. 122 do Código Penal:

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça. Pena –Reclusão de dois a seis anos, se o suicídio se consuma, ou reclusão de três anos, se da tentativa de suicídio lesão corporal de natureza grave.

No entanto, estando presentes as condições previstas no parágrafo 1º do art. 121 do Código Penal, a eutanásia poderá, eventualmente, ser enquadrada como um homicídio privilegiado por representar relevante valor moral, recebendo, portanto uma causa especial de diminuição de pena de um sexto e um terço, na forma do par. 4º do art. 121, que assim prescreve:

Art. 121. […]

§ 4º. Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Nota-se que a previsão legal do homicídio privilegiado não prevê exatamente quem seja o sujeito ativo da ação delituosa (não se trata de homicídio próprio), razão por que se conclui que não apenas o médico, mas qualquer um, desde que agindo sob motivo de relevante valor moral, no caso, para interromper intenso sofrimento do doente terminal, a pedido deste ou da família,

poderá, em tese, segundo a legislação vigente, ter sua conduta enquadrada como homicídio privilegiado157.

Assim, o suicídio assistido é resultado da intenção e ação do próprio enfermo, que poderá ser orientado, auxiliado material ou moralmente ou apenas observado por terceiro, médico ou não.

Portanto, e porque em nossa legislação não há previsão expressa, haja vista não ter vingado a proposta prevista Anteprojeto do Código de 1984, a hipótese do abrandamento da pena ficará a cargo do reconhecimento pelo Júri Popular, e em decorrência de evolução da doutrina e da jurisprudência.

Colhe-se da exposição de motivos do Anteprojeto do Código Penal de 1987:

O motivo que, em si mesmo, é aprovado pela moral prática como, por exemplo, a compaixão ante irremediável sofrimento da vítima (caso do homicídio eutanásico).

Ainda que a legislação penal não preveja o suicídio como crime, é tradição da lei penal brasileira classificar a eutanásia como crime de terceiros, seja pela indução ou instigação ao suicídio, na forma do art. 122 do Código Penal, delito material, ou seja, que se consuma com o resultado morte ou lesão corporal do sujeito passivo (exigindo exame de corpo de delito – art. 158 do CPP), não admitindo tentativa ou forma culposa158.

Apura-se da doutrina que ocorreram inexitosas tentativas de se abrandar a punição ou excluir da legislação penal a ilicitude da eutanásia. É sabido, ainda, que o ordenamento jurídico atual não agasalha a hipótese do direito de morrer, sendo permitido o uso de violência para impedir o suicídio, na forma do par.

3º, art. 146 do CP.

Como já dito, nossos legisladores já propuseram a admissibilidade da eutanásia passiva dentro do ordenamento jurídico penal

157 SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito de morrer: eutanásia, suicídio assistido, p. 128-129.

158 SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito de morrer: eutanásia, suicídio assistido, p. 134-135.

brasileiro, acolhendo a hipótese da excludente de antijuridicidade do estado de necessidade, na forma hoje prevista pelo art. 23, I, da Lei Penal Substantiva.

Tal excludente foi admitida como possibilidade de alegação defensiva, nos casos de eutanásia passiva ou ortotanásia, pelo Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal de 1984, que assim previa na redação do artigo 121, §4º do mencionado diploma:

Art. 121. [...]

§ 4º. Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do doente ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, conjugue ou irmão.

Por outro lado, o mesmo Anteprojeto de 1984 previa no par. 3º do art. 121, no que toca à eutanásia ativa, um tipo penal com pena de 2 a 5 de reclusão, portanto, inferior ao do homicídio simples, desde que o agente fosse cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e, ainda, que tivesse agido por compaixão a pedido da vítima, sendo esta maior e imputável, tudo havendo doença grave em estágio terminal devidamente atestada, experimentando a vítima imenso sofrimento físico.

Houve também o empenho da Comissão de Juristas que atuou na formulação de proposta de modificação do Código Penal, apresentando texto em 1993 que incluiu a previsão da eutanásia no art. 121 e, ainda, acrescentou nota explicativa classificando a eutanásia passiva e a ortotanásia159.

Assim previu o texto referido, criando o parágrafo 6º ao art.

121, com o seguinte teor:

Art. 121. […]

159 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e Ortotanásia, p. 45.

§ 6º Não constitui crime a conduta de médico que omite ou interrompe terapia que mantém artificialmente a vida de pessoa, vítima de enfermidade grave e que, de acordo com o conhecimento médico atual, perdeu irremediavelmente a consciência ou nunca chegará a adquiri-la. A omissão ou interrupção da terapia devem ser precedidas de atestação, por dois médicos, da iminência e inevitabilidade da morte, do consentimento expresso do cônjuge, do companheiro em união estável, ou na falta, sucessivamente do ascendente do descendente ou do irmão e de autorização judicial.

Presume-se concedida a autorização, sem feita imediata conclusão dos autos ao juiz, com as condições exigidas, o pedido não for por ele despachado no prazo de três dias.

Caminhando mais à frente no histórico legislativo acerca do tema principal deste trabalho, qual seja, da necessidade de se distinguir e de haver tratamento diferenciado, sob o ponto de vista jurídico penal, entre a atuação homicida típica prevista na lei penal e a eutanásia, destaca-se o estudo da Comissão de Juristas criada pelo Ministério da Justiça, através da Portaria n. 1.265, de 16.12.1997, abordou com ainda maior especificidade o tema da eutanásia, em especial prevendo a questão da ortotanásia160.

Nesse recente estudo, há clara separação entre a figura típica do homicídio e a eutanásia, que encontra previsão no art. 121, parágrafo 3º, como homicídio privilegiado, cujo nome jurídico é “eutanásia”. A pena para esse tipo penal abrandado, segundo o Anteprojeto, de 3 a 6 anos de reclusão, é efetivamente menor do que o tipo penal normal de homicídio (este, de 6 a 20 anos). Já no que diz respeito à ortotanásia, o estudo prevê de forma expressa como causa de exclusão de ilicitude no parágrafo 4º, do art. 121, do já mencionado Anteprojeto.

Tal documento de proposta fez constar a seguinte redação ao parágrafo 3º do art. 121:

Art. 121. […]

§ 3º Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave: Pena – Reclusão de três a seis anos.

160 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e Ortotanásia, p. 45.

Já o parágrafo 4º foi redigido com a seguinte proposta legislativa:

Art. 121. […]

§ 4º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.

Observa-se que nos termos previstos na proposta, o parágrafo 3º é suficientemente claro ao prever tão somente a hipótese do sofrimento físico como causa objetiva autorizadora do enquadramento legal benevolente, afastando- se, por isso, a hipótese de sofrimento psíquico de caráter insuportável, situação que por certo deve ser diagnosticada por profissional médico. Por fim, no que se refere à expressa autorização da eutanásia no parágrafo 4º, nota-se que não há previsão de preleção, ou seja, de ordem de manifestação daqueles que, no lugar do enfermo, porque impossibilitado de se manifestar, deverão apor sua autorização.

Ainda no campo legislativo, destaca-se a existência de Lei no Estado de São Paulo (art. 2º, XXIII, Lei n. 10.241, de 1999), que possibilita aos usuários dos serviços de saúde recusar tratamento doloroso ou extravagante com o fim de prorrogar a vida do paciente.

Art. 2º - São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo:

XXIII - recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida;

Definida a tipificação da conduta do homicídio, e os avanços que se tem tentado no campo legislativo, conclui-se ser viva a corrente que defende uma nova roupagem ao tema eutanásia, no que diz respeito à responsabilidade penal, prova disso foram e são as seguidas tentativas, no campo do direito pátrio, de se aceitar, ou ao menos diferenciar, a eutanásia em relação ao crime comum de homicídio.

Essa tendência, vista no campo legislativo, ao menos das propostas de alterações do Código Penal, reflete, por óbvio, uma tendência igualmente verificada no imaginário social, pois é sabido também que desse campo, ou seja, dos sentimentos e anseios da sociedade, provém os fundamentos para a alteração das leis que regulam o convívio social.

Igual movimento experimentam e já experimentaram outros países, ditos com sociedades mais contemporâneas, introduzindo em seus sistemas legais a possibilidade da eutanásia, ou, ao menos, amenizando o rigor das punições, diferenciando a tipificação da conduta daquela de homicídio. São exemplos desse movimento, entre outros, Portugal, Alemanha, Áustria, sendo conveniente mencionar também o muito ousado anteprojeto do Código Penal do Equador161.

É sabido por todos o valor dado à vida humana, bem jurídico cujo domínio transcende os limites da individualidade, fazendo vigir, então, o princípio da indisponibilidade da vida, é dizer, não compete ao indivíduo, isoladamente, a decisão por manter ou não a vida, seja de outrem, seja de si próprio.

Todavia, tal situação tem se modificado, como se modificam com freqüência os fenômenos sociais. No mundo atual observa-se o nascimento de uma nova concepção, que enxerga o bem jurídico vida de uma maneira um pouco diferente, sem que tal represente, ao menos é o que se indica, um retrocesso a um mundo menos humano ou sensível.

Assim, e tendo em conta o que já foi dito, quanto à existência de tentativas de modificação do sistema legal penal relativo à responsabilidade médica na eutanásia, a modificação trilha o caminho de se reconhecer a liberdade de disposição, pelo próprio indivíduo, do bem jurídico vida, tendo em conta a situação de indignidade que se encontra quando a doença incurável transforma os seus derradeiros momentos de existência em momentos de profundo desgosto e sofrimento.

161 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Eutanásia e Ortotanásia, p. 37-38.

3.3 UMA PROPOSTA DE NOVA DEFINIÇÃO JURÍDICO PENAL DA EUTANÁSIA Como visto no tópico anterior, é nítida a tendência legislativa no sentido de admitir a hipótese da eutanásia, ou de minorar a sanção Estatal tendo em conta a especificação da conduta, pois não se está diante de uma ação que coloca fim à vida humana de forma injustificada. Evidentemente, há que se estabelecer uma forma diferenciada de tratamento, em respeito à dignidade humana no ponto de vista da dignidade do direito de morrer.

O homem, ser racional e que domina o habitat humano, deve ter a autonomia de decidir os seus destinos em todos os momentos, inclusive naqueles mais dolorosos, onde aguarda sua morte já iminente, devendo, por isso, aguardá-la de maneira digna.

O que o direito em geral protege, seja no campo interno, seja no externo (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, art. 6º, e Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San Jose -, art. 4º) quer enfatizar que o direito à vida é inerente à pessoa humana, e não pode ser retirado de forma arbitrária.

No entanto, seja na ortotanásia, seja na eutanásia indireta, não se pode falar de retirada arbitrária da vida, pois evidente a motivação que leva em conta a dignidade da pessoa. Nesse sentido, para que a morte não seja arbitrária, seria possível estabelecer condições ao exercício da eutanásia, como a existência de sofrimento irremediável e insuportável; que seja o paciente informado de seu estado terminal e das perspectivas do tratamento; que exista pedido expresso e voluntário do doente em estado lúcido e, ainda, a manifestação de mais de um médico especialista na doença.

Necessário, para o ponto de partida da fundamentação que defende uma nova concepção jurídico penal para a eutanásia dentro do sistema jurídico nacional, em especial no que toca à tipicidade da conduta com vistas à relevância da omissão, na forma do art. 12, parágrafo 2º, do CP, que se estabeleça uma distinção entre os conceitos de eutanásia ativa, eutanásia passiva e ortotanásia.

É certo que na eutanásia, seja ela ativa ou passiva, o resultado morte ocorre por ação ou omissão do agente, ou seja, poderia não causar ou poderia impedir o resultado. Já na ortotanásia, o agente apenas se abstém de causar sofrimento à vítima, nada podendo fazer em relação à mote. Por sua vez, a eutanásia indireta ocorre quando não há alternativas, salvo remédios para sedar o doente, e a morte ocorre pela cessação dessa medicação que não tem como finalidade a cura162.

Dessa forma, tanto na ortotanásia, como na eutanásia indireta, no que diz respeito ao resultado morte, o agente nada pode fazer, ou seja, não há como evitar a morte. Tal omissão, nessa circunstância, não tem relevância penal, pois nossa legislação penal não aceita a responsabilidade objetiva.

No aspecto da causalidade (art. 13 do CP), tendo em conta a teoria adotada por nossa legislação (conditio sine qua non), não há como se estabelecer relação de causalidade entre a conduta e o resultado nos casos de ortotanásia e eutanásia indireta, pois a supressão da omissão (ortotanásia) ou da ação (eutanásia indireta) em nada afetam o desfecho fatal da moléstia no aspecto da reprovabilidade penal163.

Ocorre que nas hipóteses da ortotanásia e da eutanásia indireta a alteração do curso causal vem em benefício do enfermo em estágio terminal, pois a ação enaltece um bem jurídico constitucionalmente relevante, qual seja, o da dignidade da pessoa humana, pois se está diante do quadro de um ser humano experimentando desnecessário sofrimento. Por isso, a conduta não pode ser penalmente relevante à medida em que é positiva ao doente terminal164.

Defendendo a hipótese de alteração legislativa para a concepção de uma diferente responsabilização penal da conduta relativa à eutanásia, colhe-se a posição do conceituado Prof. Luiz Flávio Gomes:

Na nossa opinião, a eutanásia, qualquer que seja a modalidade (incluindo-se aí a morte assistida), desde que esgotados todos os recursos terapêuticos e cercada de regramentos detalhados e

162 GOMES, Luiz Flávio. A legalização da eutanásia no Brasil, p. 40-41.

163 GOMES, Luiz Flávio. A legalização da eutanásia no Brasil, p. 40-41.

164 GOMES, Luiz Flávio. A legalização da eutanásia no Brasil, p. 40-41.

razoáveis, não pode ser concebida como um fato punível, porque não é um ato contra a dignidade humana senão, todo o contrário, em favor dela. Pensar de modo diferente levaria ao seguinte paradoxo:

quem não padece nenhum sofrimento e tenta dar cabo a sua vida (tentativa de suicídio) não é penalmente punível; seria passível de sanção o ato de pôr em prática, não arbitrariamente, o pedido de morte de quem, em condições terminais, já não suporta tanto sofrimento físico e/ou mental 165.

E continua o catedrático:

Já é hora de passar a limpo o emaranhado de hipocrisias, paradoxos, obscuridades e preconceitos que estão em torno da questão da eutanásia que, em última análise, envolve a própria liberdade humana, tão restringida pelas barbáries históricas que nada mais exprimem que a volúpia de dominar o homem para sujeitá-lo escravocratamente a crenças ilógicas e, muitas vezes, irracionais 166.

Portanto, seja pelo aspecto, seja pelo viés do princípio da dignidade da pessoa humana, seja em decorrência dos princípios pedagógicos e de normatização do convívio social, é certo que se reconheça a possibilidade de um novo e diferente enquadramento, no campo penal, da eutanásia.

Não há dúvida que outros são os tempos, e que os avanços sociais e tecnológicos permitem atualmente uma nova finalidade de vida e uma prorrogação, muitas vezes artificial e às custas de sofrimento e dor, da vida.

Assim, especialmente para esses casos em que a vida já não mais é exercida em sua plenitude, porque do contrário, ao invés do prazer, o ser humano cuja morte já se tem como certa, experimenta a dor e o sofrimento, é necessário repensar o papel do Estado na questão da prestação do bem jurídico vida e de exercício do jus puniendi. Ora, dadas as condições já referidas, não é proporcional e razoável que o profissional médico seja enquadrado como criminoso

165 GOMES, Luiz Flávio. A legalização da eutanásia no Brasil. In Revista Prática Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano I, n.º 1, 30 de abril de 2002, p. 40-41.

166 GOMES, Luiz Flávio. A legalização da eutanásia no Brasil, p. 40-41.

comum, quando, na verdade, sua intenção não e causar mal, mas sim interromper esse sofrimento desproporcional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o desenvolvimento do presente estudo foi possível constatar o quão polêmico é o tema eutanásia, em especial por representar, em razões práticas, a antecipação de um evento não desejado e até temido pelo ser humano, como é a morte. Por certo, o ser humano, de um modo geral, não está preparado e não aceita sua condição de mortal, também por isso continua resistindo à idéia de se conceber como legal, ou até abrandado do ponto de vista da pena, o ato médico da eutanásia.

Assim, apesar de não representar prática recente, a eutanásia encontrou e ainda encontra resistência para sua aceitabilidade. Ao longo do tempo, a influência exercida pelas religiões também aumentou a afirmação da indisponibilidade da vida que, dada ao homem por Deus, só poderia ser retirada por sua vontade.

Tratando-se de assunto que envolve o direito à vida, patrimônio considerado como sagrado do ser humano civilizado e que também é o primeiro e principal bem jurídico tutelado pela lei penal brasileira, muitos são os desafios a serem enfrentados para uma abordagem que pretenda levantar tal tipo de discussão, ademais sabendo-se que opiniões favoráveis e contrárias estarão sempre presentes e com paixão.

Entre as variantes relacionadas ao tema, não é possível se olvidar também da influência da moral, sobretudo da moral aplicada que representa a ética defendida por determinada sociedade, tendo em conta os valores por ela defendidos, ou seja, da ética vivida por esse grupo. É que uma nova concepção de eutanásia representa igualmente uma nova concepção de valor do direito de dispor da vida, bem supremo cuja disponibilidade é tida como absolutamente indisponível, seja qual for a circunstância.

Portanto em tal evolução de pensamento apurou-se o nascimento de uma nova ética de agir, ou seja, um outro padrão social de comportamento humano que vem ganhando espaço no mundo contemporâneo,

sobretudo nas sociedades consideradas como mais avançadas ou liberais. Essa transformação trouxe conseqüências no campo legislativo, com a edição de leis que abrandaram a pena ou até admitiram a atipicidade da conduta médica eutanásica.

O presente trabalho também propiciou o entendimento de que a referida transformação social começa a admitir a possibilidade da morte denominada como digna, porque preserva, em relação ao doente terminal que vivencia intenso sofrimento, a dignidade de morrer em paz e sem sofrer em demasia.

Essa condição é fundamentada no Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, princípio esse que serve de base ao Estado Democrático de Direito.

Desse modo, qualquer preâmbulo de fundamentação que pretenda rediscutir as conseqüências jurídicas da eutanásia passa, necessariamente, por um estudo relacionado à dignidade do ser humano, do quanto esse princípio base do ordenamento jurídico autoriza o entendimento de que também a morte sem sofrimento representa o “viver” com dignidade, ao menos até os últimos instantes em que esse “viver” é possível.

No campo do direito interno, constatou-se que o Direito Penal nacional não reconhece qualquer tipo de eutanásia, disciplinando em seus artigos 121 e 122 do Código Penal que o ato de quem de qualquer modo põe fim à vida de seu semelhante, é típico, antijurídico e culpável, merecendo por isso a sanção Estatal. No entanto, verificou-se também que incursões no campo dos projetos legislativos tem sido verificadas, no rumo da diferenciação da conduta criminosa, com abrandamento da pena, para os casos de eutanásia passiva e ortotanásia, o que significa que o direito pátrio, ao menos em fases embrionárias, tem esboçado seguir o antes falado movimento de outras sociedades mais liberais.

Verificou-se que o compromisso da ciência com a qualidade de vida do ser humano, e o evidente progresso alcançado pelos novos tratamentos encontra no agir médico, frente aos casos terminais, um amplo debate sobre quais os meios a serem empregados para prolongar a vida, e até que ponto essa prorrogação vai ao encontro dos interesses daquele que sofre esse processo: o próprio paciente e seus familiares, porquanto pode-se efetivamente questionar se esse prolongamento infirma a preservação da dignidade do ser.