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O T RABALHO DA C OMISSÃO DE D IREITOS I NTERNACIONAIS (1950-1954) PARA

3.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO INTERNACIONAL PENAL

3.3.3 O T RABALHO DA C OMISSÃO DE D IREITOS I NTERNACIONAIS (1950-1954) PARA

Conforme Bazelaire e Cretin185, o período após o fim da 2º Guerra Mundial até a efetiva implementação de uma jurisdição penal internacional, não pode ser chamado de lento, mas de um triste atraso. Isso, porque, foi preciso quase meio século para que a Resolução 260 de 9.12.1948 da Assembléia das Nações Unidas, cujo art. 6º evocava uma ―Corte Criminal Internacional‖, fosse efetivamente criada, não em razão da complexidade na elaboração de textos jurídicos, mas um reflexo da disputa global entre o socialismo e o capitalismo, durante a Guerra Fria, vez que nenhum dos blocos estava realmente propenso a promover uma justiça penal internacional capaz de lhes pedir que prestasse contas de suas próprias ações.

Não obstante, compulsando-se com acuidade esse período, verifica-se que passos importantes foram dados, mesmo que hesitantes em decorrência da Guerra Fria, em dois âmbitos, quais sejam, na codificação dos crimes internacionais e a elaboração de um projeto de estatuto para o estabelecimento de um tribunal penal internacional, que após varias modificações, culminou com a criação do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

Nessa senda, elucidando esses avanços, discorre Jankov:

Conforme a solicitação da Assembléia Geral das Nações Unidas de 21 de novembro de 1947, a Comissão de Direito Internacional (Internacional Law Commission) iniciou a formulação dos princípios reconhecidos pelo Estatuto do Tribunal de Nuremberg (Princípios de Nuremberg Nuremberg Principles, 1950), objetivando elaborar um projeto de código dos crimes contra a paz e a segurança da humanidade (Code of Crimes against the Peace and Security of Mankind).

185 BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. Tradução de: Luciana Pinto Venâncio. Barueri, 2004

Paralelamente ao trabalho da Comissão de Direitos Internacionais, a Assembléia Geral estabeleceu também um comitê, encarregado de elaborar o estatuto de um tribunal penal internacional, o qual foi submetido a aprovação em 1952. Posteriormente, um novo comitê foi criado pela Assembléia Geral com a finalidade de rever o projeto de estatuto, com base nos comentários realizados pelos Estados- Membros, relatados à Assembléia Geral em 1954.

Uma versão substancialmente modificada do Projeto de Código de 1954 foi provisoriamente aprovada pela Comissão em 1991 e enviada aos Estados Membros para análise. Entretanto, esse código não previa necessariamente uma jurisdição internacional. O tema seria tratado apenas em 1989, ano da queda do muro de Berlim.

Em meados de 1993, a Comissão preparou um projeto sob a direção do Special Rapporteur James Crawford, o qual, em 1994, teve sua versão final do Estatuto para um Tribunal Penal Internacional submetido à Assembléia Geral. (grifo da autora).186

Assim, denota-se que novamente interesses políticos prejudicaram o avanço do direito internacional penal, mas não impediram sua concretização na forma do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, entretanto, antes, dois outros tribunais penais internacionais ad hoc foram realizados, merecendo uma maior explanação.

3.3.4 Os Tribunais Penais Internacionais ad hoc para a Ex-Iugoslávia e para Ruanda

Enquanto o Projeto do Estatuto para criação de um Tribunal Penal Internacional permanente era analisado na Comissão de Direitos Internacionais, as atrocidades cometidas na antiga Iugoslávia culminaram com a criação de uma corte ad hoc, o Tribunal Penal Internacional para a Ex- Iugoslávia - TPII. Nas palavras de Bazelaire e Cretin:

O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII) é criado pela Resolução 827 do Conselho de Segurança de 25 de maio de 1993. Na realidade, essa resolução é a reação de instâncias internacionais ao que se passa há dois anos no território da ex- Iugoslávia: massacres, expulsões, deslocamentos de população visando à purificação ética, em nome da qual os nacionalistas sérvios tentam – primeiro na Croácia e depois na Bósnia-Herzegovina –

186 JANKOV, Fernanda Florentino Fernandez. Direito Internacional Penal: Mecanismo de implementação do Tribunal Penal Internacional. 2009. p. 26-27.

fazer com que partam de determinadas regiões os habitantes não- sérvios. 187

No mesmo diapasão, discorrendo sobre quais os crimes e a jurisdição do Tribunal para a Ex- Iugoslávia, aduz Jankov:

[...] define a autoridade do tribunal para processar quatro categorias de crimes, conforme princípios básicos, a saber: graves violações às Convenções de Genebra de 1949; violações às leis e costumes da guerra; crimes contra a humanidade e genocídio. A jurisdição estava limitada às violações ocorridas no território da antiga Iugoslávia a partir de 1991.188

Em outro norte, no mesmo período, em 1994, outro Tribunal ad hoc foi criado, após deliberação pelo Conselho de Segurança - CS, o Tribunal Penal Internacional para Ruanda - TPIR, foi encarregado de processar e julgar as graves violações aos direitos humanos cometidos naquele país e nos países vizinhos. Nas palavras de Moon Jô:

O Tribunal Internacional Criminal para Ruanda (International Criminal Tribunal for Rwanda: ICTR) foi criado pelo CS sob o Capítulo VII, pela Resolução n. 1955, de 8.11.1994, tendo-se como sede do Tribunal Arusha, na Tanzânia. Esse Tribunal foi criado para processar os indivíduos responsáveis pelo genocídio e outras violações sérias do direito internacional humanitário cometidos no território de Ruanda e nos Estados vizinhos, entre 1º.1.1994 e 31.12.1994. (grifo do autor).189

Ainda, esclarecendo as áreas de competência do TPIR, Bazelaire e Cretin falam:

As três áreas de competência material do TPIR são o genocídio (art.

2°), os crimes contra a humanidade (art. 3º) e as violações do art. 3º comum às convenções de Genebra de 1949 e ao protocolo adicional (art. 4º). De resto, o Estatuto do TPIR é muito próximo do Estatuto do TPII.190

187 BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. Tradução de: Luciana Pinto Venâncio. Barueri, 2004. p. 51.

188 JANKOV, Fernanda Florentino Fernandez. Direito Internacional Penal: Mecanismo de implementação do Tribunal Penal Internacional. 2009. p. 28.

189 MOON JO, Hee. Introdução ao Direito internacional. 2004. p. 378.

190 BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. Tradução de: Luciana Pinto Venâncio. Barueri, 2004. p. 59.

Por fim, é impreterível trazer o ensinamento de Moon Jô, quando fala sobre a grande contribuição que tiveram esses Tribunais ad hoc, todavia, criticando a forma de sua criação, a saber:

O funcionamento do Tribunal ad hoc para julgamento dos crimes dos indivíduos contra a manutenção da paz internacional é um avanço da sociedade internacional. Entretanto, o fundamento da criação, ou seja, a criação pelo CS com base no Capítulo VII, não nos convence facilmente. Isso porque, em primeiro lugar, nesse sistema legal internacional descentralizado, o estabelecimento de qualquer jurisdição internacional requer em geral, o consentimento dos Estados envolvidos. Aliás, o Tribunal é qualificado como um órgão subsidiário ao CS. Apesar da competência geral do CS sobre qualquer assunto que verse sobre paz e segurança internacional, não nos parece estar inclusa aí a competência para a criação de um órgão judiciário, e nem para o subordinar. A AG seria o órgão competente para esse assunto. De qualquer modo, tudo isso ocorreu motivado pelos interesses políticos internacional. Considerando o resultado, é excelente, mas sob o ponto de vista legal, é muito pouco justificável. (grifo do autor).191

Assim, diante de todos esses fatos históricos, que laboriosamente se constatou a necessidade da criação de um Tribunal Penal Internacional permanente, conforme elucida José Cretella Neto192, ―a criação desses dois tribunais ad hoc, o fim da Guerra Fria e um novo consenso no seio do Conselho de Segurança são as principais razões para a aceleração e conclusão do processo de criação de um Tribunal Penal Internacional‖.

3.4 O ESTATUTO DE ROMA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Conforme foi possível constatar-se, uma lenta e árdua trajetória, composta pelas mais hediondas atrocidades cometidas pelo homem no século XX, juntamente com um esforço conjunto de grandes pensadores e uma forte opinião pública, bem como a composição de quatro tribunais ad hoc, foi necessária para finalmente se chegar à criação de um Tribunal Penal Internacional permanente.

Não obstante, o Tribunal Penal Internacional, conforme se demonstrará, difere profundamente de seus antecessores ad hoc, reconhecidos como Tribunais de Exceção, criados para exercício de jurisdição em âmbito

191 MOON JO, Hee. Introdução ao Direito internacional. 2004. p. 378.

192 CRETELLA NETO, José. Curso de Direito internacional penal. 2008. p. 47.

internacional, sendo segundo Bazelaire e Cretin193, ―a última etapa de um processo iniciado cinquenta anos mais cedo‖.

Conforme elucida Jankov194, o Tribunal Penal Internacional foi criado por intermédio do Estatuto de Roma aos 17 dias do mês de julho de 1998, tendo sido estruturado com a competência de verificar delitos previstos em seu Estatuto, porém, aplicáveis apenas após o início de seu funcionamento perante a comunidade internacional, que ocorreria com a sexagésima ratificação ao Tratado.

Nessa senda, a Conferência Diplomática de Roma aprovou o Estatuto por 120 votos a 7 votos contrários (Estados Unidos, Líbia, Israel, Iraque, China, Síria e Sudão), com 20 abstenções, tendo alcançado sua 89 ratificação em abril de 2003, sendo que o Brasil assinou o tratado em fevereiro de 2000, tendo-o ratificado pelo Decreto Legislativo n. 112, de 6 de junho de 2002, e tendo o promulgado através do Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002.195

3.4.1 Competência

Para se vislumbrar com maior acuidade as competências do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, devemos classificá-las sob as modalidades: complementar, ratione personæ, ratione temporis, e ratione materiæ.

3.4.1.1 Competência Complementar

Falando sobre o princípio da complementariedade do TPI, Accioly e Nascimento e Silva escreve:

O principal dispositivo do Estatuto, que figura no artigo 1º, é o princípio da complementariedade, nos termos do qual a jurisdição do TPI terá caráter excepcional e complementar, isto é, somente será exercida em caso de manifesta incapacidade ou falta de disposição de um sistema judiciário nacional para exercer sua jurisdição

193 BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. Tradução de: Luciana Pinto Venâncio. Barueri, 2004. p. 61.

194 JANKOV, Fernanda Florentino Fernandez. Direito Internacional Penal: Mecanismo de implementação do Tribunal Penal Internacional. 2009. p. 30-31

195 JANKOV, Fernanda Florentino Fernandez. Direito Internacional Penal: Mecanismo de implementação do Tribunal Penal Internacional. 2009. p. 30-31

primária. Ou seja, os Estados terão primazia para investigar e julgar os crimes previstos no Estatuto do Tribunal. (grifo do autor).196

Ainda, no mesmo diapasão, Moon Jô, aduz:

O Estatuto de Roma trouxe o princípio de complementariedade (principle of complementarity) para solucionar a relação entre o Tribunal e os tribunais nacionais. O preâmbulo do Estatuto afirma que os crimes de maior gravidade que afetam a comunidade internacional no seu conjunto devem ser punidos ―através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da cooperação internacional‖ (§4º), enfatizando que o exercício da jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais ―é dever de cada Estado‖ (§ 6º) e sublinhando que o Tribunal ―será complementar às jurisdições penais nacionais‖ (§ 10º). Logo, assim dito no preâmbulo que é dever do Estado exercer a jurisdição penal nacional complementada pela jurisdição penal internacional, o art. 1º reitera definitivamente a complementariedade da jurisdição do TPI à jurisdição nacional. (grifo do autor).197

Assim, conclui-se que o TPI atuará de forma complementar a jurisdição nacional, admitindo um caso para julgamento, após observância desse preceito, conforme entabula em seu art. 17, § 1, do seu Estatuto.

3.4.1.2 Competência ratione personae

Conforme esclarece Shabas198, a competência ratione personae é aquela que determina que o TPI exercerá sua jurisdição sobre pessoas físicas maiores de 18 anos, por condutas posteriores à vigência do Estatuto, sem nenhuma distinção fundada na qualidade de oficial.

Nesse certame, também fala Hee Moon Jô:

O preâmbulo do Estatuto de Roma enfatiza que ―é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais‖, e o art. 1º expressa que o Tribunal tem jurisdição ―sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional‖. [...] o Estatuto expressamente afirma que a jurisdição ratione personae recai somente sobre a

196 ACCIOLY, Hildebrando e; NASCIMENTO e SILVA, Geraldo Eulalio do. Manual de Direito Internacional Público. 2002. p. 557.

197 MOON JO, Hee. Introdução ao Direito internacional. 2004. p. 386.

198 SHABAS, William A. Princípios gerais de Direito Penal. In: CHOUKR, Fauzi Hassan; AMBOS, Kai (Org.). Tribunal Penal Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 166.

pessoa física dispondo, no seu art. 25, § 1º, que ―o Tribunal será competente para julgar as pessoas físicas‖. (grifo do autor).199

Assim, denota-se que os tipos penais previstos no Estatuto de Roma possuem como sujeito ativo pessoa física, e não o Estado, haja vista que são os indivíduos a serviço do Estado, ou mesmo aqueles responsáveis pela emanação de uma ordem, que serão responsabilizados e incorreram nos crimes lá previstos, sendo irrelevantes as imunidades ou normas de procedimentos especiais decorrentes da qualidade funcional de uma pessoa, nos termos do direito interno ou do direito internacional, já que não apresentaram óbice ao TPI de exercer sua jurisdição sobre essa pessoa, frente ao que dispõem seu art. 27, §2.200

Insta salientar, por fim, que o disposto no Estatuto sobre a responsabilidade criminal das pessoas físicas não obsta a responsabilidade do Estado, de acordo com o direito internacional, conforme disciplina o art. 25, § 4º, daquele Diploma.

3.4.1.3 Competência ratione temporis

O Tribunal Penal Internacional só pode exercer com plenitude sua capacidade jurisdicional internacional penal, a partir do momento que se caracterizou a efetivação de sua competência ratione temporis, ou seja, apenas têm atribuição para julgar os crimes cometidos após sua entra em vigor (art. 11, 1).

Nessa senda, também ficou estipulado (art. 24, 1), que nenhuma pessoa poderia ser considerada criminalmente responsável por conduta anterior à vigência do Estatuto de Roma.

Assim, para o Brasil, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, passou a vigorar em 1º de setembro de 2002, nos termos de seu art.

126.

Corroborando esse entendimento, aduz Hee Moon Jô:

199 MOON JO, Hee. Introdução ao Direito internacional. 2004. p. 382-383.

200 SHABAS, William A. Princípios gerais de Direito Penal. In: CHOUKR, Fauzi Hassan; AMBOS, Kai (Org.). Tribunal Penal Internacional. 2000, p. 166-168.

O Tribunal só tem jurisdição sobre os crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto, ou seja, a partir do dia 1º.7.2002. No entanto, se um Estado tomar parte no Estatuto após esta data, o tribunal somente poderá exercer a sua jurisdição após a entrada em vigor do Estatuto com relação a este país. Assim, no caso do Brasil, como o Estatuto foi ratificado em 14.6.2002, entrou em vigor em 1º.9.2002 e foi promulgado pelo Dec. N. 4.388, de 25.9.2002, o Tribunal somente começou a ter jurisdição sobre crimes cometidos a partir de 1ª.9.2002.201

É mister destacar, por fim, que um Estado que venha a integrar o TPI poderá optar, por um período de sete anos, iniciando da data da entrada em vigor do Estatuto no seu território, em não aceitar sua competência quanto aos crimes de guerra definidos no art. 8º, quando haja indícios de que tenha sido praticado por nacionais seus ou no seu território (art. 124).

3.4.1.4 Competência ratione materiae

Segundo Sunga202, a competência ratione materiae versa sobre quais serão os crimes nos quais o Tribunal Penal Internacional terá atribuição para atuar, sendo que o Preâmbulo e o art. 1º do Estatuto de Roma, já se reportam às expressões ―crimes de maior gravidade que afetem a comunidade internacional no seu todo‖ e ―crimes de maior gravidade com alcance internacional”.

Assim, por se tratar de matéria deveras importante para o presente estudo, bem como objetivando analisar com a mais inexorável acuidade o tema, dedicaremos o próximo item para tratar de referidos crimes.

3.4.2 Crimes em Espécie

O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional delimita quais são os crimes no qual incidirá sua competência em sua segunda parte, mais especificamente no artigo 5º, sendo formado por quatro categorias de crimes, onde são elencados os crimes mais graves e que afetam toda a Comunidade Internacional. Vejamos:

Artigo 5°

201 MOON JO, Hee. Introdução ao Direito internacional. 2004. p. 385-386.

202 SUNGA, Lyal S. A competência ratione materiæ da Corte Internacional Criminal: arts. 5 a 10 do Estatuto de Roma. In: CHOUKR, Fauzi Hassan; AMBOS, Kai (Org.). Tribunal Penal Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 192.

Crimes da Competência do Tribunal

1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes:

a) O crime de genocídio;

b) Crimes contra a humanidade;

c) Crimes de guerra;

d) O crime de agressão. 203

Nessa seara, quantos aos crimes de competência do TPI, elucida Jankov:

O Tribunal Penal Internacional tem competência para julgar quatro categorias de crimes, a saber: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e agressão, descritos como ―crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto‖. O Estatuto ainda os descreve como ―atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade‖ e ―crimes de maior gravidade com alcance internacional‖.204

Outrossim, podemos verificar que o Estatuto se dividiu em duas formas distintas: uma parte geral, que disciplina os procedimentos e as normas gerais para aplicação dos crimes; e uma parte especial, que entabula quais os crimes que serão de atribuição do TPI, além de esmiuçar, sempre em rol objetivo, quais condutas configuram os crimes previstos. Assim, faz gerar a idéia comparativa aproximada do sistema disciplinado no Código Penal Brasileiro, que é dividido em uma parte geral e outra parte especial.

Nesse certame, impreterível esclarecer esmiuçadamente quais as condutas dos crimes de atribuição do Tribunal Penal Internacional, haja vista que, como se demonstrará, são estas impassíveis de serem atingidas pelo instituto da

203 BRASIL. Decreto nº 4.388, 25 setembro 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível em:<http://www2.mre.gov.br/dai/tpi.htm>. Acesso em 24 de outubro de 2010.

204 JANKOV, Fernanda Florentino Fernandez. Direito Internacional Penal: Mecanismo de implementação do Tribunal Penal Internacional. 2009. p. 59-60.

prescrição, sendo o reflexo dessa imprescritibilidade no ordenamento jurídico brasileiro o cerne do presente estudo.

3.4.2.1 Crime de Genocídio

Conforme leciona Cretella Neto205, o termo genocídio (do grego genes = espécie, raça, tribo + latim cide = matar) foi criado pelo advogado polonês Raphael Lemkin, durante a 2ª Guerra Mundial, para descrever os crimes cometidos pelos nazistas contra determinados grupos étnicos.

Entretanto, denota-se que o genocídio é tão velho quanto à própria humanidade, sendo as normas que o proíbem bem mais recentes. Isso, porque, no correr dos séculos, o genocídio foi, quase sempre, cometido sob a direção, ou, ao menos, com a cumplicidade do Estado onde era cometido.206

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional prevê o crime de genocídio em seu art. 6º, sendo sua descrição a mais breve entre os crimes lá entabulados, a saber:

Artigo 6°

Crime de Genocídio

Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:

a) Homicídio de membros do grupo;

b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;

c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial;

d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;

205 CRETELLA NETO, José. Curso de Direito internacional penal. 2008. p. 326-330.

206 CRETELLA NETO, José. Curso de Direito internacional penal. 2008. p. 326-330.

e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.207 Analisando o crime de genocídio do TPI, Jankov208, aduz que o art. 6º do Estatuto de Roma definiu o genocídio tomando por alicerce o art. 2º da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio de 1948, sendo definido como qualquer das cinco condutas, nos termos do Estatuto, praticadas com Dolo Específico, ou seja, a vontade livre e consciente de efetuar aquele ato, objetivando destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional étnico, racial ou religioso.

Nesse diapasão, cabe trazer o ensinamento de Bazelaire e Cretin209, quando falam que o bem juridicamente tutelado, no crime de genocídio do TPI, é a proteção às classes étnicas, não apenas no que se refere à vida, mas também à sua integridade física e psicológica. Não importando para a configuração desse crime, a situação de guerra ou paz, bem como sendo irrelevante à qualidade do autor, que pode ser um governo, um responsável político, um funcionário público ou um particular agindo por conta própria.

Por fim, necessário trazer as palavras de Cretella Neto, quando discorrer sobre o cometimento do crime de genocídio normalmente pelos governantes dos Estados e o triunfo da Justiça, quando da criação do Tribunal Penal Internacional para o julgamento dos culpados:

Note-se que, freqüentemente, são os governantes que praticam o genocídio contra parcelas da população de seu próprio povo. Em regra, oferecem as costumeiras desculpas: ―soberania nacional‖,

―assuntos internos‖, ―atos de Estado‖, e pretendem continuar impunes.

A criação de tribunais penais internacionais e a adoção do princípio da jurisdição universal representam um triunfo da Justiça sobre a

207 BRASIL. Decreto nº 4.388, 25 setembro 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível em:<http://www2.mre.gov.br/dai/tpi.htm>. Acesso em 27 de outubro de 2010.

208 JANKOV, Fernanda Florentino Fernandez. Direito Internacional Penal: Mecanismo de implementação do Tribunal Penal Internacional. 2009. p. 60-61.

209 BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. Tradução de: Luciana Pinto Venâncio. Barueri, 2004. p. 69-72.