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3.4 O ESTATUTO DE ROMA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

3.4.1 C OMPETÊNCIA

Para se vislumbrar com maior acuidade as competências do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, devemos classificá-las sob as modalidades: complementar, ratione personæ, ratione temporis, e ratione materiæ.

3.4.1.1 Competência Complementar

Falando sobre o princípio da complementariedade do TPI, Accioly e Nascimento e Silva escreve:

O principal dispositivo do Estatuto, que figura no artigo 1º, é o princípio da complementariedade, nos termos do qual a jurisdição do TPI terá caráter excepcional e complementar, isto é, somente será exercida em caso de manifesta incapacidade ou falta de disposição de um sistema judiciário nacional para exercer sua jurisdição

193 BAZELAIRE, Jean-Paul; CRETIN, Thierry. A justiça penal internacional: sua evolução, seu futuro: de Nuremberg a Haia. Tradução de: Luciana Pinto Venâncio. Barueri, 2004. p. 61.

194 JANKOV, Fernanda Florentino Fernandez. Direito Internacional Penal: Mecanismo de implementação do Tribunal Penal Internacional. 2009. p. 30-31

195 JANKOV, Fernanda Florentino Fernandez. Direito Internacional Penal: Mecanismo de implementação do Tribunal Penal Internacional. 2009. p. 30-31

primária. Ou seja, os Estados terão primazia para investigar e julgar os crimes previstos no Estatuto do Tribunal. (grifo do autor).196

Ainda, no mesmo diapasão, Moon Jô, aduz:

O Estatuto de Roma trouxe o princípio de complementariedade (principle of complementarity) para solucionar a relação entre o Tribunal e os tribunais nacionais. O preâmbulo do Estatuto afirma que os crimes de maior gravidade que afetam a comunidade internacional no seu conjunto devem ser punidos ―através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da cooperação internacional‖ (§4º), enfatizando que o exercício da jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais ―é dever de cada Estado‖ (§ 6º) e sublinhando que o Tribunal ―será complementar às jurisdições penais nacionais‖ (§ 10º). Logo, assim dito no preâmbulo que é dever do Estado exercer a jurisdição penal nacional complementada pela jurisdição penal internacional, o art. 1º reitera definitivamente a complementariedade da jurisdição do TPI à jurisdição nacional. (grifo do autor).197

Assim, conclui-se que o TPI atuará de forma complementar a jurisdição nacional, admitindo um caso para julgamento, após observância desse preceito, conforme entabula em seu art. 17, § 1, do seu Estatuto.

3.4.1.2 Competência ratione personae

Conforme esclarece Shabas198, a competência ratione personae é aquela que determina que o TPI exercerá sua jurisdição sobre pessoas físicas maiores de 18 anos, por condutas posteriores à vigência do Estatuto, sem nenhuma distinção fundada na qualidade de oficial.

Nesse certame, também fala Hee Moon Jô:

O preâmbulo do Estatuto de Roma enfatiza que ―é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais‖, e o art. 1º expressa que o Tribunal tem jurisdição ―sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional‖. [...] o Estatuto expressamente afirma que a jurisdição ratione personae recai somente sobre a

196 ACCIOLY, Hildebrando e; NASCIMENTO e SILVA, Geraldo Eulalio do. Manual de Direito Internacional Público. 2002. p. 557.

197 MOON JO, Hee. Introdução ao Direito internacional. 2004. p. 386.

198 SHABAS, William A. Princípios gerais de Direito Penal. In: CHOUKR, Fauzi Hassan; AMBOS, Kai (Org.). Tribunal Penal Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 166.

pessoa física dispondo, no seu art. 25, § 1º, que ―o Tribunal será competente para julgar as pessoas físicas‖. (grifo do autor).199

Assim, denota-se que os tipos penais previstos no Estatuto de Roma possuem como sujeito ativo pessoa física, e não o Estado, haja vista que são os indivíduos a serviço do Estado, ou mesmo aqueles responsáveis pela emanação de uma ordem, que serão responsabilizados e incorreram nos crimes lá previstos, sendo irrelevantes as imunidades ou normas de procedimentos especiais decorrentes da qualidade funcional de uma pessoa, nos termos do direito interno ou do direito internacional, já que não apresentaram óbice ao TPI de exercer sua jurisdição sobre essa pessoa, frente ao que dispõem seu art. 27, §2.200

Insta salientar, por fim, que o disposto no Estatuto sobre a responsabilidade criminal das pessoas físicas não obsta a responsabilidade do Estado, de acordo com o direito internacional, conforme disciplina o art. 25, § 4º, daquele Diploma.

3.4.1.3 Competência ratione temporis

O Tribunal Penal Internacional só pode exercer com plenitude sua capacidade jurisdicional internacional penal, a partir do momento que se caracterizou a efetivação de sua competência ratione temporis, ou seja, apenas têm atribuição para julgar os crimes cometidos após sua entra em vigor (art. 11, 1).

Nessa senda, também ficou estipulado (art. 24, 1), que nenhuma pessoa poderia ser considerada criminalmente responsável por conduta anterior à vigência do Estatuto de Roma.

Assim, para o Brasil, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, passou a vigorar em 1º de setembro de 2002, nos termos de seu art.

126.

Corroborando esse entendimento, aduz Hee Moon Jô:

199 MOON JO, Hee. Introdução ao Direito internacional. 2004. p. 382-383.

200 SHABAS, William A. Princípios gerais de Direito Penal. In: CHOUKR, Fauzi Hassan; AMBOS, Kai (Org.). Tribunal Penal Internacional. 2000, p. 166-168.

O Tribunal só tem jurisdição sobre os crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto, ou seja, a partir do dia 1º.7.2002. No entanto, se um Estado tomar parte no Estatuto após esta data, o tribunal somente poderá exercer a sua jurisdição após a entrada em vigor do Estatuto com relação a este país. Assim, no caso do Brasil, como o Estatuto foi ratificado em 14.6.2002, entrou em vigor em 1º.9.2002 e foi promulgado pelo Dec. N. 4.388, de 25.9.2002, o Tribunal somente começou a ter jurisdição sobre crimes cometidos a partir de 1ª.9.2002.201

É mister destacar, por fim, que um Estado que venha a integrar o TPI poderá optar, por um período de sete anos, iniciando da data da entrada em vigor do Estatuto no seu território, em não aceitar sua competência quanto aos crimes de guerra definidos no art. 8º, quando haja indícios de que tenha sido praticado por nacionais seus ou no seu território (art. 124).

3.4.1.4 Competência ratione materiae

Segundo Sunga202, a competência ratione materiae versa sobre quais serão os crimes nos quais o Tribunal Penal Internacional terá atribuição para atuar, sendo que o Preâmbulo e o art. 1º do Estatuto de Roma, já se reportam às expressões ―crimes de maior gravidade que afetem a comunidade internacional no seu todo‖ e ―crimes de maior gravidade com alcance internacional”.

Assim, por se tratar de matéria deveras importante para o presente estudo, bem como objetivando analisar com a mais inexorável acuidade o tema, dedicaremos o próximo item para tratar de referidos crimes.