L
ICENCIAMENTOA
MBIENTAL EA
MPLIAÇÃO DAC
IDADANIA:
O CASO DAH
IDRELÉTRICADE
T
IJUCOA
LTOAle x a n dr e do N a scim e n t o Sou z a*
Pe dr o Robe r t o Ja cobi* *
Resumo
O
art igo apresent a um a refl exão sobre as prát icas sociais em t orno de um confl it o am bient al.Busca- se ident ifi car e analisar o cont ext o das confl it uosas relações ent re o m ovim ent o social e populações at ingidas, de um lado, e I BAMA ( Est ado) e CBA/ CNEC1 ( Em pr eendedor ) , do
out r o, durant e o longo pr ocesso de licenciam ent o am bient al do apr oveit am ent o de Tij uco Alt o no Est ado de São Paulo. O t ext o se apóia em pesquisas em pír ica e docum ent al e t em na noção da m udança est r ut ural da esfera pública de Haber m as sua base conceit ual da r efl exão. A hipót ese do est udo é que a dem ocrat ização t raz à cena novos at or es sociais por t ador es de novas dem andas, e que a am pliação dos espaços de par t icipação social não foi acom panhada pelo pr o-cesso de licenciam ent o am bient al. Est e é um descom passo que se obser va ent r e a exper iência desses at or es sociais nos espaços de par t icipação polít ica com car át er deliberat ivo, em m uit os deles, com a exper iência vivenciada nos pr ocessos de licenciam ent o am bient al.
Pa la v r a s- ch a v e : Licenciam ent o am bient al. Teor ia cr ít ica. Hidr elét r icas. Par t icipação social.
Audiências públicas.
Environmental Licensing and Citizenship Increasing:
the Tijuco Alto Hydroelectric case
Abstract
T
his ar t icle pr esent s a r efl ect ion on social pract ices ar ound an envir onm ent al confl ict . I tsear ches t o ident ify and t o descr ibe t he cont ext of confl ict ing r elat ions bet w een social m o-vem ent r epr esent ing affect ed people on one side, and st at e- ow ned I BAMA ( w hich st ands for Brazilian Env ir onm ent I nst it ut e) and CBA/ NEC ( pr ivat e st akeholder s) on t he ot her, along t he endur ing envir onm ent al licensing pr ocess of t he use of Tij uco Alt o – SP hydr oelect r ic pot ent ial. The w r it ing is based on em pir ical and docum ent al r esear ches and has as t heor et ical concept t he not ion of Haber m as’ public sect or st r uct ural changes. Our hypot hesis is t hat dem o-crat izat ion br ings t o light new social act or s w it h new dem ands and t hat t he licensing pr ocesses did not keep up w it h t he incr ease of t he social par t icipat ion t ur ns. A gap is seen bet w een t he exper ience of t hese social act or s in t he polit ical par t icipat ion t ur ns, of deliberat ive nat ur e and t heir act ual exper iences in envir onm ent al licensing pr ocesses.
Ke y w or ds: Envir onm ent al licensing. Cr it ical t heor y. Hidr opow er s. Social par t icipat ion. Public
par t icipat ion t ur n.
* Dout or ando do Pr ogr am a de Pós- Gr aduação em Ciência Am bient al da Univer sidade de São Paulo -
PROCAM/ USP – São Paulo/ SP/ Br asil. Ender eço: Av. Pr of. Luciano Gualber t o, 1289, Pr édio MEP, sala 16, Cidade Univer sit ár ia. São Paulo/ SP. CEP: 05508- 010.E- m ail: alenascim ent o@usp.br
* * Pr of . Tit u lar d a Facu ld ad e d e Ed u cação d a USP e d o PROCAM/ USP – São Pau lo/ SP/ Br asil.
E- m ail: pr j acobi@usp.br
1 Em pr esa de consult or ia cont r at ada pela CBA par a r ealizar os est udos necessár ios ao licenciam ent o
Introdução
A
hidr elét r ica de Tij uco Alt o2 é um em pr eendim ent o que est á em pr ocesso delicen-ciam ent o am bient al desde o ano de 1989, quando a CBA - Com panhia Brasileira de Alum ínio r equer eu nas Secr et ar ias de Meio Am bient e do Paraná e São Paulo a licença para um em pr eendim ent o a ser inst alado na divisa ent r e os est ados de São Paulo e Paraná.
O pr oj et o inicial, depois de longos 14 anos, foi indefer ido pelo I bam a em 2003 que r ecom endou ao r equer ent e, caso m ant ivesse o int er esse na const r ução do em -pr eendim ent o, a a-pr esent ação de out r o -pr oj et o. Durant e esse per íodo, -pr im eir o pela Secr et ar ia de Meio Am bient e do est ado de São Paulo e, a par t ir de 1997, pelo I bam a, quando a CBA encam inhou o pr oj et o para ser licenciado na esfera federal, foi solici-t ada um a sér ie de essolici-t udos com plem ensolici-t ar es ao Essolici-t udo de I m pacsolici-t o Am biensolici-t al inicial.
O par ecer que indefer iu o pr im eir o pedido de licenciam ent o am bient al ent en-deu que as diver sas com plem ent ações ao est udo inicial levar iam à descaract er ização do pr oj et o or iginal, j ust ifi cando a necessidade de um novo pr oj et o. Em 2005, a CBA deu ent rada em novo pr ocesso de licenciam ent o do apr oveit am ent o de Tij uco Alt o, que est á em cur so, e r ecebeu par ecer favor ável da equipe t écnica do I BAMA, por ém , est abelecendo t r ês condicionant es à concessão da licença ( I BAMA, 2008) .
Paralelo ao processo de licenciam ent o que corre por dent ro dos órgãos públicos, ONGs, m ovim ent os sociais do Vale do Ribeira e o Minist ério Público Federal fom ent aram um espaço de r esist ência ao pr oj et o. A ação desses at or es sociais - a or ganização individual de cada um deles e do seu colet ivo - est á r elacionada ao m om ent o social e polít ico vivido pela sociedade brasileira a par t ir de m eados dos anos 80, quando sur gem novos at or es na esfera pública e t razem consigo a r eivindicação de novos dir eit os, for m ulados a par t ir de lut as específi cas que são r econhecidas e legit im adas no pr ocesso da lut a e da disput a social ( DAGNI NO, 1994) .
O desenvolvim ent o e aper feiçoam ent o dos inst r um ent os da Polít ica Nacional de Meio Am bient e, est abelecida via Lei 6.938 de 1981 e Const it uição de 19883, r
econhe-ceram o dir eit o das populações at ingidas de ser em consult adas e cham adas a discut ir os pr oj et os de em pr eendim ent os que causem algum a int er fer ência em suas vidas.
Em passado não m uit o dist ant e, as ações do set or elét r ico paut avam - se pelo obj et ivo de garant ir as condições à const r ução dos em pr eendim ent os, ent endidos com o necessários à segurança nacional ( BANCO MUNDI AL, 2008) . A aquisição de áreas baseava- se em cr it ér ios de avaliação unilat erais, de cuj a elaboração os pr opr iet ár ios não par t icipavam . Não havia o r econhecim ent o dos “ não pr opr iet ár ios”, e os t raba-lhador es r urais não obt inham nenhum t ipo de r eparação pela per da das condições obj et ivas de seu sust ent o.
A m aneira com o o set or de geração hidr elét r ica t em t rat ado o cum pr im ent o à legislação, especifi cam ent e na elaboração do EI A e no seu r elacionam ent o com ONGs e com o m ovim ent o social local, pot encializa confl it os ( JERONYMO, 2007; VAI NER, 2007; SÁNCHEZ, 2006; ZHOURI , 2005a; BARROS, 2004; PRESI DÊNCI A DA REPÚBLI CA, 2004; BERMANN, 1983; CASTRO, 1988) iner ent es ao desenvolvim ent o de em -pr eendim ent os hidr elét r icos por ocasião dos im pact os de sua inst alação: alagam ent o de grandes ext ensões de t er ras, deslocam ent o de fam ílias, supr essão da veget ação, pr essão sobr e a fauna t er r est r e e fl uvial, dent r e out r os.
O pr esent e ar t igo busca ident ifi car e analisar o cont ext o das confl it uosas r ela-ções ent r e o m ovim ent o social e populaela-ções at ingidas, de um lado, e I BAMA ( Est ado) e CBA/ CNEC4 ( Em pr eendedor ) , do out r o, durant e o “ longo” pr ocesso de licenciam ent o
2 No discur so do set or elét r ico, as hidr elét r icas são t idas com o exist ent es, m esm o ant es de exist ir . O
cor r et o ser ia dizer apr oveit am ent o hidr elét r ico Tij uco Alt o, m as o nor m al é fazer r efer ência ao em pr e-endim ent o com o se ele j á exist isse. Sendo assim , t oda vez que falar m os na Hidr elét r ica ( UHE) Tij uco Alt o, est am os nos r efer indo ao pr oj et o hidr elét r ico apr oveit am ent o Tij uco Alt o.
3 A Const it uição de 1988, no ar t igo 225, classifi ca o m eio am bient e com o “ bem de uso com um do povo
e essencial à qualidade de vida” e, no ar t igo 129, confer e ao Minist ér io Público a pr ot eção do m eio am bient e e de out r os int er esses difusos e colet ivos.
4 Consult oria cont rat ada pela CBA para realizar o Est udo de I m pact o Am bient al e coordenar a t ram it ação
am bient al do apr oveit am ent o de Tij uco Alt o. Tem - se com o obj et ivo ident ifi car a lógica em pr esar ial no licenciam ent o am bient al, o sur gim ent o e desenvolvim ent o de m ovi-m ent os sociais locais e ONGs, o desenvolviovi-m ent o e aper feiçoaovi-m ent o da legislação brasileira para a em issão da licença am bient al e a m aneira com o esses elem ent os int eragem no licenciam ent o de um a hidr elét r ica - UHE.
As r efer ências em pír icas ut ilizadas r efer em - se ao acom panham ent o das cinco audiências públicas - AP do licenciam ent o am bient al da hidr elét r ica de Tij uco Alt o, r ealizadas em j ulho de 2007. A pesquisa t am bém se valeu de vast a pesquisa docu-m ent al, sej a na consult a aos XXI voludocu-m es do pr ocesso de licenciadocu-m ent o, no I BAMA, r ealizado em m ar ço de 2008, sej a na leit ura de inúm er os docum ent os pr oduzidos por inst it uições públicas e sociedade civil envolvidas com o debat e sobr e a expansão dos em pr eendim ent os hidr elét r icos no Brasil.
Durant e as audiências públicas e na consult a docum ent al do pr ocesso, se ex-plicit ou a t ensão em t or no do conceit o de par t icipação ut ilizado pelo em pr eendedor e o I BAMA, e pelos gr upos sociais do Vale do Ribeira. Tant o nas audiências, quant o nos docum ent os anexos ao pr ocesso, essa t ensão se m anifest a. O m ovim ent o social, coordenado pelo MOAB – Movim ent o dos Am eaçados por Barragem do Vale do Ribeira, buscou int er vir no pr ocesso decisór io cham ando a si um pr ot agonism o no pr ocesso que fosse além da sim ples consult a. Do out r o lado, o em pr eendedor alegou o car át er dem ocr át ico do pr ocesso m anifest o nas inúm eras t ent at ivas dos consult or es da CNEC de cont at ar o MOAB e t ent ar visit ar as com unidades.
O I BAMA, at ravés do pr esident e5 das audiências públicas ( APs) buscou sem pr e
que consider ou necessár io cham ar a at enção para o fat o de que a audiência era um inst r um ent o dem ocr át ico de escut a; e que a decisão do ór gão levar ia em cont a as discussões ocor r idas naqueles event os. Tant o ser vidor es do I BAMA, quant o r epr e-sent ant es da CBA/ CNEC lem braram o car át er dem ocr át ico das APs, sem pr e que o plenár io se m anifest ava m ais efusivam ent e na t ent at iva de dem onst rar insat isfação com o cont eúdo de algum a fala, geralm ent e de apoio ao pr oj et o da UHE.
Ut ilizar em os a noção da m udança est r ut ural da esfera pública haber m asiana com o pano de fundo para nossa r efl exão. De acor do com Avr it zer ( 1996) , Haber m as at ribui à em ergência do sist em a fi nanceiro e ao desenvolvim ent o do com ércio a origem das m udanças na est r ut ura social e polít ica das sociedades m oder nas. A expansão da geração hidr elét r ica se dá no âm bit o da econom ia m oder na.
A hipót ese do est udo é de que o pr ocesso de dem ocrat ização t raz à cena novos at or es sociais por t ador es de novas dem andas, e que a am pliação dos espaços de par t icipação social não foi acom panhada pelo pr ocesso de licenciam ent o am bient al. I st o t em causado descom passo ent r e a exper iência desses at or es sociais nos espaços de par t icipação polít ica, com car át er deliberat ivo em m uit os deles e com a exper iên-cia viveniên-ciada no pr ocesso de liceniên-ciam ent o am bient al, no qual há um a consult a no m om ent o das audiências públicas, quando boa par t e das decisões sobr e o em pr een-dim ent o j á foi t om ada.
Debates Contemporâneos em
torno da Nova Esfera Pública
Ao discut ir a for m ação do Est ado m oder no, Haber m as ( 1984) ident ifi ca um a m udança est r ut ural da esfera pública em um m om ent o post er ior à im plem ent ação do Est ado liberal.
De acor do com o m odelo inicial, caber ia ao Est ado garant ir as condições ne-cessár ias para o livr e com ér cio ent r e ent es pr ivados - em um pr im eir o m om ent o, os com er ciant es - ; m as, com o am adur ecim ent o do sist em a de t r ocas, caber ia garant ir a pr odução m anufat ur eira e, num t er ceir o m om ent o, os pr odut os indust r iais.
5 De acordo com a resolução CONAMA 009/ 87, as audiências públicas são conduzidas pelo represent ant e
No ideár io liberal, o cont r ole sobr e o Est ado é feit o a par t ir da esfera pública const r uída em oposição ao poder est at al. Com o esfera de pessoas pr ivadas r eunidas em um público, t al ideár io r eivindica a pr im azia do espaço social do debat e e da dis-put a sobr e os cam inhos que dever ia t r ilhar o Est ado.
A opinião pública é ent endida com o o inst r um ent o at ravés do qual os cidadãos podem infl uenciar o pr ocesso de decisão e a const r ução das leis, elem ent o pelo qual o legislador se r efer encia. Nesse sent ido, a const r ução polít ica da opinião pública é a const r ução da separação ent r e Est ado e Legislat ivo, pois, o pr im eir o, dot ado da for ça e de razão pr ópr ia, é cada vez m ais r egulado por um a for ça que lhe é ext er na e que se legit im a por se const it uir a par t ir de um am bient e de discussão e r efl exão for j ado na esfera pr ivada dos cidadãos.
A opinião pública é a r esult ant e social do pr ocesso ext er ior às est r ut uras do Est ado. É fr ut o da discussão de um a ver dade que se const it ui, na m edida em que am adur ece a r efl exão sobr e o pr ocesso de r egulação do Est ado sobr e a vida pr ivada. Nesse sent ido, “ o pr ocesso cr ít ico das pessoas pr ivadas que raciocinam publicam ent e avança cont ra a dom inação absolut ist a, ent ende a si m esm o com o apolít ico: a opinião pública quer racionalizar a polít ica em nom e da m oral” ( HABERMAS, 1984, p.126) .
O pr ocesso de for m ação de grandes cor porações indust r iais e em pr esar iais e o desequilíbrio das relações na esfera social fazem surgir inst it uições privadas de int eres-se público que passam a pr essionar o Est ado a t om ar posições em favor do equilíbr io das r elações sociais. Sur ge um a m ult iplicidade de int er esses pr ivados cor porat ivos que se ent r ecr uzam e se for t alecem na m esm a m edida em que o sist em a econôm ico se expande e ganha com plexidade.
O Est ado passa a ocupar- se de novas t ar efas, visando, sobr et udo, a pr ot eção social de subst rat os enfraquecidos por um a sociedade que acredit ava que o sist em a de t rocas, que se daria ent re privados ( Est ado Liberal) , seria capaz de prover o bem - est ar de t odos. O poder est at al assum e t ar efas m ais com plexas no sent ido da r egulação da econom ia, com vist as ao equilíbr io de t odo o sist em a econôm ico. Do pont o de vist a da esfera pública bur guesa, o Est ado r et r oage na m edida em que volt a a ser m ão for t e no pr ocesso de r egulação da econom ia em oposição ao laissez fair e.
O Est ado do bem - est ar social sur ge da const at ação que a r egulação da vida social a par t ir do m er cado cr iou as condições para o desenvolvim ent o econôm ico e garant iu o pr ocesso de int egração polít ica da bur guesia, possibilit ando o aum ent o da r iqueza dessa classe, bem com o a sua par t icipação, dir et a e at ivam ent e, no pr ocesso de t om ada de decisão das quest ões sociais; cont udo, sem ofer ecer aos não bur gueses as m esm as condições:
Na t eor ia e na pr áxis do Est ado Liberal de dir eit o, dir eit os liberais do hom em e dir eit os dem ocr át icos do cidadão só se separam , assim com o o or denam ent o j ur ídico pr iva-do e a or dem pública em geral fi xada const it ucionalm ent e, quaniva-do o car át er fi ct ício da or dem social hipot et icam ent e subj acent e se t or na conscient e e a dom inação da bur guesia, paulat inam ent e concr et izada em pr ol da pr ópr ia bur guesia, desvela a sua am bivalência ( HABERMAS, 1984, p.261) .
O Est ado Social Dem ocrat a passa a at uar na per spect iva da garant ia da dist r i-buição da r iqueza socialm ent e pr oduzida. A discussão desloca- se do cam po em inen-t em eninen-t e econôm ico e passa a ser um a quesinen-t ão políinen-t ica à m edida que é no cam po de int eração ent r e associações públicas ( m ovim ent o social) , legislat ivo e execut ivo que se for m am novos consensos em t or no das funções do Est ado e sua r elação com os cidadãos. A percepção generalizada de que a prom et ida igualdade não t inha efet ividade no cam po m at er ial e polít ico fez deslocar o lugar social do Est ado, que passa a t er a função de garant ir que os ideais “ liberais” t ivessem efet ividade com a inst it uição dos dir eit os sociais volt ados ao cidadão. Essa t ransfor m ação do Est ado est abelece novos par âm et r os m at er iais e de par t icipação polít ica.
garant ir o equilíbr io ent r e os diver sos int er esses que devem ser m ediados em nom e do int er esse geral. É por m eio da est r ut ura garant ida pelo Est ado que se assegura um a igualdade de chances de acesso à esfera pública ( HABERMAS, 1984) .
A em ergência do Est ado social faz alt erar a est rut ura da esfera pública do Est ado liberal. Nest e, a esfera pública era for m ada pela par t icipação pr ivada dos indivíduos; naquele, o pr ocesso de int eração pública se dá a par t ir da or ganização dos int er esses pr ivados. A esfera pública que, no Est ado Liberal, t inha a econom ia com o seu m ot or, no Est ado social, t em a polít ica com o pr opulsora da sua exist ência. Pois, não se t rat a m ais de indivíduos pr ivados at uando em pr ol de seus int er esses com er ciais, m as sim de cidadãos or ganizados colet ivam ent e em associações ( m ovidas pela defesa de int e-r esses pe-r ivados e, em pae-r t e, econôm icos, m as não só) que, publicam ent e, sej a com o Est ado ou m esm o ent r e si ( associações) , vão pr ocurar const r uir os com pr om issos polít icos que far ão a m ediação dos pr ocessos em disput a.
À m edida que est e Est ado se realiza, no lugar de um público não m ais int at o de pessoas pr ivadas que int eraj am individualm ent e, apar ecer ia um público de pessoas pr ivadas organizadas. Sob as at uais condições, som ent e elas poderão part icipar de m odo efet ivo, at ravés dos canais da esfera pública int rapar t idár ia e int r ínseca às associações, num pr ocesso de com unicação pública, à base de um a ’publicidade‘ post a em ação para o int er câm bio das or ganizações com o Est ado e delas ent r e si. Aí é que a for m ação de com pr om issos polít icos t er ia de se legit im ar ( HABERMAS, 1984, p.270) .
Haber m as ( 1984) apont a que esse novo m odelo de or ganização est at al, ant es de signifi car a r upt ura com o m odelo ant er ior, é, na ver dade, sua cont inuação. Nesse sent ido, ainda que de for m a est r ut uralm ent e difer ent e, o novo papel do Est ado e a nova esfera pública cont inuam a r epr esent ar o ideal liberal.
Esfera Pública Brasileira e a Cidadania Emergente
Os at or es sociais que em er gem dos anos 70, no Brasil, cr iaram novos espaços e novas for m as de par t icipação e r elação com o poder público à r evelia do Est ado. A densidade da m ovim ent ação não só do m ovim ent o popular, m as, ainda, de inst it uições da sociedade civil art iculadas com a resist ência popular e desej osas de t ransform ações e conquist as em relação à am pliação dos direit os civis e sociais, acabou por infl uenciar, t am bém , a ar ena polít ica for m al ( JACOBI , 2000) .
Com o processo de dem ocrat ização da sociedade brasileira e rest auração das eleições, lideranças sociais forj adas no processo de enfrent am ent o à dit adura, no m ovi-m ent o sindical e no ovi-m oviovi-m ent o popular são alçadas a câovi-m aras ovi-m unicipais, asseovi-m bléias legislat ivas, ao Congresso Nacional, e a cargos execut ivos. Esse processo foi acom pa-nhado por um crescent e processo de t ransform ações na esfera legislat iva e norm at iva do Est ado que t em seu pont o alt o na Const it uição de 1988, quando a vit alidade do m ovim ent o social brasileiro se fez refl et ir na Cart a Magna, de perfi l progressist a.
A década de 90 se caract er izou por m ovim ent os dir igidos por for ças e at or es sociais na busca de novos form at os e desenhos de polít icas públicas. O desej o de m aior part icipação buscou art icular, de um lado, a dem ocrat ização do processo de const rução e t om ada de decisão em t or no de polít icas públicas e, de out r o, m elhor es r esult ados. Esperava- se que, por m eio da par t icipação cidadã nos espaços inst it ucionais, ser ia possível r ever t er o padr ão de planej am ent o e execução das polít icas públicas no Brasil ( TATAGI BA, 2002) ; que a par t icipação ser ia capaz de t ensionar o aparat o est at al e, assim , t or nar t odo o pr ocesso m ais suscet ível ao cont r ole da sociedade, obr igando o Est ado a est abelecer novos par âm et r os de t om ada de decisão que levassem em cont a as dem andas de gr upos sociais hist or icam ent e dist ant es das inst âncias decisór ias.
O m ovim ent o social foi im pulsionado pelo am bient e da r edem ocrat ização do país e const it uído de for m a plural com dem andas var iadas e às vezes m uit o pont uais. Mas t inha no cer ne o desej o de apr ofundar o pr ocesso de dem ocrat ização do país e o est abelecim ent o de polít icas públicas includent es e inovadoras ( DAGNI NO, 1994) . A for ça da pr essão exer cida pela or ganização social se fez r efl et ir na Const it uição de 1988, quando o m eio am bient e é defi nido com o de r esponsabilidade de t oda a sociedade, colocando- se ao poder público e à colet ividade o dever de defendê- lo e pr eser vá- lo para as fut uras gerações.
O Minist ério Público foi reconhecido e proclam ado com o o defensor dos int eresses difusos da sociedade e os conselhos set oriais em ergiram com o elem ent os inst it ucionais inovadores, em alguns casos, necessários, inclusive, para a efet ivação da t ransferência de r ecur sos do gover no federal para est ados e m unicípios ou de est ados para m unicí-pios. Os conselhos gest or es de polít icas públicas - saúde, assist ência social, cr iança e adolescência, assim com o out r os t em át icos cr iados no âm bit o de est ados e m unicípios t ais com o dir eit os da m ulher, espor t es, cult ura, t ranspor t e, ur banism o e out r os - t êm sido inst r um ent os concr et os a par t ir dos quais a sociedade busca const r uir, ger ir e fi scalizar as polít icas públicas no país.
O Conselho Nacional do Meio Am bient e - CONAMA é ant er ior à Const it uição de 1988 e foi inst it uído pela lei 6938/ 81 que cr iou a Polít ica Nacional de Meio Am bient e. Desde 1984, aprova resoluções que t rat am de assunt os relacionados à gest ão am bien-t al. Os conselhos gesbien-t or es, em que pesem as difer enças esbien-t abelecidas pelas leis que r egulam ent aram cada um deles, podem ser ident ifi cados por algum as caract er íst icas em com um : a) pluralidade e par idade na com posição com a par t icipação de gover no; b) função deliberat iva, c) são espaços públicos de discussão, nos quais o pr ocesso de disput a ocor r e de m aneira pública e m ediado por pr incípios ét icos, do bem com um e do cum pr im ent o às pr er r ogat ivas e pr incípios est abelecidos pela Const it uição, cuj os acor dos const r uídos pr ecisam necessar iam ent e ser subm et idos à publicidade6.
Os fór uns de par t icipação t or nam - se espaços educat ivos onde novos gr upos po-dem adquirir capacidades polít icas e organizat ivas ( FURRI ELA, 2002) . Dessa form a, os conselhos são pr odut o do pr ocesso de or ganização e t ensão t razido pelos m ovim ent os sociais, a par t ir da r edem ocrat ização, m as t am bém laborat ór io de novas exper iências, const r ução de novos acor dos e alianças ent r e os diver sos set or es sociais.
Não é apenas o fat o de os conselhos se const it uírem de form a parit ária e deliberar sobr e for m a e cont eúdo de polít icas públicas que por si só est abelecem a garant ia do cum pr im ent o das fi nalidades que m ot ivaram a cr iação desses or ganism os. O ar ranj o inst it ucional de cada um , por si, dem onst ra e expõe o grau de am adur ecim ent o da sociedade e o r econhecim ent o inst it ucional da necessidade do diálogo em r elação a um det er m inado t em a.
A Emergência das ONGs – o diálogo
mediado pela expertise técnica
No cont ext o de redem ocrat ização da sociedade brasileira, as ONGs m igraram de um padr ão de enfr ent am ent o com o Est ado para a adoção de um a condut a de diálogo, t ant o em espaços defi nidos inst it ucionalm ent e, com o nos conselhos gest or es, m as t am bém em espaços não for m alizados que exigiram , por par t e das or ganizações da sociedade civil, a conquist a do dir eit o a voz, em quest ões ant es m onopolizadas pelos or ganism os de gover no.
Ao m ovim ent o de pr essão das inst it uições for j adas no seio da sociedade civil, o Est ado paulat inam ent e r econhece a legit im idade polít ica e t écnica dessas or ganiza-ções, por expr essar em a for ça de um novo t ipo de par t icipação da sociedade, com o um inst r um ent o efet ivo de const r ução de cidadania.
6 Nesse sent ido, os Conselhos gest or es e dem ais inst âncias de par t icipação social associadas à gest ão
A sit uação de diálogo ent r e Est ado e sociedade civil, em bora se dê no âm bit o das inst it uições, r equer disposição e disponibilidade pessoal de seus r epr esent ant es, pois de um e de out r o é necessár ia a capacidade de r econhecer a legit im idade de int er esses pr ópr ios e caract er íst icas específi cas.
Ao cit ar algum as das razões que j ust ifi cam o est abelecim ent o de parcerias ent re ONGs e Est ado, Ana Claudia Teixeira ( 2002) se r efer e a est udos do Banco Mundial e do BI D que apont am com o vant aj osas as iniciat ivas que per m it em a apr oxim ação dos or ganism os est at ais de com unidades pobr es e dist ant es, pois aj udam a ident ifi -car necessidades locais, a incent ivar a par t icipação e a t ransfer ência de t ecnologia. A aproxim ação ent re poder público e sociedade civil cont ribui para que am bos ent endam a per spect iva de um e da out ra, o que facilit a a const r ução de consensos e com pr e-ensão dos lim it es enfr ent ados no dia- a- dia de cada um .
Licenciamento Ambiental no Brasil e a Emergência
de um Novo Espaço de Participação Social
O licenciam ent o am bient al passou a fazer part e do ordenam ent o polít ico adm i-nist rat ivo brasileiro com o inst rum ent o da Polít ica Nacional de Meio Am bient e - PNMA, previst o pela lei 6.938 de 1981. A PNMA, que est abelece em seu Art . 2º com o um dos seus obj et ivos “ assegurar condições ao desenvolvim ent o socioeconôm ico”e afi rm a, no Art . 4º , com o um de seus obj et ivos a “ com pat ibilização do desenvolvim ent o econôm ico-social com a preservação da qualidade do m eio am bient e e do equilíbrio ecológico”, inovou ao est abelecer as bases de um a polít ica de Est ado em relação ao m eio am bient e.
A própria lei const it uiu- se com o um a inovação e pode ser ent endida no cont ext o do pr ocesso de t om ada de consciência das quest ões r elat ivas à int eração am bient e e sociedade. A lei r efl et e a r espost a do país à cr escent e pr essão pelo enfr ent am ent o das quest ões am bient ais. Dent r e os inst r um ent os de gest ão am bient al est abelecidos pela lei 6.938/ 81, o Licenciam ent o Am bient al t em se const it uído com o um dos m ais cont r over sos. Em bora t enha sido pr evist o pela legislação nacional em 1981, o ins-t r um enins-t o ins-t eve início na década de 70, inicialm enins-t e no esins-t ado do Rio de Janeir o, em 1975, e um ano depois, em São Paulo. Foi inst it uído para or ient ar a ação dos gover nos locais em r elação às “ at ividades indust r iais e cer t os pr oj et os ur banos com o at er r os de r esíduos e lot eam ent os” ( SÁNCHEZ, 2006, pg. 81)7.
Com a publicação da PNMA, o licenciam ento tem seu escopo de utilização am pliado, deixa de ser volt ado apenas a at ividades poluidoras e passa a ser aplicado a at ividades que ut ilizam recursos am bient ais ou com pot encial causador de degradação am bient al.
A part icipação social no licenciam ent o am bient al foi previst a na resolução de j aneiro de 1986 do CONAMA - Conselho Nacional do Meio Am bient e, que prevê a reali-zação de Est udo de I m pact o Am bient al - EI A, para o licenciam ent o de at ividades m odi-fi cadoras do m eio am bient e, e est abelece a inclusão das quest ões socioeconôm icas no diagnóst ico am bient al e análise dos im pact os am bient ais do proj et o e suas alt ernat ivas. No Ar t . 11 § 2º , a r esolução inst it ui a Audiência Pública - AP com o inst r um ent o de infor m ação sobr e o pr oj et o e seus im pact os am bient ais e de discussão do Rela-t ór io de I m pacRela-t o Am bienRela-t al - RI MA. Em dezem br o de 19878, quase dois anos após a
publicação da Resolução 001/ 86, por m eio do Conam a 009, a r ealização da audiência foi r egulam ent ada para “ expor ao público int er essado o cont eúdo do EI A em análise e do seu r efer ido RI MA, dir im indo dúvidas e r ecolhendo dos pr esent es as cr ít icas e sugest ões a r espeit o” ( OLI VEI RA, 2005) .
7 O Decr et o- Lei nº 134/ 75 inst it uiu, no Rio de Janeir o, o Sist em a de Licenciam ent o de At ividades
Po-luidor as, que t or nou obr igat ór io o licenciam ent o de novas at ividades e det er m inou que as at ividades licenciáveis j á inst aladas sej am licenciadas em et apas. Em São Paulo, a Lei nº 997/ 76 pr eviu que a inst alação, const r ução ou am pliação, bem com o a oper ação ou funcionam ent o de em pr eendim ent os const ant es na lei ser iam passíveis de aut or ização do ór gão est adual de cont r ole da poluição do m eio am bient e, m ediant e licenças de inst alação e funcionam ent o ( OLI VEI RA, 2005) .
8 Em bor a apr ovada em 1987, a Resolução 009/ 87 só passou a vigor ar em 5 de j ulho de 1990, quando
As APs são r ealizadas sem pr e que solicit adas por ent idade civil, pelo Minist ér io Público - MP, ou por m ais de cinqüent a cidadãos. Quando solicit adas, confor m e est a-belecido pela legislação, e não r ealizadas, um a event ual concessão da licença não t er á validade. A depender da localização geogr áfi ca dos solicit ant es e da com plexidade do em pr eendim ent o, poder á haver m ais de um a audiência, conduzida pelo ór gão licen-ciador que dever á garant ir a discussão sobr e o pr oj et o e o RI MA em quest ão após a apr esent ação do pr oj et o pelo pr oponent e.
Metodologia
A pesquisa foi r ealizada com base em análise docum ent al e o acom panham ent o do ciclo de audiências públicas. Ut ilizaram - se docum ent os publicados e discut idos pu-blicam ent e, e foram ent r evist ados agent es públicos, em pr esar iais e m ilit ant es sociais envolvidos nos debat es que são obj et o da r efl exão apr esent ada.
O acom panham ent o do est udo de caso foi feit o at ravés da pr odução acadêm ica e infor m at iva sobr e o licenciam ent o do em pr eendim ent o em quest ão, consult a aos XXI volum es9 do pr ocesso de licenciam ent o no I BAMA ( abr il de 2008) , par t icipação
do ciclo de audiências públicas r ealizado em j ulho de 2007, além de ent r evist as com diver sos at or es envolvidos no pr ocesso de licenciam ent o10. Cada um a das falas dos
par t icipant es das cinco plenár ias foi analisada m ediant e 13 per gunt as que alim ent a-ram um banco de dados, e a análise est at íst ica das int er venções ocor r idas durant e as plenár ias foi feit a com a aj uda do soft w ar e SPSS.
Ent r e os anos de 2003 e 2008, houve diver sas iniciat ivas que t iveram com o result ado a explicit ação dos diferent es pont os de vist a dos principais at ores envolvidos no debat e sobr e a const r ução de hidr elét r icas no Brasil ( SOUZA, 2009) :
I . Cr iação do Gr upo de Trabalho I nt er m inist er ial no âm bit o da Casa Civil para t rat ar da sit uação dos at ingidos por bar ragem ( 2003 – 2005) ;
I I . Mesa de negociação ent r e MMA e ABDI B para discut ir avanço da agenda de infra- est r ut ura no t ocant e ao licenciam ent o ( 2004 – 2005) ;
I I I . Acor do de Cooperação Técnica ent r e o Minist ér io do Meio Am bient e e o Fór um Brasileir o de ONGs e Movim ent os Sociais para o Meio Am bient e e o De-senvolvim ent o ( FBOMS) em j unho de 2005;
I V. Em int eração com o MME e MMA, o Banco Mundial fez est udo sobr e o licen-ciam ent o am bient al de hidr elét r icas no Brasil ( 2008) .
Esses fóruns t iveram docum ent os próprios ou incent ivaram que algum as dessas ent idades envolvidas elaborassem docum ent os, a par t ir dos quais est abeleceram sua posição face à quest ão. Dest acam - se dent r e est as: Associação Brasileira da I ndúst r ia de Base - ABDI B, Banco Mundial, Fórum Brasileiros de ONGs e Meio Am bient e - FBOMS, Gr upo de Trabalho I nt er m inist er ial e o Minist ér io Público Federal11.
Descompasso – O Licenciamento Ambiental
no Brasil: o caso da UHE de Tijuco Alto
12A UHE de Tij uco Alt o é um exem plo dos m ais signifi cat ivos em r elação a t oda cont r ovér sia na qual est á im er so o sist em a de licenciam ent o am bient al no país. O
9 O pr ocesso de licenciam ent o não se encer r ou. Pr ovavelm ent e ao seu t ér m ino t er á, m ais do que os
volum es que t ot alizavam o pr ocesso em abr il de 2008.
10 A gr avação de t odas as audiências per m it iu sua ver ifi cação post er ior , bem com o a decupagem de
t odas as 173 falas do ciclo de debat es a r espeit o da UHE Tij uco Alt o.
11 ABDI B ( I nviabilidade am bient al: equívocos e r iscos) . Banco Mundial ( Licenciam ent o Am bient al de
Em preendim ent os Hidrelét ricos no Brasil: um a Cont ribuição para o Debat e ( 2006 - 2008) ) . FBOMS ( Co-m ent ários do GTEnergia sobre o plano decenal de expansão da energia elét rica 2006- 2015; Perspect iva do FBOMS quant o ao Acor do de Cooper ação com o MMA r efer ent e aos pr ocedim ent os do Licenciam ent o Am bient al; Sugest ões do GTE/ FBOMS par a o apr im or am ent o das r egr as de licenciam ent o am bient al) . Grupo de Trabalho I nt erm inist erial ( Relat ório Final) . Minist ério Público Federal ( Defi ciências em Est udos de I m pact o Am bient al: Sínt ese de um a Exper iência) .
12 Todos os docum ent os cit ados nest e it em for am acessados dur ant e a leit ur a dos XXI volum es do
pr ocesso da UHE dura m ais de 20 anos e a em issão ou não da licença ainda est á por ser defi nida. A cont r ovér sia que cer ca o licenciam ent o da hidr elét r ica pr oj et ada por um a em pr esa do Gr upo Vot orant im ( Com panhia Brasileira de Alum ínio) expõe a lógica que t em or ient ado par t e signifi cat iva dos em pr eendim ent os hidr elét r icos, fr ent e ao pr ocesso de for t alecim ent o e am pliação da par t icipação inst it ucional da sociedade civil em espaços de decisões públicas, confi gurando- se na sínt ese do por quê e da for m a dos confl it os r elacionados ao licenciam ent o am bient al no Brasil.
O licenciam ent o am bient al de Tij uco Alt o foi iniciado em 1989, quando a Com -panhia Brasileira de Alum ínio r equer eu, j unt o aos ór gãos am bient ais dos est ados de São Paulo e Paraná, a licença para a efet ivação do em preendim ent o. Além da t ent at iva pouco usual de licenciar o em pr eendim ent o em dois est ados, ao invés de subm et ê- lo à esfera federal, a qualidade dos Est udos de I m pact o Am bient al - EI A foi, algum as vezes, quest ionada, a par t ir da solicit ação de acr éscim os ao est udo inicialm ent e pr o-post o; at é que, em 2003, o I BAMA indefer iu o pr ocesso de licenciam ent o e suger iu ao em pr eendedor que fi zesse novo est udo, caso ainda houvesse int er esse no em pr e-endim ent o ( I BAMA, 2003) .
Em 2004, a CBA deu ent rada em novo pr ocesso de licenciam ent o e, em 2008, r ecebeu par ecer favor ável da equipe t écnica do ór gão de licenciam ent o, que est abe-leceu t r ês condicionant es ( SOUZA, 2009) :
1. As disposições do Decr et o n° 99.556/ 90 que pr oíbe a dest r uição de ca-ver nas nat urais e o lago da UHE pr evê a subm er são de duas caca-ver nas. Em 11 de novem br o de 2008, o gover no brasileir o publicou decr et o que classifi ca as caver nas em 4 cat egor ias. Em t r ês dest as cat egor ias, as caver nas poder ão ser subm er sas.
2. A validação da Agência Nacional de Águas - ANA quant o ao dir eit o de uso dos r ecur sos hídr icos. A out or ga concedida pelo DNAEE13 expir ou.
Pr ocedim ent o bur ocr át ico de em issão de nova out or ga.
3. Posicionam ento da Dilic14/ I BAMA sobre a realização de novas audiências
públi-cas, solicitadas no prazo legal. Foi solicitada a realização de audiências públipúbli-cas, inclusive nos m unicípios onde já ocorreram as plenárias - I guape, Cananéia, São Paulo e Curitiba. Há forte pressão do m ovim ento social local e do Ministério Público para que se realizem ao m enos as audiências públicas em I guape e Cananéia. O I BAMA recebeu parecer jurídico de que do ponto de vista estrita-m ente jurídico, não é necessário realizar estrita-m ais nenhuestrita-m a audiência, no entanto, a Diretoria de Licenciam ento - Dilic não se posicionou em defi nitivo.
O pr ocesso com o um t odo t em sido m ar cado por for t e oposição do m ovim ent o social do Vale do Ribeira com o apoio e a m ilit ância de ONGs, sobr et udo de São Paulo. O perfi l desse m ovim ent o cont rário às barragens do Rio Ribeira é m ult ifacet ado; insere-se desde as com unidades quilom bolas, localizadas pr óxim as às m ar gens do cur so do r io, at é as com unidades indígenas e de pescador es da faixa lit or ânea, em I guape e Cananéia. A hidr elét r ica t em sido im por t ant e fat or de const r ução de consenso dent r o do m ovim ent o social, um a vez que par t e signifi cat iva das associações e ONGs locais ou que desenvolvem at ividades no Vale do Ribeira são cont r ár ios à sua const r ução.
Os m ot ivos específi cos que levaram as diver sas inst it uições a se m obilizar em cont ra a bar ragem são var iados, e r espondem à lógica pr ópr ia de cada or ganização: defesa da m at a at lânt ica, por par t e de am bient alist as; m edo de ver suas t er ras ala-gadas, por par t e de quilom bolas; possíveis pr oblem as que ser ão causados aos ciclos de vida de inúm eras espécies est uar inas, caso dos pescador es e am bient alist as de I guape/ SP e Cananéia/ SP.
Em função da m ult iplicidade de int er esses cont r ár ios, por par t e do m ovim ent o social, é que o MOAB, at ravés de seu coor denador15 na época, em 2004, encam inhou
cart a ao ent ão diret or de licenciam ent o e qualidade am bient al do I BAMA16, na qual
soli-13 Depar t am ent o Nacional de Águas e Ener gia Elét r ica
14 Divisão de Licenciam ent o
15 Ant onio Car los Nicom edes
cit ou que o órgão am bient al realizasse duas audiências prévias para discut ir a defi nição do Ter m o de Refer ência - TR. Em Eldorado/ SP, a r eunião ser ia aber t a a t oda população do Vale do Ribeira; no m unicípio de I poranga/ SP, só par t icipar iam as com unidades quilom bolas. Durant e o ciclo de audiências públicas, no m unicípio de Eldorado/ SP, foi convidado a com por a m esa de aber t ura um a liderança do MOAB, j unt o às aut or idades polít icas e sociais locais. Na hora de sua fala, esse r epr esent ant e se r et ir ou da m esa, m as ant es j ust ifi cou o at o ao acusar o I BAMA e a CBA de fazer em vist or ias e de, em nenhum m om ent o, pr ocurar em as com unidades quilom bolas17.
Os dois fat os relat ados acim a são caract eríst icos do que querem os apont ar nest e t ext o a r espeit o da falt a de sint onia ent r e os acont ecim ent os sociais e polít icos dos últ im os 26 anos, com r elação ao pr ocesso de licenciam ent o am bient al no Brasil, ou, nas palavras de Jacobi ( 2005) , da falt a de sint onia ent r e o aum ent o da par t icipação social e inclusão polít ica nas quest ões am bient ais, bem com o a não incor poração dos gr upos sociais nor m alm ent e excluídos dos m ecanism os t radicionais de deliberação com o at or es int egrant es dos pr ocessos decisór ios.
De um lado, t em os um a sociedade civil cada vez m ais at uant e e par t icipant e de espaços de const r ução e gest ão de polít icas públicas de car át er deliberat ivo18 e,
de out r o, um inst r um ent o de gest ão am bient al que ainda ent ende essa par t icipação cidadã num a per spect iva consult iva. O choque ent r e a exper iência vivenciada nos dem ais espaços de encont r o ent r e Est ado e m ovim ent o social com o for m at o do licen-ciam ent o am bient al cr ia um a nat ural insat isfação, por par t e da sociedade civil - ONGs e m ovim ent os sociais - , que obviam ent e com pr om et e as pot encialidades do encont r o e da r esolução dos confl it os iner ent es à discussão.
O descom passo ent re a experiência vivida pelos grupos sociais em out ros fóruns e os lim it es que persist em nos licenciam ent os cria t ensão e difi cult a a percepção do processo de licenciam ent o enquant o dem ocrát ico, com o reivindicou várias vezes o presi-dent e das audiências públicas no ciclo de audiências do licenciam ent o da UHE Tij uco Alt o.
A análise do ciclo de audiências const at ou que 43% das falas dos dois servidores do I BAMA que presidiram as plenárias cham aram at enção para o carát er dem ocrát ico do debate (SOUZA, 2009). Ao inform ar o desejo de discussão prévia sobre o TR, o que o MOAB fez não foi nada m ais do que sinalizar que esperava desem penhar m aior prot agonism o no processo de licenciam ent o am bient al da UHE, um a quest ão cent ral para o m ovim ent o.
O am adurecim ent o da legislação am bient al e do licenciam ent o am bient al com o inst rum ent o de gest ão am bient al t em prom ovido crescent e part icipação e am adure-cim ent o da sociedade na discussão sobre ut ilização e exploração de recursos nat urais e na inst alação de at ividades pot encialm ent e poluidoras. No ent ant o, enquant o foram criados inúm eros conselhos e fóruns form uladores, fi scalizadores e gest ores de polít icas públicas, nos quais a sociedade civil t em assent o e possibilidade de part icipar na defi ni-ção da polít ica pública19, o licenciam ent o am bient al não acom panhou essa t endência e
o m odelo de part icipação cont inua sendo, do pont o de vist a da legislação, o m esm o de há 30 anos at rás, em que a part icipação da sociedade t em se dado de form a consult iva. Ao r efl et ir sobr e as difer ent es m aneiras de par t icipação cit adina, Jacobi ( 2000) ident ifi ca o t ipo de par t icipação consult iva, que é o caso do pr ocesso de licenciam ent o am bient al, com o um pr ocesso no qual a posição do cidadão ainda que sej a levada em cont a não int er fer e dir et am ent e no pr ocesso decisór io. No t ipo de par t icipação r
eso-lut iva há o com par t ilham ent o do poder decisór io sobr e o pr ocesso de gest ão. No t ipo
de par t icipação fi scalizador a, há m aior cont r ole e a possibilidade de ações cor r et ivas ou r eor ient adoras da gest ão pública.
17 Em função disso, José Rodr igues consider ou ant iét ico e inj ust o ser convidado a par t icipar do pr ocesso
de licenciam ent o; que aquela r eunião er a par a j ust ifi car o em pr eendim ent o, e que o I BAMA e a CBA “ fi cavam andando pelo Vale de car r o e avião, e as com unidades de for a” . Pediu desculpas e r et ir ou- se da m esa por não se sent ir bem ali.
18 Há um a sér ie de conselhos que par t icipa do m ovim ent o social do Vale do Ribeir a; dest aque par a o
Com it ê de Bacia Hidr ogr áfi ca do Rio Ribeir a do I guape e o Consad - Consór cio de Segur ança Alim ent ar e Desenvolvim ent o Local.
19 Luciana Tat agiba ( 2002) cit a dados de out r as pesquisas que apont am que, em 1996, havia conselhos
Um docum ent o produzido no âm bit o do Minist ério do Meio Am bient e, preocupado em t or nar a avaliação de im pact o um pr ocesso par t icipat ivo, afi r m a que a Audiência Pública t em sido pouco explorada na pr át ica da Avaliação de I m pact o Am bient al e que, por si só, não é capaz de efet ivar a par t icipação social no pr ocesso de t om ada de decisão quant o ao licenciam ent o am bient al ( MMA, 1995) . Em consonância com o est udo do MMA, e não por acaso, com a r eivindicação do MOAB em par t icipar da elaboração do TR, o GT Ener gia do FBOMS ( 2006) suger e que, no licenciam ent o de em pr eendim ent os ener gét icos, haj a audiências e consult as públicas para a defi nição do Ter m o de Refer ência, e que sej am r ealizados est udos int egrados de bacias.
De acor do com o Fór um de Ongs e Movim ent os Sociais, os est udos r elacionados aos em pr eendim ent os devem ser considerados de m odo que o pr ópr io conhecim ent o e as dem andas das populações at ingidas possam ser incor porados desde a fase inicial do pr ocesso, bem com o para que o público possa avaliar a pr ópr ia validação do EI A na et apa de sua disponibilização.
Licenciamento Ambiental no
Brasil: complexidade, controvérsias
20O licenciam ent o am bient al no país t em sido m ot ivo de m uit a cont r ov ér sia. Desde 2001, quando a sociedade brasileira foi com pulsor iam ent e levada a racionar elet r icidade, se ar rast a um debat e em t or no dos ent raves que esse inst r um ent o t em acar r et ado ao desenvolvim ent o da infra- est r ut ura e, em par t icular, à expansão do par que de geração de ener gia hidr elét r ica21. A im pr ensa, sobr et udo a escr it a, t em
dedicado espaço signifi cat ivo à discussão que, invar iavelm ent e, t em apont ado um a espécie de pr incipism o por par t e das aut or idades licenciadoras na análise das licen-ças. Dois consensos par ecem exist ir para aqueles que t êm acom panhado a t em át ica m ais de per t o, ou sej a, gover no, em pr eendedor es, m ovim ent o social e academ ia22:
1. a m á qualidade dos est udos de im pact o am bient al; e
2. a necessidade de cr it ér ios m ais clar os em t or no do pr ocesso de análise dos est udos de im pact o am bient al.
A falt a de um m ar co r egulat ór io clar o e os cust os socioam bient ais, que ext ra-polam a com pet ência dos em pr eendim ent os, são pont os de consenso ent r e ór gãos do gover no e em pr eendedor es. A dem ora em r elação à em issão das licenças é um fat or que desagrada a em pr eendedor es e gover no pr incipalm ent e, m as é pouco cit ado nas
20 Para elaboração das afi rm ações abaixo sobre concordâncias e discordâncias a respeit o dos problem as
enfrent ados pelo licenciam ent o am bient al, foram considerados docum ent os e t ext os publicados nos sit es das ent idades represent at ivas de cada um dos set ores: ABDI B - em preendedores; FBOMS/ MAB - m o-vim ent o social; Governo - Banco Mundial - Licenciam ent o Am bient al de Em preendim ent os Hidrelét ricos no Brasil: um a cont ribuição para o debat e. Volum e I : Relat ório Sínt ese e MMA - PARECER nº 001/ 2008.
21 Folha online - 21/ 12/ 2003. “ I bam a diz que é acusado de pr ot eger a lei am bient al” . Em ent r evist a,
o dir et or de licenciam ent o do I bam a, Nilvo Alves da Silva afi r m a que as cr ít icas que os em pr esár ios t êm feit o ao pr ocesso de licenciam ent o são um a t ent at iva de const r anger a lei am bient al no Br asil. Par a Alves, o I bam a t em sido acusado de pr ot eger o am bient e - ht t p: / / w w w 1.folha.uol.com .br / folha/ dinheir o/ ult 91u78416.sht m l. Ainda sobr e essa sit uação, a Associação dos Ser vidor es do I bam a- DF lançou docum ent o, em set em br o de 2004, int it ulado “ A Ver dade sobr e o Licenciam ent o Am bient al” , no qual defende os pr ocedim ent os adot ados pelos I BAMA. Par a os ser vidor es, um a licença não se t r at a de um docum ent o bur ocr át ico e sim que det er m inado em pr eendim ent o t em viabilidade am bient al. Relat a ainda o t ext o que é em nom e do desenvolvim ent o do país que os ór gãos am bient ais exigem gar ant ias que assegur em a qualidade de vida das pr esent es e fut ur as ger ações.
22 As r efer ências par a essas afi r m ações for am r et ir adas do conj unt o de ent r evist as r ealizadas com os
refl exões acadêm icas e nas reivindicações do m ovim ent o social que, m uit as vezes, t em ut ilizado a prot elação do processo de licenciam ent o com o est rat égia de enfrent am ent o.
No fi nal do m ês de m ar ço de 2008, o Banco Mundial, sob encom enda do Mi-nist ér io das Minas e Ener gia - MME, MiMi-nist ér io do Meio Am bient e - MMA e ANEEL23,
publicou um est udo que m er eceu um a posição ofi cial do MMA. Em bora t enha sido feit o no âm bit o desses ent es est at ais, m er eceu severas cr ít icas da equipe do MMA que afi r m ou, ao se r efer ir ao t rabalho, que as obser vações est avam r elacionadas a um a par cialidade que se paut a pela per spect iva de que o licenciam ent o int er fer e ne-gat ivam ent e t ant o no desenvolvim ent o do Set or Elét r ico com o no aum ent o da ofer t a de ener gia ( MMA, 2008) . O r elat ór io sínt ese do t rabalho r ealizado pelos consult or es do Banco Mundial concluiu que os seguint es pr oblem as são os que m ais pr ej udicam o licenciam ent o am bient al no Brasil:
•
I ndefi nição sobre qual esfera de governo t em o poder para licenciar e o quê;•
Ausência de um a avaliação est rat égica est abelecida ou de um plano de bacia que indique alt ernat ivas locacionais para hidrelét ricas, seus im pact os cum ulat ivos, e a avaliação da viabilidade am bient al do pr ogram a com o um t odo em um a det er m inada bacia;•
Baix a qualidade dos EI A- RI MA e não inser ção do vet or am bient al na concepção dos pr oj et os;•
Excessiva dem ora na em issão dos Term os de Referência para a preparação dos EI A/ RI MA;•
Mult iplicidade de at or es com grande poder discr icionár io e poucos incen-t ivos de colaboração, com desincen-t aque à aincen-t uação do MP;•
Fr eqüent e j udicialização dos confl it os am bient ais, sem r ecor r er a alt er-nat ivas de r esolução de confl it os;•
Sist em át ica ausência de m onit oram ent o, fi scalização e acom panham en-t o geral dos pr oj een-t os licenciados, basicam enen-t e decor r enen-t es da lim ien-t ada capacidade inst it ucional;•
[ At é r ecent em ent e] Possibilidade de penalização individual dos t écnicos licenciador es em decor r ência da Lei de Cr im es Am bient ais e post ura ex-cessivam ent e caut elosa e de m ínim o r isco;•
Falt a de m ar co r egulat ór io específi co e det alhado para t rat ar de quest ões sociais que t êm sido incor poradas no licenciam ent o am bient al e que, via de r egra, ext rapolam as r esponsabilidades legais do pr oponent e;•
Falt a de pr ofi ssionais da ár ea social no âm bit o do ór gão licenciador ;•
Regulam ento de Com pensação Am biental pouco claro, sendo econom icam en-t e pouco efi cienen-t e e legalm enen-t e vulnerável, desesen-t im ulando invesen-t im enen-t os;•
Ausência de dados e de infor m ações am bient ais;•
Ausência de cooperação ent r e os diver sos ór gãos com pet ent es;•
I nconsist ência e subj et ividade na aplicação de princípios e crit érios quando da análise e apr ovação do EI A- RI MA.Para o MMA ( 2008) , o est udo apr esent ado pelo Banco Mundial t em um vício de or igem , ao par t ir do pr incípio de que o licenciam ent o am bient al é um ent rave para o aum ent o do cr escim ent o da ofer t a de ener gia. Ainda em r elação ao est udo, o par ecer faz severas cr ít icas quant o aos pr ocedim ent os m et odológicos ut ilizados pelos t écnicos do Banco Mundial para o est abelecim ent o do t em po em que det er m inados em pr een-dim ent os levaram para ser licenciados ou r eceber o t er m o de r efer ência. O par ecer do Minist ér io afi r m a que, ao não dist inguir os m ot ivos pelos quais as concessões ou t er m os de r efer ência dem oraram a ser em it idos, o est udo ignora fat os m ot ivador es dessa dem ora, m as que nem sem pr e são de r esponsabilidade do ór gão licenciador24.
23 Agência Nacional de Ener gia Elét r ica
24 Com o exem plo cit a os casos da UHE de Sim plício ( divisa de RJ com MG) , onde um a análise m ais
O MMA ( 2008) m anifest a concor dância com o est udo em r elação a análise de que par t e signifi cat iva das dem andas socioam bient ais às quais os em pr eendim ent os são subm et idos, não t em r elação dir et a com os m esm os, e sim com dívidas hist ór icas do Est ado brasileir o fr ent e às populações. Concor dam , t am bém , a r espeit o da cons-t acons-t ação pr esencons-t e no escons-t udo de que, nos escons-t udos de caso ucons-t ilizados, o licenciam encons-t o am bient al dem onst r ou efi cácia para m ant er e, em alguns casos, m elhorar a qualidade am bient al dos em pr eendim ent os.
O par ecer dos ser vidor es do MMA dest aca concor dar com um a afi r m ação cons-t ancons-t e no r elacons-t ór io e pr esencons-t e na licons-t eracons-t ura acadêm ica ( JERONYMO, 2007; VAI NER, 2007; SÁNCHEZ , 2006; ZHOURI , 2005b; BARROS, 2004; PRESI DÊNCI A DA REPÚ-BLI CA, 2004; BERMANN, 1983; CASTRO, 1988) , de que a concepção dos pr oj et os, sob o aspect o socioam bient al, t em pouca im por t ância para os em pr eendedor es, os quais se at êm ao int er esse econôm ico, em det r im ent o de um a abor dagem am bient al am pla, qualifi cada e consist ent e. Esse enfoque, de acor do com o est udo, decor r e do ent endim ent o de que o licenciam ent o am bient al se const it ui em obst áculo bur ocr át ico a ser r em ovido pelo em pr eendedor. Assim , de acor do com o Banco Mundial ( 2008) , est a sit uação explica, em part e, a baixa qualidade dos est udos de im pact o am bient al e o nível t écnico do diálogo m ant ido durant e o licenciam ent o ent r e a equipe de t écnicos vinculados ao em pr eendim ent o e os ór gãos licenciador es. O r elat ór io dos consult or es do banco de fom ent o faz ainda pr opost as de cor r eção de r um os, algum as acolhidas no par ecer do MMA e out ras veem ent em ent e r echaçadas, além de out ras cr ít icas ao processo de licenciam ent o am bient al brasileiro, as quais não convêm aqui ser exauridas. Nest e t ext o, nos int er essa dem onst rar o quão cont r over sa é est a m at ér ia, a pont o de um est udo cont rat ado por m inist ér ios do m esm o gover no cont er t ant as discor dâncias e discr epâncias em r elação a um dos cont rat ant es.
Sínteses da Discussão: licenciamento
ambiental no Brasil
A post ura do Movim ent o dos Am eaçados por Barragens do Vale do Ribeira, t ant o ao se r et irar da m esa de aber t ura da audiência pública do m unicípio de Eldorado/ SP, quant o ao suger ir um canal dir et o de discussão com o I BAMA, para a for m ulação do t er m o de r efer ência sem a int er m ediação do em pr eendedor, r eivindica a am pliação do espaço da par t icipação social no licenciam ent o am bient al.
At ualm ent e, a part icipação social só acont ece no m om ent o da audiência pública, quando par t e signifi cat iva das decisões r elat ivas aos ar ranj os do em pr eendim ent o j á foram t om adas. O desej o das lideranças quilom bolas se r efer encia no passado r ecen-t e de am pliação dos espaços de par ecen-t icipação cidadã, no qual m ovim enecen-t os sociais e ent idades da sociedade civil vêm , paulat inam ent e, ocupando ar enas de discussão a r espeit o da for m ulação, condução e fi scalização de polít icas públicas.
O pleit o do MOAB, um a associação const it uída a part ir do int eresse de um grupo social, t em r elação com a em er gência de gr upos sociais, que pr essionam o Est ado a t om ar decisões que não só levem em cont a os int er esses do capit al, com o descr it o por Haber m as ( 1984) ao conceit uar a nova esfera pública. A cont rapar t ida à am pliação da par t icipação social t em sido o for t alecim ent o de novas inst it uições e m udanças na r elação gover no/ sociedade enquant o aspect os const it ut ivos de um a nova cult ura polít ica ( JACOBI , 2002) .
O envolvim ent o de grupos sociais diversos, em um m esm o espaço de discussão, com int er esses difer ent es e, às vezes, ant agônicos, é um exer cício de difícil execução. No ent ant o, expost as as diver gências, debat e feit o e for m ulado o acor do, a sociedade ganha ao não t er m ais que per der t em po com a discussão do que dever ia t er ocor r ido e não ocor r eu, com o o debat e em t or no do pr ocesso de licenciam ent o de Tij uco Alt o25.
A cult ura polít ico- social r esult ant e desses espaços pode se t or nar o grande di-fer encial capaz de m elhorar a qualidade do pr ocesso decisór io e, por t ant o, m elhorar o cont eúdo do m esm o, um a vez que o est ím ulo ao debat e, negociação e deliberação aj uda a fom ent ar um am bient e de pact os e m út ua legit im ação do processo deliberado. A dim ensão do confl it o é iner ent e ao pr ocesso de par t icipação pública, e os espaços de form ulação de polít icas, que cont am com a part icipação da sociedade civil, não apenas são m ar cados pelo confl it o com o r epr esent am um avanço dem ocr át ico, pr ecisam ent e na m edida em que publicizam o confl it o e ofer ecem pr ocedim ent os e espaço para que ele sej a t rat ado legit im am ent e:
Para Dagnino ( 2002) , a ausência de espaços desse t ipo facilit a a t om ada de decisões e a for m ulação de polít icas por m eio de um exer cício aut or it ár io do poder ; no qual o Est ado ignora e deslegit im iza o confl it o ou o t rat a nos espaços pr ivados dos gabinet es, com os que a eles t êm acesso.
Ao incor porar a cidadania int er essada no debat e a r espeit o do pr ocesso de licenciam ent o de em pr eendim ent os que, não rar o, int er fer em na hist ór ia de suas vidas, o Est ado qualifi ca o debat e por que j oga para o apr ofundam ent o da dem ocracia e da const it uição de cidadania; m as não só isso. Pode, com esse gest o, dar passos concr et os na dir eção da r esolução de gar galos obj et ivos em r elação à baixa qualidade de EI A/ RI MAs, na m edida que incor pora as dem andas e os saber es locais.
Em acor do com a em er gência de um a nova esfera pública ( HABERMAS, 1984) , podem os difer enciá- la da ant er ior, sobr et udo a par t ir do papel pr oposit ivo do Est ado em ser vir com o fi ador da r ealização do ideár io liberal, assum indo o papel de m ediador de int er esses diver sos. Segundo esse paradigm a, o Est ado avança cada vez m ais no sent ido de ele m esm o t or nar- se o por t ador da or dem social; ele pr ecisa se assegurar para além das defi nições negat ivas e denegat ór ias dos dir eit os liberais básicos, um a det er m inação posit iva de com o se deve r ealizar a “ j ust iça” com a int er venção social do Est ado ( HABERMAS, 1984) .
A exper iência r ecent e do licenciam ent o am bient al no Brasil t em dem onst rado isso. O r elat ór io do Banco Mundial r econhece que o pr ocesso de licenciam ent o t em cont r ibuído para a m elhora das caract er íst icas am bient ais dos em pr eendim ent os. Na m edida em que os confl it os se expõem e o im passe se est abelece, há m udança de post ura em cur so. Do pont o de vist a do pr ocesso de licenciam ent o am bient al, o im passe exist ent e em r elação à expansão do par que hidr elét r ico se dá em função da necessidade do país acr escent ar novos m egawat t s à sua m at r iz, por um lado, sem , cont udo, prom over danos e im pact os desnecessários ao m eio am bient e e à colet ividade.
O licenciam ent o am bient al é um inst r um ent o que busca com pat ibilizar a neces-sidade de desenvolver infra- est rut ura e indúst ria com a m enor pressão socioam bient al possível. Garant e, dessa form a, m aior racionalidade am bient al aos em preendim ent os, por um lado, e m aior garant ia dos int er esses da sociedade, por out r o, na m edida em que quant ifi ca e qualifi ca os em pr eendim ent os de acor do com o seu pot encial de im pact o e m it igação.
Os canais de diálogo est im ulados pelo gover no federal ent r e os anos de 2003 e 2008, sej a na for m a de m esas de diálogo ou pr odução de est udos sist êm icos, são um a t ent at iva de m ediar a necessidade do país de aum ent ar a pr odução de elet r icidade; sem que isso deslegit im e ou desr espeit e os dir eit os adquir idos pelas populações at in-gidas e o m eio am bient e. Os im passes em t or no de det er m inados em pr eendim ent os denunciam a im possibilidade de se at ropelar o desej o da sociedade por m aior e m elhor qualidade dos em pr eendim ent os.
25 O par ecer da equipe t écnica do I BAMA condicionou a em issão da licença à decisão a ser t om ada no
A am pliação da par t icipação da sociedade civil desde o início do licenciam ent o, j á nas discussões pr elim inar es sobr e o t er m o de r efer ência e durant e t odo o pr ocesso, poder á se const it uir num difer encial posit ivo e confer ir m ais qualidade à discussão. A const it uição de gr upos de t rabalho que poder ão acom panhar a const r ução do EI A, suger indo cor r eções pont uais de per cur so, apr ofundam ent o da r efl exão sobr e aspec-t os im por aspec-t anaspec-t es e pouco explorados, assim com o a assessor ia de aspec-t écnicos ser vidor es públicos ou consult or es durant e a elaboração do est udo, pode apr oxim ar r ealidades e cr iar espaços de per cepção hoj e inexist ent es. Dessa for m a, as audiências públicas passar iam a t er foco m aior em discussões pont uais e específi cas, event ualm ent e não r esolvidas durant e o pr ocesso, m as j á am adur ecidas.
Se a defi nição do TR t ivesse cont ado com a par t icipação dos cidadãos do Vale do Ribeira, e se, nos quat r o anos que levaram ent r e o início do segundo licenciam ent o em j ulho de 2004 e a r ealização das audiências públicas em j ulho de 2008, est e pr o-cesso t ivesse sido incor porado nas discussões do EI A, é pr ovável que não houvesse m ais dúvidas a r espeit o dos im pact os da UHE na r egião est uar ina na foz do r io26. O
clim a de disput a e radicalização de posições, t am bém , gera desconfi ança, ao invés de vont ade de ent endim ent o, pois o pr oblem a de com o cr iar inst it uições est áveis est á m uit o m enos ligado às r egras da com pet ição polít ica e às for m as do sist em a polít ico e m uit o m ais à r elação pública possível de ser est abelecida ent r e Est ado e sociedade.
Coloca- se o desafi o de avançar na difusão de um a abor dagem ecossist êm ica que per m it a o diálogo ent r e especialist as e leigos, assim com o possibilit e o diagnós-t ico socioam biendiagnós-t al a par diagnós-t ir da idendiagnós-t ifi cação dos vediagnós-t or es de m udança que podem ser pensados em escalas difer enciadas. I st o poder á possibilit ar a for m ulação de cenár ios diver sos, est im ulando a per cepção de t odos os envolvidos sobr e conveniências e in-conveniências de det er m inadas decisões. Tal abor dagem , capaz de agr egar inúm er os pont os de vist a, t em sim ilit udes com o escopo m et odológico de um EI A, na m edida em que pr essupõe par t icipação social at iva, não só no cam po dos especialist as e do poder público, m as t am bém da cidadania. As dem andas e os saber es de t odos os gr upos envolvidos são nat uralm ent e incor porados ao pr ocesso, um a vez que o diagnóst ico da sit uação a ser enfr ent ada, assim com o os diver sos cenár ios possíveis, são elaborados a par t ir das per cepções que t odo o gr upo t em da quest ão.
Considerações Finais
A leit ura dos difer ent es docum ent os e a obser vação do ciclo de audiências per m it iram sist em at izar o pr ocesso hist ór ico e o posicionam ent o dos diver sos at or es, assim com o a par t icipação no ciclo de audiências possibilit ou ident ifi car os pr incipais at or es sociais envolvidos no debat e a r espeit o da UHE Tij uco Alt o, que t am bém foram ent r evist ados.
A análise das audiências const at ou que a par t icipação da sociedade civil or gani-zada, sej a com as pergunt as ou nos posicionam ent os m anifest os, focou principalm ent e em assunt os r elacionados à qualidade do Est udo de I m pact o Am bient al e da pr ópr ia hidr elét r ica pr opost a pelo em pr eendedor.
26 Um a das pr incipais quest ões t r at adas à exaust ão dur ant e o ciclo de audiências foi o fat o de o EI A
Ta be la 1* - Se n t idos Con st r u ídos com m a is Fr e qu ê n cia n a s I n t e r v e n çõe s do M ov im e n t o Socia l
Moradores não querem sair onde est ão/ Povo do Vale do Ribeira é cont ra UHE 12,1% UHE benefi cia apenas um único int er esse, Ant ônio Er m ír io e/ ou CBA.
Recur sos Nat urais não devem ser pr ivat izado 12,1%
EI A/ RI MA é fr ágil e/ ou t em pr oblem as. Qualidade do Est udo de I m pact o
Am bient al é quest ionável 9,8%
UHE é r isco am bient al, ent r e out ras quest ões por cont a do solo Kár st ico 9,8% Com o fi car ão os agr icult or es at ingidos? / As condições dos at ingidos ser ão
m ant idas? 8,7%
Desenvolvim ent o sust ent ável do Vale do Ribeira não cont em pla bar ragem / Gover no federal t em pr ogram as que valor izam Desenvolvim ent o sust ent ável no Vale do Ribeira / Agenda XXI local r ej eit ou bar ragens
8,7% Em pr egos gerados pela UHE ( não) com pensam im pact os am bient ais ( ?) 8,1%
UHE não faz cont r ole de enchent es 8,1%
Rio Ribeira t em valor cult ural / Rio Ribeira est á para ser declarado Pat rim
ô-nio da Hum anidade / Rio Ribeira é pat r im ôô-nio público 7,5% Terras com pradas pela CBA e paradas há 20 anos causam prejuízos à população 7,5% Vale do Ribeira/ Rio Ribeira é r eser va da Mat a At lânt ica no país, por isso
t em que ser pr eser vado 6,3%
CBA const r uiu 7 UHEs em Juquiá e não pr oduziu m elhora de vida no m unicípio / UHEs do Rio Juquiá não cont êm enchent e / Hidr elét r icas do Juquiá se inser em no cont ext o da análise de Tij uco Alt o
5,8%
CBA/ CNEC enr ola e não r esponde ou m ent e 5,2%
* As int er venções nor m alm ent e t rat avam de m ais de um assunt o. Para cada fala r egist ram os at é 10
sent idos const r uídos, m ot ivo pelo qual a som a das por cent agens poder á ser m aior que 100
I st o denot a a vit alidade do licenciam ent o e das audiências públicas, um a vez que o espaço foi ut ilizado para t rat ar de quest ões r elacionadas ao debat e pr opost o e não de dem andas de cunho ideológico.
O licenciam ent o am bient al se const it ui em inst r um ent o de Est ado para fazer a m ediação ent r e os int er esses da colet ividade e os int er esses de em pr eendedor es desej osos de const ruir infra- est r ut ura ou desenvolver pr odut os indust r iais, guardando r elação dir et a com a em er gência da nova esfera pública apr esent ada por Haber m as ( 1984) . Requisit o legal que ant ecede a inst alação de at ividades poluidoras, as que ut ilizam r ecur sos am bient ais ou com pot encial de causar degradação am bient al, o licenciam ent o am bient al é um inst r um ent o que busca pr ot eger o m eio am bient e de danos ir r ever síveis ou ident ifi car ar ranj os at rav és dos quais os danos am bient ais possam ser evit ados, m it igados e/ ou com pensados.
Avr it zer ( 1996) , ao discut ir a m oralidade da dem ocracia e a t eor ia de Haber-m as, apr esent a o pont o de vist a de que a esfera pública haber Haber-m asiana se const it ui no espaço no qual as decisões da aut or idade adm inist rat iva são subm et idas ao debat e de for m a racional e m ediadas pela pr eocupação do int er esse geral, independent e das est rat ifi cações sociais exist ent es. Há a suspensão dos int er esses m at er iais individu-ais em nom e de se alcançar um r esult ado j ust o e cor r et o. Pr et ensão m ovida por um disposit ivo “ m oral” do bem com um .
A sociedade civil, acadêm icos e or ganism os de Est ado ou I nt er nacionais com o o Banco Mundial ou a Com issão Mundial de Bar ragens t êm apont ado pr oblem as r ela-cionados a um a det er m inada lógica em pr esar ial que pr ivilegia os aspect os econôm i-cos em det r im ent os dos socioam bient ais em r elação a grandes em pr eendim ent os de infra- est r ut ura, sobr et udo as hidr elét r icas ( SOUZA, 2009) .
A lógica de gest ão que vê nos em preendim ent os a razão para j ust ifi car im pact os, os quais poder iam ser evit ados ou que causam im pact os sociais e am bient ais que, às vezes, não se j ust ifi cam pelos pr ópr ios em pr eendim ent os, concr et am ent e, boicot a ou pr oduz um r et r ocesso em r elação à em er gência de um a esfera pública que vê no Est ado o fi ador e o agent e at ivo e pr oposit ivo garant idor das condições para que o ideário liberal se realize, qual sej a, o desenvolvim ent o econôm ico com fruição de t odos e par t icipação na esfera pública ( HABERMAS, 1984) .
Nesse sent ido, se faz necessário que se aprim ore a qualidade, t ant o dos Est udos de I m pact o Am bient al, quant o da par t icipação social nos pr ocessos de licenciam ent o am bient al.
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