rev bras reumatol.2016;56(1):86–89
w w w . r e u m a t o l o g i a . c o m . b r
REVISTA
BRASILEIRA
DE
REUMATOLOGIA
Relato
de
caso
Anormalidades
esqueléticas
da
síndrome
tricorrinofalangiana
tipo
I
Guilherme
Monteiro
de
Barros
e
Adriana
Maria
Kakehasi
∗UniversidadeFederaldeMinasGerais,BeloHorizonte,MG,Brasil
informações
sobre
o
artigo
Históricodoartigo:
Recebidoem24deabrilde2014 Aceitoem26deagostode2014
On-lineem20denovembrode2014
Palavras-chave:
SíndrometricorrinofalangianatipoI Malformac¸õesarticulares
Síndromegenética
r
e
s
u
m
o
Asíndrometricorrinofalangiana(STRF)tipoIéumadoenc¸agenéticarara,relacionadacom amutac¸ãonogeneTRPS1docromossomo8.Écaracterizadaporanomaliascraniofaciaise distúrbiosnaformac¸ãoematurac¸ãodamatrizóssea.Ascaracterísticassãocabelosralose quebradic¸os,tendênciaàcalvícieprematura,narizbulbosoemformatodepera,filtronasal longoeplanoebaixaimplantac¸ãodasorelhas.Asalterac¸õesesqueléticasmaisnotáveis sãoaclinodactilia,asepífisesdasfalangesdasmãosemformadecone,abaixaestatura easmalformac¸õesnaarticulac¸ãodoquadril.Relata-seocasodeumadolescente diagnos-ticadocomSTRFeencaminhadoparaavaliac¸ãoreumatológicaemdecorrênciadequeixas articulares.
©2014ElsevierEditoraLtda.Todososdireitosreservados.
Skeletal
abnormalities
of
tricho-rhino-phalangeal
syndrome
type
I
Keywords:
Tricho-rhino-phalangealsyndrome typeI
Jointmalformations
Geneticsyndrome
a
b
s
t
r
a
c
t
TheTricho-rhino-phalangeal syndrome (TRPS)type Iis a rare geneticdisorder related totheTRPS1 genemutation inchromosome 8,characterizedbycraniofacial abnorma-litiesanddisturbancesinformationandmaturationofbonematrix.Thehallmarksare sparseandbrittlehair,tendencytoprematurebaldness,bulbousnosecalledpear-shaped, longandflatfilterandlowearimplantation.Themostnoticeableskeletalchangesare clino-dactyly,phalangealepiphysesofthehandsappearingascone-shaped,shortstatureandhip jointmalformations.WereportacaseofateenagerboydiagnosedwithTRPSandreferred forrheumatologicevaluationduetojointcomplaints.
©2014ElsevierEditoraLtda.Allrightsreserved.
∗ Autorparacorrespondência.
E-mail:amkakehasi@gmail.com(A.M.Kakehasi).
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbr.2014.08.018
rev bras reumatol.2016;56(1):86–89
87
Introduc¸ão
Descritapelaprimeira vezporGiedion,asíndrome tricorri-nofalangiana(STRF)tipoIéumadoenc¸araracausada pela haploinsuficiênciadogeneTRPS1,queestálocalizadono cro-mossomo8.1Essegeneestárelacionadocomadecodificac¸ão
de fatores de transcric¸ão envolvidos na regulac¸ão da
mineralizac¸ãoósseadopericôndrioenaproliferac¸ãoe apop-tosedoscondrócitos.ASTRFéclassificadaemtrêssubtipos: ostiposIeIIItêmmanifestac¸õesclínicasdistintasdeacordo comamutac¸ãonoTRPS1ediferemclinicamentepelograude malformac¸ões.2OtipoIItemcomocaracterísticaaassociac¸ão
deatrasointelectualeexostosesósseas.3Namaiorpartedos
casos,asíndromeéautossômicadominanteecaracterizada
porbaixaestatura,cabelosfinosealopecia,narizemforma depera,malformac¸õescraniofaciaiseesqueléticase deformi-dadenasarticulac¸õesdasfalanges.Emboraasíndromeseja rara,osindivíduospodemchegaraoreumatologistaem dife-rentesidadesetrazerdiagnósticosdiferenciaisqueincluem aartriteidiopáticajuvenileadoenc¸adeLegg-Calvé-Perthes. Alémdasalterac¸õesnasmãosenospés, adegenerac¸ãoda articulac¸ãodoquadrilpodeserumaconsequênciagrave,em razãodopotencialcomprometimentofuncionalprecoce.Essa doenc¸agenéticaapresentaumamploespectroclínico,exerce
umimportante impactosobreopaciente eseus parentese
exigeumaabordagemmultidisciplinar.
Relato
de
caso
Umjovemdosexo masculinode 17 anosfoi avaliadocom
queixasdedorcrônicanosquadrisenasarticulac¸ões inter-falângicasdasmãos.Nosúltimossetemesesforaobservada tambémdornasarticulac¸õesdoquadrilduranteas ativida-desdesportivas,oquelevouopacienteàavaliac¸ãodosistema
musculoesquelético.Não foram observados rigidez matinal
nemsinaisinflamatóriossignificativos.Nãohouverelatode
febrenemperdade peso.Haviacincoanossuamãe
obser-voudeformidade simétricanasarticulac¸ões interfalângicas
proximais das mãos, caracterizada por edema local e dor
mecânicainsidiosa.Em2009,duranteainvestigac¸ãodabaixa
estatura, o paciente foi diagnosticado com síndrome
tri-corrinofalangiana tipo I por meio de um estudo genético.
O desenvolvimento cognitivo era normal. O exame físico
mostrava rosto triangular com nariz alongado (formato de
pera),presenc¸adesulconasogenianomedianoeafunilamento doslábios,cabelosfinosequeixoproeminente,ressaltodas articulac¸õesinterfalângicasdasmãos,sempresenc¸aderubor nemcalor local(fig.1).Não havia doràmanipulac¸ãonem
limitac¸ãoaomovimentonosmembrossuperiores.
Observou--sejoelhovarodiscretoedorcomlimitac¸ãodosmovimentos
em articulac¸ões do quadris. Os exames laboratoriais eram
essencialmentenormais:VHSde2mm/hora, PCR<6mg/L
(valordereferência<8mg/L),anticorposantinuclearesefator
reumatoidenegativos,creatininaehemogramatambém
nor-mais.Aradiografiadasmãosmostroudimorfismoósseona
falangedistaldopolegarenafalangemédiadosoutrosdedos,
caracterizadopeloencurtamentoealargamentodametáfise
proximal e epífise proximal de forma triangular (fig. 2). A radiografiadasarticulac¸õesdoquadrilmostroucoxaplanae leveesclerosesubcondralnoacetábulofemoraldireito,com preservac¸ão do espac¸o articular. A ressonância magnética (RMN)descartounecroseassépticadoquadrilemostrou acha-tamentodoscolosfemoraisehipertrofiadolábioglenoidal.A avaliac¸ãodadensidademineralóssea(DMO)edacomposic¸ão corporalpelaabsorciometriadeduplofeixederaios-X(DXA) (HologicDiscoveryW)mostroudiminuic¸ãodaDMOnacoluna lombar(Z-scorede-2,3)evalorlimítrofedeconteúdomineral ósseo(Z-scorede-2).Opacienteesuafamíliareceberamapoio sobreodiagnósticoerecomendac¸õesparaapreservac¸ãodas estruturasarticulares.
Discussão
OTRPS1codificaumfatordetranscric¸ãoparaumaproteína
zinco no lócus 8q24. Na maior parte dos casos, o padrão
autossômicodominantecompletamentepenetranteexpresso
indicaumahaploinsuficiênciacomoacausaparaacondic¸ão. AsíndrometricorrinofalangianatipoIécaracterizadaporum narizdepontabulbosa,cabeloescassoedecrescimentolento
88
rev bras reumatol.2016;56(1):86–89Figura2–Radiografiademãosepunhosquemostraencurtamentoealargamentodametáfiseproximaleepífiseproximal deformatotriangular.
eepífisesdosossoslongosdamãoemformadecone.4,5Otipo IIsedistinguepelapresenc¸adedeficiênciasmentais concomi-tanteseexostosesósseaseotipoIIIpelasimultâneabaixa
estatura gravee peloencurtamentodosmetacarpais edas
falanges.4–6Acredita-sequeostiposIeIIIsejampartedeum
espectrocomumdecorrentedemutac¸õesnogeneTRPS1eque sãodiferenciadospelograudedeformidadeesquelética feno-típica.Asdelec¸õesqueabrangemoTRPS1eogeneadjacente distalEXTsãoencontradosnaSTRFtipoII.Acredita-sequeas alterac¸õesnogeneEXTsejamresponsáveispelasdeficiências mentaiseexostosescaracterísticasdessetipo.Aclinodactilia descreveumacurvaoucurvaturadoquintodedonadirec¸ão
doquartodedoepodeserumaanomaliaisoladaouocorrer
emassociac¸ãocomsíndromesgenéticas,comoaSTRF.
Defor-midadescomomãosirregularmentecurtaseatarracadassão
frequentes.Podeocorrerenvolvimentosemelhantedospés,
masemgraumenor.Comonestecaso,podemser
encontra-dasdeformidadesnosquadrisenapelve,comocoxaplana,
coxamagnaouachadosqueseassemelhamàdoenc¸ade Legg--Calvé-Perthes.
Ahistóriaeoexamefísicopodemsugerirodiagnóstico, especialmenteporcausadaaparênciacraniofacialedasmãos noscasostípicos.Asradiografiasdasmãos,dapelveedo qua-drilpodemserúteis.Emboraaepífiseemformadeconena baseda falangeseja típica,podeserencontradaemoutras displasiasesqueléticaseemquase5%dascrianc¸asedos ado-lescentessaudáveis.Pode-sefazeraanálisedosgenesTRPe EXTnolócus8q24paraidentificaramutac¸ãoresponsável.6No
pacientedescritonesteestudo,nãohárelatosdeparentescom
condic¸ãosemelhantee,provavelmente,umamutac¸ão
espo-rádicafoiaresponsável,comorelatadoporBoothem1981.7
Hárelatosdeanormalidadescardíacaseneurológicas,8mas
nenhumadessasfoiencontradaemnossopaciente.Nãofoi
descritaassociac¸ão com adoenc¸a autoimune e osexames
laboratoriaisimunológicossãoessencialmentenormais.
Também são descritas maturac¸ão esquelética tardia e
degenerac¸ão precoce dos quadris.Este relato de caso con-firmaasprincipaiscaracterísticasdasíndromeeacrescenta
informac¸ões sobre o exame de ressonância magnética e a
composic¸ãocorporalporDXA.Ambososmétodos
diagnós-ticossãoferramentasúteisnaavaliac¸ãodascaracterísticas fenotípicasetrazemmaisinformac¸õessobreas consequên-ciasarticulareseosdistúrbiosdecrescimento.Acontribuic¸ão daressonânciamagnéticaresidenapossibilidadedeavaliac¸ão precoce doestadodascartilagensarticularesepossibilitaa exclusãodeoutrasdoenc¸asoucomplicac¸ões,comoanecrose assépticadoquadril.
A baixa densidade mineral óssea pode ser outra
complicac¸ão em indivíduos jovens com síndrome
tricor-rinofalangiana.Umaavaliac¸ãoapropriadadasituac¸ãoóssea
najuventudecompreendeacombinac¸ãodedensidade
mine-ral da coluna lombar e conteúdo mineral ósseo por DXA.
Nesse caso,emface aosresultados,podem ser
implemen-tadas estratégias para minimizar a evoluc¸ão desfavorável.
A maturac¸ão ósseatardia também pode seracompanhada
peloDXA.Éimportantelembrarqueocorpototaleacoluna
lombarsãoos locaisaserem avaliadosemindivíduoscom
menosde20anos.
Uma das características da síndrome é a ampla
varie-dadedesuasmanifestac¸õesclínicas,quevãodeumasimples alterac¸ãonasfalangesàbaixadensidademineralóssea,com
alto risco de fraturas por fragilidade. Além dos cuidados
musculoesqueléticos, os pacientes com síndrome
tricorri-nofalangiana devem ser acompanhados para determinar o
desenvolvimento de distúrbios endócrinos, como o
hipoti-reoidismo, a deficiência de hormônio de crescimento e a
hipoglicemiaidiopática.5
Estudos experimentaistêm possibilitadoavaliaro papel
específicodoTRPS1nodesenvolvimentodorim.
rev bras reumatol.2016;56(1):86–89
89
earticulac¸õesdas falangescom formac¸ãoincompleta.Isso poderevelarqueoTRPS1atuanaviadesinalizac¸ãoBmp7/p38 MAPK/TRPS1,responsávelpormediarainduc¸ãodatransic¸ão
mesenquimalpara epitelial, que levaà formac¸ãode
túbu-losegloméruloseéessencialparaodesenvolvimentorenal normal.9
Quesetenha conhecimento,este éosegundo casoque
estásendodescritonoBrasileacrescentainformac¸õessobre
opossível usode examesde imagemda arquitetura óssea
ecartilaginosaedaanálisedacomposic¸ãocorporal.10Além
disso,paraosreumatologistas,émuitoimportantereconhecer asíndrome,primeiroporcausadotratamentoemlongoprazo dasqueixasarticularesesegundolugarporqueessasíndrome podeassemelhar-seàartriteidiopáticajuvenil,àdoenc¸ade Legg-Calvé-Perthesoua displasiasesqueléticas.O valorda avaliac¸ãoprecocetambémresidenaprestac¸ãodeapoio
ade-quadoeaconselhamentoaopacienteeseusparentesparao
planejamentofamiliar.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
r
e
f
e
r
ê
n
c
i
a
s
1. GiedionA.Dastricho-rhino-phalangealsyndrom.Helv PaediatrActa.1966;21:475–82.
2.LudeckeHJ,SchaperJ,MeineckeP,MomeniP,GroS,Von HultumD,etal.Genotypicandphenotypicspectrumin tricho-rhino-phalangealsyndrometypesIandIII.AmJHum Genet.2001;68:81–91.
3.LangerLOJr,KrassikoffN,LaxovaR,Scheer-WilliamsM, LutterLD,GorlinRJ,etal.Thetricho-rhinophalangeal syndromewithexostoses(orLanger-Giedionsyndrome): fouradditionalpatientswithoutmentalretardationand reviewoftheliterature.AmJMedGenet.1984;19: 81–111.
4.BurgessRC.Trichorhinophalangealsyndrome.SouthMedJ. 1991;84:1268–70.
5.VaccaroM,GuarneriC,BlandinoA.Trichorhinophalangeal syndrome.JAmAcadDermatol.2005;53:858–60.
6.SayedCJ,MatheisP,MorrellDS.Hypotrichosis,bulbousnose, andcone-shapedepiphysesinan8-year-oldgirl.Pediatr Dermatol.2008;25:557–8.
7.BoothCW,MaurerWF,KayeC.Denovo9:11translocationina sporadiccaseoftrichorhinophalangeal(I)syndrome. PediatricResearch.1981;15:559.
8.RuéM,LudeckeHJ,SibonI,RichezC,TaineL,Fouber-Samier A,etal.Rheumatologicandneurologicaleventsinanelderly patientwithtricho-rhino-phalangealsyndrometypeI.EurJ MedGenet.2011;54:e405–8.
9.SunY,GuiT,ShimokadoA,MuragakiY.Theroleof tricho-rhino-phalangealsyndrome(TRPS)1inapoptosis duringembryonicdevelopmentandtumorprogression.Cells. 2013;2:496–505.