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A relação entre a serpente e satã em Paradise Lost

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MARCOS AURÉLIO ZAMITH FERNANDES

A RELAÇÃO ENTRE A SERPENTE E SATÃ EM PARADISE LOST

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A RELAÇÃO ENTRE A SERPENTE E SATÃ EM PARADISE LOST

Trabalho de dissertação apresentado ao Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Letras.

ORIENTADOR: Prof. Dr. João Cesário Leonel Ferreira

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F363r Fernandes, Marcos Aurélio Zamith.

A relação entre a Serpente e Satã em Paradise Lost / Marcos Aurélio Zamith Fernandes – São Paulo , 2016.

102 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2016.

Orientador: Prof. Dr. João Cesário Leonel Ferreira Referência bibliográfica: p. 99-102.

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A RELAÇÃO ENTRE A SERPENTE E SATÃ EM PARADISE LOST

Trabalho de dissertação apresentado ao Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Letras.

Aprovada em

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. João Cesário Leonel Ferreira Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof.ª Dr.ª Glória Carneiro do Amaral Universidade Presbiteriana Mackenzie

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A Deus, que pela Sua providência governa todas as coisas (Sb 14:3).

A familiares pelo apoio dado e disposição de ajudar-me durante o curso, em particular ao meu pai, Odilon Truman, e ao meu tio Francisco Zamith.

Aos meus amigos Danielli Morelli, Ana Caltabiano, Rita Petrucelli, Haim Fridman, Thiago Blumenthal, Reuel Martinez, Lucas Nishikawa e Juliana Pereira, pela convivência e pelos assuntos discutidos, parte integrante do meu aprendizado como mestrando.

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No princípio, Deus criou o céu e a terra.

Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo,

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Este trabalho visa a analisar a personagem Satã da obra épica Paradise Lost do escritor puritano John Milton (1608-1674). Mais especificamente, objetiva-se oferecer uma resposta à questão: de que maneira os traços da serpente refletem Satã? Para isso, a análise se dividiu em partes. No primeiro capítulo, apresentou-se o contexto de produção e recepção literárias da obra Paradise Lost com a finalidade de mostrar características desse corpus e relacioná-las com outras obras literárias e com seu momento histórico. No segundo capítulo, aplicaram-se à protagonista conceitos da teoria da narrativa de Mieke Bal (1997) para que fosse fundamentada teoricamente a análise de Satã em si mesmo e em relação a outros elementos da narrativa. Finalmente, no terceiro capítulo, com base numa lista de características fornecidas por Charlesworth (2010) a respeito do animal serpente (especialidade do autor), relacionaram-se essas características com a serpente de Milton de modo que se compreendessem traços da personagem serpente que em conjunto se relacionam com Satã. Esta análise se justifica na medida em que se encontraram vários trabalhos sobre o Satã de Paradise Lost, no entanto nenhum cujo tema fosse delimitado dessa forma. Escolhidos uma teoria da narrativa e textos da fortuna crítica de Milton e de sua épica pertinentes ao presente tema, espera-se que esta dissertação permita que o leitor de Paradise Lost adquira uma visão mais apurada a respeito da função da personagem Satã na trama, em particular da forma de serpente tentadora assumida por Satã.

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This work aims at analyzing the character of Satan in the epic work Paradise Lost by the Puritan writer John Milton (1608-1674). More specifically, it aims at offering an answer to the question: in what manner do the traits of the serpent reflect Satan? In order to do that, the analysis was divided into parts. In the first chapter, it was presented the context of the literary production and reception of the work Paradise Lost in order to show features of this corpus and to relate them to other literary works and with its historical moment. In the second chapter, concepts of the narrative theory of Mieke Bal (1997) were applied to the protagonist so that the analysis of Satan in itself and in relation to other elements of the narrative was theoretically based. Finally, in the third chapter, based on a list of features provided by Charlesworth (2010) about the animal serpent (author's expertise), these features were related to the Milton's serpent so that one comprehends traits of the character of the serpent that together relate to Satan. This analysis is justified because many works were found about the Satan of Paradise Lost, nevertheless none whose theme was delimited in that manner. Once a narrative theory and texts from the literary criticism on Milton and of his epic poem pertinent to the current theme were chosen, it is expected that this dissertation allows the reader of Paradise Lost to acquire a more accurate view on the function of the character of Satan in the plot, particularly in the form of the tempting serpent assumed by Satan.

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1. INTRODUÇÃO ………... 19

1.1 OBJETIVOS ………. 21

1.2 TEMÁTICA E PROBLEMATICIDADE ………. 21

1.3 HIPÓTESE ……… 21

1.4 JUSTIFICATIVA ……….... 23

1.5 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E FORTUNA CRÍTICA ... 24

2. CONTEXTO DE PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DE PARADISE LOST ... 26

2.1 MOVIMENTO PURITANO ... 27

2.2 MODELOS CLÁSSICOS ... 32

2.2.1 Epopeia primária ... 37

2.2.2 Epopeia secundária ... 39

2.3 BÍBLIA DE MILTON ... 41

2.4 INFLUÊNCIA DE MILTON ... 45

3. ANÁLISE LITERÁRIA DA PERSONAGEM “SATÔ ... 48

3.1 TEORIA DA NARRATIVA DE BAL ... 48

3.2 TRIMORFISMO DE SATÃ ... 50

3.3 SATÃ E OUTROS ELEMENTOS DA NARRATIVA ... 52

3.3.1 Texto ... 52

3.3.2 História ... 54

3.3.3 Fábula ... 60

3.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE SATÃ ... 67

4. A SERPENTE E SATÃ ... 68

4.1 A SERPENTE ... 70

4.1.1 Ausência de braços e pernas / movimento (quase) circular ... 72

4.1.2 Ausência de ouvido ... 73

4.1.3 Ausência de voz ... 73

4.1.4 Ausência de pálpebras e de visão em algumas ... 75

4.1.5 Movimento rápido e sem som ... 77

4.1.6 Dois pênis / muitos descendentes ... 77

4.1.7 Língua bífida ... 78

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4.1.10 Sangue frio ... 81

4.1.11 Quase invisível ... 81

4.1.12 Não demonstração de medo ... 82

4.1.13 Troca de pele ... 83

4.1.14 Desaparecimento na terra ... 84

4.1.15 Possibilidade de beleza surpreendente ... 84

4.1.16 Veneno mortal ... 85

4.1.17 Ausência de emoção facial ... 86

4.1.18 Posição de pé / falo ... 87

4.1.19 Penetração no jardim ... 87

4.1.20 Grandeza e majestade ... 88

4.1.21 Misteriosa e desconhecida ... 88

4.1.22 Antissocial / sem comunicação com o homem ... 90

4.2 ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE A SERPENTE E SATÃ ... 91

4.2.1 No Céu ... 91

4.2.2 No Inferno ... 91

4.2.3 Na Terra ... 92

4.3 SÍNTESE DA RELAÇÃO ENTRE A SERPENTE E SATÃ ... 95

5. CONCLUSÃO ... 97

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1. INTRODUÇÃO

No Mestrado em Letras, tenho tido a intenção de procurar alguma obra literária que compreendesse tanto temas filosóficos quanto teológicos, que são do meu interesse. Paradise Lost de Milton é uma obra literária que responde a esse interesse. Além disso, por ser uma obra da literatura inglesa, o tema desta dissertação de Mestrado tem afinidade com a disciplina Literatura em Língua Inglesa que tenho lecionado no Ensino Superior.

Do ponto de vista da literatura, meu interesse é despertado à proporção que me é possível tanto analisar a narrativa de Milton – o Dante do protestantismo (CARPEAUX, 2011) – à luz de uma teoria da narrativa, quanto poder fruir de uma maior animação das personagens em relação ao Gênesis (intertexto de Paradise Lost), em particular da serpente, que participa do clímax da narrativa, sendo ela o objeto de estudo desta pesquisa.

Paradise Lost1 (1674) é um poema épico em versos brancos, composto de 12 Livros, do escritor puritano inglês John Milton (1608-1674). Com base em Drabble (2000, p. 762-763), seu enredo, em resumo, é assim estruturado:

Livro I: O poeta invoca a “musa celestial”; são apresentados a queda do homem pela desobediência e o arcanjo derrotado Satã, que convoca um conselho de demônios.  Livro II: O conselho debate se devem batalhar para recuperar o Céu; Belzebu anuncia

a criação de “um outro Mundo, o assento feliz de alguma nova Raça chamada Homem” (PL II.347-348); Satã decide visitá-lo sozinho.

Livro III: Milton prediz o sucesso de Satã e a queda e punição do homem; o Filho de Deus se oferece como resgate e é exaltado como o Salvador; Satã se disfarça de querubim para entrar na Terra.

Livro IV: Satã, que decide que o Mal seja o seu Bem (PL IV.110), escuta a conversa de Adão e Eva sobre a árvore do conhecimento proibida e decide tentá-los a desobedecer à proibição.

Livro V: Rafael, enviado por Deus, vai ao Paraíso, avisa Adão do perigo que o circunda e lhe ordena obediência; discursam sobre livre-arbítrio, predestinação e como Satã inspirou suas legiões a se revoltarem contra Deus.

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Livro VI: Rafael continua sua narrativa contando como Miguel e Gabriel foram enviados para lutar contra Satã.

Livro VII: Rafael descreve os seis dias da criação, terminando com a criação do homem, e renova o alerta a Adão de que a morte será a penalidade se comer do fruto da árvore do conhecimento.

Livro VIII: Adão inquire sobre o movimento dos corpos celestiais – controvérsia sobre os sistemas ptolomaico e copernicano – e a resposta de Rafael é “duvidosa”.

Livro IX: Satã entra no corpo da serpente, persuade Eva a comer do fruto da árvore do conhecimento; Eva leva Adão ao fruto e ele, também comendo do fruto, decide perecer com ela.

Livro X: Satã retorna ao Inferno e anuncia sua vitória; ele e seus anjos são transformados em serpentes; Adão acusa Eva, mas, reconciliados, decidem buscar a misericórdia do Filho de Deus.

Livro XI: Deus decreta que Adão e Eva devem deixar o Paraíso e envia Miguel para executar sua ordem.

Livro XII: Miguel descreve a vinda do Messias, sua encarnação, morte, ressurreição e ascensão, o que leva Adão a se alegrar.

A temática da obra é tanto filosófica quanto religiosa: estabelece interdiscursividade com narrativas míticas que tratam de temas universais como a origem e queda do homem, o mal no mundo, como também estabelece intertextualidade com o primeiro livro bíblico, o Gênesis, funcionando como uma releitura do texto original por manter elementos originais do Gênesis – como personagens (Adão, Eva, serpente), espaço (Éden), ações (escolha de desobediência a Deus) – e, finalmente, inclui elementos ausentes no Gênesis, como a caracterização de personagens (Satã alado e majestoso, Deus Pai e Filho), espaço (Inferno situado além do caos, particularização do fruto proibido como maçã), ações (conselho no Inferno para Satã se vingar de Deus, diálogos com arcanjos, romantismo entre Adão e Eva) etc. Além de exemplo da literatura religiosa, Paradise Lost é considerado a obra-prima de Milton (HACHT; HAYES, 2009). “Conspícuo entre todos seus contemporâneos como o poeta representativo do Puritanismo e, por consentimento quase igualmente geral, distintamente o maior dos poetas ingleses exceto Shakespeare, está John Milton2.” (FLETCHER, 1919, p. 203, tradução nossa). “O Paradise Lost é um monumento. Uma epopeia pelo menos igual à

2“Conspicuous above all his contemporaries as the representative poet of Puritanism, and, by almost equally

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Gerusalemme liberata e a Os Lusíadas, uma das poucas epopeias que ainda se leem com admiração sincera.” (CARPEAUX, 2011, p. 801).

1.1 OBJETIVOS

O objetivo geral deste trabalho de mestrado é explicar como as características da serpente refletem a personagem Satã.

Os objetivos específicos são:

1. Apresentar o contexto de produção e recepção literárias da obra Paradise Lost, o corpus deste estudo;

2. Aplicar conceitos da teoria da narrativa de Bal (1997) a Satã e outros elementos da narrativa relacionados;

3. Mostrar significações simbólicas relativas à serpente de Milton de 22 características da serpente listadas por Charlesworth (2010);

1.2 TEMÁTICA E PROBLEMATICIDADE

Dos vários temas possíveis de serem analisados numa obra literária, escolhe-se neste trabalho delimitar a análise à personagem serpente, que é a terceira forma assumida por Satã (após as formas de arcanjo celestial e de príncipe dos demônios).

De acordo com Cervo, Bervian e Silva (2007, p. 75), “problema é uma questão que envolve intrinsecamente uma dificuldade teórica ou prática, para a qual se deve encontrar uma solução.” A dificuldade teórica que gera a problematicidade desta pesquisa é expressa pela questão: “De que maneira os traços da serpente refletem Satã?”. Ou ainda, pretende-se mostrar a correspondência entre características da serpente tentadora e de Satã na narrativa miltoniana.

1.3 HIPÓTESE

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[...] assim o orbe

Cruzou e examinou, e com minúcia Considerou os seres, e qual deles Mais útil fosse aos seus ardis, e achou Ser a serpente a mais sutil das bestas. Após longo debate, e em pensamentos De errante turbilhão, firmou a escolha Seu vaso conveniente e receptáculo

P’ra fraude, onde esconder sugestões negras Da mais fina visão: pois na serpente

De ardis nenhuns ninguém suspeitaria, Como se naturais, de sutil berço Procedendo, o que em outros levaria À suspeição de forças diabólicas

Ativas nos sentidos do que é bruto.3 (MILTON, 2015, p. 591)

Com efeito, Milton, na própria obra, PL IX.86, responde à questão de Satã ter escolhido a serpente para tentar Eva com um intertexto de Gênesis 3:1: “Ser a serpente a mais sutil das bestas4” (MILTON, 2015, p. 591).

A personagem serpente, parcialmente verossímil à serpente real, após inspeção profunda foi escolhida por Satã. Ela comporta um simbolismo cujo conjunto dos traços seus nos permite relacioná-los a Satã, seja pelos traços, seja pelas ações deste.

Assim, para provar a hipótese de que a serpente contém um conjunto de traços que refletem Satã, tomam-se do conjunto de “trinta e duas características virtualmente únicas de uma cobra” resumidas em Charlesworth (2010) (embora o autor tenha maior preocupação em mostrar a possibilidade de a serpente simbolizar elementos positivos) 22 que podem ser atribuídas à serpente de Milton.

3“[...] thus the orb he roamed

With narrow search; and with inspection deep Considered every creature, which of all

Most opportune might serve his wiles, and found The serpent subtlest beast of all the field. Him after long debate, irresolute

Of thoughts revolved, his final sentence chose Fit vessel, fittest imp of fraud, in whom To enter, and his dark suggestions hide From sharpest sight: for in the wily snake, Whatever sleights none would suspicious mark, As from his wit and native subtlety

Proceeding, which in other beasts observed Doubt might beget of diabolic power

Active within beyond the sense of brute.” (PL IX.82-96)

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1.4 JUSTIFICATIVA

Tamanha é a importância de Satã em Paradise Lost que vários trabalhos acadêmicos – em sua maioria em língua inglesa, mas também em língua portuguesa – têm sido feitos sobre a personagem. Há como exemplos queda dos anjos5, argumentação de Satã6, trimorfismo de Satã7, estudo de gênero/sexo8, origem e significação9, representações do diabólico10, etos satânico11, psique de Satã12, relação com a tradição medieval13, evolução de Satã em Paradise Lost e Paradise Regained14, melancolia de Satã15, promessa de transcendência16, dualidade no herói-vilão trágico17 etc. Assim sendo, dentro do contexto de diversas análises sob diferentes vieses acerca do Satã miltoniano, é relevante também buscar o significado da terceira forma assumida pela protagonista na épica, a serpente, haja vista no texto literário a maior elaboração de elementos da narrativa como funções e relações de personagens, descrição de espaço, em face do texto do Gênesis: “[...] o Paradise Lost distingue-se de todas as outras epopeias por mais uma qualidade especial: a força dramática da caracterização das personagens; sobretudo o Satã de Milton é um dos maiores personagens dramáticos da literatura universal.” (CARPEAUX, 2011, p. 801). Nas palavras de Shoulson (2014):

5 BUTLER, George F. Giants and Fallen Angels in Dante and Milton:The Commedia and the Gigantomachy in

Paradise Lost. Modern Philology. The University of Chicago Press, v. 95, n. 3, p. 352-363, 1998.

6 FERNANDES, Fabiano Seixas. Lógica luciferina: argumentação em Paradise Lost, de John Milton. Acta Scientiarum. Language and Culture, Maringá, v. 35, n. 3, p. 233-244, julho-setembro, 2013.

7 KASTOR, Frank Sullivan. Lucifer, Satan, and the Devil: a genesis of apparent inconsistencies in Paradise Lost.

1963. 218 f. Tese (doutorado em Língua e literatura gerais) – University of California, Berkeley. pdf.

8 WIEST, Kari Anne. Milton’s feminized Satan: a study of gender imbalance in Paradise Lost. 2014. 64 f.

Dissertação (mestrado em Artes / inglês) – Grand Valley State University. pdf.

9 SIEMENS, Katie. Milton’s Satan: a study of his origin and significance. 1953. 180 f. Dissertação (mestrado em

Artes / inglês) – The University of British Columbia. pdf.

10STUTZ, Chad P. No “Sombre Satan”. Religion and the Arts, Boston, v. 9, n. 3, p. 208-234, 2005.

11 ZART, Paloma Catarina. O etos satânico: a oratória entrecortada de um rebelde renegado. 2011. 137 f.

Dissertação (mestrado em Letras) – Universidade Federal de Santa Maria. pdf.

12 BROWN, M. Dawn Henderson. Original and eternal seduction: Satan’s Psyche in Paradise Lost. 2008. 57 f.

Dissertação (mestrado em Artes / inglês) – University of North Carolina Wilmington. pdf.

13 MATHEWS, Justin Lee. Paradise Lost and the medieval tradition. 2008. 90 f. Dissertação (mestrado em Artes

/ literature inglesa) – Western Kentucky University. pdf.

14 CAMMARERI, Nicole. The Evolution of Milton’s Satan through Paradise Lost and Paradise Regained and Milton’s Establishment of the Hero. 2011. 42 f. Dissertação (mestrado em Artes / inglês) – Stony Brook University. pdf.

15 OWEN, Thomas Clinton. The humorous despair: the melancholy of Satan in John Milton’sParadise Lost. 1971.

95 f. Dissertação (mestrado em Artes / inglês) – Texas Tech University. pdf.

16 MISTLER, Thomas Christopher. The paradise within thee: the undying promise of transcendence inParadise

Lost. 2012. 43 f. Dissertação (mestrado em Artes / inglês) – Stony Brook University. pdf.

17 MICALLEF, Jessica. Duality in Milton’s Tragic Hero-Villain in Paradise Lost. 2013. 59 f. Monografia

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[...] a retenção de detalhes da Bíblia, sua ausência de interioridade, sua sequência de eventos lacônica, paratática, convida seus leitores a inferirem e inventarem muitas das características da narrativa – impressões subjetivas, motivações pessoais, relações causais entre eventos, e assim por diante – que se encontram mais diretamente fornecidos em outros tipos de narrativas18. (SHOULSON, 2014, tradução nossa)

1.5 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E FORTUNA CRÍTICA

Utiliza-se neste trabalho a teoria da narrativa de Mieke Bal (1997), conforme a autora a expõe em seu livro Narratology: An Introduction to the Theory of Narrative. Bal (1997) aponta o que compreende por “teoria da narrativa” e distingue três camadas num texto narrativo: o texto (text), a história (story) e a fábula (fabula). Ademais, explicita a diferença entre atores (actors) e personagens (characters).

Em seu capítulo sobre os elementos da fábula, uma seção é dedicada a “atores”. Nesse espaço, a autora trata de tópicos como a funcionalidade do ator, a teleologia dos atores, a relação entre a narratologia e a gramática, os actantes, o sujeito e o objeto, o poder e o receptor, o ajudante e o oponente, a desconexão entre “ator” e “pessoa”, a duplicação, o antissujeito, a competência, o valor de verdade – real, segredo, não existente, mentira (actual, secret, non existing, lie) –, relações psicológicas e ideológicas. Desse modo, é possível utilizar a concepção teórica da autora como base para analisar as relações e funções da serpente na narrativa Paradise Lost.

Embora não seja profunda, Gancho (2006) expõe a divisão das características da personagem redonda, que são úteis à análise da personagem Satã na narrativa: características físicas, psicológicas, sociais, ideológicas, morais. Segundo a distinção estabelecida por E. M. Forster entre “personagem plana” e “redonda”19, deve-se considerar Satã como uma personagem redonda, pois, em virtude de suas transformações e ações empreendidas na trama (como seu trimorfismo e estratégia de sedução de Eva), ele pode ser considerado capaz de surpreender de um modo convincente: “O teste de uma personagem redonda é se ela é capaz de surpreender de uma maneira convincente. Se ela nunca surpreende, é plana. Se ela não convence, ela é uma plana fingindo ser redonda20.” (FORSTER, 2010, p. 118, tradução nossa)

18“[...] the Bible’s withholding of details, its absence of interiority, its laconic, paratactic sequencing of events,

invites its readers to infer and invent many of the features of storytelling – subjective impressions, personal motivations, causal relations between events, and so forth – one finds more directly provided in other kinds of narratives.”

19 Um poema épico é narrativo e fictício. Por essa razão, considerou-se apropriada a classificação de personagens

de Forster (2010).

20“The test of a round character is whether it is capable of surprising in a convincing way. If it never surprises, it

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Charlesworth (2010), que despendeu seis anos estudando imagens e símbolos de serpentes, apresenta 32 características da serpente que podem ser buscadas em Paradise Lost e associadas a outros elementos da narrativa, como a imagem de Satã no Inferno, o diálogo entre a serpente e Eva, ações de Adão e Eva, conforme exposto na seção Hipótese.

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2. CONTEXTO DE PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DE PARADISE LOST

É bom lembrar que o pecado dos sociologismos não estava em

relacionar texto e contexto social: estava apenas em dissolver o texto

na história e em seus determinismos. O new criticism e o formalismo russo

cometeram o erro oposto: salvando o texto, esqueceram-se do contexto social.

(MERQUIOR, 2015, p. 178)

Para que se realize a análise de Paradise Lost, assume-se nesta dissertação que se deva levar em consideração o seu contexto de produção e recepção literárias, sem que, como apontado por Merquior (2015) na epígrafe, o contexto social seja seu determinante ou que ele deva ser excluído da análise literária.

Não se pode negar que haja uma relação entre o contexto histórico e a obra literária de modo que informações do seu contexto histórico podem lançar luz sobre a análise. Por exemplo, constatam-se: relações como o conhecimento de latim de Milton e o latinismo em Paradise Lost; o enquadramento de Paradise Lost no gênero épico, assim como a Eneida de Virgílio; a temática bíblica ou cristã de Paradise Lost e a religião de Milton, ou ainda, a intertextualidade com o Gênesis; a cosmologia em Paradise Lost e o geocentrismo e heliocentrismo da Revolução Científica. Assim, é preciso conhecer movimentos, estéticas literárias e fatos históricos da época – ainda que, conforme aponta Souza (2014, p. 92), “fato histórico” seja “uma noção problemática e um tanto desmoralizada” na teoria de hoje – para que se encontrem motivações da criação da obra literária e relações com outras obras, bem como os efeitos de sentido produzidos em seu público-leitor.

Assim, pode-se assumir a conclusão de Amora (2006) no tópico “ambiente cultural” (em sua Introdução à teoria da literatura), que trata da relação entre a obra literária e seu ambiente cultural, da seguinte forma:

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Posta a importância do contexto de produção e recepção da obra literária, as próximas seções deste capítulo tratam do movimento puritano, dos modelos clássicos relacionados com Paradise Lost e da Bíblia e influência de Milton.

2.1 MOVIMENTO PURITANO

Antes de relacionar a obra literária Paradise Lost com o movimento puritano, convém ter uma visão geral da sequência de monarcas da Inglaterra das dinastias Tudor e Stuart, que é ilustrada na tabela abaixo, baseada em Blake e Reveirs-Hopkins (1916):

Dinastia Tudor

Henrique VII (1485-1509) Henrique VIII (1509-1547) Eduardo VI (1547-1553) Maria I (1553-1558) Isabel I (1558-1603)

Dinastia Stuart

Jaime I (1603-1625) Carlos I (1625-1649)

Commonwealth (1649-1660) Carlos II (1660-1685) Jaime II (1685-16880

Dada a sequência dos monarcas, é possível localizar Henrique VIII no século XVI, pois tanto ele quanto João Calvino são duas figuras representativas das Reformas Protestantes.

Conforme Romag (1941, p. 63), João Calvino (1509-64) foi fundador da terceira família protestante.

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Segundo ele, os membros da Igreja são unicamente os predestinados.

Por sua vez, o Protestantismo na Inglaterra teve como verdadeira causa motriz o divórcio de Henrique VIII. Este foi um zeloso defensor da fé católica durante o primeiro período do seu reinado até romper com a Igreja.

Apesar de tudo, Henrique se considerava ainda filho da Igreja Católica, mantendo a antiga fé. Por isso, perseguia a reforma luterana com a mesma sangrenta tirania como a adesão ao papa. Nos seis artigos de 1539, mandou, sob pena de morte, crer e admitir: 1) a transubstanciação, 2) a comunhão debaixo de uma só espécie, 3) o celibato dos eclesiásticos como instituição divina, 4) a obrigação dos votos religiosos, 5) a missa pelos defuntos e 6) a confissão auricular. [...] O primeiro resultado da mudança religiosa na Inglaterra foi, pois, uma Igreja nacional cismática, não herética. (ROMAG, 1941, p. 72)

Tulloch (1861) aponta raízes da Reforma na Inglaterra:

O movimento da Reforma na Inglaterra se tornou caracteristicamente um movimento oficial: o soberano era seu guia e chefe; o Estado objetivava direcionar e regular o curso da inovação, e moldar o novo Protestantismo dentro da conformidade com a constituição histórica e usos venerados do velho Catolicismo. Mas, sob toda essa direção oficial, vivia desde o início um ardor religioso e zelo ativo por reforma, impaciente de controle21. (TULLOCH, 1861, p. 2-3, tradução nossa)

Quanto aos ideais religiosos, informa Long (1919), a época foi de grande fermento: despedaçava-se o grande ideal de uma Igreja nacional como implicado no nome da Igreja Católica – à semelhança do grande governo romano dos primeiros séculos –, que mantinha o ideal de uma Igreja unida de sorte que o esplendor e a autoridade de Roma incidissem sobre a mais humilde vila até os mais longínquos confins da Terra. “No lugar da Igreja em todo o mundo, que era o ideal do Catolicismo, veio o ideal de um Protestantismo puramente nacional22.” (LONG, 1919, p. 188, tradução nossa)

O historiador marxista Christopher Hill (1977) mostra uma diferença de interpretação da revolução inglesa de 1640 (portanto, na dinastia Stuart). Segundo Hill (1977), a explicação

21“The Reform movement in England became characteristically an official movement: the sovereign was its guide

and head; the State aimed to direct and regulate the course of innovation, and to mould the new Protestantism into conformity with the historical constitution and venerated usages of the old Catholicism. But, under all this official guidance, there had lived from the first a religious earnestness and active zeal for reform, impation of control.”

22“[...] instead of the world-wide church which was the ideal of Catholicism, came the ideal of a purely national

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mais comum da revolução é a de historiadores whigs e liberais, segundo a qual o governo era tirânico.

A explicação da revolução do século XVII mais comum, é a que foi apresentada pelos leaders do Parlamento em 1640, nas suas declarações de propaganda e apelos ao povo. E tem sido repetida desde aí, com pormenores e enfeites adicionais, pelos historiadores Whigs e Liberais. Esta explicação diz que os exércitos parlamentares lutavam pela liberdade do indivíduo e pelos seus direitos, consagrados na lei, contra um Governo tirânico que o lançava para a prisão sem processo jurídico, o tributava sem o seu consentimento, aquartelava soldados na sua casa, lhe saqueava os bens e procurava destruir as suas estimadas instituições parlamentares. [...] (HILL,1977, p. 13)

Hill (1977), por outro lado, apresenta a interpretação da escola de historiadores “tory” (em oposição a whig) para quem a política real não era tirânica:

Outra escola de historiadores – aos quais chamamos “Tory”, em oposição aos

Whigs – sustenta que a política real não era de modo nenhum tirânica, que

Carlos I, tal como ele afirmou ao tribunal que o sentenciou à morte, falava, “não pelo meu próprio direito apenas, visto que sou vosso Rei, mas pela verdadeira liberdade de todos os meus súbditos.” [...] (HILL,1977, p. 15-16)

A oposição enfrentada por Carlos era organizada por homens de negócios politicamente identificados com a Câmara dos Comuns e religiosamente com o Puritanismo.

Apresentadas ambas as linhas de interpretação, e sem a pretensão de adotar nesta dissertação como correta uma ou outra visto que se requer uma devida formação no assunto, de acordo com Neto e Milton (2009) vale notar que havia um conflito entre o rei Jaime I na Inglaterra e os puritanos. Jaime I procurou encarnar a doutrina francesa do direito divino dos reis23 e suspeitava de toda religião que não estivesse de acordo com suas ideias sobre Igreja e Estado. Durante a Revolução Protestante, muitos ingleses se converteram ao Calvinismo e aos poucos se formavam como puritanos: seu objetivo era “purificar” a Igreja Anglicana de qualquer resquício católico. Favoreciam um tipo de moralidade ascética e abolição de observâncias “papistas” e condenavam o sistema episcopal de governo da Igreja. Por isso Jaime I os considerava traidores por lhe parecer deslealdade que não se submetessem aos bispos

23“Essa personagem [Jaime I] curiosa, de pernas tortas, língua demasiado comprida (a extremidade saía-lhe da

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nomeados por ele. Carlos I, que sucedeu a Jaime I, mantinha as mesmas ideias acerca do poder real e entrou em oposição com os puritanos.

Embora o Puritanismo seja normalmente associado ao Protestantismo, ele compreendia, segundo Long (1919), todas as matizes de crenças:

Incluía clérigos ingleses bem como separatistas extremos, calvinistas, pactuantes, nobres católicos – todos unidos em resistência ao despotismo na Igreja e no Estado, e com uma paixão pela liberdade e retidão como o mundo nunca viu. [...] e é de uns poucos zelotes e fanáticos que surge a maioria dos nossos equívocos sobre os puritanos24. (LONG, 1919, p. 187, tradução nossa)

O autor acrescenta uma consideração a respeito do valor do movimento puritano:

Que os puritanos tenham proibido o mastro de maio e a corrida de cavalos é de pequena importância comparado ao fato de que lutaram pela liberdade e justiça, que derrubaram o despotismo e tornaram a vida e a propriedade do homem seguras da tirania dos governantes25. (LONG, 1919, p. 187, tradução nossa)

A imagem dos puritanos como teocratas, regicidas, caçadores de bruxas, matadores de índios, caçadores de heresias fanáticos, se arraigou por muito tempo na cultura popular, no entanto, se essas distorções não são falsidades absolutas, são estereótipos profundamente absorvidos. O Puritanismo nunca atingiu uma identidade clara como outros movimentos religiosos dos séculos XVI e XVII tais como o Luteranismo, o Catolicismo, o Calvinismo genebrino. Num nível mais simples, os puritanos procuravam reformar a si mesmos e a sua sociedade purificando suas igrejas dos resquícios dos ensinamentos e práticas católicos romanos encontrados na Inglaterra pós-Reforma (BREMER, 2009).

Long (1919) afirma que o movimento puritano pode ser considerado uma segunda e grande renascença, um renascimento da natureza moral do homem que seguiu o despertar intelectual da Europa nos séculos XV e XVI. O Renascimento foi essencialmente pagão e sensual; houve uma degradação política e moral da Itália, nação culta. Por outro lado, no norte, especialmente entre povos alemães e ingleses, o Renascimento foi acompanhado de um despertar moral. Nesse contexto, se insere o movimento puritano, que tanto visava a tornar os

24“It included English churchmen as well as extreme Separatists, Calvinists, Covenanters, Catholic noblemen, –

all bound together in resistance to despotism in Church and State, and with a passion for liberty and righteousness such as the world has never since seen. [...] and it is from a few zealots and fanatics that most of our misconceptions about the Puritans arise.”

25“That the Puritan prohibited Maypole dancing and horse racing is of small consequence beside the fact that he

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homens honestos pela retidão pessoal quanto a fazê-los livres pela liberdade civil e política. Milton foi um puritano.

Na literatura, a era puritana foi confusa devido à quebra com antigos ideais: padrões medievais de cavalaria, amores e romances impossíveis, uma Igreja nacional. Semelhantemente, não havia padrão fixo de crítica literária que prevenisse os exageros dos poetas metafísicos, que são os paralelos às seitas religiosas como os anabatistas. “Essa assim chamada época sombria produziu alguns poetas menores de trabalho primoroso e um grande mestre do verso cuja obra glorificaria qualquer época ou povo – John Milton, em quem o espírito puritano indomável encontra sua mais nobre expressão26.” (LONG, 1919, p. 189, tradução nossa). Por outro lado, enquanto para Dryden e Johnson os poetas metafísicos revelavam mau gosto, gerações posteriores (desde Coleridge até T. S. Eliot) redescobriram o valor dessa poesia, de modo que os “defeitos” arrolados por Johnson foram interpretados como “virtudes” da poesia por T. S. Eliot (NETO, MILTON; 2009, p. 94).

John Milton foi um polemista em prosa, segundo Sanders (1994). Dois exemplos de produções suas são cinco panfletos que produziu no início dos anos 1640 atacando tanto a ideia quanto as supostas monstruosidades do episcopado inglês e quatro folhetos entre 1643 e 1645 a favor do divórcio com base na infelicidade de seu próprio casamento.

Por fim, segue a afirmação de Hill (2003) a respeito de Milton e seu De Doctrina Christiana (trabalho herético não permitido ser publicado na Inglaterra):

Milton, e muitos outros como ele, acreditava que – admitindo-se a livre discussão – a verdade consensual surgiria entre cristãos honestos e de mente aberta; e passou muitos anos de sua vida dedicando-se à compilação bíblica,

De Doctrina Christiana (Sobre a Doutrina Cristã), que objetivava à

reconciliação de todos os protestantes. O trabalho que ele produziu foi tão radicalmente herético que não pôde ser publicado na Inglaterra, nem mesmo em latim, e quando se tentou publicá-lo depois de sua morte nos Países Baixos, todo o poder da diplomacia britânica foi utilizado para evitá-lo. Tratava-se de um trabalho que estraçalhava a ideia de uma única verdade Bíblica que fosse aceita por todos os governantes de seu país. (HILL, 2003, p. 27)

26“This so-called gloomy age produced some minor poems of exquisite workmanship, and one great máster of

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2.2 MODELOS CLÁSSICOS

Antes de tratar da relação entre Paradise Lost e os modelos clássicos, vale notar a posição de Massaud Moisés (1999) a respeito do tema: ele considera Paradise Lost um malogro relativamente às epopeias greco-latinas:

Explica-se assim que as tentativas de epopeia no século XVII (como o Paraíso

Perdido, de Milton, para não mencionar a Prosopopeia, de Bento Teixeira), e

no XVIII [...] não passassem de malogros, relativamente às epopeias greco-latinas; a Inglaterra e a França já haviam superado a fase intermediária própria ao florescimento da poesia épica, àquela altura em franco declínio nas literaturas ocidentais. A última e única epopeia moderna digna de nome tinha sido Os Lusíadas, porque representava um povo que atingira, com o atraso de sempre, sua fase intermediária. (MOISÉS, 1999, p. 314)

Apesar disso, nesta seção, objetiva-se mostrar como Paradise Lost se relaciona com modelos de obras clássicas. De acordo com Carter e McRae (1998),

É interessante que – como Spenser e Malory antes dele, e como Tennyson dois séculos depois – Milton foi atraído às lendas arturianas como o assunto para a sua grande épica. Mas o tema da Queda vai além de uma épica nacional e deu ao poeta o alcance para analisar a questão inteira da liberdade, do livre-arbítrio e da escolha individual27. (CARTER; MCRAE, 1998, p. 135, tradução nossa)

Em todas as obras de Milton, uma das maiores figuras na literatura inglesa e cuja base dos estudos estéticos era clássica, estão expressos valores de tolerância, de liberdade e de autodeterminação, como expressaram Shakespeare, Hooker e Donne.

Milton é indiscutivelmente o mais consciente de gênero dos poetas ingleses, segundo Lewalski (1999). Quase todos (Bowra; Di Cesare; Hunter; Steadman 1967) concordam que Paradise Lost é uma épica cujas afinidades estruturais são próximas da Eneida de Virgílio e desse modo se redefine o heroísmo nos termos cristãos. Por causa de os valores heroicos terem sido profundamente exagerados na obra o poema às vezes é assinalado como além de épico: pseudomorfo, poema profético, apocalipse, antiépico, épica transcendente (Spencer; Steadman 1973; Wittreich 1975; Tollvier; Webber).

Uma resposta parcial a Milton ter incorporado um espectro tão completo de formas e gêneros literários em Paradise Lost é que muito da teoria crítica do Renascimento apoia a noção da épica como um heterocosmo ou compêndio de assuntos, formas e estilos. “[...] as grandes

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narrativas inglesas do século XVI com reivindicações ao status épico – New Arcadia de Sidney e Faerie Queene de Spenser – eram bem obviamente misturas de épico, romance, pastoral, alegoria e canção28.” (LEWALSKI, 1999, tradução nossa)

Milton emprega modos29 literários específicos em sua epopeia: o modo heroico para Satã e sua sociedade condenada; pastoral, para a vida pré-queda no Éden; trágico, para a vida humana no mundo decaído. Os vários modos importam ao poema valores tradicionalmente associados a eles: “grandes feitos, coragem de batalha, glória (aristeia) para o modo heroico; amor e canção, otium, a vida despreocupada para a pastoral; responsabilidade, disciplina [...]; a pena e o terror da condição humana pelo trágico30.” (LEWALSKI, 1999, tradução nossa)

Lewalski (1999) trata de várias formas literárias presentes em Paradise Lost. Estão associados de perto a Satã a épica clássica, a retórica deliberativa, o solilóquio, o fazer soneto petrarquiano, enquanto outros tipos literários não estão disponíveis a Satã como o verdadeiro diálogo, o louvor de hinos, o otium da pastoral.

De acordo com Kilgour (2014), é possível ler Paradise Lost – um poema épico onde se imagina o início de todas as coisas – sem o conhecimento de suas fontes antigas, no entanto atentar-se ao uso que Milton faz dos clássicos enriquece grandemente a leitura do poema.

Desde os românticos há a tendência de pensar que a poesia se origina do gênio único do poeta, no entanto para a geração de Milton os autores aprendiam a escrever imitando as obras dos escritores anteriores. Para os escritores do Renascimento, a “tradição não era um corpo estático de conhecimento remoto, mas um processo contínuo de transformação no qual eles mesmos desempenhavam um papel dinâmico31.” (KILGOUR, 2014, tradução nossa).

Milton era fluente em latim, grego, italiano, e capaz de ler em muitas outras línguas. “Ambos os poemas latinos e ingleses seus estão cheios de ecos e alusões a épicas clássicas, odes, pastoral, elegia, drama, sátira e invectiva, e também mostram o seu conhecimento das

28 “[...] the major sixteenth-century English narratives with claims to epic status Sidney’s New Arcadia e

Spenser’s Faerie Queene– were quite obviously mixtures of epic, romance, pastoral, allegory, and song.”

29“O termo Modo é apropriado para diversos tipos literários expressivos [expressive literary kinds] pastoral,

satírico, cômico [comedic], heroico, elegíaco e trágico, entre outros que são identificados principalmente pelo objeto formal [subject matter], atitude, tonalidade e motivos, e que interpenetram obras ou partes de obras em diversos gêneros. Por exemplo, podemos ter uma comédia ou romance ou canção pastoral, uma épica ou conto [short story] ou balada trágica, uma epístola de verso ou epigrama ou ensaio satírica.” (LEWALSKI, 1999, tradução nossa).

30“great deeds, battle courage, glory (aristeia) for the heroic mode; love and song, otium, the carefree life for

pastoral; responsibility, discipline [...]; the pity and terror of human condition for the tragic.”

31“[...] tradition was not a static body of remote knowledge but an ongoing process of transformation in which

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traduções europeias e inglesas anteriores e adaptações dos antigos32.” (KILGOUR, 2014, tradução nossa). O fim de Paradise Lost é um tipo de elegia: a perda do Éden e a entrada da morte e do mal no mundo.

Escrever uma épica exigia trabalho difícil e tempo, pois o autor devia não só dominar a técnica poética (em particular para sustentar a narrativa longa), mas também adquirir conhecimento numa ampla variedade de assuntos como ciência, geografia, religião, filosofia, história.

Como todos os gêneros, a épica tem as suas próprias convenções e conjuntos de propriedades, que os leitores esperariam: invocações a musas, um grande herói, catálogos, símiles épicos, batalhas, jogos, narrativas embutidas, a intervenção dos deuses, uma descida ao submundo, uma profecia do futuro, e assim por diante. No entanto, desde as primeiras linhas do poema, Milton mostra como essas convenções ganham novos significados num contexto cristão33. (KILGOUR, 2014, tradução nossa)

Dentre as características citadas pela autora, pode-se identificar, por exemplo: a invocação do narrador à musa celestial já início da obra (PL I.6); o grande herói – “herói trágico”, segundo Forsyth (2014) – que seria Satã por exercer a função de protagonista na trama; a batalha entre os anjos no Céu; a intervenção do Filho para terminar a guerra entre os anjos no Céu ou de Rafael para avisar Adão do perigo que o circundava; a queda de Lúcifer e seus anjos ao Inferno; o relato do anjo Miguel no último Livro sobre o que acontecerá: a encarnação, a morte e a ressurreição da “Semente da Mulher” (a mulher é Eva – cf. PL X.1031), isto é, de Cristo.

Kilgour (2014) estabelece um paralelo: Paradise Lost se torna o nosso telescópio pelo qual o escritor e o leitor podem perceber o próprio mundo épico distante de nós, assim como Galileu (com quem Milton se encontrou quando viajou à Itália em 1638) mostrou pelo seu telescópio a perspectiva de que a Terra gira em torno do Sol.

A mesma autora explica por que a Eneida foi o modelo central para a épica no Renascimento:

32“Both his Latin and English poems are full of echoes and allusions to classical epics, odes, pastoral, elegy,

drama, satire, and invective, and show his knowledge also of earlier European and English translations and adaptations of the ancients.”

33“Like all genres, the epic has its own conventions and set of properties, which readers would expect: invocations

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Onde Aquiles e Odisseu são ambos muito egoístas em suas formas diferentes, Eneias é conduzido pelo dever. Tal autossacrifício pode torná-lo um herói desinteressante aos leitores modernos, mas o fez extremamente atrativo para os leitores cristãos da Idade Média e Renascimento que viram em sua história um protótipo daquele de Cristo. [...] Satã se parece muito com um herói clássico: como Aquiles ele é irritado e se sente desonrado; como Odisseu ele é um viajante astuto; como Eneias, ele conduz seu povo a uma nova pátria. [...] O fato de que ele tem um escudo o alia especificamente com Aquiles e Eneias, cujos escudos são descritos finalmente na Ilíada 18 e Eneida 8. Por essas razões e outras, os românticos pensaram que ele era o verdadeiro herói do poema, com quem o Milton revolucionário estava subconscientemente em simpatia34. [...] (KILGOUR, 2014, tradução nossa)

No tocante à pastoral, da qual Milton sofreu influência por Phineas Fletcher e Spenser, segundo Cuddon (1998), este mesmo autor afirma:

Fundamentalmente, é sobre isso o que a pastoral é: ela exibe uma nostalgia pelo passado, por algum estado de amor e paz hipotético que de alguma maneira foi perdido. A ideia e tema dominantes da maioria das pastorais é a busca pela vida simples longe da corte e da cidade, longe da corrupção, da guerra, da contenda, do amor pelo ganho, longe de “pegar e gastar”. De uma maneira, ela revela uma ânsia por uma inocência perdida, por uma vida paradisíaca pré-Queda na qual o homem existia em harmonia com a natureza. É, assim, uma forma de primitivismo [...] e uma saudade potente por coisas passadas35. [...] (CUDDON, 1998, p. 647, tradução nossa)

Observa-se, então, que as ideias relativas à pastoral se aplicam a Paradise Lost. Ocorre inicialmente a nostalgia pelo passado quando Adão diz a Eva, após terem pecado, que seja buscada uma resolução mais segura (PL X.1029) – subentenda-se a misericórdia de Deus. A corrupção, a contenda são iniciadas quando Satã seduz Eva. A menção de Cuddon (1998) à “pré-Queda” é mais óbvia ainda em Paradise Lost. Confirma-se, enfim, que as cenas no Jardim do Éden – Paraíso delicioso (PL IV.132), que fica agradável à vista de Satã (PL IV.27-28) – nos remetem à tradição pastoral, de acordo com Kilgour (2014).

34“Where Achilles and Odysseus are both in their different ways very selfish, Aeneas is driven by duty. Such self

-sacrifice can make him a rather unappealing hero to modern readers, but it made him extremely attractive for Christian readers of the Middle Ages and Renaissance who saw in his story a prototype of that of Christ. [...] Satan looks very much like a classical hero: like Achilles he is angry and feels dishonored; like Odysseus he is a cunning traveler; like Aeneas, he leads his people to a new homeland. [...] The fact that he has a shield allies him specifically with Achilles and Aeneas, whose shields are described at length in Iliad 18 and Aeneid 8. For these reasons and others, the Romantics thought that he was the true hero of the poem, with whom the revolutionary Milton was subconsciously in sympathy. [...]”

35“Fundamentally, this is what pastoral is about: it displays a nostalgia for the past, for some hypothetical state of

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Segundo Kilgour (2014) ainda, copia-se Satã de modo muito próximo de Ovídio, na medida em que ele se assume como cobra, assim como sua descendente Pecado em relação ao monstro Cila de Ovídio.

[...] Está-se dizendo, portanto, que Satã se apega a formas obsoletas de heroísmo épico. Por toda a mudança de forma de Satã, ele resiste à mudança real, e, ironicamente, copia Ovídio muito de perto: a metamorfose final numa cobra no Livro 10 é baseada numa cena em Metamorfoses 4.563-603. Sua descendente Pecado é ela mesma uma cópia do monstro Cila de Ovídio de Metamorfoses 13-14, uma figura famosa que já havia sido imitada por Spenser e outros escritores36. (KILGOUR, 2014, tradução nossa)

Encontram-se em Paradise Lost, como se pode esperar numa épica, características em grande escala: a batalha entre Céu, Terra e Inferno. É crucialmente a linguagem de Milton que estabelece a estatura do poema. O uso de símiles épicos e alusões extraídos de escritores antigos como Homero e Virgílio é parte do que empresta ao poema ressonância e riqueza. Além disso, o uso de solilóquio e espetáculo visual faz com que o leitor seja constantemente surpreendido por novas perspectivas e novas visões. (PECK; COYLE, 2002, p. 108)

Explica-se proximamente, com base em Baldick (2001) e em C. S. Lewis (1961), a relação entre Paradise Lost e o gênero epopeia, conforme o qual foi produzido.

Na definição de epopeia de Baldick (2001, p. 81-82) constam algumas características que condizem com Paradise Lost:

 um longo poema narrativo: a obra37 tem 10.565 versos, portanto é longa; seus versos são brancos38, notavelmente usados por Milton em Paradise Lost (CUDDON, 1998); por fim, o tipo textual é a narrativa, visto que narra uma sequência de eventos;

 grandes feitos de um ou mais heróis lendários: Satã funciona como o herói lendário em Paradise Lost; grandes feitos seus são a rebeldia e batalha no Céu, a viagem que fez sozinho à Terra e a tentação de Eva;

36“It is tellingtherefore that Satan clings to outmoded forms of epic heroism. For all of Satan’s shape-shifting, he

resists real change, and ironically, copies Ovid too closely: his final metamorphosis into a snake in Book 10 is based on a scene in Metamorphoses 4.563-603. His offspring Sin is herself a copy of Ovid’s monster Scylla from

Metamorphoses 13-14, a famous figure who had already been imitated by Spenser and other writers.”

37 MILTON, John. Paraíso perdido. Tradução de Daniel Jonas. 1ª ed. São Paulo: Editora 34, 2015.

38“O metro de Paradise Lost é o verso branco iâmbico, quase sem exceção em versos de dez sílabas (decassílabos),

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 herói descido dos deuses: os “deuses” seriam o Pai, o Filho, os anjos bons, Lúcifer até que tenha descido ao Inferno com seus anjos rebeldes;

 o herói realiza façanhas sobre-humanas em batalhas: por exemplo, a luta de Lúcifer no Céu que se perpetuaria se o Filho não interviesse;

 o herói realiza viagens maravilhosas: Satã percorre o universo desde o Inferno até o Éden na Terra;

 o herói geralmente salva ou funda uma nação: a façanha de Satã é destruir a “nação” feita por Deus na Terra, para que de algum modo se assemelhe à sua própria no Inferno;

Baldick (2001) prossegue ainda distinguindo duas espécies de epopeia: a primária e a secundária. As primárias ou tradicionais são aquelas derivadas de uma tradição oral de recitação, como a Ilíada e a Odisseia de Homero, ao passo que as secundárias ou literárias são aquelas que imitam as epopeias primárias, como escreveram Virgílio e Milton.

O crítico literário C. S. Lewis (1961), em seu prefácio a Paradise Lost, trata mais profundamente de ambos os tipos de epopeia: a primária e a secundária.

2.2.1 Epopeia primária

C. S. Lewis (1961) dedica os capítulos III, IV e V à epopeia primária e os capítulos VI, VII e VIII à epopeia secundária.

No capítulo III, Epopeia Primária, explica que tem a preferência de fazer a divisão da epopeia em primária e secundária, não significando, porém, que “secundária” se refira à “segunda classe”, mas que derive da primária. Como ilustrações da epopeia primária, utiliza poemas homéricos e o Beowulf inglês.

Afirma que toda poesia é oral, entregue pela voz, além de musical. Há dois tipos de poesia oral: uma poesia popular e uma poesia da corte. Esta, divide-a em poesia da corte leve e poesia da corte séria. A epopeia primária não deve ser identificada com “poesia oral da era heroica” ou com “poesia oral da corte”. Aponta que o autor de Beowulf tem consciência dos diferentes tipos de poesia da corte. Refere-se à epopeia como “a mais sublime e mais séria dentre os tipos de poesia da corte no período oral, uma poesia sobre nobres, feita para nobres e realizada de vez em quando por nobres.

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ideia, fruto de complexo de inferioridade, de que tenha qualquer conexão com vaidade ou presunção. A epopeia é solene; espera-se a pompa.

A tradição da epopeia primária herda a técnica oral – repetições e dicção estilizada de poesia oral – e o tom festivo, aristocrático, público, cerimonioso.

No capítulo IV, A Técnica da Epopeia Primária, afirma que “a característica mais óbvia de uma técnica oral é seu contínuo uso de palavras, frases, ou mesmo linhas inteiras de uso comum39.” (LEWIS, 1961, p. 20, tradução nossa). Essas repetições são uma grande ajuda para o cantor enquanto as está recitando mecanicamente e está formando subconscientemente o próximo verso. Lewis (1961) aponta que essa é uma questão estética: assim como a música não são os melhores sons a se fazer, mas a se ouvir, a boa poesia não é aquela que os homens gostam de compor, mas as que os homens gostam de escutar ou ler.

Na epopeia, que é a mais alta espécie de poesia oral, a linguagem deve ser familiar, mas não familiar no sentido de coloquial ou lugar-comum, pois “qual é o sentido de ter um poeta, inspirado pela Musa, se ele conta as histórias assim como você ou eu as teria contado40?” (LEWIS, 1961, p. 21, tradução nossa). Para comparar com a dicção épica, Lewis (1961) cita como exemplos os rituais de comida de Natal e de liturgia, que são definidos deliberadamente fora do uso cotidiano, mas são completamente familiares. “A dicção também produz o esplendor incansável e a implacável pungência dos poemas homéricos41.” (LEWIS, 1961, p. 23, tradução nossa).

Técnicas de Beowulf são expressões reiteradas, nomes “poéticos”, verso aliterativo... a técnica oral “própria” desse poema é a variação ou paralelismo. “A regra é que aproximadamente tudo deve ser dito mais de uma vez42.” (LEWIS, 1961, p. 26, tradução nossa). No capítulo V, O Assunto da Epopeia Primária43, Lewis (1961) tem a opinião de que o grande assunto não foi uma marca da epopeia primária. Na Odisseia, as aventuras de Odisseu, que voltava da Guerra de Troia, não fizeram daquela guerra o assunto do poema. O interesse recai sobre as fortunas de um indivíduo. A Ilíada tem sido tratada como uma epopeia a respeito do conflito entre o Oriente e o Ocidente. Lewis (1961) não vê a ideia de gregos unidos contra bárbaros, mas o contraste entre a totalidade dos gregos e um membro dessa totalidade. A Guerra

39“The most obvious characteristic of an oral technique is its continual use of stock words, phrases, or even whole

lines.”

40“What is the point of having a poet, inspired by the Muse, if he tells the stories just as you or I would have told

them?”

41“The diction also produces the unwearying splendour and ruthless poignancy of the Homeric poems.” 42“The rule is that nearly everything must be said more than once.”

(39)

de Troia não é o assunto da Ilíada, mas meramente o plano de fundo de uma história puramente pessoal.

Paralelos de outras literaturas sugerem que a epopeia primária simplesmente quer uma história heroica e não se importa com um ‘grande assunto nacional’ [...] A verdade é que a epopeia primária não teve, nem poderia ter tido, um grande assunto no último sentido. Esse tipo de grandeza surge somente quando algum evento pode ser mantido para efetuar uma mudança profunda e mais ou menos permanente na história do mundo, como a fundação de Roma fez, ou ainda mais, a queda do homem44. (LEWIS, 1961, p. 29, tradução nossa)

2.2.2 Epopeia secundária

“O assunto épico, conforme os críticos vieram a entender mais tarde, é invenção de Virgílio; ele alterou o significado da palavra épico45.”, inicia Lewis (1961, p. 33, tradução nossa) no capítulo VI, Virgílio e o Assunto da Epopeia Secundária.

O autor afirma que uma das revoluções mais importantes na história da poesia foi tomar uma simples lenda nacional e tratá-la de modo que percebamos implícito nela um tema mais vasto. Cartago é uma cidade antiga, a boca do Tibre está muito distante: Virgílio está expandindo sua história tanto no tempo quanto no espaço. Os homens, sobre quem é posto um fardo, têm uma vocação; a profecia de Júpiter no Livro I tem vislumbres do futuro; o Lácio está à espera dos troianos. A Eneida é a transição na ordem do mundo: do antigo para o germe do novo. Com Virgílio, a poesia europeia cresce.

“Se devemos ter uma outra epopeia ela deve partir de Virgílio46.” (LEWIS, 1961, p. 39, tradução nossa).

No capítulo VII, O Estilo da Epopeia Secundária, Lewis (1961) afirma que a epopeia secundária almeja uma solenidade maior do que a primária. Afirma também que se deve fazer com que a pessoa privada leitora do livro sinta que esteja presente no ritual solene. Essa “grandeza” ou “elevação” de estilo, conforme diz respeito a Milton, se atinge por três coisas:

44“Parallels from other literatures suggest that Primary Epic simply wants a heroic story and cares nothing about

a ‘great national subject’. [...] The truth is that Primary Epic neither had, nor could have, a great subject in the later sense. That kind of greatness arises only when some event can be held to effect a profound and more or less permanente change in the history of the world, as the founding of Rome did, or still more, the fall of man.”

45“The epic subject, as later critics came to understand it, is Virgil’s invention; he has altered the very meaning of

the word epic.”

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[...] (1) O uso de palavras levemente não familiares e construções, incluindo arcaísmos. (2) O uso de nomes próprios, não somente ou principalmente por seu som, mas porque eles são os nomes das coisas esplêndidas, remotas, terríveis, voluptuosas ou celebradas. [...] (3) Alusão contínua a todas as fontes de interesse elevadas na nossa experiência sensorial (luz, escuridão, tempestade, flores, joias, amor sexual e afins), mas todos cobertos e “gerenciados” com um ar de austeridade magnânima47. [...] (LEWIS, 1961, p. 40-41, tradução nossa)

A função do parágrafo de abertura48 de Paradise Lost é dar a sensação de que algo grande está prestes a acontecer. Milton, como alguns modernos, lança ideias juntas por causa das relações emocionais que têm em nossa consciência; e, diferentemente dos modernos, fornece uma fachada de conexões lógicas: essa é a chave para muitos de seus símiles.

Milton evoca a consciência do Paraíso mantendo o senso de segredo do Éden: coisas infinitamente preciosas, guardadas, trancadas, postas afastadas. No Livro III, Milton faz Satã visitar o Sol com manchas solares recém descobertas por Galileu. As propriedades do Sol, por sua vez, se conectam com o ouro, ao qual são atribuídos poderes ilimitados da alquimia. Encontra-se Uriel, Fogo de Deus, que é um daqueles espíritos que são os olhos de Deus.

O latinismo – uma característica do estilo de Milton – das construções de Milton é severamente criticado. Segundo Lewis (1961), Milton evita a descontinuidade por evitar o que os gramáticos chamam de frase simples. “Ele, portanto, compensa a complexidade de sua sintaxe pela simplicidade dos amplos efeitos imaginativos sob ela e a perfeita retidão de sua sequência49.” (LEWIS, 1961, p. 45, tradução nossa). O inglês, por não ser flexionado, paga o preço de uma ordem fixa de palavras, enquanto que as construções de Milton permitem que o poeta deixe essa ordem fixa para que escolha a ordem das ideias em sua frase.

Milton lida com imagens na mente humana: Céu, Inferno, Paraíso, Deus, Diabo... Enquanto ele descreve sua própria imaginação, na verdade ele desperta a nossa. Enfim, quanto a esse tipo de poesia de Milton, Lewis (1961) defende que conhecemos o nosso centro, o centro da humanidade, não o centro do poeta.

47“[...] (1) The use of slightly unifamiliar words and constructions, including archaisms. (2) The use of proper

names, not solely nor chiefly for their sound, but because they are the names of splendid, remote, terrible, voluptuous, or celebrated things. [...] Continued allusion to all the sources of heightened interest in our sense experience (light, darkness, storm, flower, jewels, sexual love, and the like), but all over-topped and ‘managed’ with an air of magnanimous austerity. [...]”

48“Of man’s first disobedience, and the fruit

Of that forbidden tree, whose mortal taste Brought death into the world, and all our woe, With loss of Eden, till one greater Man

Restore us, and regain the blissful seat,” (PL I.1-5)

49“He therefore compensates for the complexity of his syntax by the simplicity of the broad imaginative effects

(41)

No capítulo VIII, Defesa Desse Estilo, Lewis (1961) trata da manipulação: tanto com a retórica quanto com a poética, usa-se a linguagem para manipular o público. Diz que os críticos antigos estavam certos quando diziam que a Poesia ensinava pelo deleite, ou deleitavam pelo ensino.

Por fim, Lewis (1961) afirma que gigantes, dragões, paraísos, deuses e afins são a expressão de certos elementos básicos na experiência espiritual do homem. Assim, Paradise Lost é útil a essa mesma experiência.

2.3BÍBLIA DE MILTON

De acordo com Hill (2003), no contexto das revoluções do século XVII, a Bíblia teve um papel central em toda a vida da sociedade. Seu vernáculo é a base de uma autoridade monárquica da independência protestante na Inglaterra como também um livro da moralidade. Tinha a vantagem de poder ser citada em defesa de questões heterodoxas ou impopulares assim como os clássicos gregos e romanos, por serem reconhecidos como autoridades impecáveis, difíceis de refutar.

Impressa e muito diferente da Vulgata manuscrita (propriedade privada do clero), a tradução da Bíblia para o inglês foi contemporânea da imprensa.

No século XVII, a Bíblia era aceita como um elemento central em todas as esferas da vida intelectual, não sendo apenas um livro “religioso”. Ela, patrimônio da nação inglesa protestante, deveria ser o fundamento de todos os aspectos da cultura inglesa. Foi também fundamental para toda a vida moral dos séculos XVI e XVII.

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Hoje, quando a cultura impressa se encontra em declínio, talvez seja mais fácil não exagerarmos sua importância. A Bíblia já não era mais o Livro Sagrado secreto, reservado a uma elite instruída. Muitos meninos e meninas aprenderam a ler através dela. Ela já não era mais um mistério acessível unicamente àqueles que conheciam o latim e haviam tido uma educação universitária; durante cerca de dois séculos suas histórias foram um componente essencial de leituras populares leves. Naquela época ainda não havia romances capazes de competir com as excitantes narrativas bíblicas, como a de Noé e sua arca, José e seus irmãos, Jonas e a baleia, Sansão e os filisteus ou a luta entre Davi e Golias. [...] (HILL, 2003, p. 60)

Em relação à literatura, Hill (2003) afirma que a era mais importante da literatura inglesa são os cem anos entre 1580 e 1680. Levou-se tempo até que a Inglaterra tivesse uma literatura comparável à grandeza da Grécia ou Roma. Se o inglês tivesse pretensões literárias, deveria ler em italiano, espanhol e francês. Ao contrário, como não havia autores em inglês com exceção de Thomas More, ninguém se importava em aprender a língua. Já por volta do século XVIII qualquer intelectual europeu deveria ler em inglês.

A Bíblia, que poderia ser uma “autoridade rival” contra os clássicos greco-romanos, oferecia muitos elementos que atraíam um novo público-leitor. “Paráfrases dos Salmos e de outros livros da Bíblia proliferavam: havia poetas capazes de arrancar os dentes para conseguir parafrasear os Salmos ou o Cântico dos Cânticos.” (HILL, 2003, p. 468). Quanto ao drama religioso, “as peças começaram a ser associadas com a licenciosidade dos subúrbios, com a imoralidade e com a profanação do Sabbath. O governo preocupava-se que a ordem pública acompanhasse os escrúpulos protestantes.” (HILL, 2003, p. 473). Carpeaux (2011) afirma que Milton foi poeta dramático, afastado do teatro vivo50 pelas convicções puritanas e pelo ambiente burguês. Enfim, os poemas bíblicos eram uma alternativa a todos os clássicos difundidos. Os leitores comuns recebiam uma nova poesia lírica não pagã da Bíblia vernácula.

Jeffrey Shoulson (2014) escreve o capítulo Milton’s Bible em The Cambridge Companion to Paradise Lost onde trata do papel da Bíblia no poema de Milton, que é cheio de referências bíblicas. Ainda que o poema tome a forma épica e muitas convenções literárias de seus precedentes clássicos, quase todas as suas histórias centrais, temas e personagens são extraídos de materiais bíblicos. Suas versões dos materiais bíblicos divergem frequentemente de modo radical dos precedentes bíblicos.

50 O teatro comercial foi introduzido por Shakespeare e seus colegas. Milton desconfiava do teatro comercial

Referências

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