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Entre a teoria e a prática: o projeto político-pedagógico do curso de medicina da UFMA

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Academic year: 2017

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ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA: O PROJETO

POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CURSO DE MEDICINA DA UFMA

Caio José de Carvalho Filho

Orientadora: Profª Drª Hélia Sônia Raphael

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CAIO JOSÉ DE CARVALHO FILHO

ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA: O PROJETO

POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CURSO DE MEDICINA DA UFMA

Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, para a obtenção do grau de Doutor em Educação.

Área de concentração: Políticas Públicas e Administração da Educação Brasileira

Orientadora: Profª Drª Hélia Sônia Raphael

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Ficha catalográfica elaborada pelo

Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação – UNESP – Campus de Marília

Carvalho Filho, Caio José de.

C331e Entre a teoria e a prática: o projeto político-

pedagógico do curso de medicina da UFMA / Caio José de Carvalho Filho. – Marília, 2011

242 f.; 30 cm.

Tese (doutorado - Educação) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2011

Bibliografia: f. 222-242

Orientadora: Hélia Sônia Raphael

1. Educação médica. 2. Aprendizagem baseada em problemas (PBL). 3. Projeto político-pedagógico. 4. Médicos – Formação. 5. Escolas médicas. I. Autor. II. Título.

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Para Clarissa, “uma imprevista verdade” Para Tereza Cristina, companheira em alegrias e tristezas

Para Valdemira, Michol, Alba e Arlindo, pelos antigos sonhos

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“Escreves para quem? Escreves para os mortos, para aqueles que amas no passado.”

Sören Kierkegaard, “Temor y temblor”, p. 7

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Pudesse eu não ter laços nem limites, Ó vida de mil faces transbordantes, Para poder responder aos teus convites Suspensos na surpresa dos instantes.

Sophia de Mello Breyner Andresen Poesia, 1944

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Breve comunicado aos possíveis leitores:

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Profª Drª HÉLIA SONIA RAPHAEL, mestra e amiga, que me cercou de talento, competência, tolerância e delicadeza, tornando possível a elaboração deste trabalho.

À Profª Drª ALBA MARIA PINHO DE CARVALHO, amiga e companheira destas e de outras lutas, pela força cada vez mais imprescindível.

Ao Prof. Dr. JOSÉ ERASMO CAMPELLO, pela amizade, incentivo e inestimáveis contribuições teóricas.

Aos Profs. Drs. PEDRO ANGELO PAGNI e PASCHOAL QUAGLIO, por suas importantes sugestões na avaliação de qualificação desta tese.

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“Entre a teoria e a prática há o mundo da vida. A teoria é racional, busca coerência, consistência e a vida nem sempre [...]. A vida integra crenças históricas, às vezes contraditórias, e que provêm de diversas sistematizações enraizadas na cultura; que se transformam no modo de pensar e são reforçadas, diariamente, pela estrutura social e educacional [...]. Esses princípios se tornam evidentes quando se contrapõem princípios que os questionam e propõem um modo diferente de pensar”

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RESUMO

A presente investigação discute o processo de implantação do novo Projeto Político Pedagógico do Curso de Medicina da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Apresenta uma pesquisa com os estudantes das quatro primeiras turmas que freqüentaram este novo currículo. A partir do trabalho de campo, objetiva: discutir as bases teóricas do novo projeto, incluindo a Pedagogia das Competências, as Metodologias Ativas de Aprendizagem e a Aprendizagem baseada em Problemas; analisar o percurso da implantação, englobando as suas redefinições e dificuldades; contextualizar as mudanças do ensino médico na UFMA com a história e as grandes questões colocadas no campo da Educação Médica. Numa investigação de cunho quali-quantitativo, utiliza-se da análise de conteúdo para investigar os discursos dos alunos captados em questionários, em perguntas abertas, fechadas, baseadas na escala de Likert e em comentários livres. A análise dos resultados produziu como conclusões: o processo de implantação do novo projeto pedagógico encontrou graves dificuldades, levando à redefinição das suas diretrizes metodológicas, em razão de condições estruturais do curso e da universidade deficientes, com precário apoio de laboratório e de suporte à pesquisa, imprescindíveis para a utilização das novas metodologias; dificuldades inerentes à implantação de um sistema baseado em diretrizes construtivistas, que determina mudanças nas teorias implícitas de ensino e aprendizagem de professores e alunos; fraco envolvimento de professores e alunos no processo; apoio pedagógico e programas de capacitação docente insuficientes; falhas na elaboração, discussão e do projeto curricular com a comunidade universitária; suporte financeiro insuficiente; e questões estruturais do Curso de Medicina e da Universidade. Finalmente, o trabalho discute o futuro das redefinições do ensino médico na UFMA, propondo possíveis caminhos para sua continuidade.

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ABSTRACT

This investigation approaches the process for the implantation of the new Political Pedagogic Project for the Medical Course at the Federal University of Maranhão (UFMA). It presents a research involving students from the first four classes that attended this new curriculum. From the starting point of field work it aims at: discussing the new project’s theoretical bases, including Competence-based Pedagogy, Active Learning Methodologies and Problem-based Learning; evaluating the implantation path, encompassing its redefinitions and difficulties; and contextualizing changes within medical teaching in the UFMA by means of exploring history and major issues that were advanced in the field of Medical Education. In a quality-quantitative investigation, researchers resorted to the content analysis of questionnaires bearing data from students in open and closed questions based on Likert scale and free commentaries. Analysis of results provided the following conclusions: the implantation process of the new pedagogical project was hampered by serious issues, which led to the redefinition of its methodological guidelines due to the course’s structural conditions and ill-functioning universities lacking laboratorial support to research, an item of invaluable importance to include new methodologies; detection of inherent difficulties to the implantation of a system based on constructivist guidelines which determine changes within implicit theories for teaching and learning directed to teachers and students; uninspired participation of teachers and students in the process; inadequate pedagogical support and faculty developmentprograms in order to improve teachers’ performance; failure in the elaboration e discussion of curricular project with the academic community; insufficient financial support; and structural issues related to the Medical Course and the University. Finally, the work discusses how redefinitions of medical teaching at UFMA will work in the future and advances possible paths in order to secure continuity.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Currículo orientado para desenvolvimento de

competências profissionais ... 134

Figura 2 – PPP centrado na interdisciplinaridade ... 136

Figura 3 – Integração Curricular na formação médica ... 138

Figura 4 – Integração Curricular na implantação do PPP ... 139

Figura 5 – Conhecimento estudantil acerca do novo PPP ... 142

Figura 6 – Formação médica orientada para o SUS ... 147

Figura 7 – Direcionamento da Formação Médica para a Atenção Básica à Saúde ... 149

Figura 8 – Inserção na rede de saúde municipal ao longo de toda a formação médica ... 151

Figura 9 – Capacitação do estudante para formação continuada ... 155

Figura 10 – Metodologias Ativas de Aprendizagem na formação Médica ... 157

Figura 11 – Experiência com Metodologias Ativas no novo PPP ... 159

Figura 12 – Alternativa pedagógica na condução da formação Médica ... 166

Figura 13 – Avaliação da implantação do PPP ... 170

Figura 14 – Participação estudantil na implantação do PPP ... 171

Figura 15 – Conteúdo curricular no novo PPP ... 175

Figura 16 – Laboratórios Morfofuncionais no Curso de Medicina ... 180

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Lista de abreviaturas e siglas

ABEM Associação Brasileira de Educação Médica

ABP Aprendizagem baseada em Problemas

CINAEM Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico

CNE Conselho Nacional de Educação

DCN Diretrizes Curriculares Nacionais

EMA Educação Médica nas Américas

FENAPEM Federação Pan-Americana de Associações de Faculdades de Medicina

HU Hospital Universitário

IES Instituição de Ensino Superior IDA Integração Docente-Assistencial LDB Lei de Diretrizes e Bases

LH Laboratório de Habilidades MEC Ministério da Educação e Cultura

MS Ministério da Saúde

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OMS Organização Mundial de Saúde

PBL Aprendizagem baseada em Problemas

PP Projeto Pedagógico

PPP Projeto Político-pedagógico

PROMED Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares nas Escolas Médicas

PRO-SAÚDE Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde

PSF Programa Saúde da Família

OPAS Organização Pan-Americana de Saúde

RPG Reuniões de Pequenos Grupos

SeSu Secretaria de Educação Superior

UBS Unidade Básica de Saúde

UFAL Universidade Federal de Alagoas UFMA Universidade Federal do Maranhão UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UNB Universidade de Brasília

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNESP Universidade Estadual Paulista UNICAMP Universidade Estadual de Campinas UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIDA Rede Unida de Desenvolvimento dos Profissionais de Saúde

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1 Razões do estudo: a educação médica em questão ... 16

2 O pesquisador e o objeto de investigação ... 18

3 O processo metodológico: as diferentes dimensões da pesquisa ... 20

4 A dinâmica expositiva da tese ... 36

Capítulo 1 - Educação Médica no Brasil e seus caminhos, tendências e paradigmas ... 38

1.1 Um resgate da História ... 22

1.2 Paradigma Flexneriano ... 23

1.3 Paradigma da integralidade: para além das dicotomias... 40

1.4 A educação médica no Maranhão nos circuitos da redefinição curricular ... 41

Capítulo 2 - Teoria das Competências como base analítica da Reforma Curricular da Educação Médica na contemporaneidade ... 77

2.1 Teoria das Competências: fundamentos teóricos e concepção do saber ... 80

2.2 A noção de competência como princípio de organização curricular ... 85

2.3 Metodologias Ativas de Aprendizagem: PBL como alternativa pedagógica ... 100

Capítulo 3 - Redefinições do Ensino Médico no cenário brasileiro contemporâneo: uma questão político-estratégica ... 118

3.1 Nova formação médica: exigência da revolução na saúde... 118

3.2 O paradoxo da Educação Médica na atualidade: teoria das competências no contexto da Reforma Sanitária ... 121

Capítulo 4 - A Educação Médica na UFMA em meio à disputa contemporânea de paradigmas e direcionamentos: olhares dos alunos ... 128

4.1 A experiência de redefinição da Educação Médica na UFMA ... 129

4.2 Relação teoria-prática na Educação Médica na UFMA ... 132

4.3 Construção Curricular ... 141

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4.5 Questões emergentes ... 177

Considerações Finais ... 198

Referências Bibliográficas ... 222

Apêndice (CD em anexo)

Questionário de Pesquisa - Alunos

Anexos (CD em anexo)

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INTRODUÇÃO:

O desafio contemporâneo de pensar a Educação Médica

1. Razões do estudo: a educação médica em questão

A docência na Universidade ocupa um lugar de destaque nas minhas quase três décadas de atuação profissional. Comecei na monitoria e consolidei um percurso como professor nos cursos da área da Saúde, desempenhando funções que me provocavam pensar a formação profissional em Medicina. Assim, questões da educação médica vêm constituindo objeto de interesse e discussão no meu percurso acadêmico.

A partir do final da primeira década dos anos 2000, mais precisamente em 2007, na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em consonância com as redefinições da educação médica no Brasil, vivencia-se, no curso de graduação em Medicina, o processo de implantação de um novo projeto político-pedagógico, buscando viabilizar diretrizes curriculares nacionais. De fato, esta é uma tendência geral nos cursos de Medicina que a UFMA está a assumir com relativo atraso.

Esta experiência de mudança de currículo, no âmbito de um novo projeto político pedagógico, exige uma avaliação do processo que possibilite refletir sobre questões/dilemas e perspectivas da educação médica. É esta uma demanda de pesquisa, destacada por analistas do campo da Educação em Saúde, como Laura Feuerwerker – autora referencial neste campo – que, em editorial de 2007, na Revista Brasileira de Educação Médica, sustenta que existe pouca sistematização do conhecimento produzido nas experiências inovadoras nessa área, com poucas iniciativas de avaliação que dêem conta da complexidade dos processos (FEUERWERKER, 2007).

Na perspectiva de inserir-me neste campo de saberes e de práticas sociais da educação em saúde, em processo de constituição, desenvolvi uma avaliação do processo de implantação do novo Projeto Político-Pedagógico (PPP) do curso de graduação em Medicina da UFMA, incidindo o foco analítico na concepção norteadora da experiência, nas diretrizes político-pedagógicas, na integração curricular e nas metodologias ativas de aprendizagem.

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desintegração entre conteúdos ministrados e, especificamente, entre ciclo básico e ciclo profissional, é um dos grandes dilemas a ser enfrentado.

As Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Medicina, vigentes desde 2001, como parâmetro norteador da educação médica, enfatizam como elementos centrais: a) promover a integração e a interdisciplinaridade em coerência com o eixo de desenvolvimento curricular, buscando integrar as dimensões biológicas, psicológicas, sociais e ambientais; b) utilizar metodologias que privilegiam a participação ativa do aluno na construção do conhecimento e a integração entre os conteúdos, além de estimular a integração entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência (BRASIL, 2001).

Particularmente, no contexto da UFMA, nos eventos de discussão do currículo do curso de Medicina, foram sempre destacados como problemas recorrentes que comprometem a qualidade da formação profissional: a) a dicotomia existente entre o ciclo básico e o profissionalizante, que apresentam conteúdos não integrados e, muitas vezes, não-correlacionados; b) a falta de integração entre as disciplinas do ciclo básico; c) tendência à especialização crescente no ciclo profissionalizante, não contemplando as necessidades de formação do médico capaz de responder às exigências da realidade de saúde no Brasil.

Estes problemas revelam diferentes expressões da desintegração curricular a serem superadas em um novo currículo, fundado em um projeto político-pedagógico que viabilize a integração de conteúdos e, particularmente, a integração entre ciclo básico e ciclo profissional.

Cabe ressaltar que a própria experiência de implantação do novo currículo vem sendo perpassada por essas marcas históricas da desintegração e da tendência à especialização, numa tensão permanente entre o que podem ser denominados o velho paradigma curricular flexneriano e o novo paradigma curricular da integralidade1.

Ao longo de todo o processo de implantação do novo currículo no curso de Medicina da UFMA, percebe-se uma lacuna de reflexão e discussão sobre a própria educação médica, incidindo as acirradas polêmicas nas questões operacionais de composição da chamada “grade curricular”. Fica evidente que o corpo docente do curso de Medicina da

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UFMA ressente-se de uma formação pedagógica a alicerçar o “ser professor”, predominando uma visão pragmática e reducionista do trabalho docente, restrita à transmissão de conteúdos científicos peculiares à área médica, sem a adequada elaboração de uma pedagogia de ensino e aprendizagem. De fato, a questão pedagógica permanece no âmbito das intuições, da sensibilidade e do aprender a ensinar com a própria prática.

Assim, o trabalho de análise do Projeto Político-Pedagógico do curso de Medicina da UFMA, consubstanciado na Tese que ora apresento, representa, antes de tudo, uma contribuição no sentido da construção de um Núcleo de Estudos sobre Educação Médica, que desenvolva uma produção crítica sobre os processos que presidem esta forma específica de educação, refletindo e discutindo questões político-pedagógicas centrais e encaminhando alternativas de superação de novos e velhos problemas que marcam o trabalho de formação dos médicos na Universidade Federal do Maranhão.

2. O pesquisador e o objeto de investigação:

Seguindo as trilhas de Pierre Bourdieu (2007), em suas lições metodológicas, considero a construção do objeto a operação mais importante no exercício do ofício da pesquisa, embora nem sempre assim considerada na tradição dominante. Ensina-nos Bourdieu, que esta construção é eminentemente processual, a efetivar-se por uma série de aproximações. Em uma de suas lições magistrais, afirma o mestre francês:

[...] antes de mais, a construção do objecto – pelo menos na minha experiência de investigador – não é uma coisa que se produza de uma assentada, por uma espécie de acto teórico inaugural, e o programa de observações ou de análises por meio do qual a operação se efectua não é um plano que se desenhe antecipadamente, à maneira de um engenheiro: é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correcções, de emendas, sugeridos por o que se chama o ofício. (BOURDIEU, 2007, p.26-27)

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orientadoras das teorias de construção curricular de que fui me apropriando ao longo do curso nas diferentes disciplinas desenvolvidas. Senão, vejamos!

No projeto original, elaborado em 2007, como requisito para seleção do curso de doutorado, centrei o foco analítico na interdisciplinaridade, traduzida na integração curricular, no âmbito de conteúdos e disciplinas e dos ciclos de formação básica e profissional.

No processo de estudos, sobretudo no estágio na Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Marília, e, particularmente, no esforço de construir o instrumental de investigação, fui, processualmente, percebendo que, neste momento, ainda inicial de implantação do PPP no curso de Medicina da UFMA - apenas cinco semestres letivos - se mostrava inviável incidir o foco analítico na interdisciplinaridade.

Na convivência diária com professores e alunos, as questões que mobilizam estes dois atores decisivos na experiência, não incidiam - e continuam a não incidir - prioritariamente, na interdisciplinaridade. As discussões, as polêmicas e as questões apontadas voltam-se para o próprio processo de implantação do novo PPP, discutindo-se, sobremodo, a organização do currículo e as metodologias de aprendizagem, bem como as próprias condições objetivas, em nível de estrutura, de equipamentos e de cenários da prática médica.

Assim, de fato, a realidade atual do curso de Medicina da UFMA apontou que o eixo de analise deveria incidir no processo de implantação do PPP ao longo da experiência em curso, considerando-se as perspectivas dos sujeitos que fazem a formação médica. Logo, a interdisciplinaridade compõe uma das importantes dimensões no conjunto da implantação do PPP, sem, no entanto, constituir-se no foco central das análises.

Desta forma, efetivei um ajuste de foco, uma correção de rota, redefinindo o objeto e, consequentemente, os eixos analíticos e os objetivos da tese.

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Nessa perspectiva, defini como Objetivo Geral: Avaliar o processo de implantação do novo Projeto Político-pedagógico (PPP) do curso de Medicina da UFMA, focalizando a concepção norteadora da experiência, as diretrizes político-pedagógicas e a integração curricular baseada nas metodologias ativas de aprendizagem.

A partir deste horizonte, delineei os seguintes Objetivos Específicos: discutir as bases de sustentação teórica do novo projeto político-pedagógico (PPP) da Medicina da UFMA; analisar o desenvolvimento das diretrizes político-pedagógicas e das estratégias e dos mecanismos de implantação do PPP; avaliar o desenvolvimento das metodologias ativas de aprendizagem no processo de implantação do PPP; discutir as condições objetivas de implantação da redefinição curricular no curso de Medicina da UFMA.

Considero que esta redefinição do objeto permitiu-me visualizar, com maior clareza, as relações e questões centrais nos processos de mudança dos padrões da educação médica, em meio a polêmicas e tensões.

Para trabalhar este objeto defini, de inicio, como tarefa investigativa, o resgate da visão dos dois sujeitos que fazem a formação médica, quais sejam, professores e alunos. No entanto, nos percursos investigativos, sobremodo do trabalho de campo2, percebi a amplitude e a abrangência da tarefa investigativa de avaliar a ótica de alunos e professores. Assim, optei por centrar o estudo empírico no resgate da visão dos estudantes neste meu esforço de análise da implantação do PPP no curso de Medicina da UFMA. É esta uma primeira aproximação a exigir a necessária incursão no universo docente, como objeto de uma investigação específica, que pretendo assumir no âmbito de um núcleo de estudos sobre educação médica na UFMA.

Deste modo, o objeto da presente tese incide na análise da formação médica, resgatando concepções curriculares em disputa neste campo, privilegiando, no estudo empírico, os delineamentos da concepção dos estudantes sobre este processo peculiar, vivido no curso de Medicina da UFMA, de redefinir o seu processo de formação profissional.

2 Esses percursos investigativos que me levaram a redefinir o locus do estudo empírico serão narrados no

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3. O processo metodológico: as diferentes dimensões da pesquisa

3.1. Opções teórico-metodológicas e dinâmica investigativa

No âmbito de um racionalismo crítico3, retomo, como inspiração fundante, a

tese de Pierre Bourdieu (2007) da “pesquisa como ofício”, implicando em um modus operandi que se aprende, exercita-se no fazer, incorporando princípios, práticas, operações, estratégias. De fato, nestes mais de três anos de doutorado, exercitei este ofício da pesquisa no campo da educação, no sentido do desvendamento dos enigmas da educação médica no Brasil em seus percursos de redefinição, tendo, como referência empírica, processos vivenciados no curso de Medicina da UFMA, no período 2007-2010.

No exercício desse ofício, fui tecendo as relações e mediações entre teoria e metodologia, alicerçado na convicção de que “as opções técnicas mais ‘empíricas’ são inseparáveis das opções mais ‘teóricas’” (BOURDIEU, 2007, p.24).

Assim, trabalhei a metodologia da pesquisa como caminho processual de construção do conhecimento, em estreita vinculação com as concepções teóricas movimentadas nos processos de reflexão e análise, operando um conjunto de estratégias e utilizando o instrumental técnico que se mostrou mais fecundo para circunscrever o objeto.

Nesta empreitada teórico-metodológica de demarcação de caminhos, apoiei-me nas indicações de Minayo (2007) que, no assumir do desafio do conhecimento, demarca a natureza e os meandros da pesquisa qualitativa. Esta autora, hoje referência nas pesquisas na área de Saúde Coletiva, ao delinear as configurações da pesquisa qualitativa, abriu-me um horizonte de possibilidades para atender às demandas do objeto que estava, então, a interpelar-me como professor do curso de medicina: a educação médica e seus percursos contemporâneos. Afirma Minayo (2007, p.57):

O método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem

3 Circunscrevo Racionalismo Crítico como uma perspectiva de produção científica que entende a ciência como

produto da Razão Crítica, em resposta às interpelações da realidade, em suas conexões de espaço e tempo. Nesta perspectiva, a pesquisa é um trabalho racional de descobertas, mediante desvendamento processual da realidade, circunscrita no objeto investigativo. Sobre esta perspectiva do Racionalismo Crítico, ver CARVALHO (2009),

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seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam [...]; as abordagens qualitativas se conformam melhor a investigações de grupos e segmentos delimitados e focalizados, de histórias sociais sob a ótica dos atores, de relações e para análises de discursos e de documentos.

Logo, a pesquisa qualitativa apresentou-se como minha opção preferencial para pensar e discutir a educação médica no contexto brasileiro, no tempo presente, na medida em que o desvendar desse objeto pressupõe trabalhar percepções, opiniões, representações, no esforço de demarcar momentos na história da formação profissional em medicina, focando o presente e suas articulações com o passado.

Para traçar caminhos nesta aventura de produção do conhecimento, mediante a construção de uma cartografia com potencial de orientação para conduzir-me no desvendar dos enigmas e paradoxos das redefinições da educação médica, tomei a decisão de investir, de forma intensa e sistemática, na apropriação de teorias no campo da educação. De fato, ao elaborar o projeto inicial para a seleção no doutorado, tive clareza de que não podia discutir a educação médica a partir da própria experiência em curso.

Neste sentido, cabe retomar a preciosa indicação de Deslauriers e Kérisit (2008, p.134) a respeito da necessidade de uma pesquisa bibliográfica “revisada e exaustiva”:

É possível construir um objeto de pesquisa de forma puramente empírica, baseando–se unicamente nos dados do campo? A resposta é usualmente negativa: é preciso ler o que os outros escreveram antes de nós; de certa forma, subir sobre seus ombros para conseguir ver mais além.

Assim, na minha condição de pesquisador na área básica das ciências da saúde4, colocou-se a exigência de construção de uma base, relativamente sólida, nas teorizações da educação.

Desse modo, nos processos da pesquisa bibliográfica, fui configurando minha própria cartografia conceitual-analítica, adentrando, com prudência e ousadia, em um campo científico novo. E aqui, ao delinear os meus percursos metodológicos, delineio este mapeamento que desenvolvi ao longo do tempo do doutorado. Cabe sublinhar que cheguei a estes “mapas teóricos” - aqui apresentados - por vias que se entrecruzam em minha trajetória como doutorando: as próprias indicações decorrentes das bases teóricas de sustentação do

4 Ao longo da minha trajetória de docente da Universidade Federal do Maranhão atuei sempre na área básica dos

cursos da área da saúde, mais especificamente em Farmacologia, com trabalhos em pesquisa quantitativa, como

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novo PPP; as disciplinas desenvolvidas ao longo do curso no Programa de Pós-Graduação em Educação e pistas apontadas nos processos de orientação. Senão, vejamos!

Comecei minhas incursões teóricas pela Pedagogia das Competências, trabalhando fundamentalmente o pensamento de Philippe Perrenoud, articulando-o com as elaborações de outros analistas, como Marisa Ramos, Antoni Zabala, Philippe Zarifian, Bernard Rey, Joan Rué, Ángel Pérez Gomes, Jurjo Torres Santomé. Tais teorizações remeteram-me, necessariamente, ao estudo do Construtivismo, pela via fundante de Jean Piaget, construindo interlocuções com César Coll, Jean-Louis Le Moigne, Fernando Becker. Nestes percursos de estudo bibliográfico mergulhei nas críticas à Teoria das Competências e ao Construtivismo, trabalhando a produção da Escola Histórico-Cultural, sobremaneira pelos trabalhos de Newton Duarte e de seu grupo, enveredando, igualmente, pelas vias da Teoria Crítica, mediante as leituras dos grupos de Teoria Crítica em Educação.

Um outro mapa teórico de destaque na minha cartografia refere-se às Metodologias Ativas de Aprendizagem, principalmente o Aprendizado Baseado em Problemas (PBL), apropriando-me das elaborações dos grupos dos especialistas das Universidades McMaster e Maastricht, através dos periódicos Higher Education, Medical Teacher, Medical Education e Academic Medicine, bem como das produções dos estudiosos brasileiros, publicadas sobremodo na Revista Brasileira de Educação Médica.

Trabalhei, de forma sistemática, a questão da formação dos professores, resgatando os trabalhos de: Maurice Tardif, José Contreras, Nildo Alves Batista; Selma Garrido Pimenta, Léa Anastasiou, Maria Isabel Cunha. Nesta direção centrei os meus estudos nas teorizações acerca do Professor Reflexivo, retomando, principalmente, os trabalhos de Donald Schön, Isabel Alarcão, Antonio Nóvoa e Kenneth Zeichner.

Cabe destacar as minhas incursões nas teorizações sobre o Currículo, pela vias das obras de Gimeno Sácristan, Michael Apple, Henry Giroux, Tomaz Tadeu da Silva e José Augusto Pacheco.

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Na composição desta cartografia conceitual-analítica afirmou-se a exigência de adentrar no campo específico da Educação Médica, a partir dos trabalhos de duas autoras referenciais: Laura Feuerwekwer e Jadete Lampert, resgatando também as produções de José Venturelli, Kenneth Ludmerer, dos grupos da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) e da Universidade Estadual de Londrina (UEL), além dos trabalhos pioneiros de Juan César Garcia e do grupo do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira.

As bases teóricas no campo da educação e, especificamente, na educação médica, construídas nos percursos desta cartografia constituem o sustentáculo da produção científica, consubstanciada na tese que ora apresento. Em verdade, a apropriação destas teorias permitiu-me, na condição de pesquisador, problematizar os percursos de redefinição da educação médica, chegando, por um processo de sucessivas aproximações, à formulação do objeto de investigação.

A rigor, tenho como fio condutor desta minha produção científica a disputa contemporânea de paradigmas5 no campo da educação médica, mais especificamente no século XXI. Em termos empíricos, trabalho esta disputa de paradigmas nos processos de implantação do chamado “novo currículo” no curso de Medicina da UFMA, a partir de 2007.

Assim, iluminado pelas teorizações, a jogar luzes em campos de sombras, vivenciei os percursos exigentes do trabalho de campo, buscando aproximar-me, de forma metódica e sistemática do universo de percepções, concepções e representações dos estudantes sobre esta experiência de implantação do novo currículo, ou mais especificamente, do novo Projeto Político-pedagógico.

Merece destaque o fato de que esta aproximação do universo estudantil foi deveras surpreendente, pela riqueza do material empírico que ela me proporcionou para sistematização, discussão e análise. Assim, nos percursos do campo, precisei efetivar mais uma redefinição de objeto e de caminhos investigativos: centrar a pesquisa no universo

5 Lampert (2009) e Chaves (1996), embora ressalvando que o conceito de paradigma, stricto sensu, tal como

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estudantil, deixando para um outro momento de pesquisa o adentrar, metodicamente, no universo onde estou inserido: o dos professores do curso de Medicina da UFMA6.

É digna de registro esta minha inserção na condição de professor neste universo específico do corpo docente que apresenta um nível de complexidade pelo próprio perfil do conjunto dos professores do curso de Medicina da UFMA. De fato, percebo a exigência de desenvolver distintas estratégias de investigação para aproximar-me de tal universo, no sentido de configurar concepções não-explicitadas, valores, representações, atitudes, posicionamento desses sujeitos nesta disputa de paradigmas que marca a implantação do novo PPP. Assim, essa aproximação analítica do universo docente exige tempo e determinadas condições que não disponho neste período investigativo, considerando, inclusive, o investimento necessário para trabalhar o material emergente do trabalho de campo com os estudantes.

Assim, de forma processual, construí um percurso de pesquisa para adentrar nas configurações objetivas e subjetivas da experiência de implementação do projeto político-pedagógico no curso de medicina da UFMA, fazendo o devido ajuste de trilhas a partir das demandas da própria dinâmica investigativa.

Um movimento exigido pelo próprio objeto de estudo foi a pesquisa documental, trabalhando como material básico o projeto político-pedagógico em suas duas versões: a original implantada a partir do primeiro semestre de 2007 até o segundo semestre de 2008 (UFMA, 2007) e versão revista a partir do primeiro semestre de 2009 (UFMA, 2009), redefinindo a organização curricular e o encaminhamento metodológico. Por considerar que estas duas versões consubstanciam encaminhamentos distintos para a educação médica na UFMA, desenvolvi uma leitura sistemática e metódica, cotejando as duas proposições de formação profissional. Para fundamentar-me melhor nesta discussão comparativa, estudei projetos pedagógicos de diferentes escolas de medicina que incluíam em seus currículos a Aprendizagem Baseada em Problemas, tais como: Universidade Federal da Bahia (UFBA, 2006; FORMIGLI et al, 2010), Universidade Federal de Santa Catarina (PEREIMA; COELHO; DA ROS, 2005), Universidade Estadual Paulista, Campus de Botucatu (UNESP,

6

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2005), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, 2008), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP, 2002; 2006), Universidade Federal de Alagoas (UFAL, 2006), Universidade Federal de Roraima (UFRR, 2002) e Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL, 2008).

Busquei ainda bases analíticas no estudo dos documentos básicos que propugnam as mudanças na educação médica, cumprindo destacar Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Relatórios da CINAEM, Relatórios das Conferências Nacionais de Saúde, os Programas de incentivo à reestruturação curricular nos cursos da área da saúde – PROMED (Brasil, 2002) e PROSAÚDE (Brasil, 2005) - e documentos oficiais dos Ministérios da Educação e da Saúde referentes à educação médica.

Uma outra via de acesso ao objeto consistiu em processo de observação sistemática da dinâmica da experiência de implantação do PPP. De fato, a minha condição de professor permitia-me uma aproximação cotidiana dos percursos da redefinição curricular em curso, participando de reuniões de discussões no Colegiado do Curso, de avaliações do processo e, ainda, contactando informalmente professores e alunos. Com a pretensão de objetivar o meu olhar, como observador de um universo do qual faço parte, adotei a sistemática de registro em um diário de campo, o que me permitia reflexões sobre minhas próprias observações.

Buscando ampliar o meu horizonte de avaliação, aproveitei o período do estágio curricular na UNESP – Campus de Marília para vivenciar uma experiência de conhecimento do projeto pedagógico da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA). Em verdade, foi este um momento específico e muito rico do meu estágio curricular, considerando que nesta escola de Medicina desenvolve-se uma das mais bem-sucedidas experiências de implantação da Aprendizagem Baseada em Problemas no Brasil. Assim, a observação in loco

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O meu desafio de pesquisa incidia em desvendar o universo dos sujeitos que fazem a educação medica na UFMA. Particularmente, as redefinições do objeto demandavam circunscrever a visão dos estudantes acerca da implantação do novo projeto político-pedagógico, configurando percepções, concepções, opiniões e avaliações.

A dinâmica da experiência de implantação do PPP do curso de Medicina da UFMA revelava-me, à época do estudo, um nível de insatisfação e descrença com o projeto pedagógico ora em curso7.

Desse modo, a pesquisa qualitativa impunha-se como a alternativa com maior potencial explicativo. Tinha clareza, no entanto, que precisava ampliar esse potencial da pesquisa qualitativa com recorrência ao quantitativo. De fato, o desafio de investigar a perspectiva de 140 estudantes que vivenciaram a experiência de implantação do novo projeto pedagógico do curso de Medicina exigiu-me recorrer ao quantitativo, como apoio à investigação de caráter qualitativo. Nesse sentido, oriento-me, mais uma vez, pelas indicações de Cecília Minayo (2007, p.76):

Em síntese, as experiências de trabalho com as abordagens quantitativas e qualitativas mostra que: elas não são incompatíveis e podem ser integradas num mesmo projeto de pesquisa; [...] que em lugar de se oporem, os estudos quantitativos e qualitativos, quando feitos em conjunto, promovem uma mais elaborada e completa construção da realidade, ensejando o desenvolvimento de teorias e de novas técnicas cooperativas.

Assim, considerando os percursos investigativos por mim trilhados no exercício do ofício da pesquisa, desde a pesquisa bibliográfica até a sistematização e análise do material empírico, caracterizo o meu trabalho como uma pesquisa quali-quantitativa, ou melhor delineando, uma investigação de caráter qualitativo com apoio em recursos da abordagem quantitativa.

Ao lançar um olhar reflexivo sobre os processos desta investigação quali-quantitativa, cabe fazer demarcações básicas, construindo, assim, uma narrativa metodológica.

A primeira demarcação é quando ao público investigado. A rigor, delimitei este público considerando a experiência vivenciada na implantação do PPP no curso de Medicina.

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Deste modo, foram escolhidos como participantes da pesquisa, os alunos das quatro primeiras turmas do curso de Medicina da UFMA após o inicio da implantação do novo Projeto Pedagógico, a partir do primeiro semestre de 2007. Logo, trabalhei com o alunado que, à época – 1º semestre de 2010 -, cursava do 3º ao 6º período do curso. Decidi não incluir alunos dos dois primeiros períodos, considerando a sua condição de estudantes iniciantes, ainda sem uma vivência consolidada na experiência em pauta.

Definido o público, coube-me delimitar a estratégia de pesquisa a ser desenvolvida para circunscrever o objeto de estudo. Tendo em vista a minha pretensão de chegar ao maior número possível de estudantes, optei começar pela investigação via questionários, incluindo questões abertas e fechadas.

Uma das primeiras tarefas desenvolvidas foi a construção deste questionário. Para tanto, pautei-me nas configurações do objeto amadurecidas ao longo das redefinições do meu projeto de investigação8. Em busca de referências norteadoras, fiz um mapeamento de questões relevantes e aspectos centrais a serem investigados. Assim, elaborei um questionário com perguntas fechadas e abertas, circunscrevendo diferentes dimensões da educação médica no âmbito do PPP. Para materializar a avaliação de níveis de concordância ou discordância com dimensões-chave deste Projeto Pedagógico - diretrizes, organização curricular, experiências com metodologias e cenários de prática - utilizei a Escala de Likert9.

Seguindo as exigências do rigor metodológico, no sentido de uma aproximação mais fecunda do universo pesquisado, encaminhei processo de validação deste instrumento de pesquisa, que consistiu na aplicação do questionário a um pequeno número de alunos participantes do universo da pesquisa.

Assim, este instrumento foi aplicado a uma amostra de 16 alunos (quatro de cada turma escolhida), durante o inicio do primeiro semestre de 2010.

8 Cabe aqui esclarecer que, ao longo do curso de Doutorado em Educação, trabalhei, de forma sistemática, o

projeto de investigação em diferentes momentos: no decorrer da disciplina Metodologia Científica; em função da apresentação no Seminário de Pesquisa do programa de Pós-Graduação em Educação; no processo de discussão com a orientadora Profª Drª Hélia Sonia Raphael. Nestes momentos pude desenvolver um olhar epistemológico sobre a minha proposta, redefinindo os recortes do próprio objeto e aprimorando dimensões teórico-metodológicas.

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Segundo Lima (2008), a amostra para efeito de testes deve contemplar pelo menos 10% (dez por cento) do total de entrevistados projetados inicialmente para a pesquisa, o que permite identificar eventuais falhas e efetuar os ajustes necessários no instrumento.

Nesta aplicação experimental do questionário, à guisa de um projeto-piloto, a maioria dos respondentes solicitou que fossem acrescentados às questões de múltipla escolha e às baseadas na Escala Likert espaços para comentários opcionais, conferindo ao instrumento um potencial de análise qualitativa, a partir de depoimentos, narrativas e críticas. Na verdade, tendo em vista o nível de insatisfação, decorrente da implantação do novo projeto pedagógico, os alunos desejavam expressar, de forma mais ampla, suas opiniões e avaliações sobre os diferentes aspectos do processo.

Solicitei aos alunos participantes deste grupo piloto de teste de validação do instrumento, que apresentassem suas apreciações acerca de determinados aspectos operacionais: tempo empregado para as respostas ao questionário; formato e organização do questionário; nível de interesse provocado pelas questões; clareza e objetividade das perguntas. Na busca de chegar a um instrumento adequado que propiciasse melhor trabalhar o objeto, submeti essa primeira versão do questionário a especialistas, visando avaliar o seu potencial no registro de informações e as alternativas para sistematização e interpretação.

A partir das apreciações e sugestões do grupo-piloto e da avaliação dos especialistas, fiz uma revisão do instrumento de pesquisa, efetuando os devidos ajustes. Em sua versão final, o questionário possui oito páginas, constando de trinta questões, sendo que nove utilizam a Escala de Likert, oito são testes de múltipla escolha e treze são questões abertas. Vale ressaltar que, nas questões de múltipla escolha e nas baseadas na Escala de Likert, foram abertos espaços para comentários dos estudantes participantes da pesquisa.

Com o questionário devidamente construído, dei inicio ao processo de coleta de dados, contando com o apoio de dois estudantes do curso de Medicina, que foram devidamente capacitados para a tarefa de distribuição do questionário ao alunado.

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outras pessoas durante o período de resposta, viabilizando ao estudante possibilidades de responder ao instrumento dentro de seu tempo disponível e em condições de reflexão.

O processo de aplicação dos questionários se deu no primeiro semestre de 2010, englobando - conforme o previsto – alunos do terceiro ao sexto períodos do curso de Medicina da UFMA. Assim, foram distribuídos questionários para o maior número possível de alunos, aproximando-se da totalidade dos 140 estudantes. Foram respondidos oitenta e três questionários, perfazendo um total de 60% do universo pesquisado. Assim, delineou-se uma amostra que se revelou significativa, considerando os critérios apontados pelos especialistas.

Segundo Minayo (2007, p.197), “uma amostra qualitativa ideal é que reflete a totalidade das múltiplas dimensões do objeto de estudo”. E esta autora explicita que o dimensionamento da quantidade de tal amostra deve seguir o critério de saturação, entendido como o conhecimento formado pelo pesquisador, no campo, de que conseguiu compreender a lógica interna do grupo ou da coletividade em estudo, à medida que “consiga o entendimento das homogeneidades, da diversidade e da intensidade das informações necessárias para o seu trabalho” (p.198).

Assim, ao longo da apuração dos questionários, constatei que esta amostra de 60% (sessenta por cento) mostrava-se satisfatória, refletindo as múltiplas concepções e percepções do universo estudantil sobre a implantação do PPP. De fato, observei que o critério de saturação foi atingido, na medida em que as respostas começaram a se mostrar recorrentes, repetindo perspectivas e pontos de vista, praticamente sem agregar novos dados qualitativos.

3.2. Processo de sistematização e construção da análise do material empírico: a construção da análise de conteúdo

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estas mensagens escritas, resgatando as expressões de cada respondente, explorando cada questionário.

Em verdade, o trabalho com os oitenta e três questionários respondidos, propiciou-me dados numéricos, traduzidos em percentuais e discursos a expressar e/ou indicar, esboçar concepções e visões do alunado sobre a experiência em pauta. Como pesquisador, vi-me, então, diante de material empírico de uma dupla natureza - material quantitativo e material qualitativo -, colocando-me o desafio de sistematização e análise.

Ao buscar uma alternativa metodológica de trabalho, defino que o caminho com maior potencial para efetivar este esforço sistematizador analítico é a Análise de Conteúdo.

De fato, pelos encaminhamentos dos meus percursos neste ofício da pesquisa, este instrumental metodológico da Análise de Conteúdo pareceu-me perfeitamente coadunante e pertinente. Senti-me contemplado com as configurações de especialistas acerca deste método:

São perfeitamente possíveis e necessários o conhecimento e a utilização da análise de conteúdo, enquanto procedimento de pesquisa, no âmbito de uma abordagem metodológica crítica e epistemologicamente apoiada numa concepção de ciência que reconhece o papel ativo do sujeito na produção do conhecimento. (FRANCO, 2007, p.10)

[...] a análise de conteúdo trabalha a palavra, quer dizer, a prática da língua realizada por emissores identificáveis. [...] A análise de conteúdo procura conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça. (1973 PÊCHEUX, apud FRANCO, 2007, p.11)

[...] tudo o que é dito ou escrito é suscetível de ser submetido a uma análise de conteúdo. (1968 HENRY & MOSCOVICI, apud BARDIN, 2008, p.34)

[...] a análise de conteúdo deve começar onde os modos tradicionais de investigação acabam. (1952 LASSWELL, LERNER & POOL, apud BARDIN, 2008, p.15)

A análise de conteúdo é usada quando se quer ir além dos significados, da leitura simples do real. (FERREIRA, 2000, p.13)

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O que é análise de conteúdo actualmente? Um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais subtis, em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a ‘discursos’ (conteúdos e continentes) extremamente diversificados. O factor comum dessas técnicas múltiplas e multiplicadas – desde o cálculo das frequências que fornece dados cifrados até a extracção de estruturas traduzíveis em modelos – é uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência. Enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre os dois pólos do rigor da objectividade e da fecundidade da subjectividade. Absolve e cauciona o investigador por esta atracção pelo escondido, o latente, o não-aparente, o potencial de inédito (do não-dito), retido por qualquer mensagem. Tarefa paciente de ‘desocultação’, responde a esta atitude de voyeur de que o analista não ousa confessar-se e justifica a sua preocupação, honesta, de rigor científico. Analisar mensagens por esta dupla leitura, onde uma segunda leitura se substitui á leitura ‘normal’ do leigo, é ser agente duplo, detetive, espião... (BARDIN, 2008, p.11)

E, em uma síntese do campo, do objetivo e do funcionamento desse instrumental metodológico, afirma a autora:

Designa-se sob o termo de análise de conteúdo um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 2008, p.44).

A rigor, as elaborações de Laurence Bardin fornecem-me uma configuração primeira das operações fundamentais na construção da análise de conteúdo: descrição do conteúdo das mensagens; inferência baseada na dedução; desocultamento do latente, do escondido, do aparente. Neste sentido, assinala Bardin, que este instrumental, ao propiciar inferência analítica, constitui uma segunda leitura, qualitativamente distinta, do que pode ser considerada a leitura “normal” do leigo.

Fundado nestas configurações básicas da análise de conteúdo, colocou-se o desafio de delinear uma alternativa face às “técnicas múltiplas e multiplicadas” que constituem esse campo metodológico. É, justamente, neste sentido de sublinhar a pluralidade de técnicas possíveis, que Bardin (2008, p.32) pondera que “seria melhor falar de análises de conteúdo”.

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provocação que me fez buscar pesquisadores que “reinventaram” a análise de conteúdo para responder a desafios analíticos.

Nesta busca, encontrei a técnica de análise de conteúdo na formulação de Miriam Limoeiro Cardoso, interpretada pela pesquisadora Alba Carvalho que, em sua obra “A questão da transformação e o trabalho social: uma análise gramsciana” (1983), apresenta detalhadamente a dinâmica de análise de conteúdo por ela construída, materializando a perspectiva de Cardoso. Assim, esta autora explicita as bases, os princípios orientadores e a dinâmica da análise de conteúdo, apresentando a seguinte configuração desta perspectiva específica:

Miriam Limoeiro Cardoso, partindo da constatação da insuficiência do método de análise de conteúdo tradicional e do método de análise estrutural em termos de capacidade explicativa, configura uma nova técnica de análise de conteúdo, a partir de indicações dos dois referidos métodos, buscando ultrapassar no processo de conhecimento o nível de descrição para atingir o nível de análise. Essa sua proposição metodológica, fundada na tese do papel decisivo da orientação teórica na construção do conhecimento do real, faz a ligação entre Teoria e Material Empírico. O processo metodológico inicia-se com a configuração de uma teoria no sentido da delimitação de categorias fundamentais que precisam ser simples e suficientemente gerais para orientar todo o processo de investigação. Tendo por base as categorias teóricas fundamentais e a especificidade do objeto de estudo, definem-se as unidades de análise que são os temas. Os temas, como unidades de análise, expressam feixes de relações, ou seja, uma combinação de relações. Os temas são constituídos por ítens que configuram determinadas relações em suas diferentes possibilidades, marcando assim os diversos posicionamentos que podem ser assumidos em cada tema. (CARVALHO, 1983, p.18-19, grifos da autora)

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Cabe aqui apresentar este quadro analítico, visando deixar explícitos os referenciais assumidos na construção da análise de conteúdo trabalhada nesta tese10:

Eixo I: Relação Teoria-Prática na Educação Médica Tema 1: Paradigmas em disputa

x Formação cientificista especializada

x Pedagogia das Competências na ótica do mercado

x Pedagogia das Competências em uma ótica do privilegio do público-societal Tema 2: Concepção do conhecimento no processo formativo

x Concepção tradicional do conhecimento como acumulação do saber e especialização

x Concepção pragmática do conhecimento como saber fazer x Concepção reflexiva do conhecimento

Tema 3: Formas de encaminhamento do trabalho de formação x Currículo por disciplinas

x Interdisciplinaridade: integração curricular

Eixo II: Construção curricular

Tema 4: Visão de currículo no curso de Medicina

x Currículo como uma proposta idealizada dentro de uma dada perspectiva a ser implantada

x Currículo como construção coletiva x Currículo como um documento formal Tema 5: Diretrizes da formação: que médico formar?

x Médico com formação cientificista e especialização precoce x Médico com formação para o SUS e PSF – concepção operacional x Médico com formação integral, capaz de inserção na comunidade e com

potencialidade de especialização

Tema 6: Posição do professor no processo formativo

x Professor como detentor e transmissor de conhecimentos x Professor como facilitador/mediador/orientador

x Professor reflexivo

Tema 7: Papel do aluno no processo formativo x Aluno como receptor de informações

x Aluno como construtor ativo de sua aprendizagem

x Aluno como sujeito na relação de aprendizagem com o professor Tema 8: Metodologias de aprendizagem no processo pedagógico

x Aulas exclusivamente expositivas x Metodologias ativas de aprendizagem

x Pedagogia com aulas expositivas e métodos ativos de aprendizagem

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Eixo III: Experiência de implantação do PPP/UFMA Tema 9: Avaliação da implantação do PPP

x Satisfatória x Insatisfatória

x Satisfatória, com restrições importantes

x Insatisfatória, reconhecendo avanços importantes Tema 10: Avaliação do conteúdo curricular

x Conteúdo satisfatório às exigências da formação do médico

x Conteúdo reduzido com retirada de temáticas importantes / abordagem superficial

Eixo IV: Questões emergentes na implantação do PPP

Tema 11: Questões relacionadas com a estrutura da UFMA x Condições financeiras

x Laboratórios morfofuncionais x Biblioteca

x Cenários de prática

Tema 12: Questões relacionadas com a estruturação do curso de Medicina x Departamentalização e isolamento departamental

x Política de Capacitação

x Desorganização no contexto universitário

x Falta de planejamento na viabilização da integração curricular

x Fragilidades na organização interna do PPP / Sistemática de coordenação dos períodos

x Sistema de avaliação

Tema 13: Questões relacionadas com os professores

x Profissionalização docente: o médico que dá aulas x Capacitação para o trabalho com as metodologias ativas x Comprometimento com a formação

x Expectativas do trabalho docente x Condições de trabalho

x Rejeição/resistências ao papel de tutor/facilitador Tema 14: Questões relacionadas com os alunos

x Expectativas em relação à formação x Experiências de aprendizagem anteriores x Dificuldades com métodos de aprendizagem x Nível de conhecimento da proposta curricular

x Participação pontual e limitada na construção da experiência de redefinição curricular

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4 A dinâmica expositiva da tese

O presente trabalho estrutura-se em quatro capítulos, incluindo, ainda, a Introdução e Conclusões.

Na Introdução, justifiquei meu interesse pelo objeto de estudo e relatei a trajetória metodológica este estudo, com uma descrição metodológica do caminho trilhado durante a pesquisa. Apresentei a abordagem quali-quantitativa como a opção adotada para o desenvolvimento do estudo, descrevendo, ainda, o processo de sistematização e análise dos dados empíricos coletados no campo empírico.

No Capítulo 1, intitulado “Educação Médica no Brasil e seus caminhos, tendências e paradigmas”, efetuei uma abordagem histórica deste processo, com a análise dos movimentos e tendências que influenciaram os modelos de formação do profissional médico em nosso país e na América Latina. Neste capítulo, também, apresentei o Projeto Político-Pedagógico do Curso de Medicina da UFMA, analisando seus referenciais teóricos, dados técnicos e opções metodológicas. Na conclusão deste capítulo, procedi a uma análise comparativa dos dois momentos desse projeto, apontando as mudanças de percurso produzidas na alteração curricular do curso de Medicina.

No Capítulo 2, denominado “Teoria das Competências como base analítica da Reforma Curricular da Educação Médica na contemporaneidade”, discuti os fundamentos teóricos, a concepção do saber e a inserção curricular da Pedagogia das Competências; analisei, também, as Metodologias Ativas de Aprendizagem, bases dos novos currículos em Medicina, principalmente, a Aprendizagem baseada em Problemas (PBL).

No Capítulo 3 - “Redefinições do Ensino Médico no cenário brasileiro contemporâneo: uma questão político-estratégica” - analisei a nova formação médica como uma exigência das novas políticas de saúde no Brasil e descrevi o que considero um paradoxo da educação médica brasileira na atualidade: conciliar a política pedagógica adaptativa da Pedagogia das Competências e as políticas sociais de saúde do país.

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compreender os motivos e as razões das dificuldades encontradas na implementação do novo projeto pedagógico.

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Capítulo 1

Educação Médica no Brasil e seus caminhos, tendências e paradigmas: os percursos do Maranhão na contemporaneidade

1.1. Um resgate da História: marcos e referências no século XIX e limiar do século XX

A história da educação médica no Brasil iniciou-se logo após a chegada da corte portuguesa em nosso país, quando D. João VI criou, por sugestão do cirurgião-mor do Reino, o brasileiro José Correia Picanço (1745-1823), em Salvador, Bahia, então uma cidade de aproximadamente 60.000 habitantes, a Escola de Cirurgia da Bahia, primeiro estabelecimento de ensino da medicina em nosso país (AMARAL, 2007). Ainda em 1818, no dia 5 de novembro, com a denominação de Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro, foi iniciado o ensino médico na cidade escolhida como sede do governo português no exílio. Já após a Independência, essas duas Academias de Medicina e Cirurgia foram transformadas, em outubro de 1832, nas Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro (FONSECA, 1995), devendo observar-se que a precariedade dessas primeiras escolas era a norma: as aulas não eram obrigatórias, sendo administradas para poucos alunos e sem ensino prático (ARAÚJO et al, 2008).

Com a preocupação de discutir e disciplinar as formas de ensino médico, surgiu, em 1929, a Academia Imperial de Medicina, que se constituiu, na época, no principal foco de debates sobre a educação médica, sendo a principal defensora da necessidade da adoção do modelo anatomoclínico, de origem francesa, nos cursos brasileiros (EDLER, 2000).

Realmente, nessa época, a França e a Alemanha estavam implantando as duas principais inovações que iriam revolucionar o ensino médico, a Medicina Anatomoclínica e a Medicina Experimental. A Medicina Anatomoclínica ou Hospitalar – o modelo francês -, adotada pelos brasileiros, caracterizava-se por uma retórica anti-racionalista, que atribuía todos os problemas da prática médica aos sistemas racionalistas do século XVIII, estabelecendo a dicotomia entre racionalismo e empirismo, que teria longa tradição no pensamento médico dos séculos XIX e XX. Sobre esses conceitos, Edler e Fonseca (2006, p.13), assim se colocam:

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prática hospitalar francesa, enraizava-se na crença de que a observação direta dos sintomas nos pacientes, vinculada à observação da lesão patológica nos cadáveres, seria a instância cognitiva que transformaria a medicina.

A adoção do modelo francês também trouxe os seus elementos instrumentais para o exercício profissional da medicina, como o estetoscópio e a técnica de auscultação dos pacientes, a patologia tissular, a instrução clínica sistemática, a autópsia, o ceticismo clínico e a estatística. No entanto, o seu apego à observação metódica e a sua resistência à especulação teórica, às discussões das causas patológicas, aos estudos microscópicos e à experimentação animal constituíram um foco de resistência à introdução e à hegemonia das disciplinas médicas experimentais.

Mas, no início do século XX, mais precisamente em 1910, nos Estados Unidos, realizou-se um processo de completa reforma das escolas médicas, derivado do modelo da medicina experimental da Alemanha – modelo germânico -, a partir do Relatório Flexner (FLEXNER, 1910/2009), que se tornou modelo de formação nas faculdades de medicina em todo o mundo, inclusive no Brasil.11

1.2. Paradigma Flexneriano: excelência científica e especialização no contexto universitário

1.2.1. O modelo educacional americano antes do Relatório Flexner: indefinições e disputas de modelo

Até a metade do século XIX, o ensino médico nos Estados Unidos era extremamente precário e desordenado. As escolas médicas eram pequenas, mantidas por particulares, não existindo requisitos para admissão dos alunos. Os cursos eram superficiais e breves, com o patamar do grau médico consistindo de dois períodos de 16 semanas de estudos, com instruções quase inteiramente didáticas, incluindo leituras, anotações de livros-texto e a memorização forçada de inumeráveis dados. Não se desenvolviam trabalhos

11 A influência do modelo de formação médica derivado desse Relatório, que levou à formulação do adjetivo

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laboratoriais e/ou clínicos e as escolas médicas eram isoladas, sem filiação a universidades, sendo que nenhuma dessas faculdades estava envolvida em atividades de pesquisa.

As mudanças nesse modo de ensino começaram com o nascimento da medicina experimental na Europa e com a migração de médicos norte-americanos recém-graduados para a França e a Alemanha, visando a aquisição dos conhecimentos científicos mais recentes, que acabaram absorvendo e valorizando a compreensão da técnica e da metodologia científica.

Esse processo de reoxigenação culminou com a fundação da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, que se tornou imediatamente o modelo pelo qual as outras escolas médicas eram medidas. Nela, requeria-se diploma de ensino médio para admissão, foi adotado um currículo de quatro anos, as turmas eram pequenas, os estudantes eram frequentemente testados e o laboratório era o instrumento primário de ensino. E, neste contexto, pela primeira vez, a pesquisa e o ensino médico faziam parte de uma destacada faculdade de medicina, caracterizando uma revolução nas propostas e métodos da educação médica (LUDMERER, 1996).

Havia uma variedade de modelos de educação médica em acirrada competição, cada qual com teses e defensores responsáveis. Os sistemas de ensino da medicina, na época, compreendiam, em geral, três modalidades: um aprendizado quase artesanal, no qual os estudantes recebiam ensinamentos diretamente de um profissional mais prático e experiente; um sistema de escolas privadas, onde os alunos seguiam cursos de leituras com médicos, geralmente proprietários dessas organizações; e um sistema universitário, em que os estudantes recebiam um misto de aulas e treinamento clínico em escolas e hospitais ligados a universidades; essas escolas médicas ensinavam diversos tipos de medicina: científica, osteopática, homeopática, quiroprática, eclética, fisiomédica, botânica e thomsoniana. Os estudantes mais ricos, além disso, suplementavam sua formação médica com estágios clínicos e laboratoriais em hospitais e universidades da Europa, principalmente na Inglaterra, Escócia, França e Alemanha (BECK, 2004). Este foi o contexto em que surgiu o Relatório Flexner (1910/2009).

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Carnegie para o Desenvolvimento do Ensino” para conduzir uma avaliação das escolas médicas na América do Norte.

Ele o fez visitando pessoalmente todas as 155 escolas médicas existentes nos Estados Unidos e Canadá, em uma viagem de estudos, realizada entre novembro de 1908 e dezembro de 1909, que durou cento e oitenta dias. Seus métodos de avaliação e a curta duração das visitas a cada escola são atualmente criticados (HIATT, 1999), mas seu relatório, publicado em 1910, dirigido primariamente ao público, mudou a face da educação médica. Incide seu olhar crítico no cenário da formação médica americana no limiar do século XX, formulando duras críticas à mediocridade da maioria das escolas médicas, aos currículos inadequados e à abordagem não-científica da preparação para a profissão.

Flexner recomendou uma drástica redução no número de escolas nos Estados Unidos e Canadá, de 155 para 31, propugnando que a grande maioria das instituições existentes deveria ser eliminada ou consolidada em unidades mais fortes. Todas as escolas sobreviventes deveriam ser de um único tipo: escolas ligadas a universidades e comprometidas com pesquisa médica e excelência acadêmica (HIATT & STOCKTON, 2003).

Em sua visão institucional, definiu as escolas médicas como um monopólio público, isto é, como corporações de serviço público a serem desenvolvidas em benefício da sociedade, não admitindo que elas fossem tratadas como negócios privados operados para o lucro de seus proprietários.

Com a publicação, em 1910, do “Relatório Flexner”, na verdade um estudo denominado “Medical Education in the United States and Canada” (FLEXNER, 1910/2009), Abraham Flexner assumiu o papel do mais proeminente educador medico americano e tornou-se o árbitro inquestionável da reforma educacional na América, ajudando a criar um sistema que ainda hoje é associado ao seu nome.

1.2.2. Bases Teóricas: princípios norteadores, delineamentos fundamentais e críticas

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educação médica assentada na prática do método científico, com investimento preponderante do tempo dos estudantes em laboratórios e em hospitais. O relatório explicita com clareza:

No aspecto pedagógico, a medicina moderna, como todo o ensino científico, é caracterizado pela atividade. O Estudante não apenas observa, ouve, memoriza; ele faz. (FLEXNER, 1910/2009, p. 53)

Neste sentido, o modelo de educação médica flexneriano privilegia a pesquisa como dimensão básica na formação do médico. Para ele, os melhores professores eram aqueles engajados na pesquisa. Assim, sua escola médica ideal tinha de fazer parte de uma universidade forte, com um grande grupo de professores em tempo integral, distribuídos em departamentos clínicos e científicos.

Segundo Kenneth M. Ludmerer12 (LUDMERER, 2010), os principais componentes da visão educacional de Flexner, demarcados em seu Relatório, podem ser resumidos em determinados pontos essenciais: a) Positivismo Médico: Flexner descrevia a medicina como uma disciplina experimental, governada pelas leis da biologia geral; b) métodos rigorosos de seleção dos candidatos às escolas médicas; c) Método Científico: para Flexner, o diagnóstico clínico era equivalente à hipótese dos cientistas e ambos - diagnóstico e hipótese - necessitavam ser submetidos ao teste de um experimento; d) aprender na prática: na ótica flexneriana, só havia um método confiável para os estudantes aprenderem a realidade médica e o método científico de pensar - investir muito mais de seu tempo no laboratório e na clínica do que nas salas de aula; e) Pesquisa Original: na visão de Flexner, essa era a atividade básica da escola médica, concebendo a pesquisa como uma atividade crítica, não apenas pelos novos conhecimentos que ela poderia produzir, mas também pelo estimulo, pela excitação e pelo rigor critico que acrescentaria ao ensino.

Refletindo sobre as proposições e delineamentos flexnerianos em cotejo com as abordagens do ensino médico americano, constata-se que o Relatório Flexner refletiu idéias já vigentes nos meios acadêmicos de como os médicos deviam ser formados. No entanto, ele levou as preocupações sobre a educação médica para a atenção do público em geral, preocupações essas estavam restritas apenas ao interior da profissão médica. Em outras palavras, Flexner e seu relatório tornaram públicas as questões-chave da educação médica no

12 Kenneth M. Ludmerer (1947), professor de história e bioestatística na Universidade de Washington, é autor de

dois dos mais influentes e premiados livros sobre a história da educação médica nos Estados Unidos: “Learning to Heal: The Development of American Medical Education” (The Johns Hopkins University Press, 1996) e

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