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Práticas integrativas e complementares em saúde (PICS): atividades corporais como meio para uma educação em saúde

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

BRUNO ANUNCIAÇÃO DOS SANTOS

PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES EM SAÚDE

(PICS):

ATIVIDADES CORPORAIS COMO MEIO PARA UMA EDUCAÇÃO EM

SAÚDE

Salvador

2018

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BRUNO ANUNCIAÇÃO DOS SANTOS

PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES EM SAÚDE

(PICS):

ATIVIDADES CORPORAIS COMO MEIO PARA UMA EDUCAÇÃO EM

SAÚDE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a qualificação ao grau de mestre em Educação.

Orientador: prof. dr. Coriolano Pereira da Rocha Junior.

Salvador

2018

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BRUNO AUNCIAÇÃO DOS SANTOS

PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES EM SAÚDE

(PICS):

ATIVIDADES CORPORAIS COMO MEIO PARA UMA EDUCAÇÃO EM

SAÚDE

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do título de mestre em Educação.

Salvador, 14 de dezembro de 2018.

Banca Examinadora

Coriolano Pereira da Rocha Junior – Orientador

Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

Universidade Federal da Bahia (UFBA).

André Henrique Chabaribery Capi

Doutor em Estudos do Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais. Universidade de Araraquara (Uniara).

Bruno Otávio de Lacerda Abrahão

Doutor em Educação Física pela Universidade Gama Filho, Brasil. Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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Para minha família, Que sempre esteve ao meu lado, Em todos os momentos da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Antes de tudo, agradeço sempre a DEUS por me possibilitar as condições necessárias para alcançar todos os sonhos do meu coração.

Mas quem diria que o menino de origem humilde chegaria tão longe na vida? Sem acesso a grandes privilégios, restou fazer o dobro de esforço para chegar até aqui. E, por isso, não posso deixar de agradecer e reconhecer a importância do meu orientador, Coriolano Pereira da Rocha Junior, o Cori, alguém a quem me faltam palavras para descrever tantas qualidades. A atenção dada a cada dúvida minha, a palavra que acalmava o coração quando a angústia batia, as orientações que me fizeram avançar e alcançar um grau de maturidade acadêmico que nunca imaginei ser capaz, então, só posso agradecer a essa pessoa especial em minha vida que me inspirou todos os dias ao longo desse mestrado. Muito obrigado, grande mestre, pelo carinho, cuidado, respeito, atenção e força, e sim, virei fã.

A escrita acadêmica, ou o meio acadêmico, não é fácil para ninguém. As cobranças, os olhares, a sua capacidade sendo coloca em xeque a todo momento podem ser adoecedor. Daí a importância de se cercar de pessoas que reduzam os danos desse processo, e aqui então fica registrado meu agradecimento aos amigos que se predispuseram a ouvir minhas lamentações e angústias e que dividiram comigo momentos de lazer quando tudo parecia perdido. Obrigado a todos.

Por mais clichê que possa parecer, a família tem sempre seu lugar especial nos agradecimentos, muito porque disponibilizaram todo suporte estrutural e emocional necessário para a trajetória de vida. Então, não posso deixar de agradecer a cada um de vocês, em especial à minha mãe, Ivonilda Anunciação dos Santos; ao meu pai, Jilead Roque dos Santos; à minha irmã, Adriana Anunciação dos Santos; ao meu avô, Mauricio Aleixo Anunciação, um grande exemplo para mim; e à minha tia Guida e segunda mãe, Margarida Aleixo Anunciação. Vocês foram e sempre serão fundamentais para minha vida. Ainda no grupo seleto da família, está minha namorada, Laura, a quem agradeço por compartilhar comigo todos os momentos dessa trajetória acadêmica, pelas noites perdidas transcrevendo entrevistas ou corrigindo textos. Muito obrigado.

Aos membros do grupo Corpo – Cotidiano, Resgate, Pesquisa e Orientação, toda minha gratidão e respeito pela forma como me receberam, pelo cuidado ao

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analisarem meus textos, pelas orientações, pelo companheirismo, pela amizade e resenhas. Com certeza fiz grandes amigos que levarei para o resto da minha vida.

Aos meus colegas de trabalho que aprenderam junto comigo como se faz o SUS no “chão de fábrica”, que me aturaram durante esse tempo, e que me fizeram crescer significativamente enquanto profissional e ser humano. Meu muito obrigado, por dividirem as alegrias e tristezas do serviço e sempre de alguma forma encontrarmos solução para tudo. Em especial aos amigos do meu NASF.

Aos professores Augusto Cesar Rios Leiro e Romilson Augusto dos Santos que se tornaram grandes amigos e que acreditaram em mim, viram um potencial onde nem eu mesmo conseguia ver, me incentivaram e me apoiaram a estar onde estou. Então só posso fazer essa singela homenagem para dizer o quanto sou grato por tudo que fizeram por mim.

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Não digo isto como por necessidade, porque já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece. Felipenses 4: 10-13 Livro: Bíblia Sagrada

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DOS SANTOS, Bruno Anunciação. Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS): atividades corporais como meio para uma educação em saúde. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

RESUMO

O trabalho em tela aborda as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) e suas ações em saúde para o processo de educação em saúde dos usuários das unidades de saúde da família e da atenção especializada no município de Camaçari-BA, região metropolitana de Salvador. Nossa questão de estudo é: a inserção das PICS no Sistema Único de Saúde (SUS) pode contribuir para a progressão educacional do processo saúde-doença dos usuários? A partir dessa questão, apontamos como hipótese que os profissionais de saúde que utilizam as terapêuticas da perspectiva de cuidado das PICS demonstram uma melhor resolução do processo de saúde-doença dos pacientes através da educação em saúde e do autocuidado. Nessa perspectiva, nosso objetivo foi analisar como os profissionais que atuam com as PICS compreendem o processo de saúde-doença dos usuários a partir desse olhar e, por dentro disso, analisar os processos pedagógicos sistematizados presentes nas práticas corporais utilizadas por esses profissionais de saúde, bem como problematizar a utilização das práticas alopáticas hegemônicas no sistema de saúde brasileiro, como principal alternativa em detrimento do uso das PICS. A justificativa do estudo toma por base a necessidade de ampliação do debate sobre educação em saúde e de como ele vem sendo realizada no sistema de saúde brasileiro. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que utilizou o estudo de caso e, como instrumento para obtenção dos dados para a pesquisa, a entrevista semiestruturada. Foram entrevistadas dez profissionais de saúde da atenção básica e especializada que utilizavam como terapêutica nos seus pacientes alguma das PICS. Como resultado, obtivemos relatos desses profissionais nos quais diziam haver uma melhora significativa dos seus pacientes quando tratados com as PICS, principalmente no que diz respeito à autonomia do sujeito no seu processo saúde/doença e no autocuidado para obtenção da cura.

Palavras-chave: Educação em saúde. Práticas corporais. Reforma sanitária. Práticas Integrativas e Complementares em Saúde.

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DOS SANTOS, Bruno Anunciação. Integrative and Complementary Practices in Health (PICS): Corporal activities as a means for a health education. Dissertation (Master degree) - Faculty of Education, Federal University of Bahia, Salvador, 2018.

ABSTRACT

The on-screen work addresses the Integrative and Complementary Practices in Health (PICS) and its actions in health for the process of health education of the users of the family health units and the specialized care of the municipality of Camaçari-BA metropolitan region of Salvador. Our question of study is: the insertion of integrative and complementary practices in health in SUS can contribute to the educational progression of the health-disease process of users? Based on this question, we hypothesized that health professionals who use the therapies from the PICS care perspective demonstrate a better resolution of the patients’ health-disease process through health education and self-care. In this perspective, our objective was to analyze how the professionals that work with the PICS understand the health-disease process of the users from this perspective and, within that, analyze the systematized pedagogical processes present in the corporal practices used by these health professionals and still to problematize the use of hegemonic allopathic practices in the Brazilian health system, as the main alternative to the use of PICS. The justification of the study is based on the need to broaden the debate on health education and how it has been carried out in the Brazilian health system. It is a qualitative research that used the case study and as instrument to obtain the data for the research the semi-structured interview. We interviewed 10 health professionals from basic and specialized care who used as therapy in their patients some of the PICS. As a result we obtained the reports of these professionals where they said that there is a significant improvement of their patients when treated with the PICS, mainly regarding the autonomy of the subject in their health / illness process and in the self care to obtain the cure.

Key words: Health Education; Body Practices; Health Reform; Integrative and Complementary Practices in Health.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – O homem vitruviano, segundo a interpretação de Leonardo Da Vinci, 1490, Galleria della’Academia, Veneza. ... 47 Figura 2 – Yin yang, representação artística da filosofia chinesa. ... 48

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SUMÁRIO

Sumário

1 INTRODUÇÃO ... 13

2 PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SUS ... 23

2.1 Um passeio pela trajetória da saúde pública brasileira ... 23

2.2 Participação popular na construção do SUS ... 27

3 EDUCAÇÃO E POLÍTICAS EM SAÚDE ... 32

3.1.1 Racionalidade médica e o surgimento da clínica moderna ... 34

3.1.2 PICS e educação em saúde/autocuidado ... 38

3.2 Políticas públicas ... 41

4 PRÁTICAS CORPORAIS E SAÚDE ... 45

4.1 O corpo ... 45

4.2 Atividade física e saúde fisiológica ... 49

4.3 Práticas corporais, PICS e saúde ... 51

5 AS PICS SOB A PERSPECTIVA DE QUEM ATUA ... 56

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 65

7 REFERÊNCIAS... 69

8 ANEXOS ... 72

8.1 MODELO ENTREVISTA ... 72

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1 INTRODUÇÃO

Como proposto no título desta pesquisa, o trabalho em tela abordará uma perspectiva para saúde brasileira em que a especialização1 e a medicalização2 dão

lugar a um debate sobre educação em saúde através das práticas corporais. Antes de aprofundar os estudos, porém, será preciso elucidar alguns conceitos que em um primeiro momento podem causar certo estranhamento aos leitores que não são da grande área da saúde.

O primeiro é o de educação em saúde — ou educação para a saúde. É corrente no âmbito da saúde que termos como “educação em saúde”, “educação na saúde”, “educação continuada em saúde”, “educação popular em saúde”, “educação permanente em saúde” e “educação sanitária” sejam usados de forma indiscriminada para designar o que já está posto na literatura e que atende com clareza aos princípios do que é educação em saúde, por isso, a necessidade de discutir o conceito que será abordada ao longo do texto.

O Ministério da Saúde define educação em saúde como: “processo educativo de construção de conhecimentos em saúde que visa à apropriação temática pela população [...]” (BRASIL, 2013). Para tal, foi formulado um conjunto de práticas do setor que buscam construir a autonomia das pessoas no seu cuidado e no debate com os profissionais e gestores, a fim de alcançar uma atenção, de acordo com suas necessidades.

Falkenberg e colaboradores (2014) afirmam que:

a educação em saúde como processo político pedagógico requer o desenvolvimento de um pensar crítico e reflexivo, permitindo desvelar a realidade e propor ações transformadoras que levem o indivíduo à sua autonomia e emancipação como sujeito histórico e social, capaz de propor e opinar nas decisões de saúde para cuidar de si, de sua família e de sua coletividade.

Notar-se então, que a educação em saúde visa uma emancipação do sujeito a respeito da sua saúde, tornando-o capaz de tomar decisões de forma esclarecida e consciente sobre qual racionalidade médica3 deseja ser tratado

de acordo com seu estilo de vida (p. 848).

1 Entendemos como especialização médica a fragmentação do conhecimento em determinados

segmentos do corpo, como, por exemplo, cardiologia (conhecimento específico sobre tudo que envolve o coração), neurologia (conhecimento específico de tudo que envolve o funcionamento do cérebro) etc.

2 Intervenção externa através de drogas manipuladas de forma industrializada para o tratamento de

determinada doença.

3 São sistemas médicos complexos, simbólicos e empiricamente estruturados em seis dimensões

fundamentais: cosmologia, doutrina médica, morfologia, fisiologia ou dinâmica vital humana, sistema de diagnóstico e sistema de intervenções terapêuticas.

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Podemos então compreender que a educação em saúde vai muito além de uma prescrição de hábitos saudáveis e condutas que devem ser adotadas para que o indivíduo alcance a plenitude da sua saúde. Partindo dessa noção mais ampliada, podemos identificar alguns equívocos em estratégias educacionais adotadas para saúde, como, por exemplo: ensinar uma criança a lavar as mãos antes das refeições e não perceber que ela sequer tem em sua residência acesso à água encanada ou de qualidade, ou nem mesmo a uma rede de esgoto adequada para as condições mínimas de existência humana; ou ainda perceber que as mais frequentes entradas em hospitais e/ou Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) não se devem a vetores de doenças, mas sim são em função de violências, acidentes de trânsito ou simplesmente porque o sujeito não tem as condições mínimas de alimentação necessárias à sua sobrevivência.

Dessa forma, as medidas para melhoria da saúde populacional vão muito além de construção de hospitais e postos de saúde, elas perpassam por quase todas as áreas sociais, como: emprego, renda, segurança, trânsito, moradia e a educação. Sendo assim, podemos entender que não existe outro contexto de melhoria substancial da saúde sem que todos esses elementos sejam levados em consideração e superados a longo, médio e curto prazo, tendo como atores ativos e participativos os indivíduos e os movimentos populares, juntamente com o Estado e os profissionais de saúde.

O segundo conceito a ser definido e que se faz essencial para compreensão do texto é o de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), já que o termo será corrente em nossa escrita. Ao longo do tempo, criou-se uma mística sobre os saberes biomédicos (medicina tradicional moderna), que acabou tornando o profissional médico algo parecido a um semideus, em que suas práticas e terapêuticas não podiam ser e não eram questionadas de forma alguma.

A sociedade era e é submetida a condutas, por vezes questionáveis, que beiram a desumanização por parte das práticas e políticas de saúde adotadas hegemonicamente no país. Tais tipos de condutas podem acarretar na construção de sujeitos passivos no que se refere ao seu processo saúde-doença.

Num estudo recente realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), intitulado Erros acontecem: a força da transparência no enfrentamento dos eventos

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causas de morte no contexto hospitalar, teve-se como estimativa que, em 2015, na pior das hipóteses, as falhas da equipe técnica acarretaram em 434 mil óbitos, o equivalente a mil mortes por dia.

Na ausência de dados oficiais nacionais, cálculos baseados em resultados encontrados na literatura e nas estatísticas de internações estimam que no Brasil entre 104.187 a 434.112 óbitos/ano que podem estar associados a eventos adversos assistenciais hospitalares. No melhor cenário seria a 5ª causa de morte atrás de doenças do aparelho circulatório, neoplasias, doenças do aparelho respiratório e causas externas em um cenário mais realista poderia ser a primeira ou segunda causa de morte (COUTO; PEDROSA; ROSA, 2016, p. 38).

Tais dados apontam para a necessidade de um olhar mais atencioso e urgente para uma educação em saúde, pois aparentemente esses óbitos poderiam ser evitados se, dentre outras coisas, houvesse uma maior autonomia dos pacientes nas decisões de saúde a serem tomadas sobre seu corpo. Tal análise justifica pesquisas deste porte para as comunidades das grandes áreas da educação e da saúde, como apoio à elaboração de estratégias pedagógicas e mais como suporte na implementação de ações educativas no sistema de saúde brasileiro. O estudo também aponta que, além dos erros técnicos e humanos, os eventos adversos relacionados à perda de dignidade, do respeito e marcas psicológicas negativas são comuns na realidade hospitalar.

Nesse contexto, surgiu um movimento que começou a questionar essa realidade no sistema de saúde brasileiro, passando a produzir conhecimento científico sobre as limitações desse atendimento extremamente especializado, fragmentado e baseado na diagnose imposto a população, começando assim uma luta pelo direito à escolha do cuidado, legitimando e reconhecendo as práticas não alopáticas e milenares em saúde como alternativas frente às práticas de saúde hegemônicas.

No cenário mundial, um marco histórico aconteceu no final da década de 1970, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou o Programa de Medicina Tradicional, objetivando a formulação de políticas na área, legitimando e abrindo possibilidades para os países membros adotarem políticas públicas nessa perspectiva de abordagem. Na realidade brasileira, essa implementação teve sua gênese nas negociações para redemocratização do país e se evidenciou, de fato, com o processo de construção do Sistema Único de Saúde (SUS), na década de 1980, quando o país começou o processo de legitimação e de institucionalização dessa abordagem “alternativa” de atenção à saúde.

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A concepção do SUS, dentre outras coisas, tomou por base a compreensão de que a União não poderia centralizar as ações em saúde, visto que, em um país de dimensões continentais como o nosso, as peculiaridades e especificidades de cada localidade se diferem também em relação às demandas para a saúde. Nesse sentido, a descentralização das ações pareceu ser vital.

Dessa forma, tendo por base essa noção de desenvolvimento de uma autonomia e ainda associado a uma maior participação popular, estados e municípios obtiveram mais espaço para a definição de suas políticas e ações em saúde, permitindo também a implantação de experiências pioneiras.

A elaboração e desenvolvimento dessas experiências se juntaram às demandas populares específicas, colaborando com o surgimento do Programa de Saúde da Família (PSF), que acabou por incorporar em suas estratégias as atividades corporais e as práticas de lazer utilizadas como meio para o indivíduo alcançar a plenitude de sua saúde, no sentido mais amplo da palavra, compreendendo que o sujeito é muito mais do que as fragmentações e especialidades que o sistema da medicina tradicional ocidental sugere.

Uma característica marcante desse período foi a presença e influência dos movimentos sociais e populares em saúde, que participaram de forma ativa na formulação e construção do SUS, muito em virtude da conjuntura política nacional na época (anos 1980). O período foi marcado como o de redemocratização nacional, após longos anos de uma ditadura civil-militar, que limitou ou proibiu direitos sociais, dentre os quais estava o acesso à saúde, reforçando o abismo socioeconômico entre classes e entre regiões.

A insatisfação com a longevidade da ditadura facilitou ou ao menos tornou fértil o terreno para que houvesse uma união popular em prol de uma saúde de qualidade para todos, sendo esse desejo associado a outras lutas por uma sociedade livre e igualitária. Esse movimento político e social foi fundamental para a consolidação de uma nova Carta Magna, em 1988, chamada de Constituição Cidadã justamente por reconhecer e buscar garantir à população de uma forma geral o acesso a todo um conjunto de bens sociais, dentre estes, a saúde, e foi nesse movimento, sob a mesma lógica de ação social, que se formulou e implantou o SUS.

Com o passar do tempo e o avanço de políticas neoliberais em nosso país, movido pela chegada ao poder de partidos representantes de uma centro-direita, vimos se enfraquecer o processo de democratização e consequentemente um

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impacto nas políticas públicas sociais, com a afirmação da noção de um estado mínimo, com a perspectiva de um mercado autorregulado. Dessa forma, sob esse conjunto de políticas, vimos serem devastados direitos sociais e as diversas formas de representação e participação popular, ou seja, o senso coletivo foi abalado e cada um passou a lutar pelos seus interesses, às vezes só pela sobrevivência.

A afirmação de uma ideologia neoliberal levou a um enfraquecimento dos movimentos sociais, inclusive os da saúde. Testemunhamos também a fragmentação das lutas, a partir dos interesses de segmentos específicos e grupos sociais, e o que antes era uma luta unificada por um sistema de saúde adequado para todos passou a se configurar agora em um conjunto fragmentado de motivações e ações, gerando debates mais específicos que, mesmo sendo legítimos, acabaram por colaborar com a afirmação de separações sociais por raça, gênero, etnia, renda e outros, como, por exemplo: a saúde da mulher; a saúde da população LGBT, negra; etc. Atrelado a essa fragmentação, ainda houve uma forte investida política nos ambientes nos quais se construíam as reivindicações (centros comunitários, sindicatos, associação de moradores), caracterizando assim uma perda de força e da influência dessas organizações nas construções e estratégias de saúde para a população.

Em maio de 2006, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria n.º 971, Art. 1º, aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), no SUS. Essa política, de caráter nacional, recomenda às Secretarias de Saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios a implantação e implementação das ações e serviços relativos às Práticas Integrativas e Complementares. O Art. 2º define que os órgãos e entidades do Ministério da Saúde, cujas ações se relacionem com o tema da Política ora aprovada, devem promover a elaboração ou a readequação de seus planos, programas, projetos e atividades, na conformidade das diretrizes e responsabilidades nela estabelecidas.

A Política citada apoia sua implementação no Brasil, levando em consideração e tomando como justificativa a compreensão que a OMS traz a respeito das PICS:

O campo das Práticas Integrativas e Complementares contempla sistemas médicos complexos e recursos terapêuticos, os quais são também denominados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de medicina tradicional e complementar/alternativa (MT/MCA) (WHO, 2002, p. 65 apud BRASIL, 2013, p. 10).

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Entendemos que essa perspectiva busca uma participação efetiva do sujeito no seu processo de saúde-doença, utilizando-se de mecanismos naturais de prevenção de agravos e recuperação da saúde, enfatizando a escuta acolhedora, a construção de um vínculo terapêutico e a conscientização do sujeito do seu papel no ambiente e na sociedade, mantendo sempre uma visão ampliada do processo saúde-doença e a promoção global do cuidado humano, especialmente do autocuidado. Portanto, as PICS são sistemas médicos complexos e com recursos terapêuticos bem definidos, que compreendem o homem como um todo indivisível (corpo, mente e espírito).

Nesse contexto, tomando por base essas compreensões e considerações iniciais, esse trabalho busca trazer para o debate as possibilidades para uma melhor educação em saúde através das práticas corporais existentes na abordagem das PICS. Práticas essas sempre presentes nas abordagens e perspectivas de cuidados em saúde de qualquer que seja a terapêutica escolhida, entendendo-a como uma ação sistematizada, complexa, com práticas diferenciadas e com eficácia comprovada cientificamente.

Acreditamos não existir forma melhor de conhecimento do processo individual de saúde-doença, senão através do descobrimento do próprio corpo, o que é propiciado desde que perspectivado psíquica e fisicamente pelas práticas corporais, sejam elas as danças, o lazer, as lutas, o trabalho em si etc. Cabe ressaltar que o conceito de práticas corporais adotado pelo texto é o de Lorenzetto e Matthiesen (2008), que afirmam, em resumo, que as práticas corporais se afastam de formas mais tradicionais de educação do corpo, como aquelas que trabalham apenas forma e volume, pois repudiam a simples manutenção da forma física e a preocupação estética, aproximando-se das terapias corporais que pretendem promover cura para determinados problemas do corpo (como dores na coluna e problemas posturais) e também psíquicos, pois a solução para estes, na maior parte das vezes, estaria no corpo.

Nessa linha, de acordo com Coldebella (2002), as práticas corporais estão relacionadas à busca pela subjetividade, autoconhecimento, sensibilização, expressividade, criatividade, redução do esforço físico, não competição e o oposto ao formal. Elas se afastam da obsessão e solidão provocadas na busca pela performance esportiva, voltando-se para o ser humano em transformação constante, buscando

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alcançar o desenvolvimento e a compreensão dos potenciais físico, expressivo, sensível e espiritual de cada indivíduo.

Exposto o objeto de estudo, em linhas gerais, cumpre então apresentar a aproximação do autor com o tema. Formado em Educação Física pela Faculdade Social da Bahia, ingressei, ainda durante a graduação, no curso de Bacharelado Interdisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA), pelo qual tive o primeiro contato com o tema, em 2012, através de uma disciplina de nome Racionalidades em Saúde: Sistemas Médicos e Práticas Alternativas.

Nesse componente curricular, comecei a me aprofundar nos estudos relacionados às PICS e, após essa aproximação teórica, participei, em 2013, da organização e monitoria geral do I Encontro Nordestino de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS NE), realizado na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Em 2015, em igual função, estive presente no II Encontro Nordestino de Práticas Integrativas e Complementares, realizado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É importante notar que esses eventos foram pioneiros no Brasil, sendo inclusive espelho para outras regiões do país e da construção do evento nacional.

Ainda em 2015, ocorreu a fundação da Liga Acadêmica de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (Lapics) na UFBA, em cuja primeira gestão ocupei o cargo de vice-presidente e hoje ocupo a presidência. A Lapics promoveu durante esses anos de existência diversos simpósios e fóruns acerca do tema, além de ter tido uma participação fundamental na construção do congresso 70 anos UFBA, no qual foi montada uma tenda de cuidados que realizou aproximadamente 800 atendimentos de saúde somente na perspectiva da PICS e, devido ao sucesso dessa primeira participação, a Lapics também se fez presente no congresso UFBA 2017, atuando da mesma forma.

Em 2016 durante a Ação Curricular em Comunidade e em Sociedade (ACCS) Ações Interdisciplinares em Práticas Integrativas e Complementares, realizei o curso de uma das técnicas da medicina chinesa, a reflexologia podal. Esse curso ocorreu no ambulatório de PICS do Hospital das Clínicas, no anexo Magalhães Neto, e logo após o termino do curso, realizei atendimentos dos pacientes durante três meses no ambulatório em questão.

Feita essa breve trajetória pessoal pelo meio, estou ciente do meu envolvimento com o tema e do desafio que terei para que haja o distanciamento

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necessário das PICS para a realização da investigação científica, tentando estabelecer a maior fidedignidade possível dos fatos.

Esse acúmulo de vivências, experiências e leituras me fizeram querer aprofundar muito mais os conhecimentos acerca do tema. Vale ressaltar também que este ainda é pouco debatido cientificamente e a possibilidade de levar essa alternativa de saúde à sociedade é o que me move a escrever e realizar esse trabalho.

Contextualizadas essas questões mais gerais acerca do tema proposto e realizadas as minhas inspirações pessoais, apresentamos então o problema de pesquisa deste trabalho, que buscará responder a seguinte questão: a inserção das PICS no SUS pode contribuir para a progressão educacional do processo saúde-doença dos usuários? Apresentando como hipótese que os profissionais de saúde que utilizam as terapêuticas da perspectiva de cuidado das PICS demonstram melhor resolução do processo de saúde-doença dos pacientes através da educação em saúde e do autocuidado.

A partir dessa questão, nosso objetivo geral é o de analisar como os profissionais que atuam com as PICS compreendem o processo de saúde-doença dos usuários a partir desse olhar. Como objetivos específicos, buscamos analisar os processos pedagógicos sistematizados presentes nas práticas corporais e ainda problematizar a utilização das práticas alopáticas hegemônicas no sistema de saúde brasileiro, como principal alternativa em detrimento do uso das PICS.

Este estudo se justifica pela necessidade de ampliação do debate sobre educação em saúde e de como ele vem sendo realizado no sistema de saúde brasileiro. Nunca antes os saberes médicos e sua posição central e superior na saúde foram tão questionados e colocados em dúvida. Torna-se, portanto, indispensável uma avaliação da eficácia do que hoje se apresenta como alternativa complementar em saúde e principalmente de como a Educação Física, através das práticas corporais, se insere ou que lugar ela pode ocupar nessa perspectiva de saúde baseada no acolhimento, escuta, educação colaborativa e de participação coletiva no processo de construção das estratégias de saúde.

O método utilizado para essa dissertação caracteriza-se como uma abordagem qualitativa, a qual se preocupou em compreender os fenômenos dos grupos sociais e/ou organizações que serão pesquisados. Seu papel será descrever, compreender, explicar e analisar dados. Para Minayo (2001, p. 14),

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a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Dentro das abordagens qualitativas, optamos pela pesquisa empírica do tipo estudo de caso para obtenção de informações, que, para Gil, (2002, p. 52 apud YIN, 2001), “é encarado como o delineamento mais adequado para a investigação de um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto real, onde os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente percebidos”. Pretende-se então colocar em xeque os conceitos de verdade, diferença, identidade, mundo, poder e sujeito. Segundo Rocha Junior (2014, p. 12),

o estudo de caso pretende ser um estudo descritivo longo e detalhado, se valendo de dados tanto qualitativos quanto quantitativos na execução da pesquisa. Pode tratar de objetos que vão desde um indivíduo até uma comunidade, devendo se destacar por merecer um interesse específico, único.

O cenário investigado foram os de três Unidades de Saúde da Família (USF) e da atenção especializadano Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II), do município de Camaçari, região metropolitana de Salvador, nos bairros de Piaçaveira, Phoc 3 e Parque das Mangabas. O município, além de ser referência no que diz respeito às PICS na região, é um dos raros ambientes de saúde a utilizar as abordagens de atendimento das PICS no SUS.

As unidades citadas têm algumas características importantes a serem destacadas, elas fazem parte do Programa de Residência Multiprofissional e Médica em Saúde da Família da Fundação Estatal Saúde da Família (FESF-SUS/Fiocruz). Logo, trata-se de um espaço de formação de profissionais no SUS para o SUS e, por ser um espaço formativo, o leque de opções para atuação do profissional é muito maior, sempre preconizando o que é previsto na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Sete das profissionais entrevistadas são residentes do segundo ano, ou seja, já concluintes da residência; uma profissional está no primeiro ano da residência; um profissional é preceptor da residência; e uma outra é profissional concursada do município e atua na atenção especializada. Das profissionais entrevistadas, dois apresentam pós-graduação em uma das PICS, enquanto os demais relatam realização de cursos de capacitação propostos pelo Ministério da Saúde.

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Como instrumento, utilizamos a entrevista semiestruturada4, aplicada aos

profissionais de saúde das unidades. Como critério para seleção das entrevistas, tomaremos como referência os profissionais de saúde que atendam em qualquer prática das PICS nas unidades em questão, não será especificada nenhuma profissão para participação da pesquisa. Entrevistamos no total dez profissionais, com uma diversidade significativa nas especialidades, as quais são: quatro médicas, duas psicólogas, duas enfermeiras, uma professora de Educação Física e uma nutricionista. Tivemos também o cuidado de apresentar e registrar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Como forma de análise dos dados, estabelecemos uma leitura a partir dos dados das entrevistas em diálogo com os documentos formatadores da Política e com a literatura específica do campo da Educação e da Educação Física que abordem a saúde. Dessa forma, para além das análises de dados, pretendemos entabular nossas conclusões e quem sabe estabelecer considerações.

Como estrutura, esta dissertação, além desta introdução, está organizada em capítulos, que são:

2 - Processo de construção do SUS e sua história; 3 - Educação e políticas em saúde;

4 - Práticas corporais e saúde

5 - As PICS sob a perspectiva de quem atua; 6 - Conclusão.

4O instrumento foi montado pelo autor e pelo orientador, e foi testado, como forma de validação, em

um grupo específico, semelhante ao alvo da pesquisa, mas que não será o investigado. O instrumento vai apresentado nos apêndices, bem como o TCLE.

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2 PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SUS

2.1 Um passeio pela trajetória da saúde pública brasileira

A saúde pública brasileira sempre esteve de mãos dadas com os movimentos sociais e as grandes lutas, inclusive as armadas. Se analisarmos, desde a Revolta da Vacina (1904) até o primeiro Governo Vargas (1930-1945), notaremos que a saúde foi sempre pauta principal, sendo comumente utilizada como justificativa ou grande impulsionadora dos embates, políticos ou armados. Mesmo reconhecendo isso, não será feita aqui uma trajetória histórica desses eventos longínquos, justamente por não ser esta uma pesquisa histórica, mas sim nos deteremos na análise da trajetória de construção do SUS.

O processo de construção do SUS não foi diferente do restante da história de luta da população brasileira, e, dando continuidade a esses conflitos, tinha-se pela frente o impiedoso regime militar, contra o qual seria travada uma nova, grande e sangrenta guerra social e política. Paim (2009), em uma análise sobre a implementação do SUS, reconhece o quão relevante foi o papel da participação popular nesse processo, fazendo a seguinte afirmação:

Retrospectivamente, pode-se afirmar que os brasileiros responderam a esse desafio com muita ousadia, articulando lutas sociais com a produção de conhecimentos. Enquanto enfrentavam a ditadura e denunciavam o autoritarismo impregnado nas instituições e nas práticas de saúde, defendiam a democratização da saúde como parte da democratização da vida social, do Estado e dos seus aparelhos (p. 29).

Durante a ditadura civil-militar brasileira, os serviços de saúde oferecidos no país passaram por um processo sistemático de piora. O dito governo abriu o Brasil economicamente para grandes empresas estrangeiras — principalmente para as norte-americanas, processo esse de fácil compreensão, afinal é sabido que os Estados Unidos foram os grandes financiadores do golpe militar —, no entanto cabe aqui uma pequena reflexão na conjuntura atual do país, pois inexplicavelmente vemos a história se repetir diante dos nossos olhos. Essa abertura econômica teve diversos impactos no território nacional, especialmente na saúde pública. Nesse período, foram construídos diversos hospitais com financiamento estatal, que foram repassados para a administração privada, responsável por gerir os recursos e entregar o produto final: os serviços de saúde.

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Um marco importante nesse processo foi à criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), sucessor dos antigos Caixa e Instituto de Aposentadorias e Pensões (IAPs), que posteriormente seria substituído pelo o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). A priori, sua criação foi para propiciar uma saúde de qualidade para os trabalhadores e uma aposentadoria digna — vale ressaltar que os INPS/Inamps tinham recolhimento de acordo com cada profissão, ou seja, as carreiras que tinham os maiores salários conseguiam arrecadar mais e consequentemente tinham acesso aos melhores serviços de saúde.

Também é importante destacar que eles prestavam atendimento somente para os trabalhadores que contribuíam para a previdência social, ou seja, os trabalhadores que tinham carteira de trabalho assinada, excluindo dessa forma todos os outros cidadãos que não tivessem dinheiro para pagar pelo atendimento. Em resumo, a saúde não era para todos. A importância do relato desse marco, que a princípio não parece ter muito haver com a história do SUS, é para a compreensão de que, de certa forma, sempre houve uma busca por financiamento para saúde, mesmo que sob uma análise mais detida, se constate que os recursos desses fundos nunca foram usados para sua finalidade, pois eram desviados para outra áreas econômicas, como, por exemplo, expansão industrial ou infraestrutura do país, tornando evidente que a saúde, e principalmente a saúde pública, nunca foi prioridade dos governos.

Algo precisava ser feito e então começou a surgir uma organização com diversas representações sociais chamada de Movimento Sanitarista, que posteriormente evoluiria para uma proposta de Reforma Sanitarista. Sobre esse processo, Paim (2009) assevera:

A Reforma Sanitária surge como ideia, ou seja, uma percepção, uma representação, um pensamento inicial. Vinculava-se de um lado à crítica feita aos limites do movimento ideológico da Medicina Preventiva e, de outro, à busca de alternativas para a crise da saúde durante o autoritarismo (p. 31).

Essa grande articulação que envolveu diversos atores sociais foi fundamental para o processo de construção do SUS, que, em sua estruturação, também contou com outros marcos históricos fundamentais, como: a criação do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), em 1976, e a criação da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em 1979. A criação dessas entidades foi uma grande resposta social na busca por embasamento teórico para lutas políticas relacionadas à saúde, legitimando cientificamente as estratégias para enfrentamento da crise do setor.

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Muito embora a confirmação constitucional e legal do SUS tenha se dado entre 1988 e 1990, o primeiro esboço de sua elaboração apareceu quase uma década antes, como parte das proposições estruturais da Reforma Sanitarista, conforme afirma Paim (2009, p. 31):

A Reforma Sanitária, cuja ideia já se encontra registrada no editorial do terceiro número da Saúde em Debate, organiza-se mais tarde como ‘proposta’, ou seja, um conjunto articulado de princípios e proposições políticas. O documento A questão democrática na área da saúde, apresentado pelo Cebes durante o 1º Simpósio de Política Nacional de Saúde da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, registra esse momento da proposta (Cebes, 1980). Dessa forma, surgiu em 1979 a proposição de criação do SUS, retomada e ampliada na 8ª Conferência Nacional de Saúde (8ª CNS).

Os anos de 1980 foram marcados por essa reorganização social. Ao longo da década, ocorreram diversas manifestações populares de redemocratização e representatividade civil, seja no âmbito cientifico, seja no político. O povo não se omitia em reclamar por suas necessidades de saúde, mas, junto a essa reivindicação, trabalhava por uma proposta de saúde digna para todos.

No ano de 1986, em março, se deu a 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), tida como um grande marco histórico da saúde coletiva/pública brasileira e indiscutivelmente fundamental para elaboração da proposta final do SUS. Ela trazia como eixos temáticos: 1) saúde como direito; 2) reformulação do Sistema Nacional de Saúde; e 3) financiamento do setor. Porém, o que a tornou extremamente importante para a saúde pública brasileira foi o fato de ter sido a primeira conferência aberta à participação popular, algo outrora impensável.

A conferência foi convocada pelo então ministro Carlos Santanna, porém teve sua realização na gestão de Roberto Figueira Santos, a Comissão Organizadora foi presidida por Sergio Arouca, uma das principais lideranças do Movimento da Reforma Sanitária. O resultado dessa conferência foi a implantação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), um convênio entre o Inamps e os governos estaduais, além da instalação da Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS), porém, sem dúvidas, o mais importante foi ter formado as bases para a seção “Da Saúde” da Constituição Brasileira de 1988 e posteriormente as Leis Orgânicas da Saúde (LOA), n.º 8080/90 e n.º 8.142/90, mais conhecida como a Lei do SUS.

Tinha-se então uma proposta concreta para a saúde pública, com diretrizes, objetivos e metas pré-estabelecidas, que objetivava a implementação do SUS. Cabe destacar que, embora todo esse processo de construção social tenha se desenvolvido

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no contexto de democratização do país e com um forte olhar para as políticas sociais, os governos responsáveis em colocá-la em prática, de certa forma, traíram o seu povo, como podemos perceber na contribuição a seguir:

As limitações das ‘políticas racionalizadoras’ propiciavam certo espaço para o desenvolvimento de ‘políticas democratizantes’ e, em especial, para a defesa da ‘proposta’ da Reforma Sanitária e da organização do SUS. A chamada ‘Nova República’ poderia apostar num conjunto de reformas como um meio de saldar a dívida social acumulada em 21 anos de regime militar, mas o fim melancólico do governo responsável por conduzir a transição democrática terminou por contribuir com cores de farsa para a tragédia brasileira (PAIM, 2009, p. 36).

Logo, desde sua institucionalização, o SUS passou por problemas seríssimos na sua consolidação enquanto direito social, levando-nos a entender que aparentemente, a saúde pública não era e nunca foi prioridade de nenhum dos governos. Esse descaso com o sistema pode ser compreendido de maneira simples, afinal a característica principal do programa político constituinte e

pós-impeachment do governo Fernando Collor era o modelo neoliberal, que, entre outras

coisas, entende que o estado deve atuar de maneira mínima nas questões sociais. Sobre isso, mais uma vez Paim assevera que:

Os Governos que sucederam ao impeachment na conjuntura pós-constituinte (Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Ignácio Lula da Silva) foram incapazes de fazer avançar o ‘processo’ da Reforma Sanitária brasileira. No limite, esses governantes produziram fatos que levaram à implantação tortuosa do SUS [...] Cumpre apenas destacar que, não obstante o retraimento dos movimentos sociais nesse período, os canais de participação social propostos pela Reforma Sanitária brasileira e o SUS, bem como o persistente movimento sanitário, possibilitaram a continuidade do ‘processo’ da Reforma. Apesar das contradições e conflitos gerados, a criação de espaços de participação social, como conferências e conselhos de saúde, permitia a constituição de novos sujeitos que se transformavam em atores políticos (2009, p. 37).

Apesar de ser notória a necessidade de políticas sociais para população e principalmente para a saúde, os responsáveis pela gestão do país fugiram da sua responsabilidade e negligenciaram as políticas públicas em favor do capital e do livre comércio, inclusive no direito fundamental à existência humana, que é a condição de acesso à saúde. Dessa forma, para compreender as políticas sociais e principalmente as da saúde no estado capitalista e suas origens, é necessário levar em consideração as premissas a seguir:

a) Não há uma única explicação para políticas sociais: elas se explicam pela combinação dos atores mencionados e a natureza e o número destas combinações dependerão das origens históricas de cada fator, da forma

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política que os fatores determinem e sua relação com os outros e de sua função nessa formação social específica; b) Não há um corte dicotômico claro entre as necessidades sociais do capital e as demandas sociais do trabalho. Qualquer política utilizada pode servir a ambos. Na verdade, as políticas sociais que servem aos interesses da classe trabalhadora podem ser adotadas consecutivamente para benefício dos interesses da classe dominante (NAVARRO, 1983, p. 147-148).

Assim como também é interessante a compreensão de que existe uma afirmação de poder do Estado sobre a sociedade, observada principalmente nas políticas de saúde, que, de maneira histórica/cultural, sempre foi utilizada a serviço da legitimação de uma classe dominante. Aqui, Teixeira (1989) afirma:

Ao nível econômico, através das diferentes necessidades de reprodução ampliada do capital que incidem ou se realizam através do setor saúde; ao nível político, ao compreender as políticas de saúde como parte do processo de legitimação do poder do Estado, e, conseqüentemente, da manutenção do domínio de classe; ao nível ideológico ao desvendar as articulações entre a produção científica, as práticas sociais e o conjunto de valores que organiza o universo cultural e moral dos profissionais de saúde, com a inserção desses agentes na estrutura social (p. 17-18).

Nessa trajetória histórica, é importante entender que o processo de implementação do SUS ainda não se findou, continua sendo construído todos os dias, mesmo com as inúmeras tentativas de desmontes das suas bases de sustentação. Atualmente, há uma clara tentativa de sucateamento para justificar a entrada permanente — e de certa forma cruel — dos planos de saúde e sua estrutura capitalista dos processos de saúde e doença da população.

2.2 Participação popular na construção do SUS

Como dito, a participação popular foi e é fundamental na construção e preservação do SUS como direito social, e ousamos dizer que sem ela, não haveria, até hoje, um sistema de saúde pública no país. O povo, diante da conjuntura política durante a ditadura civil-militar, encontrou na saúde um terreno fértil para exercer sua cidadania e demostrar a sua força. A insatisfação com a situação da saúde oferecida em meados dos anos de 1970 fez com que a população brasileira começasse a se organizar através de igrejas, terreiros, vilas, movimentos estudantis, sociais e comunitários, para reivindicar, ou melhor, para lutar por uma saúde digna e de qualidade para todos, desafiando dessa forma o regime militar.

A grande união da sociedade em prol de um objetivo proporcionou diversas demonstrações de coletividade e ousadia. Algo que foi notado por Valla e

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colaboradores (1994), quando comenta sobre o quão foi significativa essa atuação popular nas políticas sociais de saúde:

Exemplo disso o município de Ronda Alta, no Rio Grande do Sul, região marcada pelo conflito pela posse da terra. A situação de exploração e descaso a que eram submetidos os trabalhadores nos hospitais privados locais revoltava e mobilizava. O movimento sindical, 1985, assumiu a luta pela assistência médica, montando um serviço próprio e pressionando a prefeitura a assumir uma política de saúde mais adequada. Posteriormente chegou ao ponto de adquirir um dos hospitais privados da região com fundos que conseguiu arrecadar. Mais tarde, o hospital foi doado à Secretaria Estadual de Saúde, com a condição da associação dos trabalhadores continuar a controlar o seu gerenciamento (p. 33).

Esses exemplos começaram a se disseminar por todo Brasil. Não era mais viável nem seriam aceitas pela população as condições de saúde entregues pelo governo. Sem alternativas para continuar na sua lógica de política social, o regime se viu acuado diante da força social e não restaram alternativas, se não começar a pensar estratégias para reduzir a crise instaurada.

Uma delas foi a abertura para a participação popular na 8ª Conferência Nacional de Saúde, que, como trazido no tópico anterior, foi o grande marco social da saúde, pois lá foram definidas as diretrizes e normas que regeriam o SUS, dentre as quais constava a participação da comunidade ou controle social.

Essa ideia foi mais tarde oficializada pela nova Constituição Federal do Brasil de 1988, sendo consolidada e regulamentada com as LOA, n.º 8080/90 e n.º 8.142/90. Nesse sentido, o controle social tinha e tem como objetivo democratizar as ações de saúde, além de possibilitar ao povo o poder de fiscalizar, opinar, atuar e participar da gestão em saúde da União, dos estados e dos municípios, aproximando dessa forma a realidade vivida pela população com a tomada de decisões.

A participação popular na gestão da saúde é prevista pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 198, que trata das diretrizes do SUS: descentralização, integralidade e a participação da comunidade. Essas diretrizes orientam a organização e o funcionamento do sistema, com o intuito de torná-lo mais adequado a atender às necessidades da população brasileira.

A participação popular se estrutura da seguinte forma: institucionalizada, regulamentada pela Lei n.º 8.142/1990, que, na área da saúde, se expressa nos conselhos locais, municipais e estaduais e nas conferências de saúde nos níveis municipal, estadual e nacional, nas quais atores participam como representantes de instituições ou entidades; e não institucionalizada, que são as possibilidades de

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participação em toda e qualquer atividade de saúde, desde as mais individuais/assistenciais (exemplo: uma consulta) até as mais coletivas/educativas (exemplo: grupo educativo) (CAMPOS; WENDHAUSEN, 2007; ARANTES et al., 2007; PEREIRA et al., 2004; BRASIL, 1990). Teoricamente, esses espaços possibilitariam uma intervenção civil na gestão de saúde, porém, infelizmente, com o passar dos anos, esses locais de atuação potentes para exercício da cidadania e da democracia foram se esvaziando.

Embora seja consenso que sem a participação popular não haveria SUS, com o tempo o povo foi deixado completamente de lado do processo de implementação do sistema de saúde, ação essa pautada na ideologia neoliberal, que foi exercida de maneira bastante incisiva nos bastidores da sociedade e culminou em uma influência direta nessa exclusão da participação da comunidade nesses espaços. Porém, aparentemente também existe uma certa soberba da saúde coletiva ao desconsiderar a opinião popular e seus conhecimentos sobre a saúde, quando partem para a tomada de decisões das estratégias de saúde a serem adotadas.

Essa compreensão se evidenciou durante o primeiro governo Lula, no qual tínhamos um excelente corpo técnico ocupando o Ministério da Saúde, porém, o povo não foi ouvido ou consultado, como vemos na seguinte afirmação: “Não dá para dizer que o Conselho Nacional de Saúde debate com a sociedade, não dá para dizer que a Plenária Nacional de Conselhos de Saúde, debate com a sociedade [...]”5 (FALEIROS;

SILVA; VASCONCELOS; SILVEIRA, 2006, p. 232 APUD PAIM, 2009, p. 232). A crítica deveria ser bem-vinda. A bandeira do SUS não é uma bandeira dos sanitaristas, ela é sim muito mais ampla. Faleiros; Silva; Vasconcellos; Silveira (2006), em entrevistas a atores sociais, recolheram a seguinte fala de Anamaria Tambellini:

A proposta que eu entendi é que a saúde faria parte de um universo maior de possibilidades e de responsabilidades que diziam respeito àquelas condições que produzem a doença e a saúde [...]. Essas questões eram primitivas quando se começava a discuti-las na década de 1970 (p. 266).

Talvez essa seja ainda a principal causa da maioria dos problemas do SUS em seus 30 anos de existência, o povo perdeu seu papel protagonista na saúde.

Sabe-se que a sociedade contemporânea é produtora de contradições e nem todas as demandas serão ou poderão ser atendidas. A luta de classes, os interesses de grupos sociais e também os interesses individuais são alguns dos elementos

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estudados que atuam a todo o momento na sociedade e que limitam o exercício do coletivo. Acerca do entendimento da participação da comunidade no SUS, temos a compreensão de diferentes autores:

A sociedade empreende constantes e intensos movimentos, cercados de contradições, o que, adicionalmente, exige que se identifiquem tendências e intenções explícitas e implícitas, valorizando nos diferentes momentos os passos dados na direção do fortalecimento da democracia e da justiça social, pois é disso que se trata (ROLIM; CRUZ; SAMPAIO, 2013, p. 142).

Apesar das tentativas de imposição do chamado pensamento único e da invasão do neoliberalismo e pragmatismo no campo da saúde nas duas últimas décadas, alguns esforços têm sido empreendidos para analisar os impasses da Reforma Sanitária brasileira e do SUS, em particular. Quando tais iniciativas se fundamentam em teorias críticas não há como fugir ao caráter do Estado brasileiro e às contradições da sociedade contemporânea (PAIM, 2009, p. 30).

Mesmo com todas essas contradições, a participação social no processo de construção do SUS precisa ser resgatada urgentemente. A conjuntura atual do país pouco possibilita e incentiva a reorganização social, retrocedendo a níveis alarmantes de pobreza extrema e miséria populacional. Quando observamos o SUS, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), o Brasil, nos últimos oito anos, perdeu aproximadamente 34,2 mil leitos em rede pública, sendo que sequer tínhamos alcançado a necessidade mínima do proposto pela OMS. No mesmo período, a quantidade de leitos na rede privada aumentou 9% em números reais, que significa dizer que 12 mil novos leitos são pertencentes aos hospitais privados.

Recentemente foi aprovada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 (chamada de PEC da morte, aprovada em 2016), que congelou os gastos do governo especialmente em educação e saúde para os próximos 20 anos. Medida essa de extrema contradição, pois o mesmo governo se utilizou dos dados da expectativa de vida da população brasileira para alteração das leis trabalhistas, tornando quase impossível a aposentadoria do cidadão, porém não conseguiu perceber, ou não quis, que esse mesmo elemento impactará no SUS com o passar dos anos, aumentando a demanda e necessariamente os gastos públicos com saúde para dar conta da prestação de serviços nessa área a população.

Esse cenário exige dos cidadãos brasileiros uma resposta social imediata, não cabe mais tamanho retrocesso democrático, político e social no país. Assim como outrora, em que a participação e organização social teve seu estopim com as questões de saúde, é preciso que essa inspiração histórica ressurja com toda a força que lhe é

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característica e a sociedade tome o seu lugar de direito nos processos decisórios e de gestão do Brasil. É inadmissível que a população se torne refém de um modelo político que negligencie as necessidades sociais presentes na realidade brasileira.

Como já discutido no tópico anterior, o processo de construção do SUS acontece todos os dias e a todo o momento. É imediatamente necessário que a sociedade civil organizada, com todas as suas contradições, demandas e especificidades, reassuma o controle das discussões e a gestão da saúde como um todo, reconstruindo as relações perdidas e reocupando os espaços que foram deixados vagos com o passar dos anos, como, por exemplo, o que ocorreu em São Paulo nos anos 1970:

Se assistia, na época, a um processo de reconstrução dos movimentos sociais. Em vários locais, profissionais atuantes em serviços de saúde situados em regiões de efervescência desses novos movimentos sociais, passaram a buscar formas de integração e colaboração. Surge, então, experiências muito inovadoras em que o processo de relação entre os movimentos sociais e os serviços de saúde redefine e dinamiza ambos. A experiência mais expressiva ocorreu na Zona Leste da cidade de São Paulo onde, a partir da atuação de um grupo de sanitaristas em comunidades eclesiais de bases emergentes, aos poucos, se estruturou um forte e articulado movimento popular de saúde em mais de oitenta bairros. Muitos dos serviços ali situados tiveram suas práticas reorientadas e ampliadas pela ação desses movimentos (VALLA et al, 1994 p. 33).

Que grandes exemplos de participação da comunidade não se percam na história e que o povo compreenda qual o seu real papel de cidadão na sociedade.

Tendo tratado aqui as questões afeitas à construção do SUS e o movimento de participação popular, passaremos adiante a abordar os debates sobre a relação entre educação e saúde.

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3 EDUCAÇÃO E POLÍTICAS EM SAÚDE

Dada uma compreensão de que as ações em saúde não deveriam ocorrer sem que houvesse um protagonismo do povo ou do “dono do corpo” adoecido ou em situação de vulnerabilidade, passaremos a debater do que e como ocorre ou, pelo menos, de como deveria ocorrer a educação em saúde. Para tal, faremos uma simples pergunta, que também foi feita por Meyer e colaboradores (2006), no Caderno de

Saúde Pública: “Você aprende. A gente ensina?”. Logo de imediato, essa simples

pergunta nos transporta à graduação, quando ainda de forma embrionária éramos apresentados ao campo da educação e repetidamente ouvíamos falar sobre como era importante a coparticipação no processo ensino-aprendizagem dos nossos futuros alunos. A todo momento, buscava-se produzir em nós a compreensão de que os alunos eram sujeitos ativos nos seus processos educacionais. No entanto, esse mantra só veio fazer sentido para mim quando finalmente atuei como professor em uma escola, na qual a busca incessante pela produção de sentidos das minhas aulas me levou a perceber que só haveria lógica em tudo o que desejava ensinar quando eu aproximasse os conteúdos da disciplina à realidade daqueles alunos.

Embora as grandes áreas da educação e da saúde não se reconheçam como “interdependentes”, a produção de sentidos para determinada terapêutica ou conduta em saúde acontece de forma bem parecida. Diferentemente da escola, onde as formalidades das ações educativas estão presentes, e legalmente aquelas crianças/adolescentes estão ali, até certo ponto obrigadas, o processo de aprendizagem, na educação em saúde, só ocorre pelo medo da morte, ou quando existe uma aproximação das experiências de vida daqueles corpos com a terapêutica proposta.

Nesse contexto, as ações em educação em saúde nem sempre são conduzidas de forma apropriada, seja pelo Ministério da Saúde, seja pelos profissionais que atuam na área. A maioria das pessoas responsáveis por esses processos educativos em saúde não trata em sua formação inicial dos conhecimentos necessários sobre pedagogia e didática para assumirem tal função, todavia, são eles que, na maioria das ocasiões, planejam e executam essas ações e isso acaba refletindo de forma negativa ou deficitária na ponta dos serviços em saúde.

Um estudo realizado por Teixeira (2006), intitulado Razão e sensibilidade na

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didático-pedagógicos dos professores da área das ciências da saúde, chegou à seguinte conclusão:

Que os professores colaboradores tinham uma noção ainda incipiente sobre os saberes pedagógicos e didáticos, uns mais que outros. À exceção de uma professora, os demais denotaram mobilizar esses saberes, sem, entretanto, identificá-los com clareza. Esse aspecto foi também observado nos questionários, percebendo-se que os docentes se reportavam a uma tipificação confusa dos saberes e à não distinção entre saberes pedagógicos e saberes didáticos (TEIXEIRA, 2016, p. 118).

Dito isso, percebemos que os cursos de graduação em saúde, aparentemente, não formam profissionais com uma aproximação significativa com ações educacionais ou mesmo com conhecimentos mínimos sobre processos didáticos-pedagógicos. Paradoxalmente, são esses profissionais que, na maioria das vezes, são responsáveis pelas estratégias de educação em saúde, causando uma enorme contradição nesses processos.

Tal aspecto fica nítido em campanhas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, como, por exemplo, o slogan utilizado em uma ação contra o tabagismo em 2005, cuja a frase “Fumar você aprende. Parar de fumar a gente ensina” fazia parte de um dos cartazes utilizados pela campanha, num “tom” questionável, quando trazemos para o debate os conceitos em torno dos processos de ensino-aprendizagem, por isso cabe a seguinte reflexão:

Ao primeiro olhar, e por um breve instante, o sentimento provocado pela leitura da frase é de familiaridade, uma familiaridade que a memória, quase que imediatamente, começa a traduzir em espanto... Afinal, este ‘tom‘, que continua firmemente alojado nas práticas desenvolvidas na confluência da educação com a saúde, vem sofrendo consistentes críticas, pelo menos desde os anos 80 do século XX. Ou não? O olhar volta à faixa uma e mais uma vez e, nesse movimento, re-toma e re-coloca interrogações: que ‘tom’ é este, exatamente, e que mecanismos permitem mantê-lo ainda tão vivo e tão visível nestes tempos e espaços contemporâneos? Que concepção de educação é esta que desdobra e transforma em dois um processo – o de ensino-aprendizagem – em que o hífen deveria inscrever e materializar a reciprocidade e a interdependência dos termos que o constituem? E, voltando ao tema da aula da qual saíamos, seria o quadro conceitual da vulnerabilidade, dentre tantos já experimentados em nosso ‘conhecer/fazer’ profissional, uma possibilidade para problematizarmos e re-construirmos processos de educação em saúde? (MEYER et al, 2006, p. 1335).

Tal tipo de pensamento desconsidera que os hábitos de saúde de um indivíduo são construídos a partir de um conjunto de experiências vividas ao longo de sua existência. Entendimento que nos leva a um conceito de saúde muito mais ampliado do que um reducionismo, que afirma que um corpo saudável é um corpo

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sem doenças. Por isso, apropriamo-nos do conceito estabelecido na 8º Conferência de Saúde, que define:

Em seu sentido mais abrangente, a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida, a saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas (CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1986, p. 4).

Logo, compreendemos que um hábito tido como prejudicial à saúde, em linhas gerais, pode ser o reflexo da negação ou da precariedade da oferta de um dos elementos fundamentais para que haja saúde, e, portanto, a noção de que se pode ensinar algo a alguém sem que haja uma coparticipação e um respeito a essas experiências se torna inviável.

Do ponto de vista didático, não se pode pensar em ensinar, nessa abordagem, um conhecimento apartado do mundo social, cultural e político, assim como, separado de sua dinâmica e pulsões. Isso nos remete à ideia de dispormos sempre, nos processos de ensino, dos saberes locais de que são portadores os alunos e que não têm vez nem lugar na escola. Um saber dito ‘popular’ abrange formas sensíveis e inteligentes de interpretar o mundo, as quais foram renegadas durante séculos na escola, em nome de um saber genérico e universalizante, ou seja, em prol de uma razão abstrata e instrumentalizadora. Assim, ‘o vivido, o experienciado, o sentido, é aquilo que se apresenta para ser pensado’ (DUARTE JUNIOR, 2004, p. 190 apud TEIXEIRA, 2016, p. 108).

Explanados conceitos importantes sobre educação em saúde, iremos para uma compreensão de como as PICS atuam na área.

3.1.1 Racionalidade médica e o surgimento da clínica moderna

Antes de entrarmos nos processos educacionais das PICS, é necessário a compreensão de alguns aspectos relacionados à saúde, e, para tal, recorremos à História para elucidá-los. Portanto, buscaremos entender o conceito de racionalidade médica e o surgimento da clínica moderna, além de alguns fatos importantes que circundam esses dois conceitos principais. Cabe ressaltar, no entanto, que não se trata de uma pesquisa histórica, logo, não haverá aqui aprofundamentos teóricos sobre o período a ser analisado.

Referências

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