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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP EULINA MARIA LEITE NOGUEIRA

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Academic year: 2019

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EULINA MARIA LEITE NOGUEIRA

CURRÍCULO E DIVERSIDADE CULTURAL INDÍGENA NO AMAZONAS: representações da Escola Tenharin em Humaitá e Manicoré

Doutorado em Educação: Currículo

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CURRÍCULO E DIVERSIDADE CULTURAL INDÍGENA NO AMAZONAS: representações da Escola Tenharin em Humaitá e Manicoré

Trabalho de qualificação apresentado à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título em Doutora em Educação: Currículo.

Orientador: Professor Doutor Alípio Márcio Dias Casali.

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CURRÍCULO E DIVERSIDADE CULTURAL INDÍGENA NO AMAZONAS: representações da Escola Tenharin em Humaitá e Manicoré

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título em Doutora em Educação: Currículo.

Orientador: Prof. Dr. Alípio Márcio Dias Casali.

Aprovado em ____/ _____/ _____

BANCA EXAMINADORA

___________________________________ Orientador: Prof. Dr. Alípio Márcio Dias Casali

____________________________________ Prof.ª Dra. Maria Marta Azevedo

____________________________________ Prof.ª Dra. Marinês Viana de Souza

_____________________________________ Prof.ª Dra. Lucia Helenta Vitalle Rangel

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Tenharin, localizadas à margem da rodovia BR-230, conhecida como Transamazônica. A pesquisa foi realizada junto as escolas indígenas Tenharin ao longo dessa rodovia, totalizando duas escolas em Humaitá e seis em Manicoré, no Estado do Amazonas. O objetivo foi compreender o sentido acerca de escola atribuído pelos professores indígenas que atuam nessas escolas e suas implicações no currículo. Os objetivos que moveram a pesquisa foram: reconstruir o percurso histórico da Educação Escolar Indígena; identificar a política de formação dos professores indígenas em Humaitá e Manicoré; compreender o processo histórico da presença do Povo Tenharin no Amazonas; e identificar a representação social dos professores em relação à escola. A metodologia aplicada tem cunho qualitativo; para tanto, as fontes utilizadas foram de caráter documental, com análise dos documentos institucionais e obras que sustentem o embasamento teórico da pesquisa acerca dos professores indígenas do Povo Tenharin, protagonistas deste estudo. Como técnica de pesquisa foi utilizada a entrevista e a técnica de evocação. A análise dos dados foi norteada por uma triangulação teórica: Teoria do Currículo; Teoria da Representação Social e Teoria Crítica.

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The present work approaches the Tenharin People indigenous school thematic, located at the banks of the BR-230 highway, known as Transamazônica. The research was conducted along the Tenharin indigenous schools along the highway, summing a two schools in Humaitá and six in Manicoré, in the Amazon state. The goal was to comprehend the meaning around the school attributed by the indigenous teachers who act in theses schools and their resume implications. The goals that originated the research were: rebuild the historical path of Indigenous School Education; identify the formation politics of indigenous teachers in Humaitá and Manicoré; comprehend the historical process of the Tenharin People presence in Amazonas; and identify the social representation of teachers in relation to the school. The applied methodology has qualitative terms; for this purpose, the utilized sources had documental character, with institutional documents analysis and works that sustain the theoretical basis of research on indigenous teachers from the Tenharin People, protagonists of this study. Evocation technique and interviews were utilized as research tools. The data analysis was guided by a theoretical triangulation: Resume Theory, Social Representation Theory and Critical Theory.

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Este trabalho é dedicado aos meus parentes do povo Tenharin, que permanencem na luta pela garantia de seus direitos, buscando estratégias para manter sua cultura, seus conhecimentos tradicionais e novos conhecimentos produzidos pela sociedade não-indígena. Mas, sempre dispostos ao diálogo com outros povos e suas instituições.

Na ocasião, reintero meu compromisso com o Povo Tenharin e com a causa indígena no Brasil e, especialmente, no Amazonas.

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Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Alípio Márcio Dias Casali, pela paciência, dedicação e conhecimentos partilhados e (re) construídos.

Aos professores doutores membros da Banca Examinadora, pelas contribuições e considerações acerca desta pesquisa.

À Universidade Federal do Amazonas, pela liberação das minhas atividades docentes, a fim de me dedicar aos estudos do Doutorado e pelo apoio ao longo deste processo.

A CAPES, por parte do financiamento desta pesquisa, sem o qual não seria possível sua realização.

À minha professora e orientadora do Mestrado, prof.ª. Dra. Arminda Mourão, pelas conversas, apoio e valiosas contribuições para meu crescimento acadêmico, sempre me desafiando a buscar um melhor desempenho.

Aos meus parentes do povo Tenharin, com quem compartilho o reconhecimento étnico e por quem tenho profundo respeito e admiração.

À minha mãe, Quiterina Leite, que, apesar de ser semianalfabeta, sempre me estimulou a estudar e crescer profissionalmente, além de ser o meu maior exemplo de mulher determinada e guerreira.

Aos minhas amigas, Ana Maria Araújo, Ana Rita Costa, Ivany Souza, Inalva Nascimento, Viviane Vidal, Ana Cristina Limeira, Zilda Gláucia e Elis Regina e, ao meu amigo, André Bordinhon pelo incentivo, paciência, conversas, aconselhamentos, lealdade, companheirismo, amizade e toda contribuição para que eu tivesse estrutura financeira e emocional para concluir este projeto de pesquisa.

Ao meu companheiro Tarcísio Leão, que mais que um esposo, é parceiro de vida e de estudo, além de proporcionar a estabilidade necessária para que eu realizasse meus estudos.

Aos meus filhos, Diogo Nogueira e Priscilla Nogueira, pela partilha e apoio durante toda minha vida.

À minha aluna Maria de Fátima, por não medir esforços ao me ajudar na viabilização das pesquisas junto às aldeias Tenharin.

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CIMI – Conselho Indigenista Missionário CNE – Conferência Nacional de Educação

COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira COPIAM – Comissão de Professores Indígenas da Amazônia

COPIAR – Comissão de Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre CPI/SP – Comissão Pró-Índio de São Paulo

CTI – Centro de Trabalho Indígena

DCs – Programa de Desenvolvimento Comunitário.

FOIRN – Federação das Associações Indígenas do Rio Negro FOREEIA – Fórum de Educação Escolar Indígena do Amazonas FUNAI – Fundação Nacional do Índio

FUNDEB – Fundo de Manutenção e desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e estatística LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC – Ministério da Educação

ONG – Organização Não-Governamental

PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar

SEDUC – AM - Secretaria de Estado de Educação e Qualidade de Ensino do Amazonas

SIL –Summer Institute of Linguistics / Sociedade Internacional de Linguística

SPI – Serviço de Proteção aos Índios

SPILNT – Sistema de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais

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Diagrama 2 – Estrutura das Representações Sociais ... 98

Diagrama 3 – Sistema de crenças e valores ... 100

Diagrama 4 – Representação do Sistema de Pensamento da realidade ... 102

Diagrama 5 – Pilares da pesquisa ... 111

Fotografia 1 – Sede da FUNAI em Humaitá ... 70

Fotografia 2 – Aldeia Tenharin Marmelos ... 71

Fotografia 3 – Desenho da Aldeia Marmelos ... 75

Fotografia 4 – Escola construída e Escola provisória ... 128

Gráfico 1 – Distribuição da população indígena por região geográfica ... 23

Gráfico 2 – Falantes de Línguas Indígenas nas terras indígenas ... 24

Gráfico 3 – Falantes de Língua Portuguesa nas terras indígenas ... 24

Quadro 1 – Reconhecimento de TIs nos últimos governos ... 26

Quadro 2 – Etnias do Estado do Amazonas ... 44

Quadro 3 – Territórios indígenas ... 50

Quadro 4 – Matrícula da Rede Estadual do Amazonas – Indígenas ... 52

Quadro 5 – Matrícula das Redes Municipais do Amazonas – Indígenas ... 53

Quadro 6 – Distribuição das áreas indígenas Tenharin ... 63

Quadro 7 – Quadro 7 – Divisão das aldeias Tenharin – Humaitá/Manicoré ... 63

Quadro 8 – Característica do Núcleo Central e Sistema Periférico ... 105

Quadro 9 – Sujeitos da Pesquisa ... 107

Quadro 10 – Distribuição das Escolas Indígenas Tenharin – Transamazônica .. 108

Quadro 11 – Evocações: Frequência e Hierarquização ... 117

Quadro 12 – Dimensão das Evocações dos professores ... 119

Quadro 13 – Demonstrativo das evocações produzidas pelos professores Tenharin após a hierarquização e aproximação dos termos produzidos... 131

Quadro 14 – Cálculo da OME e Frequência ... 132

Mapa 1 – Mapa da expansão do território brasileiro ... 21

Mapa 2 – Localização Geográfica dos Municípios de Humaitá e Manicoré .. 57

Mapa 3 – Rodovia BR-230 – Transamazônica ... 68

Tabela 1 – Dados demográficos da população indígena no Brasil ... 20

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO I BASES DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO AMAZONAS ... 19

1.1 Contextualização da Realidade Indígena Brasileira ... 19

1.2. Histórico da Educação Escolar Indígena no Brasil ... 28

1.3. Educação Escolar Indígena no Amazonas... 43

1.4 Movimento dos Professores Indígenas no Amazonas ... 46

CAPÍTULO II HISTÓRIA DO POVO TENHARIN ... 57

2.1. Breve História do Povo Tenharin... 57

2.2 BR-230 - Transamazônica: a rodovia do conflito ... 66

2.3 A vida na aldeia ... 73

2.4 Festa do Mboatawa... 77

CAPÍTULO III CURRÍCULO CRÍTICO E DIVERSIDADE CULTURAL INDÍGENA ... 80

3.1. Teoria do Currículo: Aportes históricos ... 80

3.2 Currículo Crítico e a Diversidade Cultural Indígena ... 89

CAPÍTULO IV REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ACERCA DE ESCOLA DO POVO TENHARIN ... 97

4.1 A Teoria da Representação Social ... 97

4.2 Teoria do Núcleo Central ... 103

4.3 Percurso metodológico da pesquisa ... 106

4.4 Representações Sociais acerca de Escola na perspectiva dos Tenharin .. 112

4.5 Núcleo Central da Representação Social dos Tenhari... 124

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 138

REFERÊNCIAS ... 142

APÊNDICES ... 151

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INTRODUÇÃO

Esta tese foi pensada a partir do estudo desenvolvido durante minha pesquisa de Mestrado em Educação, realizado na Universidade Federal do Amazonas - UFAM, cujo objeto de pesquisa foram os alunos residentes da então Escola Agrotécnica Federal de São Gabriel da Cachoeira - EAF/SGC, que, a partir de 29 de dezembro de 2008, por intermédio da Lei Nº 11.892, foi integrada ao Instituto Federal do Amazonas, na qualidade de Campus de São Gabriel da Cachoeira.

Durante quase vinte anos da minha vida profissional, desenvolvi atividades docentes na escola da Educação Básica e, atualmente, enquanto docente do Ensino Superior, sempre procurei discutir a relação da escola na construção da imagem do indígena dentro do contexto amazônico.

Como Pedagoga e professora de História na Educação Básica, sempre me inquietaram as formas pejorativas com que a diversidade cultural, principalmente a indígena, era tratada dentro do currículo escolar, como as comemorações descabidas que eram e são realizadas para a comemoração do dia 19 de abril.

A partir de 1997, passei a ter mais contato com a realidade indígena, pois fui designada, pela Secretaria de Educação do Estado, para discutir a proposta de Educação de Jovens e Adultos com os professores em São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do Estado do Amazonas, município para onde voltei anos depois, como professora temporária da UFAM. Em 2005, iniciei o curso de Mestrado em Educação, procurando compreender quais as representações sociais dos alunos residentes da EAF/SGC em relação à escola. Essa experiência me oportunizou um aprofundamento teórico sobre a educação escolar indígena e, consequentemente, sobre a cultura indígena. Neste mesmo ano, assumi o concurso para Professora Efetiva de Metodologia do Ensino na então Escola Agrotécnica Federal de São Gabriel da Cachoeira.

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Enfim, essa temática sempre esteve muito presente na minha vida pessoal, acadêmica e profissional, pois, sendo amazonense, minhas raízes culturais são, particularmente, indígenas. Durante algum tempo, identifiquei-me como Baré1, pois sou oriunda de Manaus - AM. Nesta cidade, o termo “baré” aparece com uma alta carga de preconceito, sendo utilizada com o sentido de “pessoa muito lenta, abestalhada, preguiçosa” etc. Com o intuito de demonstrar o orgulho de ser Baré, passei a me identificar pertencente a essa etnia. Para meu orgulho e felicidade, no decorrer dos trabalhos desenvolvidos nas aldeias Tenharin por ocasião do doutoramento, fui presenteada com o reconhecimento indígena Tenharin, que ocorreu durante a discussão do Projeto Político Pedagógico das escolas Tenharin, quando dois anciãos da aldeia Marmelos fizeram um ritual usando seus cocares e entoando cânticos, onde recebi o nome indígena “Ĩ’Kãwã’Ĩ’e’ã”, que significa mulher forte e guerreira. Esse nome foi da esposa de um grande cacique já falecido. Portanto, hoje sou uma índia Tenharin que muito se orgulha de sua identidade.

Dessa forma, o presente trabalho intitulado “Currículo e diversidade cultural indígena no Amazonas: representações da escola Tenharin em Humaitá e Manicoré” vem demonstrando que seus professores reconhecem a escola como espaço de saber, onde podem adquirir novos conhecimentos científicos articulados com os saberes tradicionais de sua cultura, com ênfase na manutenção e desenvolvimento da escrita na língua materna.

Assim, pretendo dar continuidade aos meus estudos sobre a temática indígena, procurando aprofundar a pesquisa no curso de doutorado, esperando que essa proposta de trabalho possa suscitar, nos diversos segmentos da educação, debates e propostas sobre a formação de professores indígenas como parte integrante da garantia de uma escola bilíngue, diferenciada e intercultural, articulando assim, os conhecimentos científicos produzidos pela comunidade não-indígena com os seus conhecimentos tradicionais.

Ao longo das últimas décadas, a educação brasileira vem assumindo o desafio da inclusão na escola a fim de minimizar os comportamentos e atitudes de intolerância na sociedade brasileira, tanto dos preconceitos étnico–raciais, como contra pessoas com necessidades especiais, homofobia, diversidade de gênero, preconceito contra os moradores de rua, dentre outros. Os povos indígenas são uma

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dessas categorias que sofrem com a discriminação solidificada ao longo do tempo na sociedade brasileira, mas que atualmente lutam para serem reconhecidos como povos com culturas diferentes que tanto podem aprender, quanto ensinar a nossa sociedade.

A educação deve ser utilizada como um instrumento de transformação. A escola é um espaço onde se entrecruzam saberes e culturas que pode tanto servir para homogeneizar o homem como torná-lo crítico e capaz de lutar por uma sociedade menos desigual.

Dessa forma, decidi trabalhar a questão indígena no município de Humaitá - AM, onde atualmente moro e trabalho, pois entendo que é necessário que se traga a problemática indígena para o contexto da formação de futuros professores e demais profissionais que buscam, no curso superior, uma formação mais adequada. Ao longo da pesquisa, atendendo à solicitação das lideranças indígenas, foram incluídas as aldeias Tenharin do município de Manicoré – AM, que estão localizadas à margem da Transamazônica.

Nesses municípios convivem diversas etnias indígenas, dentre as quais muitas mantêm constante contato com a sociedade envolvente, pois grande parte ou mora na sede do município, ou trabalha nas aldeias e se deslocam com frequência para a cidade. A exceção são os Pirahã, que quase não são vistos na cidade e, dentre eles, poucos são os que dominam a Língua Portuguesa.

Nas diversas viagens que realizei para acompanhar alunos em atividades de campo e participar de eventos nas aldeias, estabeleci contato mais próximo e direto com os professores indígenas. Além disso, eles também circulam em Humaitá e algumas vezes nos procuravam para solicitar algum tipo de orientação. Outros estudam na UFAM, facilitando assim, esse intercâmbio cultural.

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para alguns alunos da graduação uma experiência do dia a dia da aldeia, tentando aproximar os alunos não-índios dos indígenas e, com isso, tentar diminuir essa barreira cultural que se formou, o que impediria o cruzamento e o entrelaçamento de culturas muito próximas.

Os municípios de Humaitá e de Manicoré, que participam desse contexto, passaram por um ciclo de exploração que destruíram ou alteraram o modo de vida das populações. A região passou pelo ciclo da borracha, quando o governo incentivava a população a adentrar na floresta para extrair látex, matéria-prima que dá origem à borracha, e suprir o mercado internacional. Essa estrutura que se formou para sustentar o mercado da borracha vitimou tanto nordestinos como indígenas, sendo que para os indígenas foi particularmente cruel, pois muitos morreram não só pela força das armas, mas também pelas doenças que contraíram. Nesse período, muitos povos indígenas da região do Rio Madeira e do Rio Machado, que banham municípios do Estado do Amazonas e de Rondônia, sucumbiram, desapareceram ou foram enquadrados na vida da cidade. Outros resistiram, apesar de quase chegarem à extinção, como é o caso dos Jiahui2.

Após esse ciclo, muitos indígenas ainda permaneciam longe do contato com a sociedade não-indígena, mas isso não demorou e, no início do período militar, o governo resolveu abrir uma rodovia que ligasse Cabedelo, na Paraíba, a Benjamim Constant, no Amazonas. Essa estrada ficou conhecida como Transamazônica e chegou até o município de Lábrea, no sul do Amazonas. O resto do percurso nunca foi concluído, apesar da rodovia ter sido inaugurada oficialmente.

Essa obra trouxe morte os povos indígenas da região, pois quando as empresas chegaram, não tomaram conhecimento do modo de vida dessa população, já que tudo era permitido em nome do progresso. Ainda hoje essa rodovia causa conflitos na região, pois ela corta um longo trecho de terras indígenas.

A convivência com os professores indígenas me fez pensar que poderia ser mais interessante uma proposta de pesquisa voltada para a realidade do povo indígena de Humaitá, tanto que no início da pesquisa, eram somente os indígenas deste município a fazer parte dela. Como mantinha uma aproximação maior com os Parintintin, Tenharin e os Jiahui, tive a intenção de realizar a pesquisa com os três

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povos, dentro do município de Humaitá. Mas, quando fomos verificar a logística, percebemos que seria inviável uma pesquisa desse porte. Contudo, o compromisso com os Parintintin e os Jiahui foi mantido e, ainda hje, ajudo na discussão do projeto Político Pedagógico de suas escolas. Decidi, então, pesquisar a escola indígena dos Tenharin. Como forma de delimitar a pesquisa, ficando acertado com as lideranças indígenas Tenharin que a pesquisa seria realizada em todas as escolas indígenas Tenharin ao longo da Transamazônica e, em contrapartida, firmava um compromisso com o Povo Tenharin a ajudar na discussão e elaboração do Projeto Político Pedagógico das suas escolas.

A reflexão sobre a escola indígena Tenharin na perspectiva de seus professores seria bastante enriquecedora, pois além de me aproximar mais da temática indígena, possibilitaria a discussão com os professores e lideranças de um projeto de escola para o seu povo. Por esse motivo, a pesquisa tem o objetivo geral

de compreender o sentido acerca de escola para os professores indígenas, que atuam nessas escolas e suas implicações no currículo. Assim, teremos os seguintes

objetivos específicos:

 Reconstruir o percurso histórico da Educação Escolar Indígena;

 Compreender o processo histórico da presença do Povo Tenharin no Amazonas;

 Identificar a representação social dos professores indígenas em relação à escola;

 Identificar a formação dos professores indígenas Tenharin.

O objeto da pesquisa está ancorado na perspectiva de currículo nas cidades de Humaitá e Manicoré, ambas no Estado do Amazonas, em relação à diversidade cultural indígena e à representação social de escola, uma vez que nesses municípios convivem várias etnias indígenas. E, com isso, busco contribuir para provocar um debate sobre a importância da formação dos professores indígenas para o processo educativo e as perspectivas para a promoção de uma política de formação inicial e continuada e seus impactos no processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Além disso, o resultado da pesquisa poderá servir de parâmetro para a formulação de propostas inovadoras na perspectiva de uma educação intercultural.

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novos conhecimentos dentro da diversidade cultural indígena, tendo como foco as escolas indígenas do Povo Tenharin localizadas nos municípios de Humaitá e Manicoré - AM. Assim sendo, pretendemos responder à seguinte indagação: a escola, enquanto espaço de ensino e aprendizagem, tem contribuído para a construção de um currículo voltado para atender as expectativas e a diversidade cultural que se apresentam dentro do contexto escolar indígena destes municípios?

A pesquisa de dissertação que desenvolvi apontou a existência de uma lacuna na percepção do corpo docente em relação à questão indígena, além de indicar que o currículo ainda se encontrava padronizado dentro das normas estabelecidas para as escolas federais, gerando uma reconhecida crise de identidade institucional, pois, apesar da escola se encontrar inserida em um município onde cerca 90% da população é indígena, não se enquadra na designação de escola indígena. Uma proposta sugerida pela minha pesquisa seria uma escola pautada na educação intercultural.

Reafirmo que a escolha dessa temática se deu por reconhecer que o saber cultural indígena tem complexidades que os não-índios ainda não foram capazes de entender e explicar e, sobretudo, como forma de valorizar este saber, combatendo assim, o preconceito cultural contra os povos indígenas; além de disseminar as políticas públicas destinadas à educação escolar indígena dentro do contexto do Capitalismo, uma vez que o Brasil se encontra inserido, como país periférico, nesse modo de produção que, entre outras coisas, pretende explorar toda e qualquer mão de obra, inserindo dentro da lógica do capital, onde o homem explora e expropria o próprio homem.

Atualmente, existem alguns estudos sobre o Povo Tenharin, principalmente na área da antropologia e na área da saúde, mas na educação não existe nenhum trabalho específico. Isso demonstra a necessidade de um estudo que possa se debruçar sobre essa temática, considerando a História de contato e conflito que o Povo Tenharin vivenciou e tem vivenciado. Esse Povo mantém estratégias de sobrevivência no contexto da sociedade envolvente, pois não é raro presenciarmos atitudes e comportamentos discriminatórios em relação à população indígena, seja em locais públicos abertos ou mesmo em escolas, universidades, postos de saúde etc.

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sujeito e objeto, uma vez que ambos são da mesma natureza: ela se volve com a empatia aos motivos, às intenções, aos projetos dos atores, a partir dos quais as ações, as estruturas e as relações tornam-se significativas (MINAYO, SANCHES, 1993, p.244). Neste sentido, a pesquisa social desempenha papel importante na produção do conhecimento, afinal, as relações sociais na qual o homem se encontra são permeadas pelo processo histórico em que foi construído. Isto significa

[...] que cada sociedade humana existe e se constrói num determinado espaço e se organiza de forma particular e diferente de outras. Por sua vez, todas as que vivenciam a mesma época histórica tem alguns traços comuns, dado o fato de que vivemos num mundo marcado pelo influxo das comunicações. Igualmente, as sociedades vivem o presente marcado por seu passado e é com tais determinações que constroem seu futuro, numa dialética constante entre o que está dado e o que será fruto de seu protagonismo (MINAYO, 2010, p 12).

Na pesquisa, utilizamos diversos instrumentos de coleta de dados, como forma de garantir elementos suficientes para analisarmos a realidade posta na escola Tenharin. Os instrumentos da pesquisa foram: entrevistas, evocação, questionário e observação direta, uma vez que,

Tanto quanto a entrevista, a observação ocupa um lugar privilegiado nas novas abordagens de pesquisa educacional. Usada como principal método de investigação ou associada a outras técnicas de coleta, a observação possibilita um contato pessoal e estrito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. Em primeiro lugar, a experiência direta é sem dúvida o melhor teste de verificação da ocorrência de determinado fenômeno. “Ver pra crer”, diz o ditado popular (LUDKE; ANDRÉ, 2013, p.30).

A técnica da evocação ou associação livre de palavras será utilizada para captar quais são os significados de “escola” para os professores na construção de suas representações sociais. Isso consiste em

Solicitar aos sujeitos entrevistados que produzam um determinado número de palavras que lhe ocorrerem, a partir de um tema indutor dado, para em seguida solicitar aos sujeitos que organizem as suas respostas em ordem de importância, da mais para a menos importante (OLIVEIRA; MARQUES; GOMES; TEIXEIRA, 2005, p.577).

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pelos grupos e orientam suas intervenções na sociedade, determinando sua conduta social. Na Teoria da Representação Social, não existe a distinção entre sujeito e objeto, conferindo novo significado ao que chamamos de “realidade objetiva”, porque toda realidade é reconstituída pelo indivíduo ou pelo grupo de acordo com seu sistema cognitivo e de valores.

A pesquisa documental e bibliográfica será utilizada para sustentar as análises contextualizadas historicamente na escola, na formação de professores e nas políticas públicas destinadas à educação escolar indígena, além dos aportes teóricos da Teoria da Representação Social e da Teoria do Currículo.

A tese se encontra organizada em quatro capítulos. No primeiro, faremos uma contextualização histórica da Educação Escolar Indígena no Brasil e, especificamente, no Amazonas, considerando a apropriação da escola como resultado da luta dos movimentos indígenas para garantir uma escola diferenciada, que atenda os interesses e projetos de vida dos diversos povos indígenas do Amazonas.

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CAPÍTULO I

BASES DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO AMAZONAS

1.1 Contextualização da Realidade Indígena Brasileira

A História do Brasil, durante vários séculos, omitiu a verdadeira participação dos Povos Indígenas na formação do povo brasileiro. Essa história foi contada de modo a reduzir os povos indígenas e africanos a uma mera participação na composição da miscigenação de raças, sem, contudo, abordar a luta desses povos diante da exploração que se deu em função de um projeto colonizador que se encontrava em curso na Europa no século XVI.

Esse projeto teve apoio fundamental da Igreja Católica que, com o objetivo de catequizar os índios e trazê-los à “verdade” cristã, era usado para introduzir a lógica do europeu e, com isso, destruir a organização política, econômica e sociocultural dos diversos povos indígenas. Uma estratégia usada por esses missionários foi o uso da escola para tentar aniquilar toda a diversidade dos vários povos indígenas e, para isso impuseram o ensino da Língua Portuguesa em detrimento ao uso das línguas maternas. O trabalho dos missionários não se restringia ao aspecto religioso, pois “além de utilizar o braço índio, os missionários tinham para os índios um projeto civilizador. De acordo com seu modelo de civilização, condenavam a vida tribal, a

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Tabela 1 – Dados demográficos da população indígena no Brasil

Fonte: Funai, 2015.

A população indígena brasileira, em 1500, era estimada em 3.000.000 de indivíduos espalhados por todo o território brasileiro, apesar de alguns autores fazerem uma estimativa da população indígena em cerca de cinco milhões antes da chegada dos europeus. Essa população foi reduzida 70.000 em 1957 tendo havido uma recuperação desta população que atualmente conta com 817.962 indivíduos. Com podemos verificar ocorreu uma curva demográfica que atingiu sua maior queda na década de 1950, em seguida uma recuperação desta população. Além disso, podemos verificar que a diminuição da população que vivia no litoral do Brasil apresentou uma maior queda, provavelmente em função da colonização que se iniciou na parte leste do Brasil. Nessa época, os conflitos eram bastante intensos com a exploração do pau-brasil e, mais tarde, com a implantação das grandes fazendas de cana-de-açúcar destinados a abastecer o mercado europeu.

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Mapa 1 – Mapa da expansão do território brasileiro Fonte: Wikipédia (2014)

Esse processo foi seguido de outras frentes de expansão. Na segunda metade do século XIX e início do século XX, a extração da borracha na Amazônia, resultou na tomada dos territórios de vários povos indígenas e no genocídio de muitos outros. Diante disso,

Os índios que sobrevivessem às guerras provocadas e aos massacres planejados e executados deveriam compulsoriamente ser forçados a abdicar de seus modos de vida para viverem iguais aos brancos. No fundo, era obrigá-los a abandonarem suas terras, abrindo caminho para a expansão das fronteiras agrícolas do país. O objetivo, portanto, não era tanto cultural ou racial, mas sobretudo econômico, guiando toda a política e as práticas adotadas pelos colonizadores (LUCIANO, 2006, p.41).

Durante a década de 1950, ocorreu a maior queda na população autodeclarada indígena. Em 1957, a população indígena foi contabilizada em 70.000 indivíduos e isso se estendeu pelas duas próximas décadas. Nesse período, o Brasil viveu um acelerado processo de industrialização que resultou em grandes obras para atender as demandas das grandes indústrias que estavam se instalando no país.

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[...] não pode ser pensado, sistemática e conscientemente, antes da década de 1970, quando tem início o período de atuação de povos de diferentes regiões do Brasil em torno da consciência da necessidade de se organizarem e lutarem por direitos que alcançassem todas as etnias indígenas deste país (BICALHO, 2005, p. 23).

Esse movimento conseguiu se articular com diversas organizações da sociedade civil e várias universidades que passaram a contribuir na assessoria especializada para que os povos indígenas pudessem colocar suas pautas de reivindicações no cenário brasileiro, além do apoio da Igreja Católica, que assume uma postura mais crítica em relação aos povos indígenas do Brasil.

Esta nova postura da Igreja encerra uma posição de mea culpa em seu papel junto à colonização da América Latina que será aprofundado em outros encontros, como o Encontro Ecumênico de Assunção, no qual

reconhece que “nossas Igrejas, mais de uma vez, têm sido coniventes ou instrumentalizadas por ideologias e práticas opressoras ao homem”. Esta

inflexão na Igreja permitirá, entre outras coisas, a criação do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) em 1972, que passará a atuar junto aos povos indígenas como parceiro político em suas lutas por terra e pelo direito de continuarem a ser índio (BORGES, 2005, s/p).

O movimento indígena, contando com o apoio desses aliados, possibilitou uma agenda de debates e discussões que tiveram como êxito maior a participação e a garantia dos direitos indígenas na Constituição de 1988, esses direitos giravam em torno de três eixos principais: território, saúde e educação voltada para atender às necessidades e especificidades dos diversos povos indígenas. Esse aprendizado politizou o movimento que compreendeu a dimensão e a importância das suas organizações nas lutas concretas pela disputa, na sociedade nacional, pelo reconhecimento à diferença e a uma cidadania indígena.

Assim, todas as lutas travadas no cenário da constituinte foram muito importantes para que a sociedade civil tivesse outra compreensão acerca dos povos indígenas, no sentido de percebê-los não como seres domesticáveis ou o "bom selvagem", mas como sujeitos de direitos e, portanto, cidadãos (MACHADO; et al., 2011, p.7).

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reetinização, no qual povos indígenas reassumem sua condição de indígena, que havia sido negada em função das pressões de ordem política, econômica, religiosa, cultural, etc., esses indígenas foram forçados a negar suas identidades tribais como estratégias de sobrevivência (LUCIANO, 2006).

Segundo dados do IBGE (2010), a população indígena representa 0,4% do total da população brasileira. Atualmente, conta com uma população de 896.917 indígenas, distribuída da seguinte forma, por região.

Gráfico 1 – Distribuição da população indígena por região geográfica Fonte: IBGE (2015)

Desse total, 517 residentes em terras indígenas e 379.534 fora das terras indígenas. A Região Norte apresenta a maior população indígena do Brasil o que evidencia a importância dessa região por concentrar uma grande diversidade de povos indígenas.

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Com relação às línguas faladas entre a população indígena, foram identificadas 274 línguas indígenas (anexo 2). Entre os indígenas, podemos afirmar, conforme gráficos abaixo, que 37,4% falam uma língua indígena e 57,1% não falam uma língua indígena, deste, maior percentual se encontra dentro das terras indígenas, foras delas, o maior percentual é dos indígenas que não dominam nenhuma língua indígena, isso pode demonstrar como os indígenas que se encontram foras das terras indígenas apresentam dificuldades para se comunicar em suas línguas maternas, principalmente, em virtude do preconceito que ainda se encontra presente na rotina do povo brasileiro.

Gráfico 2 – Falantes de Línguas Indígenas nas terras indígenas Fonte: IBGE (2010)

Gráfico 3 – Falantes de Língua Portuguesa nas terras indígenas Fonte: IBGE (2010)

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equiparados os percentuais entre os que dominam a Língua Portuguesa e a língua indígena. Contudo, com relação às línguas indígenas e as etnias, esses dados ultrapassaram as estimativas feitas pela Funai,

Entretanto, no que diz respeito aos números totais de língua e etnia, há ainda a necessidade de estudos linguísticos e antropológicos mais aprofundados, pois algumas línguas declaradas podem ser variações de uma mesma língua, assim como algumas etnias também se constituem em subgrupos ou segmentos de uma mesma etnia (FUNAI; IBGE, 2013, p.4).

Apesar dos dados demonstrarem que tivemos avanços em relação à questão indígena, ainda persistem problemas relacionados com a segurança dos povos indígenas, com a oferta de saúde e educação adequada aos projetos de futuro de cada etnia, dentre outros. Conforme define Sônia Guajajara (2013, s/p) o movimento indígena possui três fases: “A gente teve o momento pré-constituinte, onde as lideranças lutaram pra garantir os direitos indígenas. Depois, teve o momento de lutarmos pelo cumprimento dos direitos adquiridos. E agora, estamos lutando para não perder esses direitos”.

Dados recentes mostram a violência sofrida pelos povos indígenas em todo o território brasileiro, seja pela falta de atendimento adequado à saúde, à vontade política de oferecer condições para que os diversos povos indígenas possam, de fato, ter acesso a uma escola indígena que seja capaz de atender às condições necessárias para o projeto de futuro desses povos, além disso, garantir o direito à terra tradicional e a um ambiente natural equilibrado. A garantia do uso das terras tradicionais pelos povos indígenas vive um retrocesso, seja pela paralisação dos processos demarcatórios, seja pela ausência de condições das populações indígenas para conter o avanço de invasores sobre suas terras para retirar as riquezas naturais de seus territórios, gerando muitos conflitos. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000 que visa retirar dos povos indígenas sua condição de sujeitos de direitos aparece com a principal arma usada pelos setores contrários aos direitos dos povos indígenas, no intuito de expropriar suas terras, o que “[...] exigiu dos povos um intenso e permanente embate a fim de evitar o retrocesso histórico (BUZATTO, 2014, p.12-13)”.

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pelo CIMI (2014), podemos verificar que existem 30 processos de demarcação de terras indígenas sem nenhum impedimento técnico ou jurídico que possa justificar a não oficialização e homologação dessas terras.

Essa morosidade no processo de demarcação pode ser verificada quando analisamos as terras indígenas demarcadas no período de 1985 a 2011, onde percebemos que, no período entre 2010 a 2011, somente três terras indígenas foram demarcadas o que justifica as denúncias dos povos indígenas com relação ao processo de demarcação, conforme quadro abaixo:

Quadro 1 – Reconhecimento de TIs nos últimos governos Fonte: ISA (2011, p.90).

Desse modo, o governo Dilma continua a ser o que menos demarcou terras indígenas desde o fim da ditadura militar no Brasil. O aumento dos conflitos possessórios, assassinatos e da criminalização de lideranças indígenas relacionam-se estreitamente com esta decisão inconstitucional do governo brasileiro (BUZATTO, 2015, p.15).

Faz-se necessário registrar que, atualmente, existe problemas com relação a demarcação de terras indígenas, mas é preciso lembrar que se compararmos a demanda existente no início da redemocratização do país, podemos perceber que no cenário atual existe uma demanda muito menor em relação aos demais governos.

Além dos problemas com a demarcação, proteção e fiscalização das terras indígenas, outros problemas são enfrentados pela população indígena de todo o país. Na saúde indígena, o governo tem se mostrado ineficiente, pois a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), criada em 2010, tem funcionado de forma precária, mas neste caso, não é falta de recursos, e sim o mau uso do dinheiro público, por falta de fiscalização e punição aos que são responsáveis pela administração desse orçamento. E o descaso permanece, mesmo com várias denúncias do movimento indígena sobre as condições de saúde da população indígena, que apresentou, em 2013, um coeficiente de mortalidade infantil de 0 a 5

Presidente [período] TIs Declaradas TIs Homologadas N° Extensão N° Extensão

Dilma Rousseff (jan 2011 a abr 2011) 3 13.511 3 21.

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anos de 45,9 para cada 1.000 indígenas nascidos, enquanto que a média nacional é de 19,6 mortos para cada 1.000 nascidos, de acordo com o IBGE (2010), esses dados revelam que a saúde indígena ainda não dispõe de ações que realmente possam evitar essa tragédia anunciada. Isso ocorre pela omissão que

[...] se dá através da falta de saneamento básico; de medicamentos; de equipamentos; de profissionais qualificados; de assistência continuada e de caráter preventivo; da falta de controle e fiscalização das ações e da aplicação dos recursos; da ausência de planejamento, de controle social e de formação; da infraestrutura precária das Casas de Apoio à Saúde Indígena (Casai´s); além da falta de hospitais capacitados e qualificados para receber os doentes indígenas.

Outros três fatores que estão diretamente associados ao caos na atenção à saúde indígena são a corrupção, o uso político da Sesai e a terceirização de grande parte das ações e serviços (LIEBGOTT, 2014, p.20).

O Brasil apresentou um PPA – Plano Plurianual – 2012-2015, nesse plano, existe um programa específico para os povos indígenas: Programa Temático Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas. Este PPA, apresenta onze diretrizes que devem ser enfrentadas, com foco em dois planos interssetoriais, considerados estratégicos pelo governo que são: O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)

que articula programas destinados à implantação e melhoria da infraestrutura (rodovias, hidrelétricas, hidrovias, portos, saneamento, etc.) com aqueles voltados à criação de condições para o crescimento econômico; o segundo é o Plano Brasil Sem Miséria, lançado em 2011, que tem por objetivo erradicara extrema pobreza em todo o território nacional (VERDUM, 2015, p.32-33).

Apesar desse plano possuir um eixo temático voltado para os direitos dos povos indígenas, na prática as ações desenvolvidas pelo governo no intuito de acelerar o “desenvolvimento” no país tem levado grandes problemas aos povos indígenas, como a construção de hidrelétricas que atingem, direta ou indiretamente, os povos indígenas, pois muitos dos seus territórios foram e/ou serão inundados para a construção dessas usinas, além do deslocamento das populações e do impacto ambiental que provoca, nessas regiões, a construção de estradas e ferrovias, etc.

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Neste sentido, estamos presenciando ações governamentais voltadas aos interesses ligados aos setores mais produtivos da sociedade em detrimento ao respeito aos modos próprios de vida e à cultura dos povos indígenas. Como por exemplo, a construção das usinas hidrelétricas de Belo Monte (PA), complexo de Teles Pires (MT) e do Tapajós (PA), dentre outras que vêm impactando o modo de vida das populações indígenas e tradicionais.

Encontra-se em curso uma ofensiva contra os direitos dos povos indígenas, isso ocorre, principalmente, em nível governamental, seja pelo executivo, legislativo ou judiciário. Apesar dos marcos legais nacionais e internacionais, como a Constituição Federal do Brasil de 1988 e Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2004, onde garante, dentre outros, a consulta prévia aos povos indígenas sobre qualquer empreendimento que possa afetar seus territórios e modos de vida, a fim de que possam se manifestar e decidir sobre essas obras. Na prática, essa normativa se encontra como “letra morta”, pois os indígenas podem até serem consultados, mas suas decisões não são consideradas na maioria das vezes, um exemplo desta situação foi a liberação da construção da usina de Belo Monte no Pará.

Enfim, muitos são os desafios e as lutas que devem ser empreendidas pelos povos indígenas na contemporaneidade, pois apesar da conquista de vários direitos, atualmente, eles estão sendo ameaçados e muitas vezes não chegaram sequer a ser efetivados. As lutas por saúde, educação e terra, ainda balizam o movimento indígena que, também, reivindica o direito ao reconhecimento efetivo das diversidades culturais que compõem esse país e que o torna uma nação pluriétnica. Dentro dessa perspectiva, a educação pode ser uma das alternativas para se garantir esse direito.

1.2. Histórico da Educação Escolar Indígena no Brasil

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e de universo, que respondiam, preferencialmente, às suas necessidades e explicava seus modos de vida.

Com a invasão dos europeus ao Brasil, a escola foi introduzida pelos jesuítas, como parte integrante do projeto civilizatório dos portugueses, que tinham a intenção não só de catequizar os índios, mas de “articular essas populações às estruturas socioeconômicas e políticas da sociedade nacional” (WEIGEL, 2000, p.45). Esse processo civilizatório diverge quanto à forma de ensinar crianças e jovens dos povos indígenas, pois

Nas sociedades indígenas, o ensino e a aprendizagem ocorrem no espaço abrangente da comunidade e em qualquer tempo. Todos são responsáveis pela formação das pessoas, sendo que os mais velhos assumem tarefas mais específicas. Nas sociedades europeias, há um lugar reservado e específico para se aprender e ensinar, que é a escola. Também existe uma pessoa específica designada para ensinar as crianças, jovens e adultos, que é o professor (LUCIANO, 2013, p.346).

A escola aparece como um instrumento para homogeneizar os índios e torná-los “aptos” a desenvolverem atividades como mão de obra escrava e/ou semiescrava para os não-índios. A Igreja, como parte integrante desse projeto, assume toda a educação dos indígenas e, dessa forma, contribui para a apropriação das riquezas naturais de suas terras e para a destruição de sua cultura.

Esse processo genocida não obteve êxito completo, pois as populações indígenas lutaram contra esse tipo de opressão e desenvolveram várias estratégias de resistências para garantir a sobrevivência. Muitos povos indígenas, ainda hoje, lutam por um processo de reconhecimento de sua cultura e saberes tradicionais.

O próprio termo “índio”, que os europeus usaram para designar a população nativa do continente americano, nunca representou as diferentes etnias que habitavam e habitam até hoje esse território. Essa generalização foi utilizada pelos colonizadores para tentar homogeneizar as populações indígenas, desconsiderando a diversidade cultural que caracteriza cada etnia. Assim,

[...] em qualquer lugar do mundo, os povos indígenas são sioux, crow, kamayurá, xokleng, guarani, avá ou outros, mas não são índios, categoria

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A escola serviu para garantir que as populações indígenas fossem utilizadas para sustentar o modelo de exploração que os europeus tinham implantado no Brasil. Para explicar a trajetória da educação escolar indígena no Brasil, iremos adotar os critérios utilizados por Ferreira (2001), que apresenta uma divisão em quatro fases: período colonial, em que a educação dos indígenas era de responsabilidade exclusiva dos missionários católicos, principalmente dos jesuítas. A segunda fase é caracterizada pela criação do SPI, em 1910 e vai da política de ensino da Funai à presença do Summer Institute of Linguistics (SIL) e demais

missões religiosas. A terceira fase é marcada pela criação de organizações indígenas não-governamentais e pela organização do movimento indígena no final da década de 1960 e nos anos de 1970. A quarta fase aparece com a iniciativa dos indígenas nas decisões de definir e autogerir os processos educacionais formais destinados a essa população. Contudo, essa divisão não estabelece marco fixo, afinal, muitas vezes uma fase ainda não foi totalmente superada e se encontra permeada por elementos que estão presente em outra fase.

No período colonial, a escola para índios foi introduzida pelos jesuítas, que impuseram uma forma sistematizada de ensino, onde “os saberes indígenas, os processos próprios de aprendizagem, as concepções pedagógicas de cada grupo e as diversas línguas faladas por cada etnia ficaram sempre excluídas da sala de aula (FREIRE J., 2003, p.17)”. A Língua Geral, tendo como base o tupinambá, foi utilizada tanto para ensinar quanto na catequese dos indígenas e imposta aos índios, mesmo os de outras etnias. Essa Língua ficou oficialmente conhecida como Língua Geral e foi imposta, tanto no litoral como no estado do Grão-Pará, pelo governo português, que durou até metade do século XVIII, quando o uso da Língua Portuguesa passou a ser obrigatória. A primeira escola criada no Estado do Maranhão e Grão-Pará foi em 1626 para filhos de portugueses, mas “instituição de ensino como essa funcionava também em quase 54 aldeias de repartição, onde havia uma casa de taipa, destinada às escolas de ler, escrever e contar (FREIRE J., 2003, p.54)”. O uso da Língua Geral, tanto por índios como por colonos, estendeu-se até século XXVIII.

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lei que definiu a expulsão dos jesuítas (1759), que detinham os direitos3 sobre os índios aldeados, passando a ficar sob responsabilidade dos diretores que e tinham a obrigação de distribuir os índios entre os serviços da Coroa e os colonos, incentivar o casamento entre colonos e índias, além de garantir o respeito à proibição do uso de qualquer língua indígena, mesmo o Nheengatu4.

Nesse período, outras ordens religiosas continuaram atuando na educação escolar no Brasil como por exemplo, os Salesianos que “[...] instalaram grandes internatos e escolas nas aldeias indígenas. Por meio da educação escolar, introduziram a língua, a história e os valores da sociedade dominante (FERREIRA, 2001, p.73)”. Isso gerou graves mudanças na ordem social e espacial das populações indígenas, de acordo com a ideologia da igreja católica.

Foram construídos grandes prédios que funcionavam como internatos, onde era obrigatório o uso da Língua Portuguesa. Nesse regime, as crianças eram levadas a essas escolas e separadas de suas famílias por um determinado período escolar. O foco era a capacitação dos indígenas para servirem de mão de obra barata para a população não-índia. Enfim, esses princípios estabelecidos pelos jesuítas para efetivar o processo colonizador entre os indígenas foram mantidos por muito tempo. Assim,

Com pequenas diferenças nos distintos tempos e espaços do Brasil colônia, esses princípios se mantiveram nos séculos de colonização, reforçados pela atuação de outras ordens religiosas como os beneditinos, franciscanos, carmelitas, lassalistas e salesianos, e retomados pelo Estado brasileiro no início do século XX, quando se configura um segundo momento da educação escolar indígena (BERGAMASCHI; MEDEIROS, 2010, p.57)

A segunda fase se inicia em 1910, quando foi criado o Sistema de Proteção aos Índios e a Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILNT) que, mais tarde, passaria a se chamar apenas Serviço de Proteção aos Índios (SPI), com o discurso de criar uma política indigenista menos desumana. Quanto à educação escolar, era enfatizada a preocupação com a diversidade linguística e cultural dos diferentes povos indígenas. Na prática, isso não se confirmou, tendo em vista que a preocupação com a diversidade cultural não levou em conta a organização

3 Diretor um funcionário do governo colonial, destinado a executar parte da política de ocupação territorial, no que envolvia a população indígena (WEIGEL, 2000, p.16)

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socioeconômica e cultural das populações indígenas na organização dos novos currículos para a essa escola.

Nessa nova proposta, “Programa Educacional Indígena”, o Ensino Religioso tinha um peso menor, no entanto, foi dada grande ênfase ao trabalho agrícola e doméstico com o objetivo de integrar os indígenas à sociedade nacional com trabalho precarizado, pois os produtos comercializados pelos indígenas atingiam pouco valor de mercado. Além disso, as meninas eram submetidas ao trabalho doméstico numa condição de semiescravidão.

Nesse programa era prevista a criação de “Clubes Agrícolas” e a escola passou a ser designada como “Casa de Índio”, com o intuito de eliminar a conotação muito negativa que a escola representava para os índios. A arquitetura escolar foi modificada na tentativa de se aproximar das casas indígenas e foram criadas várias oficinas de trabalho (SPI, 1953).

Apesar do SPI “considerar” a diversidade linguística e cultural dos vários povos indígenas como “o que melhor caracterizava os nossos grupos indígenas”, na prática, o ensino bilíngue foi considerado inviável pelo grande número de línguas maternas, o que demandaria uma “[...] infinidade de gramáticas para as várias línguas e alfabetos falados pelos índios e a preparação de outros tantos professores capazes de aplicá-los” (SPI, 1953, p.11). Outro aspecto negativo para a eficácia dessa proposta era que a “escola” não dispunha de equipe técnica especializada de linguistas para empreender essa nova política, ficando a cargo dos próprios indígenas, que não tinham conhecimento da língua materna na forma escrita, pois usavam apenas a oralidade.

Enfim, o SPI não empreendeu grandes esforços para garantir a diversidade dos povos indígenas como enfatizava sua linha de trabalho. Na prática, foi apenas um discurso oficial que pouco ou nada contribuiu para garantir uma escola menos discriminatório aos povos indígenas.

Em 1967, em plena Ditadura Militar, foi criada a FUNAI que substituiu o SPI. Também defendia, oficialmente, o ensino bilíngue como forma de valorização cultural. Em 1973 é criado o Estatuto do Índio que passa a regulamentar a vida dos indígenas no Brasil e torna obrigatório o ensino bilíngue.

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socialismo, que poderia afetar o processo produtivo de acumulação de capital no Brasil.

A FUNAI estabelece o ensino bilíngue como forma de “respeitar os valores tribais” (FUNAI, 1972b, p.12, apud CUNHA, 1990, p.96) e, em 1973, o Estatuto do Índio determina a obrigatoriedade do ensino de línguas nativas nas escolas indígenas. Nesse momento, a FUNAI decide, então, preparar os próprios indígenas para assumirem as funções educativas nas suas comunidades através dos Programas de Desenvolvimento Comunitário (os DCs). “Respaldados pela Organização das Nações Unidas (ONU), os DCs vinham atender às preocupações da Funai, que desejava instituir uma política indigenista aceita internacionalmente (FERREIRA, 2001, p. 76)”.

Esses possíveis avanços não proporcionaram grandes mudanças na realidade educacional dos povos indígenas brasileiros, pois na prática, o Brasil precisava apenas demonstrar que vinha atendendo às exigências dos países centrais no combate ao avanço do socialismo no mundo.

Em poucas palavras, desde a chegada das primeiras caravelas até" meados do sec. XX, o panorama da educação escolar indígena foi um só, marcado pelas palavras de ordem "catequizar", "civilizar" e "integrar" ou, em uma capsula, pela negação da diferença (SILVA; AZEVEDO,1995, p.151)

Para efetivar a política integracionista do governo brasileiro aos povos indígenas, a Funai resolveu adotar o modelo do SIL (Summer Institute of Linguistics), pois,

O ensino bilíngue, garantido pelos especialistas do SIL, daria toda a aparência de respeito à diversidade linguística e cultural das sociedades indígenas. O modelo bicultural do SIL garantiria também a integração eficiente dos índios à sociedade nacional, uma vez que os valores da sociedade ocidental seriam traduzidos nas línguas nativas e expressos de modo a adequar às concepções indígenas (FERREIRA, 2001, p. 77).

Com isso, o governo brasileiro deixa de investir diretamente na educação escolar indígena, passando a responsabilidade, sob forma de convênio, para essa instituição norte-americana que

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A presença do SIL no Brasil e em outros países da América do Sul e Central gerou muita polêmica em torno de seus reais objetivos, o que provocou o encerramento do convênio em 1977; mas, em 1983, voltou a atuar em parceria com a FUNAI a fim de desenvolver atividades linguísticas, de educação, saúde e desenvolvimento comunitário com a população indígena, o que gerou muitas críticas de diversas Instituições, como a UNICAMP, UFBA e Museu Nacional. As principais críticas foram sobre a indefinição dos termos do acordo firmado e a finalidade evangelizadora para a qual se direcionaria a educação indígena, interferindo nos padrões culturais dos diversos povos indígenas. Isso pode ser verificado na cultura dos Tenharin que hoje segue a doutrina cristã evangélica, abandonando alguns de seus rituais. A pajelança, por exemplo, não é mais aceita no grupo.

A partir de 1991, o SIL fez uma alteração em seu estatuto com o intuito de apresentar um caráter mais científico do que religioso, passando assim a ser denominado Sociedade Internacional de Linguística (SIL), que dentre outras coisas, traduziria, para a língua indígena, material de caráter moral e cívico, além de trechos da Bíblia. Na verdade, o objetivo primordial dessa instituição “sempre foi o de converter povos indígenas à religião protestante, por intermédio da leitura de textos bíblicos (FERREIRA, 2001, p.77)”.

Nesse período, o SIL, juntamente com a FUNAI, passou a produzir material pedagógico para diversos grupos indígenas com forte influência do modelo behaviorista de aprendizagem, além de transmitir conhecimentos e comportamentos dos não-índios. Vários estudiosos consideravam impróprio esse programa educacional oferecido aos indígenas pela FUNAI, SIL e missões religiosas, pois geralmente estava a serviço da classe dominante, com o único objetivo de integrar os indígenas à sociedade nacional, descaracterizando sua organização social, econômica e cultural. Por outro lado, no norte do país, a FUNAI, o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e a Colônia Militar ofereciam um tipo de educação também pautada nos interesses do Estado e da Igreja, provocando mudanças nos valores tradicionais dos indígenas.

Esse tipo de educação, pautada somente nos princípios e valores da sociedade não-indígena, caracteriza-se como

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vezes, a demolir suas tradições culturais, substituindo-as por outras; consideramos a Escola e todo o aparato que a compõe como tendo um caráter de fonte de conteúdo ideológico (ASSIS, 1981, p.38).

No entanto, os povos indígenas não aceitaram passivamente esses processos educativos que não respeitavam sua cultura e modos próprios de organização e desenvolveram diversas estratégias de resistência. Essa mesma escola projetada com o grande objetivo de integrar os indígenas na sociedade envolvente, principalmente como mão de obra barata para atender aos anseios do processo de exploração do sistema capitalista, configurou-se, no seio dos povos indígenas, como um instrumento de luta. Os conhecimentos adquiridos sobre a organização da sociedade não-indígena serviram para que várias lideranças conseguissem se organizar politicamente e passaram a reivindicar o reconhecimento de seus direitos como o direito à terra, à educação e à saúde diferenciada.

A FUNAI recebeu inúmeras críticas na condução da educação indígena e, para tentar refrear os debates e fóruns de discussões que vinham sendo realizados em todo o Brasil, passa a elaborar um novo discurso, tentando desvincular-se do SIL. Diante disso, a FUNAI tenta demonstrar seu engajamento na condução de uma nova política educacional para os indígenas, procurando atender as necessidades e aspirações dos indígenas.

No entanto, essa proposta não representou a retirada do SIL do cenário educacional indígena brasileiro, pois, em 1983, a FUNAI autorizou essa instituição a implantar programas de educação, assistência médica e projetos comunitários para 53 povos indígenas. Vários desses povos Indígenas não aceitaram a entrada dos missionários em suas terras. Mesmo contrário às determinações dos povos do Parque Indígena do Xingu, por exemplo, a FUNAI resolveu publicar material do SIL para as escolas do Parque, mas foi impedida pelos indígenas apoiados pela Fundação Mata Virgem, que vinha desenvolvendo um programa de educação voltado para aquela população.

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dos direitos humanos e das minorias étnicas, passando a repensar sua posição diante da causa indígena. Com isso foram criadas duas organizações, a Operação Anchieta (OPAN) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

A partir de 1974, foram realizadas diversas assembleias indígenas em todo o país, que possibilitou uma articulação de diversas etnias que não mantinham muito contato e passaram a unir forças em torno da questão indígena. Isso possibilitou a criação de diversas organizações indígenas, como a União das Nações Indígenas (UNI), em 1980.

Em 1979, foi realizado o I Encontro Nacional de Educação Indígena, realizado pelo CPI/SP, com o objetivo de reunir as experiências diferenciadas para a educação indígena. Porém, esse evento é marcado por uma presença maciça de antropólogos e sociólogos e a ausência de professores indígenas. Os demais encontros também enfatizaram a necessidade da participação efetiva dos professores indígenas por serem os protagonistas do processo educativo nas aldeias, mas continuam sem a presença dos professores indígenas.

Esses eventos foram bastante significativos, pois reconheceram a urgência de um evento de caráter nacional para discutir a educação formal dos índios, principalmente, no III Encontro promovido pela OPAN, que enfatizou a necessidade de um encontro nacional para discutir os rumos da educação escolar indígena, pois seria instituída a Assembleia Constituinte para discutir uma nova ordem jurídica para o Brasil. Esse encontro deveria contar com a participação das organizações não-governamentais, organizações indígenas, universidades e demais instituições interessadas.

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Nessa fase, os indígenas protagonizaram diversas experiências de projetos alternativos de educação como, por exemplo, a CPI/AC que vem desenvolvendo esse trabalho desde 1980, o projeto de educação indígena foi intitulado “Uma experiência de Autoria”. Em 1985, firmaram um convenio com a Secretaria Estadual de Educação do Acre e com a FUNAI afirmando que a prioridade era a participação ativa dos índios na concretização dessa proposta e garantindo autonomia administrativa e pedagógica das escolas indígenas. Esse projeto atendia indígena do Acre e do Sul do Amazonas. Em 1987 contavam com 30 aldeias de 17 áreas no Acre e regiões de fronteiras. Além disso, o CPI/AC promoveu curso de formação de professores indígenas desde 1983 “visando à autonomia das escolas indígenas e a produção de material didático por índios para as práticas escolares, e com a definição, também pelos índios, da forma de trabalhar em um contexto de educação formal (FERREIRA, 2001, p.92)”.

Outras experiências foram desenvolvidas como a do CTI, fundado em 1979, que desenvolve ou apoia ações educacionais para diferentes etnias como os Guarani de São Paulo, os Waiãpi e Sateré-Mawé do Amazonas, dentre outros. O CIMI, também, contribui para o desenvolvimento de alternativas educacionais indígenas inovadoras como foi o caso da escola assumida pela comunidade indígena Tapirapé de Mato Grosso que elaborou seu currículo e seu regimento próprio. Esse modelo foi reconhecimento pelo governo do Estado de Mato Grosso, que possibilitou outras comunidades indígenas reivindicarem escolas específicas e diferenciadas.

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indígenas decidirem o rumo da educação que desejam para suas comunidades, como parte de um projeto de futuro.

A quarta fase se caracteriza pela organização do movimento indígena aos encontros de professores indígenas. Desde a década de 1970, os povos indígenas realizaram vários encontros, assembleias ou reuniões que resultaram na criação de diversas organizações indígenas com ênfase na UNI, criada em 1980. Assim, desde os anos de 1970, os povos indígenas passam a protagonizar um movimento de mudança com relação às questões indígenas.

Ocorre a mobilização de setores da população brasileira para a criação de entidades de apoio e colaboração com os povos indígenas. O movimento indígena no Brasil começa a tomar forma, integrando o amplo movimento de reorganização da sociedade civil que caracterizou os últimos anos de ditadura militar no país. Várias comunidades e povos indígenas, superando o processo de dominação e perda de seus contingentes de população, passam a se reorganizar para fazer frente às ações integracionistas do Estado brasileiro. Em consequência, estabelece-se uma articulação entre as sociedades indígenas e organizações não-governamentais, com mudanças importantes para a afirmação dos direitos indígenas, abrindo espaços sociais e políticos para que a questão indígena se impusesse no Brasil, exigindo mudanças (RCNEI, 1998, p.27).

Em 1981, foi realizado, pela CPI/SP, o primeiro grande encontro dos povos indígenas do Brasil, intitulado “Índios: Direitos Históricos”, que contou com a participação de 32 nações indígenas e 30 entidades de apoio e alguns voluntários, conforme lista anexa dos participantes deste evento. Neste evento, vários temas foram abordados e discutidos como a questão da terra; os conflitos com posseiros e fazendeiros; a questão da saúde, da educação, da assistência previdenciária; a questão da segurança alimentar; além dos danos causados por grandes projetos de usinas que afetaram as comunidades indígenas como ficou registrado neste encontro:

Na discussão do grupo Norte surgiu uma questão importante, a usina hidrelétrica no rio Utinga. Isso foi uma questão importantíssima, mesmo porque é um projeto que não beneficia as populações Wapixana, Macuxi e outras circunvizinhas; porque ela vai trazer problemas seríssimos à comunidade indígena daquela região, como crime, doenças desconhecidas pelos grupos e, ainda por cima, as filhas indígenas correm o risco de se restituírem, como sempre acontece aonde há invasão de tal progresso. A hidrelétrica Parakanã, de Tucuruí, a mesma coisa. Abordamos também o caso Waimiri Atroari, onde a hidrelétrica de Balbina vai inundar toda aquela área. São coisas que parecem ser boas somente para as comunidades brancas. Um líder Macuxi falou assim: ‘coisa do branco é do branco, nunca é do índio’. Por isso mesmo é que o índio nunca se deu bem, e por que nós

Imagem

Tabela 1  –  Dados demográficos da população indígena no Brasil
Gráfico 1  –  Distribuição da população indígena por região geográfica   Fonte: IBGE (2015)
Gráfico 3  –  Falantes de Língua Portuguesa nas terras indígenas   Fonte: IBGE (2010)
Tabela 2 - Domicílios indígenas  Grandes  Regiões   e Unidades da  Federação  Pessoas indígenas Total  Localização do domicílio Terras indígenas  Fora de  terras  indígenas  Total Condição de indígena Declararam-se  indígenas  Não se declararam,  mas se co
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