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O patrimônio mundial natural e a produção de destinos turísticos no Brasil : Parque Nacional do Iguaçu (PR)

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FERNANDA LODI TREVISAN

O PATRIMÔNIO MUNDIAL NATURAL E A PRODUÇÃO DE DESTINOS TURÍSTICOS NO BRASIL: PARQUE NACIONAL DO IGUAÇU (PR).

CAMPINAS

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O PATRIMÔNIO MUNDIAL NATURAL E A PRODUÇÃO DE DESTINOS TURÍSTICOS NO BRASIL: PARQUE NACIONAL DO IGUAÇU (PR).

TESE APRESENTADA AO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTORA EM GEOGRAFIA NA ÁREA DE

ANÁLISE AMBIENTAL E DINÂMICA

TERRITORIAL.

ORIENTADORA: PROF(A). DR(A). MARIA TEREZA DUARTE PAES

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA

FERNANDA LODI TREVISAN E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. MARIA TEREZA DUARTE PAES

CAMPINAS 2018

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Geociências

Marta dos Santos - CRB 8/5892

Trevisan, Fernanda Lodi,

1984-T729p TreO patrimônio mundial natural e a produção de destinos turísticos no Brasil : Parque Nacional do Iguaçu (PR) / Fernanda Lodi Trevisan. – Campinas, SP : [s.n.], 2018.

TreOrientador: Maria Tereza Duarte Paes.

TreTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências.

Tre1. Patrimônio Natural. 2. Patrimônio Mundial - Brasil. 3. Turismo - Parques Nacionais. 4. Concessões de licenças. 5. Parque Nacional do Iguaçu (PR). I. Luchiari, Maria Tereza Duarte Paes, 1961-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Natural world heritage and the production of touristic destinations in Brazil : Iguaçu National Park (PR)

Palavras-chave em inglês: Natural Heritage

World Heritage - Brazil Tourism - National Parks License agreements Iguaçu National Park (PR)

Área de concentração: Análise Ambiental e Dinâmica Territorial Titulação: Doutora em Geografia

Banca examinadora:

Maria Tereza Duarte Paes [Orientador] Wagner Costa Ribeiro

Silvia Helena Zanirato

Claudia Feierabend Baeta Leal Lúcia da Costa Ferreira

Aline Vieira de Carvalho Data de defesa: 08-03-2018

Programa de Pós-Graduação: Geografia

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AUTOR: Fernanda Lodi Trevisan

O PATRIMÔNIO MUNDIAL NATURAL E A PRODUÇÃO DE DESTINOS TURÍSTICOS NO BRASIL: PARQUE NACIONAL DO IGUAÇU (PR).

ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Tereza Duarte Paes

Aprovado em: 08 / 03 / 2018

EXAMINADORES:

Profa. Dra. Maria Tereza Duarte Paes - Presidente

Profa. Dra. Aline Vieira de Carvalho

Profa. Dra. Claudia Feierabend Baêta Leal

Profa. Dra. Lucia da Costa Ferreira

Profa. Dra. Silvia Helena Zanirato

Prof. Dr. Wagner Costa Ribeiro

A Ata de Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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diversas pessoas e instituições não seria possível chegar ao resultado aqui apresentado. A todos que colaboraram, meus agradecimentos.

Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e à CAPES, processo 2014/12912-7, pela bolsa de pesquisa de doutorado, que permitiu minha dedicação integral a esta tese, inclusive viagens de campo e participação em congressos. Agradeço também à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e à CAPES, processo 2015/11117-1, a oportunidade de estágio na Université Paris 1, por meio da Bolsa Extágio de Pesquisa no Exterior (BEPE). Saliento que as opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade da autora e não necessariamente refletem a visão da FAPESP e da CAPES.

Agradeço à professora Maria Gravari-Barbas, que me acolheu no IREST, na Université Paris 1, e orientou minha pesquisa durante os três meses de estágio no exterior.

Agradeço aos professores Wagner Costa Ribeiro (USP) e Aline Vieira de Carvalho (Unicamp) que contribuíram com ideias e novas referências em suas disciplinas.

Agradeço aos funcionários da secretaria da Pós-Graduação do Instituto de Geociências, sempre prestativos e eficientes.

Agradeço aos funcionários do Iphan, ICMBio, da Cataratas do Iguaçu S.A e da Macuco Safari que me receberam para as entrevistas e pesquisa documental. E agradeço ao Jackson Lima, com quem eu pude conversar durantes horas e ouvir seu entusiasmo pelo Parque Nacional do Iguaçu.

Agradeço aos colegas e amigos da Academia e da vida pelas trocas de experiências e ideias, pela convivência, caminhadas, confraternizações que iluminam nosso caminho e nos fazem ver que não estamos sós.

Agradeço a minha família – pais, irmão, sobrinhos, cunhada, sogros, marido e cachorras – que me proporciona o suporte emocional fundamental para todos os momentos da vida e, ainda mais, para a elaboração de uma tese.

E por fim, agradeço imensamente a Maria Tereza Duarte Paes, com quem iniciei na pesquisa acadêmica em 2004, ainda durante a graduação, e que me acolheu novamente no doutorado. Agradeço muito a confiança e o estímulo para pesquisar esse tema tão interessante e rico que é o patrimônio natural. Agradeço a todos por essa oportunidade de crescimento

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As mudanças de atitude para com a natureza – em função da expansão do meio técnico científico informacional – contribuíram para a valorização das áreas naturais no que diz respeito à prática da visitação turística, bem como resultaram na criação de instrumentos protetivos, ainda no século XIX, no campo ambiental e no cultural. As áreas protegidas são entendidas como territórios, pois são recortes políticos e administrativos regulamentados por um instrumento oficial do poder público e com um regime particular de gestão. Ao mesmo tempo, tais áreas são território usado, pois não deixam de ter uso e função específica para a sociedade. No campo cultural, a Convenção do Patrimônio Mundial é um dos instrumentos que permitem a patrimonialização da natureza ao reconhecer um sítio, uma paisagem ou um monumento natural como patrimônio da humanidade. No campo ambiental, a criação de UC é o instrumento por excelência de proteção da natureza. Esses dois campos protetivos e duas esferas institucionais, internacional e nacional, convergem no recorte espacial desta tese: o Parque Nacional do Iguaçu, criado pelo governo brasileiro em 1939 e reconhecido como patrimônio da humanidade em 1986. Partiu-se da hipótese de que as recomendações da Unesco influenciaram a organização territorial do Parque e o modelo de visitação adotado atualmente, responsável pela transformação do Parque em um megaempreendimento turístico. O Parque do Iguaçu é o segundo mais visitado no Brasil e seu principal atrativo são as paisagens formadas pelas cataratas do rio Iguaçu. Esse Parque foi o pioneiro em ter delegado os serviços turísticos às empresas privadas, por meio de concessões, ainda na década de 1990. Como resultados desta pesquisa, aponta-se a relevância das recomendações da Unesco, porém, sua influência é restrita para o contexto geral da visitação turística do Parque. Destaca-se que outros elementos, tais como as políticas nacionais voltadas para as UCs e para o turismo, foram predominantes para a configuração territorial turística do Parque e para o modelo de visitação atualmente adotado, chamado aqui de visitação turística comercial, caracterizado, sobretudo, pela comercialização de serviços turísticos e pelo maior controle sobre os visitantes. O turismo de natureza é apresentado como a oportunidade de promover o desenvolvimento sustentável, já que propõe conciliar a conservação da área protegida com a dinamização da economia local e a criação de empregos. A geração de receitas, por meio do turismo de natureza, é uma das principais justificativas para a defesa de tais territórios protegidos. Para promover o turismo de natureza tem-se priorizado a delegação da gestão turística às empresas privadas, sob a alegação de que tais atividades fogem às atividades fins dos órgãos ambientais. Como metodologia de pesquisa foi realizada revisão bibliográfica; pesquisa documental em arquivos da Unesco, do Iphan e do ICMBio; e trabalhos de campo para observação direta, registro fotográfico e entrevistas semiestruturadas com funcionários do ICMBio e das empresas concessionárias.

Palavras-chave: Patrimônio Natural. Patrimônio Mundial - Brasil. Turismo - Parques

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tourist increase in value. Changes in the attitude towards nature – due to the expansion of the technical environment and the technical, scientific and informational environment – contributed to increase value of natural areas in relation to the practice of tourist visitation, as well as resulted in the creation of protective instruments, since 19th century, in the environmental field, but also in the cultural field. Protected areas are understood as territories because they are political and administrative regulated by a public power oficial instrument of public power and with a particular regime of management. At the same time, such areas are used territory because they do not cease having use and specific function for society. In the cultural field (and in the international sphere), the World Heritage Convention is one of the instruments that allows the protection of nature when recognizing a site, a landscape or a natural monument as a world heritage. In the environmental field (and in the national sphere) the creation of Unidades de Conservação (UC) is the instrument par excellence of nature protection. These two protective fields and two institutional spheres converge in the Iguaçu National Park, the spatial cutting of this thesis, created by the Brazilian government, in 1939, and recognized as a world heritage, in 1986. It was assumed that the recommendations of Unesco influenced the territorial organization of the Park and the currently visitation model adopted, responsible for transforming the Park into a tourist mega-company. Iguaçu National Park is the second most visited Park in Brazil and its main attraction are the landscapes formed by Iguaçu River Waterfalls. This Park was the pioneer in having delegated the tourist services to private companies, by means of concessions, in the 1990s. The research results suggest the relevance of Unesco's recommendations, but its restricted influence in the general context of the visitation of the Park. Other elements, such as the national policies focused on UCs and tourism, were predominant for the tourist territorial configuration of the Park and for the currently model of visitation, termed here by commercial visitation, characterized, above all, by the trading of tourist services and intensive control over visitors. Nature tourism is presented as the opportunity to promote sustainable development, since it proposes to harmonise the conservation of the protected area with the development of the local economy and the creation of jobs. The income generation, by nature tourism, is one of the main justifications for the defense of such protected territories. In order to promote nature tourism, priority has been given to the delegation of tourism management to private companies, with the claim that such activities are outside the scope of environmental agency's activities. As research methodology, a bibliographic review was carried out; documentary research in the archives of Unesco, Iphan and ICMBio; and fieldwork for direct observation, photographic registration and semi-structured interviews with ICMBio and companies employees.

Keywords: Natural Heritage. World Heritage - Brazil. Tourism – National Park. Concession.

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Figura 1.2 - Mapa das Unidades de Conservação (UCs) no Brasil ... 54

Figura 1.3 - Mapa: A evolução da criação de Parques Nacionais no Brasil... 58

Figura 2.1 - Emblema do Patrimônio Mundial ... 69

Figura 2.2 - Mapa do Patrimônio Mundial Cultural, Natural e Misto ... 72

Figura 2.3 - Gavarnie, França ... 79

Figura 2.4 - Mapa do Patrimônio Mundial em Perigo ... 80

Figura 2.5 - Rio Elba, Dresden, Alemanha ... 81

Figura 2.6 - Localização e Critérios do Patrimônio Mundial Natural no Brasil ... 91

Figura 3.1 - Elevado número de visitantes na Trilha das Cataratas ... 119

Figura 3.2 - Parques Nacionais Abertos à Visitação, segundo o ICMBio ... 135

Figura 4.1 - Localização do Parque Nacional do Iguaçu ... 156

Figura 4.2 - As Cataratas do Rio Iguaçu no Parque Nacional do Iguaçu ... 164

Figura 4.3 - Mapa Turístico Integrado dos Passeios e Serviços ... 168

Figura 4.4 - Regeneração da mata no acesso à Estrada do Colono ... 172

Figura 4.5 - Limite do Parque do Iguaçu e a Localização da Usina do Baixo Iguaçu ... 173

Figura 4.6 - Campanha Publicitária do Parque do Iguaçu, veiculada no Chile ... 179

Figura 4.7 - Visitação nas Cataratas do Iguaçu em 1950 ... 183

Figura 4.8 - Primeira passarela das cataratas, década de 1970 ... 185

Figura 4.9 - Aluguel de Canoas e Piquenique no Parque, década de 1960 ... 186

Figura 4.10 - Antiga portaria de Acesso ao Parque ... 187

Figura 4.11 - Estabelecimentos Comerciais no Parque do Iguaçu na década de 1990 ... 187

Figura 4.12 - Parque do Iguaçu na década de 1990 ... 191

Figura 4.13 - Mapa Turístico do Parque Nacional do Iguaçu ... 196

Figura 4.14 - Vista Panorâmica da Entrada do Centro de Visitantes ... 198

Figura 4.15 - Centro de Visitantes: Bilheteria ... 199

Figura 4.16 - Centro de Visitantes: Embarque do Transporte Interno ... 199

Figura 4.17 - Centro de Visitantes: Loja de Suvenires ... 200

Figura 4.18 - Centro de Visitantes: Loja de Suvenires ... 201

Figura 4.19 - Passeio na Trilha do Poço Preto operado pela empresa Macuco Ecoaventura . 209 Figura 5.1 - Entrada da Trilha do Poço Preto concessionada à Macuco Ecoaventura ... 228

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Quadro 1.3 - UCs por categorias, número total e área ocupada ... 53

Quadro 1.4 - Características das Unidades de Conservação ... 55

Quadro 1.5 - Situação da Visitação nas UCs, segundo CNUC ... 59

Quadro 2.1 - Instrumentos para a Proteção do Patrimônio Cultural ... 61

Quadro 2.2 - Critérios Unesco do Valor Universal Excepcional ... 74

Quadro 2.3 - Critérios de Perigo Comprovado ou em Potencial ... 76

Quadro 2.4 - Países com maior número de inscrições na Lista do Patrimônio Mundial... 87

Quadro 2.5 - Áreas Protegidas que integram o Patrimônio Mundial ... 92

Quadro 2.6 - Lista Indicativa Brasileira, 2016 ... 101

Quadro 2.7 - O patrimônio natural tombado pelo Iphan, 2015 ... 108

Quadro 3.1 - Arrecadação das Receitas Próprias do ICMBio, em 2015 ... 134

Quadro 3.2 - Ranking de visitantes nos Parques Nacionais em 2016 ... 136

Quadro 3.3 - Parques Nacionais que Autorizam as Atividades de Condução de Visitantes .. 138

Quadro 3.4 - Valores cobrados para a visitação nos Parques Nacionais ... 139

Quadro 3.5 - Serviços e Atividades Concessionadas nos Parques Nacionais ... 140

Quadro 3.6 - Serviços e atividades turísticas em parques ... 147

Quadro 3.7 - Elementos do TOR ... 148

Quadro 4.1 - Zoneamento do Plano de Manejo do Parque Nacional do Iguaçu ... 161

Quadro 4.2 - Empresas prestadoras de serviços turísticos no Parque (1970-1990) ... 190

Quadro 4.3 - Empresas Privadas com atuação no Uso Público do Parque do Iguaçu ... 194

Quadro 4.4 - Espaços Geridos pela Cataratas do Iguaçu S.A. ... 198

Quadro 4.5 - Descriminação dos Valores Pagos em Reais, novembro de 2016... 204

Quadro 4.6 - Atividades e Valores da Macuco Ecoaventura e Macuco Safari ... 207

Quadro 5.1 - Arrecadação e Orçamento do Parque do Iguaçu de 2012 a 2016, em reais ... 231

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Gráfico 2.2 - Evolução das inscrições do Patrimônio Cultural, Natural e Misto ... 83 Gráfico 2.3 - Desequilíbrios entre Patrimônio Cultural, Natural e Misto ... 83 Gráfico 2.4 - Distribuição do Patrimônio Mundial, segundo os Continentes... 85 Gráfico 2.5 - Distribuição do Patrimônio Mundial, segundo o desenvolvimento econômico . 85 Gráfico 4.1 - Evolução da Visitação no Parque Nacional do Iguaçu ... 180

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APA Área de Proteção Ambiental APP Áreas de Preservação Permanente ARIE Áreas de Relevante Interesse Ecológico CDB Convenção da Diversidade Biológica CDC Centers for Disease Control and Prevention

CMMAD Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento CNUC Cadastro Nacional de Unidades de Conservação

CNUMAD Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento CPM Centro do Patrimônio Mundial

CONABIO Comissão da Biodiversidade

CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente COP Conferência das Partes

DER Departamento de Estradas de Rodagem

DPHAN Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Embratur Instituto Brasileiro de Turismo

EVE Estudo de Viabilidade Econômica

FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo GEF Fundo Global para o Meio Ambiente

GRU Guia de Recolhimento da União GSTC Global Sustainable Tourism Council

Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBRAM Instituto Brasileiro de Mineração

Iccrom Centro Internacional de Estudos para a conservação e Restauração de bens Culturais

Icomos International Council on Monuments and Sites

ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade IGP-M Índice Geral de Preços

Iphan Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IREST Instituto de Pesquisas e de Estudo Superior em Turismo INP Instituto Nacional do Patrimônio Francês

MaB Man and Biosphere

MAP Movimento Amigos do Parque MINC Ministério da Cultura

MINEROPAR Serviço Geológico do Paraná MMA Ministério do Meio Ambiente OMT Organização Mundial do Turismo ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas

PAC Programa de Aceleração do Crescimento Parna Parque Nacional

PETAR Parque Estadual Alto Ribeira PI Proteção Integral

PL Projeto de Lei

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RNPUC Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação RPPN Reserva Particular do Patrimônio Natural

SEPL Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional SEMA Secretaria Especial do Meio Ambiente

SIRGAS Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente

SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação SPU Secretaria do Patrimônio da União

TIES Sociedade Internacional de Ecoturismo TOR Termo de Referência

UAAF Unidade Avançada de Administração e Finanças UC Unidade de Conservação

UICN União Internacional para a Conservação da Natureza UIPN União Internacional para a Proteção da Natureza Unep United Nations Environment Program

Unesco Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura US Uso Sustentável

WHC World Heritage Committee WWF World Wide Fund for Nature

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OS CAMINHOS DA PESQUISA CIENTÍFICA ... 22

1 A TRAJETÓRIA MODERNA DA PROTEÇÃO DAS ÁREAS NATURAIS ... 26

1.1 A PROTEÇÃO DA NATUREZA E A CRIAÇÃO DE NOVOS TERRITÓRIOS ... 30

1.2 A EMERGÊNCIA E A INTERNACIONALIZAÇÃO DA QUESTÃO AMBIENTAL ... 37

1.3 A ESTRATÉGIA NACIONAL DE PROTEÇÃO DA NATUREZA NO CAMPO AMBIENTAL ... 49

2 A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO NATURAL NO CAMPO CULTURAL ... 60

2.1 A UNESCO E O PATRIMÔNIO MUNDIAL ... 63

2.1.1 A Inclusão da Natureza no Patrimônio Mundial ... 66

2.1.2 A Convenção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural ... 70

2.1.3 A Lista do Patrimônio Mundial: a busca por equilíbrio e representatividade .... 82

2.2 O PATRIMÔNIO MUNDIAL NATURAL NO BRASIL ... 90

2.3 O IPHAN E O PATRIMÔNIO NATURAL BRASILEIRO ... 102

3 O TURISMO DE NATUREZA E O CONSUMO DA NATUREZA PROTEGIDA 112 3.1 TURISMO SUSTENTÁVEL E TURISMO DE NATUREZA ... 114

3.2 A GESTÃO DA VISITAÇÃO TURÍSTICA NOS PARQUES NACIONAIS BRASILEIROS ... 126

3.2.1 A Concessão de Serviços Turísticos nos Parques Nacionais ... 141

4 ENTRE A PROTEÇÃO E O TURISMO: O USO DO TERRITÓRIO NO PARQUE NACIONAL DO IGUAÇU ... 155

4.1 A CONTEXTUALIZAÇÃO DE UM PARQUE EMBLEMÁTICO ... 158

4.2 A INSCRIÇÃO DO PARQUE DO IGUAÇU NA LISTA DO PATRIMÔNIO MUNDIAL ... 162

4.3 A VISITAÇÃO TURÍSTICA NO PARQUE DO IGUAÇU ... 179

4.3.1 Visitação Turística de Recreação ... 183

4.3.2 Visitação de Recreação Monitorada ... 187

4.3.3 Visitação Turística Comercial ... 194

5 A CONCESSÃO DO TERRITÓRIO E DOS SERVIÇOS TURÍSTICOS: UMA REFLEXÃO SOBRE A VISITAÇÃO COMERCIAL ... 212

5.1 A NECESSIDADE DE TORNAR O PARQUE UM EMPREENDIMENTO ECONOMICAMENTE PRODUTIVO ... 212

5.2 O CONSUMO VISUAL DA PAISAGEM E O EMPOBRECIMENTO DA EXPERIÊNCIA DE VISITAÇÃO ... 221

5.3 A CONCESSÃO DOS SERVIÇOS TURÍSTICOS E DO TERRITÓRIO ... 227

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INTRODUÇÃO

Esta tese originou-se da nossa motivação para estudarmos um assunto pouco abordado nas pesquisas científicas no Brasil: o patrimônio natural. Existem diversas pesquisas a respeito de Unidades de Conservação (UC) e outras categorias de áreas naturais protegidas, tais como Áreas de Preservação Permanente (APPs), Reservas Legais ou Parques Urbanos; contudo, são escassas as pesquisas que privilegiam o patrimônio natural. Dessa forma, o primeiro objetivo proposto para a realização desta tese foi promover reflexões a respeito da condição do patrimônio natural nas discussões sobre proteção da natureza.

O patrimônio natural e as UCs dizem respeito a áreas naturais protegidas, porém, são objetos distintos: enquanto o patrimônio natural é produzido por meio de um instrumento de proteção gestado em uma instituição cultural, as UCs são criadas com o respaldo dos instrumentos de proteção do campo ambiental. As duas modalidades de proteção da natureza – UC e patrimônio natural – convergem e se sobrepõem no Parque Nacional do Iguaçu, localizado no estado do Paraná, recorte espacial desta tese e, a partir de agora, Parque do Iguaçu. Isso ocorre porque o Parque foi criado, em 1939, com base no Código Florestal (BRASIL, 1934) e está subordinado hoje ao Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC) (BRASIL, 2000), portanto, a história de sua criação, consolidação, manejo e fiscalização está atrelada à legislação ambiental brasileira. Entretanto, somado a esse quadro protetivo, o Parque foi reconhecido internacionalmente como Patrimônio Mundial, em 1986, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), instituição que atua predominantemente no campo cultural.

Dessa forma, o Parque do Iguaçu é UC, mas é também patrimônio natural. Trazer essa dupla perspectiva a respeito do Parque foi um dos desafios propostos nesta tese, já que envolve a investigação de diferentes esferas institucionais (ambiental e cultural) e diferentes escalas espaciais de atuação (nacional e internacional). Procuramos entender inicialmente as particularidades das formas de proteção da natureza dos níveis institucionais para podermos, em um segundo momento, identificar as suas convergências. Para a fundamentação teórica, ora buscamos contribuição no campo ambiental, ora no patrimonial, e uma ampla pesquisa documental realizada em ambos os campos institucionais perpassa todo o corpo da tese.

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O Parque do Iguaçu1 é o segundo mais visitado no Brasil e o segundo destino turístico mais procurado no país pelos estrangeiros (EMBRATUR, [s.d.]; ICMBio, 2017b). Em 2016, o Parque recebeu mais de 1,6 milhão de visitantes e há expectativa de aumento da visitação nos próximos anos.

A alta procura pelo parque pode ser atribuída a dois principais fatores. Um deles é a beleza cênica de importância estética da paisagem formada pelas cataratas do rio Iguaçu, principal atrativo turístico e um dos elementos que permitiram a inscrição do Parque na Lista do Patrimônio Mundial. Outro é a gestão eficiente dos fluxos de visitação e a infraestrutura moderna, que permitem o recebimento de visitantes de várias idades e condições físicas. De fato, o Parque do Iguaçu possui uma situação muito particular dentre os parques nacionais.

Considerando essa configuração turística do Parque, partimos da hipótese de que

a patrimonialização da natureza objetiva proteger a áreas naturais da exploração e, de modo complementar, contribui para sua valorização e incorporação na lógica do mercado como recurso turístico. Nesse sentido, as recomendações da Unesco promovem e legitimam a organização territorial e o modelo de visitação atualmente adotado no Parque do Iguaçu.

Assim, norteamos o desenvolvimento desta tese com alguns questionamentos iniciais: qual o papel da Unesco e da Lista do Patrimônio Mundial para a visitação turística do Parque do Iguaçu? Como as recomendações da Unesco direcionaram a configuração territorial do Parque para o turismo? Em que medida a Instituição foi responsável pela consolidação do Parque como um megaempreendimento turístico? Qual a importância do patrimônio mundial para as concessões implementadas no Parque?

As diretrizes da Unesco podem assumir duas formas principais: uma delas composta das orientações gerais, que versam sobre boas práticas de conservação e de turismo sustentável, destinadas a todos os sítios naturais reconhecidos como patrimônio mundial; e outra constituída por recomendações específicas para cada sítio natural inscrito na Lista do Patrimônio Mundial, que são elaboradas com base nos relatórios periódicos e nas visitas técnicas que o Centro do Patrimônio Mundial (CPM) e a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) realizam. Essas recomendações, na qualidade de discursos de uma instituição internacional influente como a Unesco, direcionam tanto as políticas nacionais de proteção das áreas naturais quanto as agendas locais administrativas do Parque do Iguaçu.

1 Importante ressaltar que o Parque do Iguaçu é formado por mais de 180 mil hectares de floresta atlântica.

Entretanto, quando nos referimos ao Parque do Iguaçu nesta tese, falamos das áreas em que é permitida a visitação turística, que corresponde a cerca de 0,3% do seu território total.

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O desenvolvimento das pesquisas indicou que tais recomendações são apenas um dos elementos responsáveis pela configuração territorial e pelo modelo de visitação turística adotado no Parque. Para entendermos e explicarmos as relações entre a patrimonialização da natureza e a valorização turística outros elementos também foram analisados, tais como o processo de valorização da natureza pela sociedade contemporânea; o empenho de instituições em promover a proteção de áreas naturais; a emergência do turismo, em especial, do turismo de natureza, como atividade de lazer; e a consagração do desenvolvimento sustentável como corrente balizadora da conciliação da conservação da natureza e do uso das áreas protegidas. Assim, estruturamos esta tese em cinco capítulos.

O Capítulo 1 aborda as mudanças de atitude na relação homem-natureza, motivadas pela emergência de novas sensibilidades a respeito do mundo natural. Discutimos como as propostas modernas de proteção da natureza evoluíram a partir da criação do Parque do Yellowstone, nos Estados Unidos, e da patrimonialização das Cataratas de Gimel, na França e, ao longo do século XX, alcançaram as propostas internacionais de proteção das áreas naturais, tais como o Patrimônio Mundial, as Reservas da Biosfera (RB) e as Zonas Ramsar. Esse processo foi acompanhado pelo fortalecimento do movimento ambientalista e pela proposição do desenvolvimento sustentável, que se tornou a corrente norteadora da questão ambiental e passou a orientar diversas atividades econômicas, inclusive o turismo. Na escala nacional, a elaboração de políticas para a proteção dos remanescentes naturais é de responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), e a implementação de tais políticas é atribuição de seu órgão executor, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

O Capítulo 1 ainda propõe o entendimento das áreas naturais protegidas como territórios pelo sentido político-administrativo que essa categoria do espaço geográfico comporta, isto é, de recorte espacial regulamentado por um instrumento oficial do poder público e com um regime particular de gestão. As áreas naturais protegidas também podem ser analisadas na qualidade de territórios usados (SANTOS, 2002a), uma vez que respondem à necessidade humana de controlar e disciplinar a apropriação e o uso da natureza. Entender as áreas protegidas como territórios usados é uma necessidade quando mudamos a perspectiva de observação da institucionalização para o uso do espaço geográfico por meio da visitação turística, assunto abordado no Capítulo 3.

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Mesmo as áreas protegidas mais restritivas, que não permitem a visitação turística, são criadas considerando os benefícios culturais, econômicos e sociais que podem oferecer às sociedades. Nesse sentido, tais áreas são também territórios usados, muitas vezes, marcados pelo seu não uso deliberado2.

O Capítulo 2 aborda a Unesco e a Convenção do Patrimônio Mundial (1972). Tal Convenção reúne a proteção do patrimônio cultural e do natural em um único instrumento, mas na prática funciona de forma fragmentada: a UICN avalia e acompanha os bens naturais e o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), os culturais. Em casos de bens mistos ou paisagens culturais são organizadas comissões conjuntas com representantes das duas instituições, que oferecem assistência técnica à Unesco.

O produto mais conhecido da Convenção é a Lista do Patrimônio Mundial, que confere grande visibilidade aos bens reconhecidos como patrimônio mundial e é utilizada para o marketing turístico. Longe de ser uma lista neutra e baseada em critérios puramente técnicos, ela reflete, acima de tudo, as diferentes capacidades e disponibilidades de os países se inserirem nas discussões e nas agendas das organizações internacionais (SCIFONI, 2006a). A análise dos bens inscritos na Lista revela o predomínio do patrimônio cultural e a concentração espacial nos países desenvolvidos, em especial, os europeus. Tornar a Lista mais equilibrada é uma questão capital para a Unesco, já que asseguraria maior credibilidade para a Convenção do Patrimônio Mundial.

No nível nacional, é comum que se faça a seguinte separação de atribuições: as áreas naturais de valor histórico e cultural ficam sob a responsabilidade do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), já as áreas naturais com atributos preponderantemente ecológicos têm sua gestão a cargo dos órgãos ambientais, no caso, o MMA e o ICMBio. A atuação dos órgãos culturais e ambientais pode se sobrepor em um mesmo território, entretanto, ela possui objetivos e instrumentos de proteção diferentes. O órgão cultural objetiva a conservação paisagística e histórica a fim de evitar a descaracterização do bem. Para tal, possui como medidas protetivas o tombamento e a chancela da paisagem cultural. Já o órgão ambiental tem como finalidade zelar pela conservação dos ecossistemas e pela manutenção das funções ecológicas. E, para tal, tem

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Em especial, as UCs de Proteção Integral são mais restritivas quanto ao uso, mas possuem funções diversas para as sociedades, seja como reserva da diversidade biológica, reguladoras do clima, produtoras de águas, entre outras. As Reservas Biológicas e Estações Ecológicas não admitem nem mesmo a visitação turística, mas permitem incursões para pesquisa científica. Os parques, que são UCs consagradas à preservação da natureza e ao turismo, admitem visitação somente em áreas previamente determinadas nos planos de manejo.

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como instrumento de proteção a criação de UCs. A sobreposição dos instrumentos ocorre, por exemplo, no Parque Nacional da Tijuca, criado em 1961 e, posteriormente, tombado pelo Iphan, em 1967. Todas as atividades relacionadas ao uso do território desse Parque devem ser analisadas e autorizadas tanto pelo ICMBio quanto pelo Iphan.

Um sítio natural pode ser reconhecido como patrimônio mundial natural, seja ele objeto de tombamento, seja ele uma UC. No Brasil, todos os sítios naturais reconhecidos como patrimônio mundial são protegidos pelos órgãos ambientais e quase todos constituem UCs3. Esse fato justifica trazermos para a tese a discussão da proteção dos sítios naturais pela esfera ambiental: o patrimônio mundial natural brasileiro não é protegido pela esfera cultural, e sim pela esfera ambiental. O Brasil possui 21 bens inscritos na Lista, dos quais 7 são naturais e formados sobretudo por parques nacionais.

O Capítulo 2 ainda discute a proteção da natureza praticada pelo Iphan. As paisagens, monumentos e sítios naturais podem ser protegidos pelas instituições culturais em função de seus atributos simbólicos, afetivos ou históricos (SCIFONI, 2006b). Esses mesmos bens podem ser protegidos pelos órgãos ambientais em função, sobretudo, dos ecossistemas que comportam e dos serviços ambientais que prestam. Por fim, esse capítulo ressalta como é restrita a atuação da esfera cultural para a proteção de áreas naturais em comparação com a proteção realizada pela esfera ambiental. A incursão pelos dois campos institucionais e por seus respectivos instrumentos protetivos nos permitiu a compreensão dos papéis e funções de ambos para melhor definirmos as concepções de patrimônio natural.

A proteção da natureza tem por objetivo, acima de tudo, disciplinar seu uso. Isso significa excluir as áreas naturais protegidas das leis de mercado ou distanciá-las da lógica do capital. Em outras palavras, a patrimonialização/proteção da natureza trata muito mais de regulamentar o uso dessas áreas – distinguindo as ações que serão permitidas das que serão proibidas – do que de manter essas áreas naturais isoladas de qualquer exploração econômica. A natureza continua sendo um recurso e, como discute Paes-Luchiari (2007, p. 36), a patrimonialização da natureza, contraditoriamente, “conscientiza para a preservação e a conservação do nosso patrimônio natural, [e] promove a ampliação de sua exploração e de seu consumo” por meio dos empreendimentos turísticos4

.

3 O patrimônio mundial natural no Brasil é composto de Parques Nacionais ou Estaduais, e alguns deles são

compostos também de outros tipos de UCs e de áreas de proteção não previstas no SNUC.

4 O uso turístico é uma das possíveis formas de promover a ampliação do consumo da natureza. Existem outras,

como a valorização imobiliária em Áreas de Proteção Ambiental, conforme explorado em Trevisan (2006) e Trevisan e Paes (2009).

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Por isso, o Capítulo 3 deixa as questões relacionadas à proteção institucional das áreas naturais para abordar seus usos por meio do turismo. O turismo de natureza surgiu como um segmento voltado para atender a pequenos grupos interessados em experiências de contato com a natureza e dispostos a pagarem caro por isso. Entretanto, o aumento da procura por tais atividades transformou diversas áreas naturais em destinos para o turismo de massa. O Parque do Iguaçu é um exemplo.

Na década de 1990, o turismo, assim como diversas outras atividades econômicas, passou por revisão para a incorporação das diretrizes de sustentabilidade. Nesse sentido, o turismo sustentável se propôs a reduzir os impactos sociais e ambientais que a atividade provoca e a gerar receita e emprego para as comunidades em que se desenvolve. A Unesco é uma das principais instituições que elabora diretrizes para o turismo sustentável e, nesse sentido, legitima a exploração econômica das áreas naturais protegidas.

A ideia-chave que define o turismo sustentável é a busca constante por maior eficiência. Aumentar a eficiência no turismo significa, entre outras coisas, o esforço de conciliar a visitação e a conservação dos bens naturais. Desde a década de 1990, os órgãos ambientais brasileiros investem em delegar para as empresas privadas, via concessões, os serviços voltados ao turismo nos parques nacionais.

O Parque do Iguaçu foi pioneiro nesse modelo. Hoje, quatro parques nacionais possuem concessões consolidadas5 e outros três estão em processo de implantação6. As concessões não implicam a privatização dos parques, que continuam sendo espaços de posse e domínio do Estado, mas implicam a transferência da responsabilidade de gestão da visitação turística para um terceiro. Assim, o Capítulo 3 encerra abordando o quadro legal e os procedimentos que acompanham o processo de concessão dos serviços turísticos em áreas naturais protegidas. Não se trata de uma defesa do modelo concessionado, mas, acima de tudo, de situar as bases legais que autorizam tal parceria público-privada e que tem sido priorizada pelo Estado.

Os Capítulos 4 e 5 foram dedicados ao Parque do Iguaçu. Para entendermos os efeitos das recomendações da Unesco na gestão do turismo do Parque, consultamos os relatórios elaborados pela Instituição nos mais de 30 anos de reconhecimento do Parque como Patrimônio Mundial. A Unesco, ao longo desse tempo, fez diversas recomendações que foram atendidas e/ou contornadas pelos órgãos ambientais. Por exemplo, a recomendação para a

5 Parque do Iguaçu (PR), Parque Fernando de Noronha (PE), Parque Serra dos Órgãos (RJ) e Parque da Tijuca

(RJ).

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redução dos voos de helicóptero sobre as cataratas foi atendida pela Administração do Parque. Por outro lado, a construção da Usina do Baixo Iguaçu – localizada a menos de um quilômetro da fronteira do Parque, e que possivelmente causará a redução do nível das águas nas cataratas – foi contornada com diversas justificativas e mudanças de projeto pelo governo brasileiro.

Para embasarmos esse capítulo, identificamos todas as recomendações e advertências da Unesco ao Parque. Todavia, para compreendermos o impacto dessas diretrizes ao turismo foi necessário conhecermos a configuração da gestão turística como um todo e como ela se modificou ao longo da história do Parque. Os resultados das pesquisas mostram que as recomendações da Unesco constituem somente um dos elementos responsáveis por essa configuração.

Assim, investigamos como e por que a visitação turística do Parque foi consolidada ao longo do século XX e quais elementos foram determinantes para a consagração do Parque como um megaempreendimento turístico, no início do século XXI. Priorizamos a identificação dos eventos (SANTOS, 2002a) que foram determinantes para a organização territorial do Parque e para a experiência de visitação. Essa investigação permitiu o reconhecimento de três grandes configurações territoriais condicionantes e condicionadas por três modelos de visitação, que aqui foram denominados de visitação recreativa, visitação recreativa-monitorada e visitação comercial – essa última, ainda em curso.

Hoje, com a visitação comercial, atuam no Parque 5 empresas privadas7 responsáveis pela organização dos fluxos de visitantes, restaurantes e lanchonetes, manutenção das áreas abertas para a visitação, hotel, venda de ingressos e oferecimento de passeios. Com a atuação das empresas privadas no Parque, a função do ICMBio pôde ser concentrada na execução dos programas de pesquisa, de proteção da biodiversidade e na aplicação do poder de polícia ambiental.

As concessões colocaram o Parque em outro patamar de experiência turística, pois houve aumento da eficiência e do controle sobre os visitantes, o que permitiu aumentar a visitação sem implicar aumento da pressão sobre o meio natural. Contudo, a visitação comercial também apresenta questões que merecem reflexões. Uma delas é a transformação do Parque em novos espaços liminares (ZUKIN, 2000): espaços públicos de gestão privada, que instauram uma nova dinâmica de uso e, assim como outros espaços culturais públicos,

7 Quatro concessionárias (Macuco Safari, Macuco Ecoaventura, Helisul e Cataratas do Iguaçu S.A.) e uma

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tais como museus e teatros, têm seu acesso restrito e pago. Outra é o empobrecimento da experiência de visitação que pouco explora os valores educativos e patrimoniais, já que o modelo de visitação prioriza o Parque na qualidade de atrativo para o turismo de massa, que deve gerar renda e dinamizar a economia local por meio da venda de serviços. A opção por concessões é uma forma de inserir a visitação das áreas naturais na lógica do desenvolvimento sustentável e, sobretudo, na lógica empresarial: a área natural é vista como uma empresa a ser organizada e gerida e os visitantes são clientes. Nesse sentido, a visitação turística comercial impõe discussões antes de ser considerada um modelo para ser aplicado nos demais parques nacionais, assunto discutido no capítulo 5, que encerra esta tese.

OS CAMINHOS DA PESQUISA CIENTÍFICA

Todas as conclusões e análises desenvolvidas nesta tese são resultado da combinação de referenciais teóricos, metodologias escolhidas para o levantamento dos dados e para a organização das informações, bem como dos métodos de análises priorizados, por isso a importância de falarmos sobre a metodologia de pesquisa. Concordamos com Duarte (2002, p. 140) que “relatar procedimentos de pesquisa, mais do que cumprir uma formalidade, oferece a outros a possibilidade de refazer o caminho e, desse modo, avaliar com mais segurança as afirmações que fazemos”.

A Unesco disponibiliza um vasto acervo para pesquisa em seu site. Consultamos documentos produzidos pela Instituição desde 1948 para apresentarmos como a trajetória de proteção internacional de sítios, monumentos e paisagens naturais se consolidou. Além disso, foram realizadas pesquisas no acervo físico da Unesco, em Paris, em 2015, durante nosso Estágio de Pesquisa no Exterior8, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A oportunidade do Estágio no Exterior permitiu a realização de pesquisas bibliográficas e documentais em outras instituições, tais como as bibliotecas do Instituto de Geografia da Universidade de Paris 1, do Instituto de Pesquisa e de Estudo Superior em Turismo (IREST) e do Instituto Nacional do Patrimônio Francês (INP). O Estágio no Exterior possibilitou o acompanhamento das disciplinas9 “Geografia do Turismo” e “Patrimônio Cultural e Natural” ministradas pela professora Maria Gravari-Barbas, nossa orientadora no estágio e coordenadora da rede “Cultura, Turismo e Desenvolvimento”, da

8 Realização do Estágio de Pesquisa no Exterior, em Paris, vinculado à Université Paris - 1 Panthéon Sorbonne,

durante os meses de setembro, outubro e novembro de 2015.

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Unesco. Ainda durante o Estágio tivemos a oportunidade de realizar um trabalho de campo no Parque Nacional dos Pirineus, em especial, na comuna de Gavarnie, o que ampliou nossas reflexões sobre o patrimônio mundial e nos permitiu traçar paralelos e divergências entre as noções de parque nacional adotadas no Brasil e na França.

No Brasil, realizamos pesquisa documental nos acervos do MMA, do ICMBio e do Iphan. Os documentos não disponibilizados on-line foram consultados nos trabalhos de campo. Realizamos um trabalho de campo no Iphan, no Rio de Janeiro, e outros quatro no Parque do Iguaçu, em Foz do Iguaçu, entre 2015 e 2017. Na sede do Iphan, no Rio de Janeiro, pudemos consultar o dossiê de candidatura do Parque à Lista do Patrimônio Mundial. No ICMBio, no Parque do Iguaçu, consultamos diversos documentos, tais como o antigo Plano de Manejo (1981), o Plano de Ação Emergencial (1994) e o Programa de Revitalização (1997), que foram imprescindíveis para entendermos a trajetória que conduziu ao modelo de visitação comercial. No Centro de Visitantes do Parque do Iguaçu, consultamos o acervo do Projeto Memórias das Cataratas, elaborado em comemoração ao aniversário de 70 anos de criação do Parque, que reúne fotografias e depoimentos de antigos funcionários e moradores a respeito das transformações ocorridas no Parque ao longo do século XX.

Os trabalhos de campo não serviram apenas para levantamento documental ou bibliográfico. Eles foram organizados para a realização de observação direta, registro fotográfico e aplicação de entrevistas estruturadas e semiestruturadas. De acordo com Luna (2002), a observação direta é o registro de uma situação/fenômeno no momento de sua ocorrência. Os pesquisadores associam a observação direta a outras formas de levantamento de dados, pois ela é insuficiente para propor explicações funcionais. Conforme aponta Yin (2010, p. 136), a observação direta pode “proporcionar informação adicional sobre o tópico” e inserir “novas dimensões ao entendimento do contexto do fenômeno” estudado. A observação direta é geralmente acompanhada de registro fotográfico, instrumento que permite ao pesquisador ilustrar e documentar a paisagem, os fenômenos naturais ou sociais que são importantes para a compreensão daquilo que se deseja mostrar ou argumentar. Parte do material produzido com os registros fotográficos foi utilizada para fundamentar os capítulos que abordaram o turismo em áreas naturais e o Parque do Iguaçu.

Os trabalhos de campo abriram oportunidades para a realização de entrevistas e conversas com diversos atores, com ou sem envolvimento direto com o Parque do Iguaçu. As entrevistas podem ser definidas como “conversas guiadas”, com continuidade fluida entre as questões, mas não fluidas o suficiente para sair da linha de investigação do entrevistador (YIN, 2010, p. 133). Para Colognese e Mélo (1998, p. 143), as entrevistas são “conversas

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interessadas”, e podem ser classificadas em entrevistas não estruturadas, semiestruturadas e estruturadas. As entrevistas não estruturadas têm finalidades exploratórias, em especial, de auxiliar a definição de questões e problemas. O entrevistador incentiva o entrevistado a falar sobre um tema e faz o mínimo de interferências possíveis. As entrevistas semiestruturadas preveem a elaboração de um roteiro previamente estruturado, mas perguntas adicionais podem ser propostas para elucidar questões que vão surgindo à medida que a entrevista ocorre. As entrevistas estruturadas preveem um roteiro de entrevista com estrutura rígida e é utilizada quando há necessidade de comparação, quantificação ou obtenção de informações específicas previamente demandadas.

De acordo com Duarte (2002, p. 142-143), em pesquisas qualitativas é difícil determinar previamente a quantidade de pessoas que serão entrevistadas porque “tudo depende da qualidade das informações obtidas em cada depoimento, assim como da profundidade e do grau de recorrência e divergência destas informações”. Para a autora, a cada depoimento podem ser levantados novos dados e informações que conduzam o pesquisador a novas perspectivas para a investigação e colaborem para a continuidade das entrevistas. Nesse sentido, Yin (2010, p. 134) destaca a importância do entrevistado “informante”, em oposição ao entrevistado “respondente”. Os entrevistados informantes são aqueles que proporcionam ao pesquisador novos elos entre o seu objeto de estudo e novas “fontes corroborantes ou opostas à evidência”, ou que proporciona insights ao pesquisador e novas reflexões para a investigação (YIN, 2010, p. 134).

Aproveitamos a necessidade de consultar o dossiê de candidatura do Parque do Iguaçu à Lista do Patrimônio Mundial, no Rio de Janeiro, para agendarmos uma entrevista com a senhora Isabelle Cury, assessora de Patrimônio Paisagístico e Ambiental Urbano, do Iphan, e com o senhor Denis Helena Rivas, Coordenador do Setor de Turismo e Serviços no Parque Nacional da Tijuca, no ICMBio. O Parque da Tijuca tem algumas semelhanças com o Parque do Iguaçu como, por exemplo, o fato de estar entre os parques nacionais mais visitados e ter as atividades turísticas operadas por concessionárias. Nos dois parques há atuação da empresa Cataratas do Iguaçu S.A., que graças à experiência adquirida com a gestão do Parque do Iguaçu e as propostas oferecidas nas licitações, ganhou editais de concorrência pública em outros parques nacionais. A visita ao Parque da Tijuca foi uma oportunidade para obter mais informações sobre como são feitas as propostas de licitação de serviços turísticos nos parques e os trâmites com as empresas concessionárias. Ciente dos processos, elaboramos novas reflexões e questionamentos sobre o tema que possibilitaram refinar nosso roteiro de entrevista que foi posteriormente aplicado no Parque do Iguaçu.

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Nos trabalhos de campo ao Parque do Iguaçu pudemos entrevistar o senhor Fernando Sousa, diretor institucional da concessionária Cataratas do Iguaçu S.A., e a senhora Cláudia, turismóloga na empresa Macuco Safari. Também entrevistamos o senhor Jackson Lima, jornalista e ambientalista, que trabalhou durante a década de 1970 no Hotel das Cataratas e foi crítico ao modelo de concessão adotado no Parque. No ICMBio, entrevistamos o senhor Rafael Machado, técnico administrativo responsável pelo setor de comunicação e uso público do Parque, e o atual chefe do Parque, o senhor Ivan Baptiston. Todas essas entrevistas tiveram o objetivo de melhor compreender a realidade do Parque e levantar informações específicas que a pesquisa documental não havia fornecido. Por isso, os principais temas abordados nas entrevistas foram a relação da Administração com a Unesco, as concessões e o modelo de visitação turística atualmente adotado.

As entrevistas, na qualidade de conversas oficiais, são imprescindíveis para a fundamentação da pesquisa científica, pois nos dão acesso à visão institucional das empresas e órgãos públicos a respeito do Parque e de sua visitação. Ademais, também tivemos a oportunidade de estabelecer conversas informais com diversas pessoas relacionadas ao Parque e às empresas concessionárias. Essas conversas foram importantes reveladoras dos conflitos, jogos de interesse e contradições. Apesar de não serem objetos de citações, tais conversas levantam novos problemas e perspectivas para a investigação e a análise aqui empreendidas.

Por fim, para a elaboração dos mapas presentes na tese, foi utilizado o software livre QGIS10 e as bases cartográficas disponibilizadas por instituições públicas nacionais, tais como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o MMA e organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a UICN. Além dessas, foram utilizadas as bases cartográficas de domínio público do site colaborativo Natural Earth.

10 Versão 2.18 Las Palmas.

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1 A TRAJETÓRIA MODERNA DA PROTEÇÃO DAS ÁREAS NATURAIS

O problema não é atribuir um valor à natureza, mas compreender até que ponto a nossa visão de natureza rege os nossos comportamentos. (LARRÈRE e LARRÈRE, 1997 p. 18).

A epígrafe é emblemática da discussão aqui desenvolvida, e a ideia central que ela porta será retomada continuamente ao longo desta tese: o que entendemos por natureza condiciona o comportamento da sociedade. Moscovici (1975, p.08) acrescenta que os diversos posicionamentos do homem em relação à natureza moldam a base de nossas ciências e organizam nossos comportamentos políticos, econômicos e ideológicos. Mais do que isso, o entendimento a respeito da natureza tem consequências diretas para a forma com que as sociedades organizam o espaço geográfico e criam seus territórios.

A postura protetiva em relação à natureza, hoje tão familiar a nós, é recente. A relação homem e natureza está em constante transformação ao longo da evolução da humanidade. Um exemplo disso é nossa reação diante da reportagem (Figura 1.1) de pouco mais de 60 anos atrás sobre a viagem de barco no rio Iguaçu de um grupo de turistas em direção às cataratas. A reportagem relata que o grupo foi surpreendido por uma onça que atravessava o rio, mas um dos passageiros “dotado de grande presença de espírito [...] atirou em cheio no animal” salvando a todos (REVISTA DA SEMANA, 1944).

Figura 1.1 - Reportagem da Revista da Semana de 1944

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Se a reportagem nos é incômoda é porque ela vai de encontro com os valores contemporâneos em relação ao mundo natural. Hoje tal feito não teria repercussão positiva entre a opinião pública e não seria relatado pelos meios de comunicação como uma “presença de espírito” ou “um ato de grande coragem” do atirador. As mudanças em nossos valores estabeleceram um novo patamar para a relação entre o homem e a natureza e, para fixar seus limites existe um quadro legal – ainda que falho em muitas situações – que disciplina e pune as ações humanas contra a natureza.

Esta tese ressalta como, ao longo do século XIX e XX, a natureza passou de matéria-prima, utilizada para a satisfação das necessidades humanas a território protegido, formado por sítios, paisagens e monumentos naturais, que não foram demasiadamente modificados pela intervenção humana, e onde predomina a dinâmica da natureza.

Para dar ordem e coerência ao conjunto de ideias aqui apresentado a respeito das mudanças de atitudes em relação à natureza e de sua influência para a organização do espaço geográfico, apoiamos a reflexão apresentada na proposta desenvolvida por Milton Santos (2002a). Segundo o autor, a história da relação entre sociedade e natureza pode ser, grosso modo, dividida em três etapas: o meio natural, o meio técnico e o meio técnico científico informacional. Cada uma dessas etapas compreende formas particulares de organização do espaço geográfico em função do conhecimento e das técnicas utilizadas pelo homem.

No meio natural, o ser humano dispunha de técnicas primitivas e rudimentares, que alteravam o mundo natural de forma mais restrita e lenta, se comparada às alterações causadas no período contemporâneo. De acordo com Santos (2002a, p. 236), as motivações para o uso da natureza eram predominantemente locais, e as sociedades produziam “uma série de comportamentos, cuja razão [era] a preservação e a continuidade do meio de vida”, tais como o pousio, a rotação das terras e a agricultura itinerante. Esse entendimento refuta a ideia de uma relação harmônica dos humanos para com a natureza e joga luz na luta pela sobrevivência, seja por meio de estratégias predadoras ou prudentes.

O acúmulo de conhecimento durante milhares de anos da história humana e o desenvolvimento de técnicas e ferramentas cada vez mais refinadas permitiram que o homem ampliasse sua capacidade de contornar as adversidades que o meio natural impunha. De forma lenta e gradual, o homem se empenhou na substituição do meio natural por um meio cada vez mais artificializado e instrumentalizado, de modo a facilitar a sobrevivência e a reprodução da espécie. Paes e Lévy (2017) apontam que a passagem do meio natural para o meio técnico se fortaleceu por meio de longos processos, desde o século XV, que se traduziram no

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renascimento e nas grandes descobertas, no Iluminismo, na formação dos Estados Nacionais, na Revolução Científica, na Industrial e na Urbana.

O meio técnico se superpôs com sucesso ao meio natural graças aos instrumentos criados para domesticar e submeter a natureza, considerada, então, uma fonte infinita de matérias-primas disponíveis para satisfazerem as necessidades humanas. No meio técnico, a natureza e a cultura ocupam campos opostos, pois predomina a ideia de que a natureza está ligada ao selvagem e ao imprevisível, e a cultura está ligada a tudo aquilo que foi trabalhado pelo humano e do amparo à vida (MOSCOVICI, 1975). Nesse sentido, a natureza selvagem deveria ser dominada e controlada para garantir a segurança e provimento da comunidade.

Trata-se de uma visão dicotômica da relação homem-natureza, em que é evidente a superioridade humana frente ao meio natural. A ideia de superioridade foi durante muito tempo justificada pela ciência moderna. Descartes legitimou a ética antropocêntrica e as ações predatórias sobre a natureza ao argumentar que os homens eram os únicos animais dotados de sensibilidade e da capacidade de pensar e refletir (THOMAS, 2010).

Santos (2002a) destaca que o meio técnico inicialmente se restringiu a algumas regiões e países, e foi gradualmente expandido com diferentes velocidades, arranjos e intensidades em cada fração da superfície terrestre. O que foi comum a todas as frações foram as agressões causadas à natureza.

Na contramão da expansão do meio técnico e da exploração intensiva do meio natural emerge uma nova atitude frente à natureza, fundamentada tanto nas evidências da degradação provocada pela modernização, quanto no questionamento da visão antropocêntrica. Thomas (2010) aponta, nesse sentido, a importância dos astrônomos, geólogos, botânicos e zoólogos que sustentaram que todas as espécies possuíam vida e história própria e não tinham sido criadas em benefício da humanidade, conforme se acreditava. Essas descobertas impuseram novas reflexões sobre a conduta humana frente à natureza.

A criação de áreas naturais protegidas, no século XIX, é produto da contradição entre o estabelecimento do meio técnico, que se impôs sobre o meio natural e o fez recuar, e da necessidade moral de selecionar algumas áreas naturais para serem postas a salvo da modernização. Larrère e Larrère (1997, p. 189) acreditam que o ser humano sempre esteve, de uma forma ou de outra, preocupado com a proteção do meio em que vive, entretanto, desde o século XIX, ele está empenhado em proteger a natureza. Essa intenção de proteger a natureza teve início nos Estados Unidos e na Europa em função dos impactos ao meio natural e à saúde do homem causados tanto pela Revolução Industrial, quanto pelas atividades tradicionais

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também predatórias, como a agricultura, a caça, a pesca, a exploração de madeira, o pastoralismo, entre outros. Esses impactos foram primeiramente denunciados pelos naturalistas, e logo conduziram “a organização de uma política de ‘proteção da natureza’, codificada pelas decisões legislativas” (LARRÈRE e LARRÈRE, 1997, p. 167, tradução nossa).

Assim, no meio técnico, duas grandes iniciativas de proteção das áreas naturais foram estruturadas e serviram como referência a diversos países. Com raízes diferentes, ambas iniciativas possuíam seus próprios pressupostos técnicos, jurídicos e administrativos. Uma delas foi a criação de parques nacionais nos Estados Unidos, a outra foi a classificação de monumentos naturais como patrimônio histórico, na França. As duas iniciativas de proteção da natureza são apresentadas na seção “1.1 A Proteção da Natureza e a Criação de Novos Territórios”.

A emergência do meio técnico científico informacional, a partir da década de 1950, fundou outra perspectiva para a interpretação da natureza ao transformá-la em meio ambiente e ao inserir as agressões à natureza naquilo que se convencionou chamar de questão ambiental ou ecológica (SANTOS, 2002a). Assim, a seção “1.2 A Emergência e a Internacionalização da Questão Ambiental”, lança luz sobre o movimento ambientalista e seus desdobramentos, tal como a proposta de desenvolvimento sustentável, que orienta não só a proteção de áreas naturais, como também as mais diversas atividades econômicas e, em particular, o turismo.

A proteção das áreas naturais no Brasil é resultado de processos que se desenvolveram dentro e fora das fronteiras nacionais. Isso significa que as políticas nacionais e seus instrumentos de proteção são produto do contexto nacional articulado à formação da ordem ambiental internacional (RIBEIRO, 2010). A seção “1.3 A Estratégia Nacional de Proteção da Natureza no Campo Ambiental” aborda os instrumentos legais que possibilitaram a criação de áreas protegidas no Brasil e a estruturação da política nacional de áreas protegidas, cujo instrumento mais difundido é o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Embora a proposta desta tese seja o estudo do patrimônio natural, a investigação voltada ao campo ambiental é necessária porque o Parque do Iguaçu, recorte espacial desta tese, é patrimônio natural, mas também é uma UC.

O Brasil é um país privilegiado com relação à presença de áreas naturais. Devido à grande extensão territorial, à variedade climática e geomorfológica e à característica hídrica favorável, o país possui paisagens e ecossistemas (marinhos, costeiros e continentais)

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singulares, de elevado valor cultural, estético, científico, genético, educacional, recreativo e econômico.

Juntamente aos aspectos físicos do território brasileiro, devemos levar em consideração como nossa formação sociocultural condicionou a estruturação da noção de natureza e o desenvolvimento dos instrumentos de sua proteção. Uma característica importante da formação territorial brasileira é a tradição histórica de exploração dos recursos naturais e espoliação dos povos tradicionais (MORAES, 1994).

Tal racionalidade predadora continua ainda sendo percebida na forma agressiva nas políticas públicas e no planejamento tecnocrático dos grandes projetos e obras de integração nacional que abordam o território como algo a ser conquistado por meio do padrão dilapidador dos recursos naturais. Isso não quer dizer que, mesmo ao longo do século XX, não existiram esforços para a reversão desse quadro e para a proteção das áreas naturais, como apresentamos a seguir.

1.1 A PROTEÇÃO DA NATUREZA E A CRIAÇÃO DE NOVOS TERRITÓRIOS

O meio técnico foi marcado pela combinação contraditória da expansão e materialização dos objetos técnicos – cada vez mais sofisticados e responsáveis pela sujeição da natureza – com a criação dos primeiros instrumentos protetivos da natureza, tais como os parques nacionais e os tombamentos de bens naturais – que estão nas bases dos ideais preservacionistas e conservacionistas. Assim, o meio técnico é caracterizado pelo conflito entre o ideal de proteção da natureza e a sua exploração na qualidade de recurso que sustenta o desenvolvimento material das sociedades.

As mudanças de sensibilidade em relação à natureza não se deram de forma linear. Durante muito tempo, a natureza representou para o homem o local do inseguro; civilizados eram os locais em que a mata tinha dado lugar aos campos e pastagens. Desde o início do período moderno, Thomas (2010) encontrou documentos e episódios que exemplificam que sentimentos mais simpáticos em relação aos animais e às florestas foram sendo estabelecidos lentamente, e “à medida que as áreas de mata diminuíram, elas deixaram de atemorizar, para se tornarem valiosa fonte de deleite e inspiração”. Muitas áreas naturais começaram a ser protegidas com base em sua função utilitária para o homem. É o caso de florestas que forneciam lenha para a produção de energia, das matas ao redor das casas que as protegiam do vento, ou das matas que abrigavam os animais de caça (THOMAS, 2010).

A expansão da urbanização criou, contraditoriamente, um anseio pelo campo. O movimento romântico, protagonizado por pintores, escritores e naturalistas, difundiu a

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valorização da beleza estética da natureza selvagem e contribuiu para fundar as bases do movimento preservacionista (THOMAS, 2010). Assim, ao mesmo tempo em que a revolução industrial foi se difundindo espacialmente, no final do século XIX a natureza começou a ser protegida com base em normas legais e instrumentos administrativos dos Estados, inicialmente nos Estados Unidos e em países europeus, a fim de conservar certos locais notáveis a salvo da modernização destruidora. A preocupação dos Estados em proteger a natureza, seja a natureza selvagem ou a presente nas paisagens antropizadas, inspirou a política cultural e ambiental voltada para a proteção da natureza, consolidada no século XX.

A formação territorial dos Estados Unidos se caracterizou pela violenta transformação do meio natural em meio técnico, e esse processo foi determinante para o delineamento das ações de proteção da natureza remanescente das intervenções colonizadoras. É nesse contexto em que foi criado o primeiro parque nacional, o Yellowstone, em 1872, entre os estados de Wyoming, Montana e Idaho.

O ato de criação do Yellowstone o define como um parque público criado para o benefício das pessoas. O documento proibiu a venda ou ocupação das terras e previu que a administração do Parque deveria criar regras para a preservação contra a exploração da madeira, dos depósitos minerais e dos atrativos naturais (ESTADOS UNIDOS, 1872). Importante ressaltarmos que a preocupação primeira da criação do Parque era servir à atividade turística para a população urbana, para a contemplação das paisagens formadas pelos gêiseres e cânions, e não priorizava a proteção da natureza como um fim em si mesmo.

Décadas depois, em 1916, o ato de criação do Serviço dos Parques Nacionais11, definiu que o objetivo dos parques nacionais, monumentos e reservas era “preservar a paisagem, os objetos naturais e históricos e a vida selvagem no seu interior e proporcionar a recreação, da mesma forma que deixá-los intactos para recreação das gerações futuras” (ESTADOS UNIDOS, 1916, tradução nossa).

Esse formato de área protegida serviu de referência para diversos países criarem seus primeiros parques nacionais, já no século XIX, como a Austrália (1880), o Canadá (1885), a Nova Zelândia (1894), a África do Sul e o México (1898) (DAVENPORT e RAO, 2002; MEDEIROS, 2006). No Brasil, tal modelo inspirou André Rebouças12, em 1876, sugerir ao governo imperial que fossem criados os parques nacionais da Ilha do Bananal (TO)

11 O Serviço dos Parques Nacionais (Park National Service - PNS) é responsável pela gestão de todos os bens de

interesse federal, seja naturais, históricos ou culturais, Parques Nacionais, Monumentos Históricos, campos de batalha, entre outros. O PNS centraliza a gestão dos 55 parques nacionais e tem poder hierárquico sobre a administração dos parques nacionais.

Referências

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