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1 A TRAJETÓRIA MODERNA DA PROTEÇÃO DAS ÁREAS NATURAIS

1.3 A ESTRATÉGIA NACIONAL DE PROTEÇÃO DA NATUREZA NO CAMPO

No Brasil, as primeiras ações para a delimitação dos sítios naturais a serem protegidos remontam a década de 193023, período marcado por mudanças econômicas e sociais empreendidas pela Era Vargas (1930-1945), norteada pelos ideais de modernização do país e de integração nacional. Diversas leis para o controle das ações humanas sobre a natureza foram criadas, entre elas o Código Florestal, em 1934, que possibilitou a criação das primeiras áreas naturais protegidas nas florestas remanescentes24. Segundo esse Código, os parques – nacionais, estaduais ou municipais – seriam monumentos públicos naturais, onde perpetuariam a composição florística primitiva e trechos do país25 (BRASIL, 1934a).

Na década de 1930, foram criados o Parque Nacional do Itatiaia, em 1937, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em 1939 – ambos no estado do Rio de Janeiro –, e o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, também em 1939. Esses parques foram concebidos com o objetivo de servir tanto a pesquisas científicas quanto ao lazer da população urbana (DIEGUES, 1996). O decreto de criação do Parque Nacional do Itatiaia, por exemplo, destaca a sua finalidade de “atender às necessidades de ordem científicas” e “às de ordem turística”, configurando-se como “um centro de atração para viajantes” (BRASIL, 1937a).

Para Medeiros (2006), nesse momento, a criação de parques nacionais protegeu apenas os sítios de excepcional beleza paisagística e resolveu problemas pontuais de preservação, mas não criou um sistema de áreas naturais protegidas. Apesar disso, o Código Florestal de 1934 colaborou com elementos que garantiam “um regime diferenciado de proteção e gestão de parcelas do território brasileiro” (MEDEIROS, 2006, p. 51).

Com a reformulação do Código Florestal, em 1965, foram previstos, além dos parques, três outros tipos de áreas protegidas: as Florestas Nacionais, as Reservas Biológicas e as Áreas de Preservação Permanente. Outra medida relacionada à proteção dos sítios naturais foi a criação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), em 1967, com o objetivo de formular a política florestal e gerir todas as áreas florestais do país (BRASIL, 1967; MEDEIROS, 2006).

23 Reconhecemos que a decisão 577, de 11 de dezembro de 1861, do Governo Imperial, sobre o replantio e

conservação da Floresta da Tijuca e das Paineiras, é uma ação pioneira no que diz respeito a regulamentação de ações sobre florestas, mas pontual.

24

O Código Florestal de 1934 classificou as florestas em 4 finalidades: as protetoras, as remanescentes, as modelos e as de rendimento.

25 Entendemos que o Código Florestal de 1934 faça referência a paisagens excepcionais do país quando utilizou

A necessidade de manter sintonia com as convenções e conferências internacionais sobre meio ambiente e a organização de um movimento ambientalista cada vez mais atuante no Brasil, influenciou a estruturação de uma política ambiental nacional. De acordo com Jacobi (2003), o movimento ambientalista brasileiro se fortaleceu, entre a década de 1970 e 1980, em função do retorno dos exilados durante a ditadura, que foram influenciados pelo movimento ambientalista na Europa e nos Estados Unidos. Além disso, contribuíram para esse fortalecimento: o questionamento do ideal desenvolvimentista do período militar, que agravou a concentração de renda e os problemas sociais do país, os altos níveis de devastação da floresta amazônica e o florescimento de uma classe média preocupada com o debate sobre a qualidade de vida (JACOBI, 2003).

Com relação aos instrumentos internacionais, na década de 1970, o Brasil começou a ratificar as convenções e programas internacionais de proteção aos sítios naturais, entre eles o Programa O Homem e a Biosfera - MaB (1971), a Convenção sobre Zonas Úmidas – Convenção Ramsar (1971) e a Convenção do Patrimônio Mundial (1972)26. Todos eles visam identificar sítios naturais de importância internacional e incentivar os países a protegerem seus ecossistemas, e para isso dispõem de uma rede de cooperação para a assistência técnica e financeira.

A participação brasileira na Convenção do Patrimônio Mundial está detalhada no capítulo 2. O Brasil possui sete Reservas da Biosfes, apresentadas no Quadro 1.1, e doze sítios brasileiros estão inscritos na lista das zonas úmidas Ramsar, conforme apresentado no Quadro 1.2.

Quadro 1.1 - Reservas da Biosfera no Brasil, Programa MaB

Bioma Localização Ano Área km²

Mata Atlântica AL, BA, CE, ES, MG, MS, PB, PE, PR, RJ, RN, RS, SC SE, SP

1992 286.681,84

Cinturão Verde SP 1993 8.053,00

Cerrado GO, MA, PI, TO 1993 296.525,14

Pantanal GO, MS, MT 2000 251.569,05

Caatinga AL, BA, CE, MA, MG, PB, PE, PI, RN, SE 2001 198.990,00

Amazônia Central AM 2001 208.599,87

Serra do Espinhaço BA, MG 2005 30.000,00

Fontes:CN-RBMA (s.d.) e WDPA (2015).

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Instrumentos internalizados por meio dos seguintes decretos: Decreto nº 74.685/1974, que criou a Comissão Brasileira do Programa sobre o Homem e a Biosfera; Decreto nº 1.905/1996, que promulgou a Convenção Ramsar; Decreto n° 80.978/1977 que promulgou a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural.

Quadro 1.2 - Sítio Ramsar - Zonas Úmidas de Importância Internacional

Área Protegida Localização Ano Área km²

Área de Proteção Ambiental das Reentrâncias Maranhenses MA 1993 26.809,11 Parque Nacional do Araguaia - Ilha do Bananal TO 1993 5.623,12

Parque Nacional da Lagoa do Peixe RS 1993 344,00

Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense MT 1993 1.350,00 Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá AM 1993 11.240,00 Reserva Particular do Patrimônio Natural SESC Pantanal MT 2002 878,71 Reserva Particular do Patrimônio Natural Fazenda Rio Negro MS 2009 70,00

Parque Nacional Marinho dos Abrolhos BA 2010 913,00

Parque Estadual do Rio Doce MG 2010 359,73

Área de Proteção Ambiental da Baixada Maranhense MA 2000 17.750,36 Parque Estadual Marinho do Parcel de Manuel Luiz MA 2000 345,56

Parque Nacional do Cabo Orange AP 2013 6.573,181

Fontes: MMA (2016b) e WDPA (2015).

Em 1973, foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) – substituída pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), em 1992 –, que possuía tarefas similares as do IBDF, com quem dividiu as responsabilidades de gestão das áreas protegidas. Isso mostra que o setor ambiental cresceu em importância institucional e houve a ampliação de suas atribuições. Nos anos 1980, foi elaborada a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), foram criados o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e seu órgão consultivo, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), e o órgão executivo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que a partir de 2007, passou a dividir suas atribuições com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), atualmente o órgão executor federal do SNUC e responsável por propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as UCs federais.

Jacobi (2003) aponta que a criação das primeiras instituições nacionais voltadas para a proteção e fiscalização do meio ambiente, antes de ser um real compromisso do Estado com o movimento ambientalista, foi uma tentativa de atenuar a imagem negativa do país no cenário externo após a Conferência de Estocolmo, em que o representante brasileiro reivindicou a possibilidade de continuar investindo em indústrias poluentes para promover o crescimento econômico e convidou, publicamente, no plenário da ONU, as empresas poluidoras dos países desenvolvidos a migrarem para o Brasil onde não existiam leis ambientais (CAPOBIANCO, 1992).

Ainda na década de 1980, a Constituição Federal de 1988 dedicou um capítulo específico para tratar do tema ambiental e, pela primeira vez, a palavra meio ambiente foi utilizada em uma Constituição brasileira. No artigo 225, foi estabelecido o direito de todos os cidadãos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assegurado com a preservação e restauração dos processos ecológicos, a definição de espaços territoriais a serem

especialmente protegidos, a promoção da educação e a conscientização ambiental (BRASIL, 1988).

De acordo com Capobianco (1992), o destaque dado à proteção ambiental na Constituição contrastou com os acontecimentos do final dos anos 1980: o assassinato de Chico Mendes e o acentuado desmatamento da floresta amazônica. Tais fatos repercutiram internacionalmente e chamaram a atenção de ONGs e da Unesco para a questão ambiental no Brasil. Esses eventos foram decisivos para a escolha do país como sede da CNUMAD, em 199227.

Conforme destacamos, a CNUMAD, em 1992, resultou em documentos orientadores do desenvolvimento econômico, social e ambiental. A Convenção sobre a Diversidade Biológica recomendou que todos os países estabelecessem seu sistema de áreas protegidas e, desta maneira, contribuiu para estimular a revisão do quadro legal brasileiro de gestão de áreas protegidas, posteriormente materializada pelo SNUC, em 2000.

Na verdade, o embrião do SNUC já havia sido estruturado, em 1979, quando o IBDF publicou o “Plano do Sistema de Unidades de Conservação”, no qual demonstrou pretender unificar o sistema de áreas protegidas disperso entre as suas responsabilidades e as da SEMA. O período de desenvolvimento e amadurecimento das propostas do SNUC, de 1979 a 2000, foi marcado por diversos debates entre atores com diferentes visões e pela influência de acordos e convenções internacionais ratificados pelo Brasil (MEDEIROS, 2006).

O SNUC foi instituído pela Lei nº 9.985/2000 com o propósito de organizar as diversas categorias de UCs, de modo a estabelecer regras de uso e mecanismos de proteção, em vista à promoção do uso sustentável dos recursos naturais, da educação ambiental, do lazer e das pesquisas científicas. Nesse sentido, o SNUC representou um avanço para a formalização da conservação da biodiversidade brasileira ao passo que padronizou as categorias das UCs envolvendo as três esferas de governo (federal, estadual e municipal) a fim de que as ações para conservação das áreas naturais pudessem ser convergentes para objetivos em comum28 (SOUSA et al., 2011). As UCs foram definidas como

27 O Brasil havia se candidatado a sede da Conferência, mas diante dos eventos mencionados, em 1989, o então

presidente José Sarney reivindicou formalmente junto à ONU a possibilidade de sediar a Conferência (CAPOBIANCO, 1992).

28 É importante ressaltarmos que certos tipos de áreas protegidas não foram incluídos no SNUC, tais como as

espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com

características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (BRASIL, 2000, negrito nosso)

As UCs estão divididas em Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. As UCs de Proteção Integral têm o objetivo de preservar a natureza e algumas admitem o uso de parcelas dos recursos naturais para fins de pesquisas científicas e visitação pública. As UCs de Uso Sustentável têm o objetivo de proteger a diversidade biológica por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da disciplina do uso do solo. Os dois tipos de UCs foram divididos em 12 subcategorias, com variações de objetivos e possibilidades de usos. O Quadro 1.3 apresenta a extensão e o total de UCs de cada categoria e a Figura 1.2 apresenta a localização das UCs pelo território brasileiro.

Quadro 1.3 - UCs por categorias, número total e área ocupada

Grupo Categoria Número Área (km²)

Unidades de Proteção Integral

Estação Ecológica 96 122.185

Reserva Biológica 62 52.534

Parque Nacional/Estadual/Municipal29 394 348.383

Monumento Natural 42 1.407

Refúgio de Vida Silvestre 41 3.770

Total 635 528.278

Unidades de Uso Sustentável

Área de Proteção Ambiental 301 462.208 Área de Relevante Interesse Ecológico 50 1.020 Floresta Nacional/Estadual/Municipal 106 299.842 Reserva Extrativista 90 144.610 Reserva de Fauna 0 0 Reserva de Desenvolvimento Sustentável 37 111.293 Reserva Particular do Patrimônio

Natural

816 5.518

Total 1400 1.024.491

Total Geral 2037 1.552.769

Fonte: MMA (2016a; 2016b). Organizado pela autora.

29 Art. 11, § 4o As unidades dessa categoria, quando criadas pelo Estado ou Município, serão denominadas,

Figura 1.2 - Mapa das Unidades de Conservação (UCs) no Brasil

Cada categoria de UC tem diferentes funções e possibilidades de uso do solo, definidas de forma que atendam às exigências de proteção das áreas naturais (Quadro 1.4). Gurgel et al. (2011, p. 49) acreditam que a conservação e o desenvolvimento não são ações conflitantes na ótica do SNUC, uma vez que esta lei propôs um olhar mais abrangente para as UCs, incentivando em todas as categorias atividades compatíveis entre a conservação e o desenvolvimento econômico ou científico.

Quadro 1.4 - Características das Unidades de Conservação

Categoria Objetivo Domínio Particularidade

Estação Ecológica

Preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas

Público Proibida a visitação pública.

Pesquisa científica e visitas com objetivos educacionais dependem de autorização prévia

Reserva Biológica

Preservação integral da biota e demais atributos naturais

Público Proibida a visitação pública.

Pesquisa científica e visitas com objetivos educacionais dependem de autorização prévia

Parque Preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico

Público A visitação pública sujeita às normas estabelecidas no Plano de Manejo Pesquisa científica depende de autorização prévia

Monumento Natural

Preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica

Público ou Particular

A visitação pública sujeita às normas estabelecidas no Plano de Manejo Refúgio de Vida

Silvestre

Proteger ambientes naturais onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória

Público ou Particular

A visitação pública sujeita às normas estabelecidas no Plano de Manejo Pesquisa científica depende de autorização prévia

Área de Proteção Ambiental

proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais

Público ou Particular

Pesquisa científica e visitação pública serão estabelecidas pelo órgão gestor da unidade ou pelo dono da propriedade, observadas as exigências e restrições legais

Área de

Relevante Interesse Ecológico

Manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza

Público ou Particular

Podem ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma Área de Relevante Interesse Ecológico

Floresta Nacional

Uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas

Público A permanência de populações tradicionais, a visitação pública e a pesquisa científica são permitidas em conformidade com o disposto em regulamento e no Plano de Manejo da unidade

Reserva Extrativista

Proteger os meios de vida e a cultura das populações extrativistas tradicionais e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade

Público concedido às

populações tradicionais

A visitação pública e a pesquisa científica são permitidas, desde que compatíveis com os interesses locais e de acordo com o disposto no Plano de Manejo

Reserva de Fauna

Área natural com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunístico

Público A visitação pública pode ser permitida, desde que compatível com o plano de manejo da unidade. É proibida a caça amadorística ou profissional

A Reserva de Desenvolvimento

Preservar a natureza e assegurar as condições e os meios

Público A visitação pública, a pesquisa científica e a exploração de

Sustentável necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente, desenvolvido por estas populações

componentes dos ecossistemas naturais em regime de manejo sustentável são permitidas, desde que compatíveis com o plano de manejo da unidade

Reserva Particular do Patrimônio Natural Conservar a diversidade biológica

Particular A pesquisa científica e a visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais são permitidas. Fonte: Brasil (2000); Teixeira (2010). Organizado pela autora.

Em 1985, apenas 3,5% do território brasileiro estava sob proteção especial (GURGEL et al, 2011). Em 2015, 30 anos depois, estima-se que aproximadamente 17,8% do território nacional esteja protegido em UCs (MMA, 2016b). A área total protegida, a priori, deveria a aumentar, uma vez que a Comissão da Biodiversidade (CONABIO) estipulou como meta para 2020 a proteção em UCs de pelo menos 30% do bioma da Amazônia, 17% dos demais biomas e 10% das áreas marinhas e costeiras, terras indígenas ou outras categorias de áreas protegidas30 (ONU, 2010).

É importante ressaltarmos que a criação de uma UC no Brasil não ocorre sem conflitos, entre os proprietários/usuários das terras e os órgãos estatais. Após a criação de uma UC, nada garante que ela não possa ser anulada, vide o caso do Parque Nacional de Sete Quedas, criado em 1961, no estado do Paraná e extinto 20 anos depois para a criação do lago de Itaipu (BRASIL, 1981). Nesse sentido, Ramos (2012, p. 51) lembra que tramitam no Congresso Nacional diversos projetos para restringir a criação de UCs e/ou para reduzir a extensão das já existentes. A autora aponta que dentro do próprio governo existem visões divergentes sobre as UCs e “várias unidades de conservação têm seus processos de criação paralisados por oposição”. Por exemplo, o Ministério de Minas e Energia contesta a criação de UCs em regiões com potencial para a exploração de energia hidrelétrica e o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) manifestou que a criação de UCs pode impedir o desenvolvimento socioeconômico de uma região (RAMOS, 2012, p. 51).

30 Esse percentual foi definido com base nas Metas Aichi fixadas na 10ª Conferência das Partes (COP-10) da

CDB. A Conferência das Partes é o órgão decisório da CDB e as reuniões acontecem a cada dois anos. A COP- 10 fixou como meta para 2020 a proteção de 17% das áreas terrestres e 10% das áreas marinhas e costeiras.

A Figura 1.3 apresenta a evolução da criação de parques nacionais ao longo dos séculos XX e XXI. A sequência de mapas permite identificar o processo de interiorização da criação de parques nacionais, que acompanhou tanto o desenvolvimento das discussões sobre a proteção das áreas naturais remanescentes quanto o próprio processo de expansão da ocupação e exploração econômica do território nacional durante a “marcha para o oeste”. Os parques nacionais de Brasília, das Emas e da Chapada dos Veadeiros foram criados logo em seguida à inauguração da cidade de Brasília, por exemplo. O Parque de Brasília, em especial, foi criado em função de preocupações conservacionistas com o ecossistema, mas também com o objetivo de proteger os recursos hídricos e mananciais que abasteceriam a nova capital (RAMOS, 2012).

Atualmente, existem 73 parques nacionais distribuídos por todas as regiões brasileiras. Entretanto, nem todos os parques foram efetivamente consolidados. O que significa dizer que muitos parques existem nos decretos legislativos, mas não se materializam no espaço geográfico de fato como territórios, isto é, estão ainda em fase de estabelecimento, o que envolve os processos de produção de planos de manejo, de implementação de sinalização, de integração com o entorno, de regularização fundiária. Em 2009, 58 parques nacionais ainda estavam na fase de estabelecimento (MUANIS, SERRÃO e GELUDA, 2009).

O plano de manejo, previsto pelo SNUC, constitui o instrumento de planejamento e gestão das UCs. Para isso, o documento deve estabelecer os objetivos específicos, o zoneamento, as normas de uso e de manejo dos recursos naturais da UC, além de examinar a necessidade de implantação de estruturas físicas para a gestão da unidade (BRASIL, 2000). Dentre todas as UCs, os parques nacionais são a categoria que mais possuem plano de manejo31. Mas a quantidade é ainda insatisfatória, pois apenas 54% deles possuem o documento (MMA, 2016b), sendo que muitos deles estão desatualizados, existem inclusive planos que foram elaborados na década de 1970, que retratam realidades diferentes da atual e, pela defasagem, podem ser considerados mais como documentos históricos do que como uma estratégia de manejo e conservação32.

31 Apesar da importância dos planos de manejo para a orientação da gestão das UCs, inclusive no que diz

respeito ao turismo e a visitação, os dados do CNUC revelam que apenas 16% das 2.037 UCs possuem um plano de manejo. Em pesquisa ao CNUC constamos que de um universo de 2037 UCs, apenas 329 UCs declararam possuir o plano de manejo (MMA, 2016b).

32 Foram consultados os planos de manejo do Parque de Sete Cidades – PI (1979) e da Reserva Biológica do

Figura 1.3 - Mapa: A evolução da criação de Parques Nacionais no Brasil

A falta de planos de manejo pode ser explicada segundo Cases (2012, p. 81) pelos custos elevados para o levantamento de muitas informações, que muitas vezes não estão disponíveis, devendo ser contratados serviços para a realização dos levantamentos. A autora complementa que, “o nível de informação solicitado requer um período muito extenso para a coleta de dados” e muitas vezes existem outras urgências para resolver (CASES, 2012, p. 81). Além disso, destacamos que a ausência de planos de manejo também está relacionada com questões políticas e interesses fundiários, além de quadros reduzidos de servidores e do orçamento exíguo do órgão executor do SNUC.

As atividades turísticas e de visitação nas UCs estão condicionadas à existência dos planos de manejo. Apenas 11% das UCs declararam estar abertas à visitação ou permitir a visitação mediante autorização (Quadro 1.5). Entendemos que esse percentual representa um

dado subestimado, porque existem diversas UCs em que consta a ocorrência de visitação não manejada ou outras em que a visitação não é informada ao MMA.

Quadro 1.5 - Situação da Visitação nas UCs, segundo CNUC