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Mário & Oswald Uma história privada do Modernismo

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Academic year: 2021

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Anderson Pires da Silva

Mário & Oswald

Uma história privada do Modernismo

TESE DE DOUTORADO

DEPARTAMENTO DE LETRAS

Programa de Pós-Graduação em Letras

Rio de Janeiro Março de 2006

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Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

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Anderson Pires da Silva

Mário & Oswald -

uma história privada do modernismo

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras do Departamento de Letras da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para a obtenção do título de Doutor em Letras.

Orientador: Júlio Cesar Valladão Diniz

Rio de Janeiro Março de 2006

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Anderson Pires da Silva

Mário & Oswald –

uma história privada do modernismo

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras do Departamento de Letras da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para a obtenção do título de Doutor em Letras. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

_______________________________

Prof. Dr. Júlio Cesar Valladão Diniz

Orientador Departamento de Letras – PUC-Rio ________________________________

Profª Dra. Marília Rothier Cardoso

Departamento de Letras – PUC-Rio ________________________________

Profª. Dra. Eliana Yunes

Departamento de Letras – PUC-Rio ________________________________

Profª Dra. Terezinha Maria Scher Pereira

Departamento de Letras – UFJF ________________________________________

Profº Dr. André Monteiro Guimarães Dias Pires

Departamento de Literatura – UFC ________________________________________

Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade

Coordenador Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 31 de março de 2006

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universidade.

Anderson Pires da Silva

Graduou-se em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora, em 1997. Mestre em Literatura Brasileira pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (Literatura Brasileira) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2000. Ingressou em 2002 no Programa de Pós-Graduação em Letras (Estudos em Literatura Brasileira) da PUC-Rio. O autor tem publicado ensaios pertinentes à sua área.

Ficha Catalográfica

CDD: 800

Silva, Anderson Pires da

Mário & Oswald : uma história privada do modernismo / Anderson Pires da Silva ; orientador: Júlio Cesar Valladão Diniz. – Rio de Janeiro : PUC, Departamento de Letras, 2006.

177 f. ; 30 cm

Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras.

Inclui referências bibliográficas.

1. Letras – Teses. 2. Modernismo. 3. Oswald de Andrade. 4. Mario de Andrade. 5. Concretismo. 6. Tropicalismo. 7. Historiografia literária. I. Diniz, Júlio Cesar Valladão. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Letras. III. Título.

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Dedico esta tese ao meu pai, como um presente. A Juliana, pelo o amor e todo o futuro A minha irmã e meu irmão, pela união. A minha mãe e minhas tias por me iluminarem. Aos meus tios Jair e Sebastião, por me ensinar que todas as forças são confluentes. Ao meu Padrasto, pela “vida bandida”. A Heitor, Lúcia e Carol, pelos laços afetivos.

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Agradecimentos

Ao Julinho, pela orientação segura, a confiança e a atenção às minhas passadas em falso, para sempre o orientador mais cool do programa.

Aos meus amigos da Babilônia: Anna e Leinimar, as estrelas. Leandro Salgueirinho, você ainda vai chegar lá.

Marcelo Magalhães, pelo sofá e noites de conversas e etc. Beto, o carapuceiro.

Carla, por onde você andar.

Sheyla May, pelos sábios conselhos. Aydano e Ana... pela celebração. A Elisa e Serginho, pela proteção.

Aos meus amigos de Juiz de Fora, Érika, Elza, Cláudio e Natália, André, Camila, Mário Werneck, Marquinhos, Guiliano Kid, Junin, Marcinha, Amanda e Eveyline... pelo companheirismo e a sabedoria

A Teresinha e Gilvan, pela confiança e o impulso.

As professoras Heidrun, Eliana, Santuza; e os professores Renato e Gilberto, pela abertura de caminhos.

A Marília Rothier, pela iluminação e a leitura desafiante do projeto. A “chiquinha”, por sempre me mostrar a solução.

A Banca examinadora.

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Ao Programa de Pós-Graduação, a Capes e a Faperj, pelo apoio à pesquisa. A Marc Bolan, pela trilha sonora.

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Resumo

SILVA, Anderson Pires da; DINIZ, Júlio Cesar Valladão (orientador). Mário &

Oswald — Uma história privada do modernismo. Rio de Janeiro, 2006. 177 p. Tese

de Doutorado. Departamento de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Este trabalho pretende traçar a recepção da escrita de Mário de Andrade e Oswald de Andrade entre os anos de 1945-70, a criação de uma “consciência nacional” e uma escrita de vanguarda, tendo em vista a eleição de ambos ao patamar de “alto modernismo”. A historiografia literária, orientada pela tradição nacionalista, localiza em Mário a “síntese superior” das propostas pós-22, relegando Oswald ao plano de “terrorista cultural”. O Concretismo, para viabilizar uma historiografia sincrônica, regida pelo padrão internacional das vanguardas, elege a “poesia pau-Brasil” como uma revolução estética, antecipadora da poesia concreta, minimiza o papel de Mário, denominando-o “reformador”, ou nas entrelinhas, “modernista conservador”. A teoria concreta apresenta a antropofagia ao Tropicalismo, que encontra nela o argumento teórico para justificar sua assimilação da cultura de massa como proposta de renovação e atualização cultural. Por um ou por outro viés, os modernistas são “objetos” construídos para legitimar o discurso nacionalista ou o discurso internacionalista.

Palavras-chave

Semana de 22, modernismo, antropofagia, concretismo, tropicalismo.

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SILVA, Anderson Pires da; DINIZ, Júlio Cesar Valladão. Mário & Oswald - a private history of modernism. Rio de Janeiro, 2006. 177 p. Thesis. Literature Departament. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This work intends to outline the reception of the writings by Mário de Andrade and Oswald de Andrade between the years of 1945-70, the creation of a “national consciousness” and a vanguardist writing, taking into consideration the election of both of them to the level of “high modernism”. The literary historiography, guided by the nationalist tradition, sees in Mário the “superior synthesis” of the post-22 proposals, leaving Oswald on the level of “cultural terrorist”. Concretism, to make viable a synchronic historiography, guided by the international pattern of the vanguards, elects the “pau-Brasil poetry” as an esthetic revolution, anticipating the concrete poetry, minimizing Mário’s role, calling him the “reformer”, or between the lines, “conservative modernist”. The concrete theory presents the anthropophagy to the tropicalism, which finds in it the theoric argument to justify its assimilation of mass culture as a proposal of renovation and cultural update. From one view or another, the modernists are “objects” constructed to legitimize the nationalist speech or the internationalist one.

Key-words

Week of 22, modernism, anthropophagy, concretism, tropicalism.

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Sumário

1. Introdução 12

2. A festa não termina nunca 17

2.1. Rio-São Paulo 17 2.2. O diabo do modernismo 23 2.3. Um líder vigiado 30 3. Nacional/Internacional 34 3.1. O Brasil descoberto 34 3.2. Pau-Brasil 38

3.3. Mário Pau-Brasil de Andrade? 45

3.4. A saída antropofágica 51

3.5. Um mecenas dissonante 60

4. Balanços 63

4.1. Itamarati, 30 de abril de 1942 63

4.2. Belo Horizonte, Exposição de Arte Moderna, 1944 67

4.3. Fechando o primeiro balanço 71

5. Mário: Correspondente de si mesmo 75

5.1. Solitário na rua Lopes Chaves 77

5.2. O poeta como funcionário público 79

5.3. Morre o homem fica o mito 87

6. Narrando Oswald 92

6.1. L’enfant gâte 92

6.2. Reinvenção marxista 97

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7. Contribuição concreta 108

7.1. Make it new 108

7.2. Devorando Joyce e Mallarmé 113

7.3. Regurgitando Mário 117

7.4. Simbioses 122

8. Antropofagia remixada 124

8.1. A utopia selvagem 124

8.2. Os tropicalistas estão chegando 129

8.3. E onde está Mário? 141

9. Sínteses 148

9.1. Autonomia e produção literária 148

9.2. Tradição e memória 154

10. Conclusão 162

11. Referências Bibliográficas 166

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Nuestras convicciones más arraigadas, más indubitables son las más sospechosas. Ellas constituyen nuestro límite, nuestros confines, nuestra prisión.

Ortega y Gasset.

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1

Introdução

Esta tese foi idealizada a partir dos longos debates após as aulas do professor Júlio Diniz, durante o curso sobre a poesia de Mário, Oswald, Bandeira e Drummond. Os tópicos principais: a construção da identidade nacional, os momentos de ruptura e o diálogo com a tradição. Estava no primeiro semestre e nenhum desses temas tinha sido abordado no projeto aprovado pelo exame de seleção. O entusiasmo das discussões após as aulas me convenceu que precisava mudá-lo, só não sabia como.

Uma coisa recorrente, dentro e fora da sala de aula, era as radicais tomadas de posição a favor ou contra Mário e Oswald. Isso não acontecia com Drummond e Bandeira, mas em relação aos dois poetas paulistas parecia um flamengo x vasco da literatura brasileira. Não se tratava de quem foi melhor poeta, título disputado entre Drummond e Bandeira. Discutia-se quem tinha sido mais ousado, inventivo, radical, inspirador. Alguém com bom senso disse que esta era uma polêmica inútil, porém ela já existia antes de nós, permanecendo junto com as obras dos autores. Tomei a tola rivalidade como pontapé inicial para re-escrever meu projeto de tese, talvez tudo tenha começado como um erro.

Nosso objetivo primordial tornou-se a recepção da dupla modernista entre os anos de 1945 e 1970. A escolha deve-se, em primeiro lugar, a um critério metodológico, o recorte necessário para limitar o foco da discussão; segundo, vários autores – dentre eles Antonio Candido, Silviano Santiago, Mário da Silva Brito – vêem o ano de 45 como o primeiro balanço do Modernismo e também seu fim, por causa da superação das propostas de 22, através da poesia social e do formalismo da geração de 45, além de ser o ano da morte de Mário de Andrade. Porém, não respeitei minha própria metodologia, pois senti a necessidade de voltar ao ano de 1922, para rever o papel de Monteiro Lobato e de Graça Aranha, e ao período de 24-29, no qual se processa o projeto nacionalista e ocorre o rompimento entre os Andrades.

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No primeiro capítulo, procuramos demonstrar como a Semana de 22 foi articulada a partir do desejo de renovação dos escritores e do capital privado da aristocracia cafeeira. Nesse sentido, recuperamos a recepção do Modernismo em outros estados, sua problematização como “instituição paulista”, a presença orientadora de Graça Aranha, cuja liderança contestada pelos paulistas foi um meio de manter o ideário modernista no centro paulista. Interessa também a relação entre Mário e Oswald com o ambiente carioca dos anos 10, o convívio do primeiro com Manuel Bandeira e do segundo com Emílio de Menezes.

A viagem a Minas em 1924 como descoberta simbólica do Brasil, o que levará a elaboração do projeto nacionalista, é o tema do segundo capítulo. Privilegiamos a correspondência de Mário com Tarsila, Bandeira e Drummond para enfatizar como a questão do nacional, para ele, passava pela criação/estilização de uma “língua brasileira”. Esse é o ponto de maior confluência com Oswald de Andrade do “Manifesto pau-Brasil”. Também é o elo de Mário com José de Alencar. Logo, insinuamos o projeto modernista como uma reconstrução do projeto romântico. A discussão abrange a proposta antropofágica e a verde-amarelista, o impasse entre uma arte nacional internacional ou uma arte nacional exorcidadora das influências européias. O capítulo termina com o “anticlímax” Retrato do Brasil. Enquanto os escritores elaboravam uma visão otimista e ufanista da história brasileira, Paulo Prado, num lance original, propunha a melancolia como índice de nacionalidade. Essa visão é como um vírus inoculado numa imagem oficial do país e, talvez inconscientemente, expôs o tabu modernista ao eleger a “alegria como a prova dos nove”.

Balanços, como o titulo sugere, aborda as primeiras recepções do

Modernismo na década de 40: as conferências de Mário no Itamarati, Oswald em Belo Horizonte, os livros de entrevistas Testamento de uma

geração e Plataforma de uma geração.

O capítulo seguinte compreende a correspondência de Mário de Andrade, principalmente no período em que fora diretor do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. Tal recorte nos possibilita analisar, dentro de uma problemática pessoal, as relações entre o artista e o intelectual com o Estado. Além disso, pretendemos demonstrar como,

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através de sua correspondência, o capital intelectual do escritor foi fundamental para sua ascensão dentro dos círculos aristocráticos, criando uma rede de boas relações que o levou a ocupar cargos públicos, realizando na prática um projeto de democratização da arte.

Através dos artigos e crônicas publicadas a partir de 1945, pensamos o envolvimento de Oswald de Andrade com o marxismo como reinvenção não só de sua escrita, mas principalmente de sua imagem. Quando se declara o final do Modernismo nesse ano, tacitamente excluía-se a produção do escritor, que segue firme e polêmico. Todo seu esforço concentra-se em desconstruir o mito da irreverência, arma eficiente nos anos 20, mas depois constituiria sua prisão.

Contribuição concreta retoma a defesa concretista da obra de Oswald.

A ressurreição de Oswald, completamente obscurecido pela geração de 45, deve-se em muito ao empenho dos irmãos Campos - Haroldo em especial - ao tomá-lo como parâmetro histórico para a vanguarda concretista. Isso implicou uma leitura quase exclusivista do Oswald antropofágico, radical e cosmopolita. Imagem que se casava à perfeição com o modelo de cultura literária defendida pelos concretos, uma cultura internacionalista. Nesse processo, os concretistas delegaram a obra de Mário, especialmente sua poesia, a um segundo plano, às vezes um exemplo a não ser seguido. Ressalte-se que Haroldo de Campos dá pouco espaço ao nacionalismo oswaldiano, sua utópica re-escrita da história colonial na intenção de inverter os pólos entre colonizado e colonizador (ou seja, o “erro de português”). A radicalidade da poesia Pau-brasil, na visão de Campos, corresponde a uma radicalidade de linguagem muito próxima da estruturalista adotada pelos concretos.

Os concretistas acentuaram uma rivalidade entre Mário e Oswald, encobrindo outra disputa nos bastidores literários de São Paulo: a primazia por um modelo de análise literária que tenderia ora a vê-la como um produto social, ora como um discurso estético autônomo. Assim haveria dois times em campo, a crítica sociológica e a crítica estruturalista. Ou mais precisamente, de um lado Antonio Candido, de outro Haroldo de Campos.

Antropofagia remixada discute as reconfigurações do conceito de

antropofagia. Primeiro, pelo próprio Oswald de Andrade, em seus textos

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filosóficos, que o retoma como contra-discurso ao desenvolvimento da sociedade capitalista; segundo pelos tropicalistas, sob orientação dos irmãos Campos, que encontram na antropofagia um discurso histórico capaz de confrontar o nacionalismo dos anos 60 e propor um outro diálogo com a cultura de massa. Neste último caso, através da lógica antropofágica, o Tropicalismo pôde fundir-se à literatura de vanguarda e, completando a linha evolutiva proposta pelo Concretismo, legitimar-se como produto de uma tradição de vanguarda na inteligência brasileira.

Em Sínteses procuramos alinhar as reflexões de Antonio Candido e de

Silviano Santiago. O primeiro perpassa por todos os capítulos da tese, não apenas por causa de precisão dos seus ensaios, mas também pelo tipo de ensaística do autor, herdeira direta do estilo moderno de escrita. As preocupações de Candido, especialmente a respeito do cânone nacional, encontram, no Modernismo paulista, o terreno para síntese do conceito de “literatura como sistema”. Dessa forma, há um traçado do Romantismo ao Modernismo identificado como uma tradição literária. Além de prever o lugar primordial da correspondência na organização da vida literária, Candido aponta no movimento modernista o lugar da reconfiguração do nacionalismo literário.

Outra postura crítica tem surgido com os ensaios de Silviano Santiago e Eneida Maria de Souza. Silviano esboça em vários ensaios - "Fechado para balanço", "A permanência da tradição no discurso modernista", "O intelectual modernista revisitado", "Vale quanto pesa" e "Oswald de Andrade ou elogio da tolerância" - a necessidade de rever o projeto modernista, tanto em seus aspectos individuais quanto o seu lugar dentro do quadro geral da modernidade. Nessa proposta, desfaz a tensão Mário x Oswald, pensando-os como parte de um “mesmo processo”. Silviano busca no discurso modernista a permanência da tradição colonial, algo que Candido excluiu da “formação” da literatura brasileira. O que permitirá tal articulação é o memorialismo, dado que vem à tona através da leitura dos projetos pessoais dos seus participantes. Para tanto, cabe agora levantar um outro repertório de textos ignorados pelas primeiras leituras canônicas, qual seja, os diários, as correspondências, as polêmicas.

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Os trabalhos de Eneida Maria de Souza são ilustrativos dessa abordagem. Partindo da análise das correspondências de Mário de Andrade, Eneida demonstra como os projetos individuais do intelectual estavam atrelados ao projeto modernista. Não é tanto a imagem do esteta que aparece, mas sim a do arquivista, do homem preocupado com o patrimônio. Eneida localiza aqui uma contradição entre o artista e o intelectual, pois enquanto esteta moderno Mário acredita na transitoriedade da arte, na impossibilidade da obra-prima; por outro, enquanto intelectual, luta pela preservação do patrimônio público.

Mário & Oswald são como uma espécie de Lennon & McCartney do levante modernista. Talvez Antonio Candido esteja certo quando diz que sobre eles repousa uma dialética fundamental para a cultura brasileira. Tanto suas idéias quanto e suas personalidades simbolizam os impasses da intelectualidade brasileira até pouco tempo atrás: participação no projeto de nação moderna e democrática, inserção no mercado internacional, combate ao totalitarismo político, atualização estética. A extensão de suas idéias ajudou a consolidar alguns lugares hoje oficiais para a discussão cultural, além do próprio Modernismo, como a crítica sociológica, o Concretismo e o Tropicalismo. De certo modo, desde o Tropicalismo, a música realiza os cruzamentos culturais planejados por Mário e Oswald, o que levou o jornalismo musical a banalizar a noção de antropofagia. É claro que há Paulo Coelho, o homem que tem exportado a literatura brasileira para os lugares mais distantes.

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2

A festa não termina nunca

Interesse. Dinamismo. Energia. Curiosidade. Ambição.

Lema Bandeirante. A Semana de Arte Moderna não passou de uma farra de playboys.

Guilherme de Almeida1 2.1

Rio-São Paulo

Apesar das divergências estéticas e políticas, quando o assunto foi hegemonia paulista na instauração de um discurso moderno entre nós, a geração de 22 falou em uníssono.

Mário de Andrade: “O espírito revolucionário modernista, tão necessário como o romântico, preparou o estado revolucionário de 30 em diante.”

Oswald de Andrade: “Em 22, nós, da Semana, agimos como semáforos. Anunciamos o que se cumpriu depois, o que está se cumprindo a nossos olhos.”

Menotti del Picchia: “A história da Semana de Arte Moderna não tem sido bem contada (...), foi o marco oficial da renovação espiritual do Brasil. Fixou uma data: foi um divisor de águas”.

Aceitar tal ascendência, desde o início, significava se submeter a um padrão local, o modernismo paulista, para avaliar um fenômeno nacional: a literatura moderna. Contudo, a geração de 22 teve o tempo ao seu lado. Foi ele que advogou a favor dos modernistas paulistas quando o movimento historicizou-se. As primeiras historiografias sobre o modernismo, como Contribuição à

história do Modernismo (1939), de Alceu Amoroso Lima, fixaram as origens da

literatura moderna na cena paulistana, cujo momento culminante foi a Semana de 22. O termo “pré-modernismo”, cunhado por Tristão de Ataíde para designar as obras importantes anteriores a 22, demarcou os limites da área modernista.

1 Suplemento literário do jornal Estado de São Paulo, edição comemorativa dos quarenta anos da

semana, 17 de fevereiro de 1962.

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A intelectualidade nordestina questionou a autoridade paulista, disfarçada na obsessão pela origem das coisas. Em depoimento para o Suplemento Literário d’O Estado de São Paulo, na edição comemorativa dos quarentas anos da Semana, José Lins do Rego declararia: “para nós, de Recife, essa ‘Semana de Arte Moderna’ não existiu”; Gilberto Freyre, na mesma edição, afirmava que havia em Recife “outro desenvolvimento no mesmo sentido de modernidade inquieta e renovadora das letras, das artes e também dos estudos sociais no Brasil”2.

Em entrevista a Homero Senna, Graciliano Ramos, ácido, confessaria: “Nunca fui modernista. Enquanto os rapazes de 22 promoviam seu movimentozinho, achava-me em Palmeira dos Índios, em pleno sertão alagoano, vendendo chita no balcão”. Para o mesmo entrevistador, Carlos Drummond de Andrade declarou que não recebera nenhuma influência da Semana de 22, pois o grupo de modernistas mineiros formou-se “ao acaso das afinidades e dos achados de livraria”. Para ele, a poesia de Manuel Bandeira fôra a “verdadeira e pessoal” revelação modernista. Somente em 1924, concluía, tomaria contato com o grupo paulista, em particular Mário de Andrade, que representava o “tempo modernista, sua encarnação e exemplificação mais direta e empolgante” (1996, p. 203).

Essas declarações provocaram uma violenta reação do poeta Décio Pignatari. Em 1982, no artigo “Semana de Arte Moderna: 22, 32, 42, 52, 62, 72, 82, 92, 2002...” – o título entrega o jogo -, defende a Semana como uma “musa incompreendida”, negada pelos de dentro e pelos de fora. Há, segundo o concretista, um complô contra uma “linha de pensamento experimental”, anunciada em 22 e levada a cabo pelo Concretismo e pelo Tropicalismo. Em relação à entrevista de Drummond, considera “uma obra-prima de precisão oportunista”. Quanto a Gilberto Freyre, ironiza a “autonomia” do movimento regionalista, apresentando-o como um dos produtos da conspiração sociológica contra o experimentalismo literário (1998, p. 74).

O Modernismo, ao longo dos anos, foi se constituindo num verdadeiro patrimônio paulista. O texto de Pignatari é um exemplo clássico do orgulho da intelectualidade paulista em relação a sua “musa”. Na sua exaltação, a autoridade do modernismo paulista se afirma pela negação aos outros centros, especialmente o Rio de Janeiro. Segundo seu raciocínio, nos últimos sessenta anos, São Paulo

2 cf: Estudos sobre o modernismo, 150.

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passaria de uma “mais-que-vila” a uma das dez maiores “metrópoles do planeta”, única no “hemisfério sul” onde se encontra “um padrão de vida desenvolvido”. O padrão de modernidade derivou da superação do pensamento rural, pois “o país essencialmente agrícola” modernizou-se, isto é, industrializou-se a partir de São Paulo, rompendo com o “universo luso-brasileiro tradicional, rural e agrário”, representado pelo Rio de Janeiro. Não por acaso, finaliza, “a Semana de Arte Moderna aconteceu em São Paulo”:

Ninguém parece ter percebido que a Semana de 22, nossa primeira grande revolução cultural claramente configurada, marcava como que a consciência histórica da luta que a partir de então iria caracterizar e convulsionar todos os aspectos da vida nacional: indústria vs produção artesanal, cidade industrial vs campo. Os poetas de 22 viram isto claramente. Mas os historiadores e ideólogos, não. Por quê? Porque provinham das zonas rurais. (PIGNATARI, 1998, p. 76).

O politicamente incorreto concretista, sem perceber, recorre aos mesmos argumentos de Mário de Andrade em sua conferência no Itamarati para hierarquizar as duas capitais. Conferência, segundo Pignatari, obrigatória para “todos os discursos jdanovistas e neo-jdanovistas”. Para o modernista, o Rio “era muito mais internacional como norma de vida exterior”. Referia-se à subordinação carioca o estilo de vida parisiense? A justificativa recorria a um argumento quase esotérico: “São Paulo era espiritualmente mais moderna [do que o Rio] porém, fruto necessário da economia do café e do industrialismo conseqüente” (1974, p. 236).

O “espírito moderno” deriva de um processo de importação cultural, mas em que sentido São Paulo estaria mais “a par” com a atualidade do mundo? Quando liga o Modernismo ao fenômeno da industrialização, conexão geral dos outros modernistas, Mário “esclarecia” o que diferenciava as duas cidades, pois, ao contrário do Rio, que adaptava suas estruturas coloniais ao contexto moderno, São Paulo, a partir de uma aristocracia rural, relativamente independente da “aristocracia improvisada do Império”, monopolizava o mercado internacional do café, aumentando o fluxo de capitais estrangeiros, investindo na expansão ferroviária, na criação de bancos e companhias de seguros.

Embora negue veementemente qualquer influência marinettiana em seu pensamento, a visão que Mário apresenta de “modernização” passa por uma equação futurista, segunda a qual moderno = progresso industrial. A imagem de São Paulo está associada justamente os signos futuristas: a indústria, o estilo de

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vida metropolitano (a primeira loja de departamentos do país, o Mappin Stores), a ruptura com o passado. Desse modo: “É mesmo de assombrar como o Rio mantem, dentro da sua malícia vibrátil de cidade internacional, uma espécie de ruralismo, um caráter parado tradicional muito maiores que São Paulo” (1974, p. 236).

A reação ao parnasianismo – um dos primeiros slogans da Semana de 22 – desencadeou-se também entre os poetas residentes no Rio de Janeiro, tanto que o poema-símbolo do “abaixo o parnasianismo” é “Os sapos”, escrito em 1918 por Bandeira. Aliás, o poema foi lido por Ronald de Carvalho durante a Semana. Em sua conferência, Mário reconhece o valor dos simbolistas cariocas, mas minimiza sua importância para a renovação modernista: “Houve tempo em que se cuidou de transplantar para o Rio as raízes do movimento modernista, devido às manifestações impressionistas e principalmente post-simbolista que existiam então na capital da República”. (idem, p. 235)

Em termos estritamente estilísticos, a poesia de Manuel Bandeira prenunciou vários estilemas da poética modernista: o verso livre, a fusão entre poesia e prosa, o coloquialismo, a valorização do cotidiano. Que sentido poderia ter para ele o receituário modernista? Manuel Bandeira, em resposta a Mário de Andrade, quando este tentava convencê-lo a se assumir como “modernista”, dizia que era simbolista e o simbolismo já era moderno. Em carta a Manuel Bandeira, em 1924, Mário de Andrade, em um de seus arroubos, diria que tinha sido “reacionário contra o simbolismo. Hoje não sou. Não sou mais modernista, mas moderno como você. Hoje eu já posso dizer que sou descendente do simbolismo” (1958, p. 45).

O desafio para quem se dedica a estudar a literatura moderna, disposto a não repetir velhos chavões, reside em deslocalizar o Modernismo. Em texto da década de 80, “Fechado para balanço”, Silviano Santiago argumentava a favor da necessidade de se ler o modernismo paulista como manifestação de um fenômeno maior: a modernidade (1980, p.2). A geração de 22 soube embaralhar as cartas

modernidade, moderno, modernismo. Cabe agora desembaralhá-las para começar

outro jogo.

A mais recente aventura, nesse sentido, foi o livro de Mônica Pimenta Velloso, Modernismo no Rio de Janeiro. Um dos seus questionamentos é a insuficiência do termo “pré-modernismo”. Em referência a que, pergunta-se

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Mônica Velloso, foi tomado o “pré”? O pai da criança, Alceu Amoroso Lima, respondia: o pré-moderno é anunciação tímida dos temas do “grande” Modernismo, como a “consciência nacional”. Embora o termo pretenda à inclusão, é excludente. Os “excluídos” são os escritores residentes no Rio de Janeiro: Euclides da Cunha, Lima Barreto, Graça Aranha, João do Rio. O único paulista da turma “pré-moderna” é Monteiro Lobato.

A tese de Velloso prossegue o caminho aberto pelos estudos de Nicolau Sevcenko (1983) e Renato Cordeiro Gomes (1994). Esses autores demonstram que a literatura moderna está baseada na experiência urbana, que moldou uma nova sensibilidade. Argumento este antecipado pelo dinamista carioca Renato Almeida, no seminal livro Velocidade, no qual defende a “velocidade” como “a categoria espiritual do homem moderno”. A eletricidade, o avião, o rádio, o motor a explosão, enfim, o progresso técnico, criou uma civilização regida por um modelo de eficiência baseado em fazer o máximo com o mínimo de tempo, assim “resolviam-se as duas incógnitas especiosas: o tempo e o espaço” (1932, p.5). O resultado desta nova sensibilidade na literatura seria a busca pela síntese e simultaneidade.

Para Mônica Velloso, distante do hemisfério da “imaginação técnica”, a inserção dos intelectuais na dinâmica do cotidiano assinala um significado mais profundo do modernismo. A relação crítica de Lima Barreto e João do Rio com a modernidade em seus signos mais evidentes, como a vida urbana e o progresso técnico, ou foi pessimista ou oscilou entre o entusiasmo e a denúncia de seus aspectos excludentes. Não que a relação de um Mário ou de Oswald com a modernidade tenha sido acrítica, pelo contrário, foi exaltada. O modernismo no Rio de Janeiro, argumenta Velloso, não se organizou como “um movimento de vanguarda em torno da idéia de moderno” (1996, p. 32). Quem se organizou assim foi o modernismo paulista, vinculando o moderno à ruptura com o passado. Nesse processo, queria se vincular ao grande movimento da “modernidade ocidental”, expressão usada para se referir às vanguardas.

Ao descrever a inserção da boêmia intelectualidade carioca no cotidiano, a autora argumenta que a irreverência local impediu que os modernistas do Rio de Janeiro fossem reconhecidos pelo seu valor artístico e literário, embora a consagrassem como uma tradição cultural. Há uma interseção entre o ambiente

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do Rio e de São Paulo, porque o sarcasmo será uma das armas de combate do modernismo paulista contra o academicismo. “A alegria é a prova dos nove”. Oswald de Andrade freqüentou intensamente a cena carioca dos anos 10. Neste período, como editor do jornal satírico O pirralho, conviveu com o poeta Emílio de Menezes. Em suas memórias, escrevia: “Só Emílio podia me interessar porque era um feroz maldizente” (1978, p. 76). Depois, no prefácio de Serafim

Ponte Grande, iria menosprezar a amizade com o poeta carioca, com quem fôra

um “palhaço da burguesia”. Anos depois, em 1952, como prova de afeto, dedicou três crônicas a Emílio, narrando suas famosas anedotas, dentre as quais a barração de Machado de Assis à sua candidatura a ABL, por causa da fama de beberrão sátiro. É claro que esta convivência aprimorou a verve sarcástica antropofágica.

Oswald e Mário de Andrade não ignoram a importância dos poetas cariocas, antes os procuraram desde o início como aliados. Isso não significa que, numa visão mais ampla, fossem aceitar uma subordinação ao Rio de Janeiro. O fato de Graça Aranha ter sido descartado como líder do movimento é uma evidência. Por outro lado, o trânsito entre as duas cidades foi fundamental para a realização da Semana, no propósito maior de sinalizar a existência de uma nova literatura, cuja liderança partia de São Paulo.

Não podemos esquecer que foi no Rio de Janeiro, no apartamento de Ronald de Carvalho, que Mário de Andrade leu pela primeira vez os poemas da

Paulicéia desvairada. Na ocasião, fez questão da presença de Manuel Bandeira.

Esse foi um dos primeiros encontros entre eles, e Mário já adotava uma postura devota – ou humilde -, a qual não adotaria com nenhum outro poeta de sua geração. Bandeira seria chamado, pelo admirador, de “S. João Batista do modernismo”. João Batista foi o padrinho de Jesus Cristo. E talvez tenha ocorrido um batismo naquele apartamento.

Cabe sublinhar o vocabulário católico presente nas iconografias modernistas: Mário, o papa; Bandeira, o João Batista; Anita, a Joana D’Arc; D. Olívia Quedes Penteado, a Nossa Senhora. Raul Bopp, em relação ao grupo formado pelos escritores cariocas e paulistas que idealizariam a Semana de 22, cunhava a expressão “os doze apóstolos do modernismo” (1966, p. 37).

O autor referia-se a Mário como “cristão novo”. A expressão aludia à passagem do poeta parnasiano de Há uma gota de sangue em cada poema para o modernista da Paulicéia. Curiosamente, o sobrenome “Andrade” foi inventado

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para sua nova persona poética, já que seu nome completo era Mário Raul de Morais. Por quê “Andrade”? Haveria aqui um indício do fascínio por Oswald de Andrade? Mistério. Seja como for, a troca revelava uma consciência aguda sobre a construção de uma nova identidade poética. Em suas primeiras correspondências com o jovem escritor Fernando Sabino, Mário lhe dava o seguinte conselho: “Si você quiser continuar sendo escritor, antes de mais nada tem que encurtar o nome. Tavares Sabino. Fernando Tavares. Fernando Sabino. O que é impossível é Fernando Tavares Sabino” (2003, p. 13).

2.2

O Diabo do modernismo

Sérgio Miceli descreve de modo impressionante o apoio da aristocracia cafeeira e da burguesia industrial à ascensão do discurso modernista. O movimento modernista, diz Oswald de Andrade, foi um diagrama da alta do café. A queda, traumática. O projeto final de Mário, não por acaso, foi a “tragédia secular” (de concepção melodramática) Café, na qual pretendia representar a ascensão e queda da aristocracia cafeeira – e, metaforicamente, do modernismo paulista.

Os “feitos” dos escritores modernistas em matéria de decoração, de vestuário, de ética sexual, etc., se inscrevem mais acertadamente na história da importação dos padrões de gosto da classe dirigente ligada à expansão do café do que na história da produção intelectual. (MICELI, 1979, p. 14).

A metáfora “literatura de exportação” foi uma brilhante tradução, no campo das idéias, da euforia e o otimismo proporcionado pelo enriquecimento da aristocracia cafeeira. Ou, na leitura de Miceli, como o modernismo se organiza como “super-estrutura” da oligarquia cafeeira. O mecenato rural, argumenta, criou as condições favoráveis para a geração de 22 impor, como instância de legitimação, seus modelos estéticos estrangeiros. Assim, o reconhecimento das obras ocorreu “de maneira bastante independente das demandas que abrigava o incipiente mercado do livro durante a República Velha” (idem. p. 14).

Os primeiros livros do modernismo – Juca Mulato, Paulicéia desvairada,

Pau-Brasil – não ultrapassaram oitocentos exemplares, financiados por mecenas

como Paulo Prado ou pelos próprios autores, compondo, segundo expressão de Miceli, “uma produção artesanal de luxo”. O contato com a vanguarda européia,

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fosse a partir de empreendimentos pessoais ou de bolsas de estudos concedidas pelo governo municipal, proporcionou aos modernistas “o papel de inovadores culturais e estéticos no campo literário local”. A dependência do mecenato possibilitou – para o historiador isso foi “paradoxal” – independência em relação às instâncias legitimadoras locais. Assim, desbancavam seus concorrentes, “os polígrafos anatolianos”, que dominavam o mercado editorial. O “anatoliano” de maior sucesso comercial naquele momento era Monteiro Lobato.

O Lobato que emerge das páginas de Miceli é um ambicioso homem de negócios. Seu primeiro empreendimento, como herdeiro de uma família de fazendeiros de Taubaté, foi a criação de um colégio para meninos ricos, no próprio casarão da família, no qual se ensinava desde esporte e línguas às artes necessárias para as conversas de salão. Não encarava, portanto, o ambiente cultural somente como meio de prestígio pessoal, mas também como meio de enriquecimento. Esta visão é completamente divergente daquela dos futuros modernistas. Isso não significa que não almejassem prestígio e fortuna literária, porém, não se preocuparam em criar condições autônomas. Quando Urupês atinge, em 1918, a sexta edição, fato raríssimo para um escritor brasileiro na época, pois o mercado de livro privilegiava (já nesta época!) os policiais estrangeiros, o autor do Sítio do pica-pau amarelo investe os lucros na fundação de sua própria editora. Antes da criação da editora, havia assumido o controle acionário e a direção da Revista do Brasil, até então um dos principais órgãos de legitimação intelectual.

Fundada em 1916, a Revista do Brasil pretendia restaurar a tradição inaugurada pela Revista Brasileira, porta-voz estético e principal instância de difusão e consagração da geração de 1870. [...]. O cosmopolitismo intelectual, a coexistência de autores provenientes de conjunturas distintas do campo intelectual, a diversidade de áreas e gêneros, o empenho em dar cobertura aos principais tópicos em torno dos quais se articulava o debate político e intelectual da época, evidenciam os alvos comerciais que permeavam a política editorial seguida por Lobato. [...]. Aumentando o volume das tiragens, instalando um amplo circuito de comercialização com pontos de venda para distribuição dos livros da casa e de outras editoras nacionais, abrindo um serviço de importação de livros estrangeiros, a Revista do Brasil tornou-se o empreendimento editorial de maior prestígio antes de 1930 e constitui um marco na história da hegemonia paulista no campo intelectual. (Miceli, 1979, p. 5).

Logo, nos anos que antecedem a Semana de 22, Monteiro Lobato, além de escritor de sucesso, é um dos intelectuais de maior influência no meio paulistano. Sua feroz crítica à exposição de Anita Malfatti, considerada por Mário da Silva

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Brito “o estopim do modernismo”, inicia sua relação conflituosa com a geração de 22, o que lhe valeria a fama de “antimodernista”, responsável pela marginalização de sua produção intelectual no repertório das conquistas ideológicas do Modernismo.

O “caso Anita Malfatti” será recontado num tom melodramático, às vezes maniqueísta, no qual se misturam piedade e condescendência para se referir à pintora. Segundo Décio Pignatari, Anita, “frágil mulher”, “era a artista mais avançada e mais madura do seu tempo”, mas fora “massacrada pelo nacionalismo vesgo que em Monteiro Lobato era cego de inveja e ignorância artísticas” (1998, p. 79). Para Mário da Silva Brito, “Lobato foi cruel” e incompetente para o mister que exercia, pois “Anita Malfatti, jovem e pioneira, em luta contra o ambiente social e familiar, precisava de estímulo e amparo” (1997, p. 54). A “carga emocional” com que foi tratado o caso Anita, pondera Wilson Martins, torna “quase temerário tentar encará-lo com objetividade” (1965, p. 25).

O artigo de Monteiro Lobato, “Paranóia ou mistificação”, publicado na edição noturna do Estado de São Paulo, involuntariamente uniu o futuro grupo modernista. Ao afirmar que “futurismo”, “cubismo”, “impressionismo” e “tutti quanti” não passavam de “ramos da caricatura”, “frutos de fim de estação”, “bichados ao nascedouro”, “teratologia” pura, o autor dava um tiro no cosmopolitismo local. Seu objetivo, claramente, é atingir a crescente onda de culto às vanguardas, principalmente entre uma pequena elite de intelectuais, que – seu objetivo final – formava um ambiente artificial e malicioso.

Há de irritar-se os ouvidos, como descortês impertinência, esta voz sincera que vem quebrar a harmonia de um coro de lisonjas [...]. O verdadeiro amigo de um artista não é aquele que o entontece de louvores, e sim o que lhe dá uma opinião sincera, embora dura, e lhe traduz chãmente, sem reservas, o que todos pensam dele por trás. (apud: Brito; 1997, p. 50).

Lobato acabou atingindo o grupo errado. Grande parte do estigma antimodernista vem do fato de nunca ter mudado de idéia. Vinte anos depois do polêmico artigo, Oswald de Andrade lhe endereçaria uma “carta aberta”, saudando-o como “Gandhi do modernismo”, mas não sem antes lembrá-lo que havia sido responsável por não ter “sua merecida parte de leão nas transformações tumultuosas, mas definitivas, que vieram se desdobrando desde a Semana de Arte de 22” (1975, p. 4). Quando falece, Oswald escreve a crônica “Monteiro Lobato”, saudando-o como “o primeiro reformador da prosa brasileira”, apesar da

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“pavorosa injustiça que inutilizou a pintora Anita Malfatti”, de modo algum isso “lhe retira a missão revolucionária que teve na nossa escrita” (1996, p. 276).

Enquanto Mário da Silva Brito atribuiu o caráter de marco ao “caso Anita”, Wilson Martins lhe deu uma importância casual. Na sua opinião, a repercussão posterior do artigo serviu para desvalorizar a figura de Lobato. Segundo sua versão, ele foi o prenunciador do Modernismo, principalmente quando se leva em conta o projeto de literatura nacional elaborado pelos modernistas. Martins tenta corrigir a “injustiça”, argumentando que o artigo “Urupês” (1915), havia sido a “fonte imediata do ‘Manifesto antropófago’”. A injustiça é maior quando se leva em consideração outras reações contrárias à artista e à vanguarda (1965, p. 22).

Oswald, neste momento, era um grande agitador cultural, espécie de divulgador de novos talentos, como o desconhecido Mário Sobral. Quando Oswald publica “O meu poeta futurista”, em 1921, gera o primeiro conflito com Mário, irritado com o adjetivo “futurista” com o qual é apresentado. Ao narrar o episódio, Mário da Silva Brito aponta que o poeta é envolto em um “verdadeiro escândalo”, sofrendo, “em nome da literatura moderna”, “os mesmos vexames sofridos” por Malfatti (1997, p. 227).

Para a opinião geral, futurismo equivalia a algo pejorativo, à “teratologia pura”. Menotti Del Picchia, em 1920, através do Correio paulistano, declarava o cubismo como uma “arte doentia” e o futurismo, uma “escola enigmática e doida”; seus seguidores, “apenas uma ridícula memória na história da arte”. Este tipo de julgamento colaborava para configurar o futurismo como algo, no mínimo, suspeito. Oswald de Andrade soube instantaneamente usá-lo como estratégia de propaganda, captando o que havia de explícito choque com o establishment. A pregação modernista começou nas páginas dos jornais. Oswald, o único jornalista profissional do grupo, foi de longe o futurista de primeira hora, o divulgador do “Manifesto futurista” em São Paulo. Em seu estudo sobre o “futurismo paulista”, Annateresa Fabris aponta que, a princípio, havia um entendimento muito superficial sobre as vanguardas, a ponto de futurismo englobar todas as manifestações. Segundo a pesquisadora, o “futurismo como bandeira” adquire três significados: a) o movimento italiano era “o mais abrangente, permitindo a união, num esforço conjunto, de artistas de diversas áreas”; b) era o mais conhecido do público brasileiro; c) tornara-se sinônimo de

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“bizarro” e “inusitado”, “sendo aplicado não apenas a toda produção diferente dos modelos convencionais, mas a padrões de comportamento pessoal, social e político que feriam as regras habituais” (1994, p. 74).

Mário de Andrade encarava o futurismo como uma moda (mesma suspeita de Lobato), mas algo necessário para se combater o passadismo. Negá-lo completamente implicaria uma concordância com os “passadistas”; aceitá-lo, uma discordância consigo mesmo. Talvez por isso, tanto na réplica ao artigo de Oswald – “Futurista?!” – quanto no “Prefácio interessantíssimo”, ressaltaria seus “pontos de contato com o futurismo”. Posteriormente, assume-se como “antimarinetti”. Em várias cartas a Bandeira, revelaria seu menosprezo por Marinetti, considerando-o fanfarrão e fascista. Seu repúdio ao futurismo paulista – “ele existe?” – foi uma forma de se esquivar do que julgava uma moda e se desvincular do marinettismo. Assim, driblava duas sombras opressoras naquele instante: o julgamento da opinião e a ascendência oswaldiana.

Menotti del Pichia, em um ano, passou de detrator a tenaz divulgador do futurismo italiano, publicando poemas de Marinetti. Segundo Wilson Martins, a adesão de Picchia ao futurismo decorreu da vontade do autor em sair da sombra de Lobato. Ao contrário dos futuros modernistas, Menotti era um jovem talento legitimado pelo establishment da época. Raimundo Correa e Coelho Neto, dois pilares da opinião, teceram intensos elogios ao Juca Mulato, ao qual Oswald elogiava a “radicalidade impressionante”. O poema, evidentemente, filiava-se ao “caboclismo”, espécie de movimento silencioso, ligado ao Brasil rural, cujo paradigma naquele momento era Urupês. Tudo leva a crer que Menotti aderiu ao futurismo por uma questão de oportunidade. O famoso episódio do Trianon, no qual Oswald discursa em nome de “meia dúzia de artistas moços de S. Paulo”, decorreu de um banquete oferecido a Menotti, no qual estavam presentes as principais figuras intelectuais e políticas da cidade. Até então, Menotti estava em cima do muro. Seja como for, sua adesão marcaria o ano de 1921 como um período de intenso debate na imprensa sobre a vanguarda e a existência de um grupo de futuristas que tomariam a literatura de assalto.

Assinando uma coluna no Correio Paulistano, sob o pseudônimo Helius, Menotti publicava, em Janeiro de 21, uma série de artigos contra o indianismo romântico. Com o belicoso “Matemos Peri”, denuncia o “índio romântico” como uma fraude ideológica, símbolo do “obsoleto” e do “anacrônico”. Para Annateresa

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Fabris, é clara a intenção do autor de substituir o modelo romântico – “um Romeu

doublé de D’Artagnan” – pelo modelo futurista, baseado no “espírito de

independência e altivez revolucionária” (1994, p. 78). A seguir, Menotti iniciou uma campanha contra o regionalismo; aliás, solo sob o qual estava enraizado o seu Juca Mulato.

Este episódio tornava mais nebulosa a relação entre Lobato e os futuros modernistas, porque, ao recusar o que “não pode ser o protótipo da alma nacional”, Cândido Mota Filho – com o apoio de Menotti – elegia o Jeca Tatu como símbolo do atraso nacional. Segundo Wilson Martins, “era justamente isso o que dizia Monteiro Lobato!”. É de se perguntar quem poderia ser “o protótipo da alma nacional” em 1921? Seja como for, a (má) interpretação é motivada pela vontade de taxar Lobato como passadista. Uma questão política.

Durante sua campanha, Menotti aproveitava o momento para fazer sua

mea culpa em relação às críticas à Anita, sem “ao menos ter visto a obra”. Em um

dos artigos, acusa Lobato de “tirano do pensamento paulista”:

Como sou rudemente sincero e tenho ilusão de ser justiceiro, não me pejo em fazer aqui minha pública penitência. Fazendo-a, deixo a Lobato a responsabilidade de me ter posto no mau caminho, no julgamento dos quadros da minha ilustre patrícia, certo de que o autor de Colchas de Retalhos fará, logo que reconheça o seu erro, sua penitência pública também. Estou certo de que será o primeiro a fazer justiça à vibrante criadora de uma arte moderna, forte, livre, penitenciando-se do mal que, com tanta injustiça e irreflexão, fez. (apud. Brito; 1997, p. 110).

Além de imputar ao “tirano” a responsabilidade de seus próprios atos, Menotti impõe uma condição, a qual Lobato nunca aceitou, pelo contrário, quando reuniu em livro seus artigos, manteve “Paranóia e mistificação”; por outro lado, contratou Anita, assim como Di Cavalcanti, como ilustradora de sua editora. A relação entre Lobato e os modernistas não se limitou ao “caso Anita”. Mário de Andrade o procurou para ser o editor da Paulicéia desvairada, o que seria um sinal de trégua. Em carta a Mário, o homem de negócios Lobato dizia:

Prezado amigo Mário: Estive relendo a tua Paulicéia e... fiquei sem coragem de editá-la. Está uma coisa tão revolucionária que é capaz de indignar a minha clientela burguesa e fazê-los lançar terrível anátema sobre todas a produções da casa, levando-nos à falência. Não sou dos menos corajosos, mas confesso que neste caso a coragem faleceu-me por completo... Acho que o melhor é tu mesmo editares o vermelho grito de guerra. Vamos. Resolve lá este caso. Lobato. (apud: Nossa história, n° 17, 2005).

(31)

Lobato condenou veementemente o eruditismo, numa linha de raciocínio muito próxima a dos modernistas após a virada nacionalista em 1924. Em um artigo de 1926, “O nosso dualismo”, argumentava que nossos escritores formavam uma “elite inteiramente divorciada da terra, pelo gosto literário, pelas idéias, pela língua”. Em resposta à queixa de que não eram lidos, aponta que “o público não lê porque não lhes entende nem as idéias, nem a língua”. A solução para acabar com o “dualismo de mentalidade e de língua” reside na tomada de consciência da língua brasileira:

Os gramáticos hão de se convencer afinal de que a língua portuguesa variou entres nós, como acontece todas as vezes que um idioma muda de continente. [...]. Em casos tais, freqüentes na história, a regra é a língua velha ir ficando cada vez mais confinada entre os eruditos, enquanto a nova se expande no povo. Por fim, vence o povo, que é o número e a força. O povo fala brasileiro [...]. Já a falamos e acabaremos, cansados de resistir, por escrever como falamos. Só então a literatura será entre nós uma coisa séria e grafada na língua das gentes que a povoam. (apud: Cult, n° 52, 2002).

Esta será – como demonstraremos no capítulo seguinte – a bandeira modernista: uma literatura nacional baseada na “incorporação milionária de todos os erros”. A pregação a favor da gramatiquinha brasileira. Mário de Andrade responde o artigo de Lobato, acusando-o de ter abandonado o início promissor, para cair em um regionalismo “inconscientemente separatista”. Argumenta que, ao insistir em encarar o movimento modernista como “futurismo”, revelava falta de compreensão da arte contemporânea. No artigo sobra uma fagulha para Oswald de Andrade, elogiado no texto de Lobato:

Eu podia ainda continuar meus comentários parando nos outros gomos do bambu de “Nosso dualismo” nos momentos em que afirma as espertezas “geniais” de Osvaldo de Andrade e as “velhas asneiras” dos “asseclas” do movimento dele. Por enquanto é melhor não mexer nessa mentirada que inda pode ser útil. (idem).

Poderia ser leviano creditar ao ressentimento o texto de Mário, embora Lobato defenda o que ele estava defendendo no momento; enfim, como diria Galileu, eppur si muove. Ao final do texto, o autor dá vazão ao seu humor negro declarando que recebera um “telégrafo” comunicando a morte de Monteiro Lobato, cujas virtudes a ABL não reconheceu ao negá-lo um lugar, “quem milhor do que ele apresentava todos os quesitos acadêmicos!” A resposta lobatiana é como um tapa de luva de pelica. Em carta datada de 1930, quando residia em Nova York, escreve:

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Meu caro Mário de Andrade, muito há de você de espantar-se com esta, vinda d’além túmulo, dum morto que você matou há três anos [...]. O que me traz é um livro seu – Macunaíma. Tenho cá um editor que deseja conhecê-lo, com palpite que é coisa editável em inglês. [...]. Vou sair da cova só para isso. (ibidem).

Mário respondeu a carta, enviou dois exemplares de Macunaíma, embora ressalvando que achava muito difícil vê-lo traduzido em outra língua. Pelo exposto, não é possível ignorar que o desentendimento entre Lobato e os modernistas se deu muito mais pela resistência do primeiro à influência da vanguarda do que por divergências ideológicas. A prova mais contundente é a “carta aberta” de Oswald de Andrade.

Hoje, passados vinte e cinco anos, sua atitude aparece sob o ângulo legitimista da defesa da nacionalidade. Se Anita e nós tínhamos razão, sua luta significava a repulsa ao estrangeirismo afobado de Graça Aranha, às decadências lustrais da Europa podre, ao esnobismo social que abria os seus salões à Semana. E não percebia você que nós também trazíamos nas nossas canções, por debaixo do futurismo, a dolência e a revolta da terra brasileira. (ANDRADE, 1975, p. 4).

Para Oswald, o criador do Jeca Tatu deveria ter sido o “líder” do movimento modernista, e não Graça Aranha, o que o impediu foi tê-los confundido com o ambiente afrancesado da elite paulista. No fundo, em 22, Monteiro Lobato não precisava de uma Semana de Arte Moderna para se promover.

2.3

Um líder vigiado

A adesão de Graça Aranha, recém chegado de Paris, foi fator fundamental para a oficialização da Semana de 22. Desde o início, os idealizadores projetavam um evento grandioso, um presente para o Brasil no ano do Centenário da Independência. À exceção de Menotti, os participantes iniciavam sua produção. Mário ainda não tinha publicado a Paulicéia; Oswald não havia publicado nada no campo da criação literária. Com a chegada de Graça Aranha, surge um nome de respeito, respaldado pela dupla autoridade de diplomata e membro da Academia Brasileira de Letras. Esta já era uma contradição, porque a ABL representava o poder erudito a que visavam romper, porém foi a chancela de um acadêmico que possibilitou a realização da Semana no Teatro Municipal.

Inicialmente, o evento se realizaria em São Paulo, na Casa Editora O Livro, do livreiro Jacinto Silva, ponto de encontro para discussões e exposições de

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novos artistas. No ano de 1921, Di Cavalcanti fizera uma exposição com suas obras, inaugurando uma série de debates sobre a arte de vanguarda. Paulo Prado, um dos mecenas da Semana, convidou Aranha para participar da Semana. Aceito o convide, o empresário René Thiollier assume a função de relações públicas. Parte da contribuição da burguesia cafeeira na realização da Semana, o aspecto oficial tomado pelo evento, deve-se a confiança que o nome Graça Aranha assegurava. Grande parte do público talvez nem soubesse direito o que seria o evento, mas o fato dele realizar-se no Teatro Municipal indicava algo solene. Para o público, o que ocorria no Municipal era uma Semana Futurista, era assim que os leitores se referiam na “seção de cartas” dos jornais. O próprio marqueteiro da Semana, Thiollier, ao alugar o teatro municipal, cometeu a “gafe” de trocar “Semana de Arte Moderna” por “Semana de Arte Futurista”. A Semana se iniciou com todos os ingressos vendidos, a cobertura d’O Estado de São Paulo, que publicou, na edição seguinte, a íntegra da conferência inaugural de Graça Aranha, segundo o jornal, “muito aplaudida”3.

Após a Semana, o grupo paulista, em particular Mário e Oswald, inicia uma campanha de bastidores contra Graça. Oswald cunharia a alcunha “aranha sem graça”. A postura de Mário, como sempre, é ambígua; vê méritos no “imortal”, embora considere superficial sua visão sobre a arte e o “tipão brasileiro”. Em carta a Bandeira, declarava seu desinteresse pelos escritos de Graça – “qualquer livrinho de regionalista besta dá mais documentos verdadeiros”. Sua conclusão é de que “Graça desconhecia inteiramente o modernismo quando chegou no Brasil” (1958, p. 75). Incomodava o título de liderança imposto, principalmente pela imprensa, ao acadêmico, que pegara o bonde andando e já estava sentado na melhor poltrona. Esse foi um ponto divergente entre os cariocas e os paulistas, porque no Rio, Graça Aranha era o líder natural da renovação modernista, liderando o movimento dinamista. Em depoimento a Homero Senna, Agripino Grieco declararia que “Graça nunca foi modernista”, era antes um “espírito clássico”. O envolvimento com os modernistas paulistas ocorreu porque o Sr. Aranha era:

3 cf: Afrânio Coutinho. Literatura no Brasil, vol. 5. Wilson Martins. O modernismo. Mário da

Silva Brito. Panorama da poesia brasileira, vol. vi. Massaud Moisés. Modernismo. www. asemanade22. hpg.ig.com.br

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Louco por um fotógrafo, gostava de estar sempre em evidência, e sentindo a marcha da velhice, prevendo que não teria senão mais alguns anos de vida, resolveu aderir ao bando novo, [...] acabou um mestre vigiado, policiado pelos discípulos (apud. SENNA, 1997, p. 33).

Segundo relato de Mário da Silva Brito, Graça Aranha tomara a Semana como pretexto para ir a São Paulo intermediar relações de exportação de café entre a firma de Paulo Prado e a França, país do qual Graça acabava de retornar de sua missões diplomáticas (1982, p. 139). Sobre esta questão - o que Graça estaria fazendo em São Paulo? - Nazareth Prado, em 1941, numa entrevista, daria outra versão:

A verdade é que eu, acima de quaisquer outros motivos, fui a principal causadora da Semana de Arte Moderna. Explico: naquela época, 1922, eu estava em São Paulo, em casa de minha família. Graça Aranha necessitava de qualquer pretexto para me ver. A Semana de Arte Moderna foi um belo pretexto. (apud: MARTINS, 1965, p. 65).

Apesar do curioso anedotário, Graça Aranha não seria o líder porque, se assim o fosse, o movimento paulista teria sua imagem associada e subordinada ao centro cultural carioca. A ruptura de Graça Aranha com a Academia Brasileira de Letras representou seu máximo esforço de identificação com a renovação modernista, além de ter sido uma propaganda convincente. Quando lemos o projeto apresentado aos Acadêmicos, cuja rejeição o levou ao rompimento, entendemos porque Mário dizia “detestar a influência” que Graça exercia sobre ele. O projeto propunha:

a) Um novo dicionário de língua portuguesa, com todos os vocábulos e frases da linguagem corrente, impropriamente chamados de brasileirismos. Os “portuguesismos” [...] não serão introduzidos; b) A Academia não aceitará para os seus concursos poesias parnasianas, árcades ou clássicas, [...] ou qualquer trabalho de ficção, de assunto mitológico, que não seja do “folclore” brasileiro, tratado com espírito moderno; c) A Academia fará imprimir as obras dos jovens escritores, que não encontrem editores e trouxerem à literatura originalidade e modernidade. [...]. (apud. TELES, 1978, p. 265).

Se aprovado, Mário de Andrade teria economizado um bom dinheiro na publicação de Paulicéia desvairada e de Macunaíma. Além de renovar, Graça Aranha pretendia democratizar a ABL, abrir as sessões para o público e promover os estudos brasileiros. Uma compreensão muito aguda da modernidade. O projeto antecipava a proposta modernista e a prática de Mário durante a direção do Departamento de Cultura. Como seu projeto foi recusado, a jovem intelectualidade paulista não ganharia mais nada sob sua liderança.

(35)

No depoimento de Mário de Andrade, o verdadeiro fator da Semana foi Paulo Prado. A tese defendida por Sérgio Miceli - a relação de dependência dos modernistas com os setores da alta burguesia - encontrava em Prado uma poderosa confirmação. Ele foi o responsável por introduzir alguns escritores, como Mário de Andrade, no movimento dos salões modernistas. Dentre outras coisas, arrecadou os fundos para alugar o Teatro Municipal para a realização da Semana Moderna. Ao assumir a direção da Revista do Brasil, publicou artigos de Mário e Oswald de Andrade. Era amigo pessoal de Graça Aranha e havia concedido, em 1915, ajuda financeira para que este, até então embaixador na França, comprasse um jornal em Paris.

Os modernistas souberam devolver o apoio em forma de dedicatória e prefácio. Poesia pau-Brasil foi prefaciada por Prado; Memórias sentimentais de

João Miramar e Macunaíma foram dedicados a ele. Em toda a sua atuação como

mecenas, arte e negócio se misturavam de modo impressionante e eficiente. Em suas várias viagens de negócios a Paris – chegando a ser condecorado com a medalha de honra da Legião de Honra -, adquire telas de Picasso, Léger, Picabia; além de intermediar o encontro de Oswald e Tarsila com Blaise Cendrars. Seu objetivo último, daí o apoio irrestrito aos jovens modernistas, fazer de São Paulo o centro por excelência da arte moderna no Brasil. Por isso financiaria pessoalmente a Semana de 22.

O objetivo – claro – foi atingido. Tristão de Ataíde, que despontava como uma das vozes mais respeitáveis da crítica literária da década de 20, em exercício de clarividência, declarava: “Se o século XVI pertenceu a Pernambuco, o XVII à Bahia, XVIII a Minas Gerais, XIX ao Rio de Janeiro, o século XX é o século de São Paulo” (1927, p. 13). O projeto modernista após 22, consagrado pela historiografia e pela crítica literária – em particular a da USP -, realiza-se a partir da desvinculação com o futurismo para elaboração de um pensamento nacionalista, ou mais especificamente, uma discussão sobre a identidade nacional, como prenunciara Graça Aranha. Tal projeto ocorre de modo mais contundente nos escritos de Mário e Oswald, ou sobre eles recai a maior parte dos estudos, o que nos leva a pensá-los como uma espécie de alto modernismo. É nesse contexto que a figura de Mário de Andrade será construída como melhor exemplo do modelo intelectual modernista.

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3

Nacional/Internacional

Uma coisa era o nacionalismo, o tolo nacionalismo, e outra era a brasilidade, a síntese brasileira. Determinados grupos se deixaram exaltar pela simbologia exagerada, em torno não do que havia de vivo na humanidade brasileira, mas justamente à roda do que sobrava abstração e mito. O verdeamalerismo não teve outra intenção. O movimento “pau-Brasil” era mais sincero, era brasilidade porque procurava resolver os problemas da terra.

Abguar Bastos (Testamento de uma geração).

3.1

O Brasil descoberto

Em carta a Mário de Andrade, datada de 9 de abril de 1923, Oswald de Andrade relatava ao companheiro suas relações pessoais na capital francesa:

Acaso, providência! Na mesa, ao meu lado, Cocteau – um magricela, com expressivos pés de galinhas [...]. Atraquei-o! Mais autógrafo.[...]. Jantarei lundi com Cendrars, dans la Maison. Irá ao Brasil, cinematograficamente; manda-te um autógrafo. [...]. Reconciliarei Cendrars com Pio XI. Onze mil virgens. Oswald. (apud: AMARAL, 1999, p. 65).

Segundo Aracy de Amaral, a necessidade do autógrafo seria uma comprovação dos contatos do brasileiro com os vanguardistas parisienses. Revelava um entusiasmo juvenil diante dos ídolos franceses e, de certa forma, uma autopromoção. Em carta a Antonio Candido, Rudá de Andrade confessa a obsessão do pai ao valorizar suas vinculações com “pessoas consagradas” e “sua amizade com a intelectualidade francesa” (apud: CANDIDO, 2004, p. 64). Quando se tornou persona non grata no círculo modernista, Oswald de Andrade, num misto de egocentrismo e autodefesa, citava seu convívio com os artistas europeus como demonstração de sua posição de ponta de lança do movimento. O artigo “Fraternidade com Jorge Amado” seria um exemplo4.

Em carta a Manuel Bandeira, Mário de Andrade comentava as relações exteriores do companheiro, seu contato com Cendrars e a conferência na Sorbone, terminando de modo irônico e surpreso: “Não é engraçadíssimo?” (1958, p. 18). A

4 cf: Ponta de lança. pp. 31-2.

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conferência na Sorbone – l’éffort de intellectuel du Brésil contemporain – seria publicada/traduzida no n° 96 da Revista do Brasil, dirigida por Paulo Prado. Nela, o conferencista desenha a evolução da intelectualidade brasileira, desde o período colonial ao esforço de renovação dos novos, integrada a uma nova sensibilidade advinda da industrialização e do contato com a vanguarda. Pontos, aliás, que voltaria a destacar em sua conferência sobre o movimento modernista vinte e dois anos depois da Semana.

Durante o ano de 1923, no qual a linha de frente do modernismo paulista residia em Paris (à exceção de Mário), Prado era um elo de ligação entre os artistas. Como exemplo, o fato de Oswald conhecer Blaise Candrars no apartamento de Prado. Na carta a Mário, Oswald fazia menção a viagem “cinematográfica” ao Brasil. Mais do que uma metáfora, o “cinematográfico” aludia a um projeto proposto por Paulo Prado ao poeta suíço para direção de um filme, com roteiro de Oswald de Andrade, sobre a Capitania de São Paulo. Em carta à esposa, Cendrars declarava que “examinaria os negócios in loco, pensava “no futuro das crianças”, poderia “entrar num negócios de terras de que me falaram se ele for sério”(apud CALIL, 1996, p. 64).

O filme, nunca realizado, em sua ficha técnica anunciava uma organização interessante sobre como o grupo se estruturava em Paris: Paulo Prado, produtor; Oswald de Andrade, roteirista; Blaise Cendrars, diretor. Além do filme, outro projeto abortado foi a realização de um balé, com roteiro de Oswald, música de Villa Lobos e figurinos de Tarsila do Amaral. Nos dois projetos, Mário de Andrade não figurava na ficha técnica, o que nos leva a crer numa divisão do movimento entre os residentes em Paris e os residentes no Brasil. Essa hipótese é reforçada pelo testemunho de Raul Bopp, apontando na Klaxon, dirigida por Mário, a realização do “programa desvairista”, subordinada inteiramente à “orientação poética” do autor da Paulicéia (1966, p. 48). Detalhe importante, Oswald não publicou na Klaxon.

Antes de Cendrars chegar ao Brasil, Mário de Andrade enviava uma provocativa carta à Tarsila do Amaral, para ser lida por Oswald e Sérgio Milliet, datada de 15 de novembro de 1923, aniversário da República.

Vocês foram a Paris como burgueses. Estão épates. E se fizeram futuristas! hi hi hi. Choro de inveja. Mas é verdade que considero vocês todos uns caipiras em Paris [...]. Tarsila, Tarsila, Tarsila, volta para dentro de ti mesma. Abandona o Gris e Lhote, empresários de criticismos decrépitos e de estesias decadentes.

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Abandona Paris! Vem para a mata-virgem, onde não há arte negra, onde não há também arroios gentis. [...]. Criei o mata-virginismo. Sou matavirgista! Disso é que o mundo, a arte, o Brasil e minha queridíssima Tarsila precisam. (AMARAL, 1999, p. 79).

Nada casual nesta carta, nem a data cívica. Com este desafio, em alguns momentos lobatiano, Mário prenunciava o roteiro de suas viagens (de estudos) pelo Brasil, do qual resultaria seu projeto intelectual; também reafirmava sua desconfiança em relação ao lugar da vanguarda parisiense na definição das diretrizes modernistas. Mas como quase tudo no poeta parecia assumir “trezentos-e-cincoenta” sentidos, a relação com a Europa é ambígua, vai do desdém à amordaçada fascinação.

O “matavirginista” aproveitava a estada em Paris de seus companheiros para encomendar quadros e revistas de vanguarda. Assim, mesmo distante do “umbigo do mundo”, mantinha-se atualizado com as novidades em arte que, afinal, compunham o capital intelectual com o qual freqüentava os salões da aristocracia cafeeira. No mesmo ano de 1923, em carta a Anita, também residindo em Paris, pede a amiga para comprar o nº 25 da Esprit Nouveau:

Tenho a coleção completa [...]. Agora, como a assinatura acabasse, reformei-a. Mas não recebi o nº 25 que já saiu e que já anda por aqui na mão dos assinantes de S. Paulo. Se viesse para as livrarias compra-lo-ía, mas como não vem, socorro-me de ti. Farás o favor, sim? de ir à livraria Jean Budry e Cie, 3, rue du Cherche-Midi, VI arrrondissement, reclamar o meu número. Junto a esta duplicata do cheque que já mandei para que possas provar que reformei a assinatura. [...] E como essa gente é muito trapalhona peço-te que me compres o nº 25 [...], para que eu não fique com a minha coleção truncada. (ANDRADE, 1989, p.86).

O convite para conhecer Paris é uma constância na correspondência tanto com Tarsila quanto com Anita Malfatti. Numa delas, Tarsila lhe escreve: “Isto aqui está lindo. Por que você não resolve uma viagem? O brasileiro se engana, pensando que é preciso uma fortuna para vir a Paris” (1999, p. 68).

A ressalva é ferina, porque Mário constantemente justificava a falta de dinheiro como um impedimento para a viagem. Nas cartas a Anita, escreve abertamente sobre seus apertos financeiros, que atrasavam tanto a ida do Losango

cáqui (dedicado a ela) para a gráfica, pois autofinanciava suas obras, quanto o

pagamento pelos quadros da pintora.

No ano seguinte, 1924, deixa explícito para Anita o desejo de seguir para Paris: “Gostaste dos versos que te mandei? Conta-me Paris. Ah! si ano que vem eu puder ir te abraçar ai!”(1989, p. 92). Ao mesmo tempo em que tachava de

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