• Nenhum resultado encontrado

20º Congresso Brasileiro de Sociologia. 12 a 17 de julho de UFPA Belém, PA. CP21 - Sociedade e universidade

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "20º Congresso Brasileiro de Sociologia. 12 a 17 de julho de UFPA Belém, PA. CP21 - Sociedade e universidade"

Copied!
15
0
0

Texto

(1)

20º Congresso Brasileiro de Sociologia 12 a 17 de julho de 2021

UFPA – Belém, PA

CP21 - Sociedade e universidade

A migração rumo aos cursos superiores seletivos e concorridos Thiago Antônio de Oliveira Sá, Universidade Federal de Alfenas-MG, Capes

(2)

A MIGRAÇÃO RUMO AOS CURSOS SUPERIORES SELETIVOS E CONCORRIDOS

Introdução

A Universidade Federal de Alfenas-MG (Unifal-MG), situada ao sul do estado de Minas Gerais, expandiu-se significativamente em função de sua adesão ao Reuni, ampliando e diversificando seu alunado (SÁ; CAÑAVERAL, 2017; SÁ, 2019). Entretanto, a taxa geral de evasão sobe ao longo desse período, estabilizando-se em torno de 43% por coorte, a partir de 2010.

Gráfico 01- Evolução da taxa de evasão na UNIFAL-MG, campi de Alfenas, coortes 2007 a 2013.

Fonte: elaboração própria.

Uma constatação reincidente na bibliografia é de que o abandono se concentra no primeiro ano. Na coorte 2013 dos campi de Alfenas da Unifal-MG não foi diferente: 60% dos que deixariam a universidade o fizeram logo naquele momento. O restante se foi em proporções cada vez menores. Nos últimos períodos, quase a totalidade dos evadidos já havia partido. Apenas 3% deles largaram o curso “na última hora”. O gráfico abaixo representa a concentração do abandono no início dos estudos. Apesar da diferença entre suas respectivas taxas, todos os cursos apresentam este padrão de êxodo precoce, no primeiro ou no segundo período. Exceto Biotecnologia, cujo auge do abandono é no terceiro.

0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00% 35,00% 40,00% 45,00% 50,00%

Coorte 2007 Coorte 2008 Coorte 2009 Coorte 2010 Coorte 2011 Coorte 2012 Coorte 2013 Evolução da taxa de evasão, por coorte - UNIFAL-MG

(3)

Gráfico 02- Número de evadidos em cada período - coorte 2013

Fonte: elaboração própria.

O abandono é maior nos cursos mais acessíveis, como se observa no gráfico abaixo. As licenciaturas e os bacharelados em humanidades são os cursos mais abandonados. E, entre eles, as licenciaturas em Ciências Exatas ocupam o topo da classificação. Letras e Pedagogia são exceções: figuram entre os cursos de maior retenção. Bacharelados de saúde e de formação científica intercalam posições. Odontologia, além de ser o mais seletivo e o mais concorrido, é também o com menor vazamento.

0 50 100 150 200 250 Não evadidos Evadidos

(4)

Gráfico 03- Proporção de evadidos por curso - coorte 2013

Fonte: elaboração própria.

Entretanto, uma parte significativa dos evadidos de 2013 jamais compareceu às aulas, ou o fez apenas por algumas semanas, desertando antes mesmo das primeiras avaliações. Quantos eram? Por que nunca apareceram ou frequentaram tão pouco? Para onde foram? Em busca de quê? A que se deve esta evasão precoce, que muitas vezes precede o primeiro contato com a universidade?

Os objetivos foram descrever, explicar e compreender os ingressantes da coorte 2013 de graduação presencial da Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG) que deixaram o curso antes mesmo das primeiras avaliações. Utilizou-se estatísticas descritivas dos 977 estudantes da coorte 2013 e 14 entrevistas semiestruturadas com estudantes que deixaram o curso.

Principais resultados

À primeira vista, a constatação de que 43% dos ingressantes da coorte 2013 evadiu é alarmante. Significa que quase metade dos estudantes deixou a universidade sem concluir seu curso. Seria o argumento perfeito para contestar o investimento público no ensino superior, para desqualificar suas políticas de expansão e de inclusão (Reuni e a reserva de vagas) e para justificar os cortes em suas verbas. 0% 20% 40% 60% 80% 100% Q uím ic a-lic en cia tu ra Fís ic a-lic en cia tu ra M ate m áti ca -lic en cia tu ra Ciê nc ia s So cia is -b ac ha re la do G eo gr afia -b ac ha re la do Ciê nc ia s S oc ia is -li ce nc ia tu ra Ciê nc ia s B io ló gic as -… G eo gr afia -lic en cia tu ra H is tó ria -lic en cia tu ra Ciê nc ia d a C om pu ta çã o N ut riç ão Fa rm ác ia Fi sio te ra pia Q uím ic a-b ac ha re la do En fe rm ag em Le tra s-lic en cia tu ra Bio m ed ic in a Ciê nc ia s B io ló gic as -… Bio te cn olo gia Pe da go gia -lic en cia tu ra O do nt olo gia Não evadidos Evadidos

(5)

Porém, quase metade destes abandonos (32,8% deles) compõe-se de “desertores puros” (BOADO; CUSTODIO; RAMIREZ, 2011), isto é, de estudantes que jamais compareceram às aulas. E, caso some-se a estes os que frequentaram a universidade apenas por alguns dias, tem-se, portanto, que quase metade dos evadidos (43%) partiu antes mesmo de um mês de curso.

Este subgrupo dos evadidos tem coeficientes de desempenho acadêmico (CDA) pífios (quase todos zerados) porque se foram antes das avaliações, e não por fracasso absoluto nelas. Ao contrário do que pressupõem perspectivas que atribuem a evasão somente ao despreparo estudantil e que a concebem apenas como fracasso, os dados apontam outras motivações e razões a se conhecer. O abandono antecedeu as avaliações e demais atividades que valiam nota.

Os dados qualitativos confirmam esta relação inversa à esperada: a universidade não eliminou estes estudantes; elas e eles a eliminaram, antes. Não evadiram porque se reprovaram; reprovaram-se porque já haviam evadido.

Tais estudantes partiram antes mesmo de conhecer o curso porque nunca quiseram estar nele, de fato; são cursos eleitos em segunda opção, no Sisu. Trata-se de matrículas sabidamente indesejadas, meramente rituais e descomprometidas, quando já se sabia que a pontuação no Enem fora insuficiente para a primeira opção de curso. Não admitidos na carreira realmente almejada, estas e estes ingressantes colocaram sua nota em outras, nas quais conseguissem entrar. Esta segunda opção de curso geralmente é afim àquela não alcançada (como Fisioterapia, em relação à Medicina). Mas, às vezes, resulta disparatada e aleatória. De todo modo, efetuaram uma matrícula fictícia, apenas para consumar o processo.1 Nunca compareceram ou deixaram logo o curso

porque nunca quiseram estar ali, de fato. Faltavam-lhes objetivos com os quais se comprometerem. Não atingiram sucesso acadêmico e nem engajamento estudantil porque não houve sequer tempo para isso. Tal evasão precoce, portanto, não se deve exatamente à eliminação por capital cultural insuficiente (BOURDIEU e PASSERON, 2013; 2015) e nem precisamente à falta de 1Há, entre os evadidos precoces, aqueles que não compareceram pelo motivo oposto: porque

foram convocados a assumirem a vaga no curso eleito como primeira opção em outra universidade, mas esta migração está fora do escopo da análise da “escalada”, retratada a seguir.

(6)

integração acadêmica (TINTO, 1987) porque ela precede as avaliações e as interações sociais com colegas e docentes. Diferentemente de evadidos tardios, que se decepcionam com o curso após vários períodos nele, evadidos precoces já entram conscientes de que não o querem.

Minha nota não foi boa pra entrar no curso de Medicina. Nem entrei pela cota de negrão, porque 600 pontos na Física é bem acessível. Pra Medicina, infelizmente, não deu. Não tinha tempo de estudar. Pensei: "ah, vou lá". Daí, pra quem não estudou... Se eu estudasse, dava [para passar em Medicina]. Se eu tivesse tempo vago para estudar, dava ... Aí lancei a nota, deu certo. Caí na Física. Vamo pra Física! (Evadido de Física). Aí chega aquela hora de colocar nota... Aí, você vê que sua nota dá pra uma série de cursos, dá vontade de entrar na faculdade, né? Eu já tava bem realista que não ia dar pra Medicina. Só que aí, quando abriu as inscrições lá, eu falei: “vou entrar pra dar uma olhada na minha nota”. Aí, já tá lá, já abri a inscrição do SISU, vi lá os cursos como é que tava, coloquei lá: Fisioterapia e Farmácia. Nem coloquei Medicina porque vi que minha nota não dava, mesmo (evadido de Física e de Fisioterapia). Eu queria entrar muito. E não queria mais ficar fazendo cursinho. Na verdade, eu queria Odonto, né? Só que aí eu jogava minha nota e não ia. Aí, no desespero, falei: "ah, vou jogar qualquer curso. Qualquer curso que eu entrar, eu vou". Aí, coloquei Sociais e calhou de eu entrar. Inclusive, eu nem pesquisei sobre. Eu vim sem saber de nada da área (evadida de Ciências Sociais).

Falei: “vou tentar uma que não tenha tanta concorrência, pra ver se eu consigo”. Aí joguei em Física e deu. Só que não é minha área! Nem frequentei! Passei, seis meses depois, em Farmácia, e não queria. Achei interessante, mas não cheguei a terminar nem um período porque queria Odonto. Aí, depois disso, eu fiquei um tempo trabalhando e passei de novo no Prouni na Unifenas. Foi aí que eu entrei. Entrei e tô lá! (evadida de Física e Farmácia).

Em nenhum momento pensei que ficaria na Nutrição! Porque eu sempre quis apenas Medicina. Quando eu vi que eu não tava conseguindo passar, aí eu falei: “pode ser que eu tente Odonto também”, porque tem umas áreas do que eu quero mexer, que é cirurgia. E aí, eu falei assim: “não, Nutrição não tem nada a ver comigo”. Eu tinha certeza que eu nunca quis. Se eu gostasse da Nutrição, eu teria ficado (evadida de Nutrição).

Conforme se disse, alguns, ao contrário dos que nunca apareceram, persistem por alguns dias ou semanas, tentando aproveitar algo do curso. Mas logo também

(7)

se retiram porque se apoiam em motivações frágeis e pouco vinculantes: frequentam-no para tentarem se entusiasmar, para aproveitar disciplinas numa incerta aprovação futura, para dar satisfação à família, para tentar transferência e para garantir a vaga (é melhor ter algum curso do que curso algum). Convencidos de que estes esforços são infrutíferos, e podendo apostar numa aprovação futura em cursos socialmente impermeáveis ao invés de se relegarem aos cursos “possíveis”, se vão (ALMEIDA e ÉRNICA, 2015; BARBOSA, 2015a; 2015b; BARBOSA e SANTOS, 2011, HERINGER, 2015; HONORATO e HERINGER, 2015).

Nem coloquei Medicina porque vi que minha nota não dava, mesmo. Então coloquei Fisioterapia e entrei. Coloquei minha nota lá sem muito... “ah, acho que eu não vou fazer não, só pra ver se é aprovado, mesmo, me sentir melhor.” Aí, quando eu fui aprovado, começou: “será que eu faço? Será que eu não faço?” Achei realmente bem legal, mesmo, mas não é pra mim. Foi assim que eu acabei entrando no curso. Eu tava com um pouco de má vontade com o curso, entendeu? (evadido de Física e de Fisioterapia).

Tava fazendo cursinho porque eu queria Medicina. E aí eu não passava. Aí joguei minha nota na Nutrição e Odonto, só que eu não consegui Odonto. Aí eu passei em Nutrição e resolvi fazer um ano, pra eliminar algumas matérias, se eu entrasse em Medicina ou Odonto. Eu não tava fazendo todas as matérias. As que tinham a ver com Nutrição, eu não tava fazendo. Eu tava fazendo só Embrio [logia], essas matérias que dava pra eu eliminar, mesmo. Foi quando eu achei que eu tava perdendo muito tempo fazendo uma coisa que eu não queria. Aí, no caso, hoje, eu faço Odonto, só que na Unifenas (evadida de Nutrição).

Não sabia direito o que queria. Pensei: “vou fazer Engenharia”. Daí, fiz

Enem. E como eu precisava estudar aqui em Alfenas – e não tem

Engenharia aqui – então eu pensei “vou fazer Física, que vai me ajudar,

eu vou entender mais sobre a Matemática e tal”. Foi por conta de

Engenharia. Na época, eu pensei que era sério, mas hoje eu vejo que não. Também tem a questão da nota, né? Minha nota deu pra entrar, consegui entrar em Física (evadido de Física e de Fisioterapia).

O que eu ouvi na época é que, se você tá na faculdade, transferir de um curso pro outro era mais fácil. Bom, então pensei “vou tentar isso”. Tinha rumores que ia abrir Medicina na Unifal. Chegando aqui, descobri que não tinha como transferir, porque meu curso não dava razão pra eu transferir pra Medicina. Se eu fizesse Enfermagem, talvez desse. Mas de Exatas não tinha. Tinha como transferir para Matemática, Ciência da Computação. Já que não tem jeito, eu faço Física. Eu me frustrei foi nisso (evadido de Física).

(8)

Aí, vem minha mãe e começa: “faz... vai lá só pra você ver se você vai gostar. Faz uma semana, só pra você conhecer a faculdade”. Aí começa um monte de coisa. “Conhece a faculdade... vai te ajudar depois alguma matéria pra você fazer Medicina. Depois, você elimina matéria, monte de coisa.” Aí conversava com amigo, sabe... “faz, é legal, vai te ajudar, você vê como é que é, tal, é um curso bem legal, não sei o quê” (evadido de Física e de Fisioterapia).

No começo, eu dediquei demais! Fazia todos os trabalhos, passava nas provas, fazia os seminários. A partir do terceiro, eu já não fazia as coisas. Já comecei a trancar muita matéria porque eu falei "nossa, eu vou trancar e vou começar a estudar pro vestibular, porque eu não quero isso daqui, não". Acho que fui até o quinto. Era licenciatura, né? Eu ia começar o estágio. Eu tava desesperada, porque realmente não queria. Falei: "gente, eu não quero ir pra sala de aula". Aí que caiu a ficha, né? No primeiro dia do quinto período, a professora queria que eu falasse o porquê que eu tava ali. E eu, tipo, "não, não quero estar aqui, não quero falar". Eu sabia que não era isso que eu queria. Eu falava: "ah, será que eu formo?" Porque muita gente da minha família falava pra mim: "forma, você já tá nesse curso, mesmo". Mas vale a pena? Eu sabia que eu queria Odonto, só que aí eu ficava muito desfocada. Não centrava na Sociais [sic], não centrava no cursinho... Na verdade, é porque eu não tinha opção de fazer o que eu realmente queria fazer. Aí foi uma segunda opção. Aí, uma semana depois, eu fui chamada pra Nutrição. Aí, eu falei: "nossa, não acredito que vou sair!" Porque ou eu ia trancar e tentar Odonto, ou não ia continuar, não. Aí, consegui mudar. Nossa, foi muito libertador! Saí feliz demais (estudante 10, evadida de Ciências Sociais).

Mas o abandono precoce não significa que estudantes, ao deixaram logo o curso que nunca quiseram, deixem a própria Unifal-MG ou mesmo o ensino superior. Conforme se antevê nos relatos acima, largar o curso definitivamente indesejado é apenas o primeiro passo de um fluxo migratório intrassistema de ensino superior. Uma verdadeira “escalada” rumo ao topo da hierarquia universitária, isto é, aos cursos mais rentáveis, mais seletivos e concorridos.

A escalada tem sentido ascendente: consiste na insistência na aprovação em cursos mais seletivos e concorridos ao longo das edições seguintes do Enem. Ela pode envolver passos intermediários: cursinho pré-vestibular, admissão numa instituição privada e ingresso em cursos “paliativos” que, ainda não sendo exatamente o aspirado, assemelham-se a ele. Nestes cursos “trampolim” tampouco há garantia de permanência, ou seja, novos abandonos estão previstos.

(9)

As recompensas pelos esforços dos alpinistas do ensino superior são incertas: quanto mais ambiciosa a meta, mais improvável. Por isso a escalada é sofrida: causa ansiedade, angústia e frustração. E pode ser que a/o estudante nunca chegue ao cume, resignando-se a se formar num curso afim ao aspirado. Cabe lembrar: mesmo que em taxas menores, mesmo cursos seletivos também são abandonados em busca do topo da hierarquia acadêmica (ex: evadidos de Odontologia visam Medicina. Evadidos de Medicina buscam este mesmo curso numa instituição maior).

Bastante satisfeita [com a Odontologia]! Mas ainda tenho vontade de fazer Medicina. Mas, agora, eu quero só depois que eu formar. Mas eu ainda quero. Muito! Antes, eu vou fazer minha especialização. E, talvez, entrar na Medicina. Mas aí é onde eu tiver morando, também,né? Se eu tiver morando aqui, aí eu tento UNIFAL. Ou UNIFENAS também, não sei (evadida de Nutrição).

Eu bolei um plano, sabendo a dificuldade de cada curso. Porque, mesmo se não der [Medicina], minha nota vai dar pra alguma coisa. O plano B seria Odonto, mas é um curso que não me anima em nada. O plano C é um curso que eu gosto bastante, que é Biologia, mas penso depois na área de trabalho como seria... Biólogo, não sei, exatamente. É uma coisa que me preocupa muito. Então seria Medicina, Odonto e Biologia. (evadido de Física e de Fisioterapia).

Eu entrei em 2013, na Sociais. Durante o dia, eu fazia cursinho e à noite vinha pra cá. Mas eu já sabia que queria mudar de curso. Sempre fazia o Enem. Todo ano tentava Odonto, mas tava muito concorrido. Eu falei: “realmente, eu não quero Ciências Sociais. Eu vou colocar um curso que dê". Falei: "ah, vou colocar Nutrição" e aí foi o que eu consegui. Nem pensava na Nutrição. Foi de momento, assim. Depois que eu consegui mudar de Sociais pra Nutrição, eu tentei uma vez só o vestibular. Depois, não. Eu ainda não tenho muito conhecimento de Nutrição pra falar "nossa, é minha paixão", igual muita gente da minha sala, que foi primeira opção. Minha paixão sempre será Odonto. Mas Nutrição pode ser legal. E é uma área que você tem bastante oportunidade (evadida de Ciências Sociais). Aí, quando eu consegui mudar pra Nutrição, eu tentei mais uma vez o vestibular pra Odonto. Só que não deu. Ano passado, já nem fiz. Aí não quis fazer e falei "ah, não vou fazer mais não, vou continuar na Nutrição, mesmo". Só se eu passar em Odonto que eu largo a Nutrição. Mas como eu não tô fazendo vestibular... Eu meio que foquei, sabe? Porque ficar dançando não dá certo. Se eu for estudar pra Odonto, não dá pra continuar a faculdade, eu vou ter que parar, pagar um dinheirão, fazer vestibular e agora não dá pra mim. Acho que eu vou formar na Nutrição, tentar trabalhar na área e, depois de um tempo, eu tento fazer Odonto. É

(10)

melhor focar, firmar, e depois eu faço o que eu quero (evadida de Ciências Sociais).

Embora as limitações deste trabalho impeçam de se demonstrar estatisticamente, cabe destacar que este abandono “para dentro” do sistema, ou seja, a partida justamente para buscar o ingresso definitivo, é típico de estudantes cujo perfil se aproxime do alunado universitário típico: jovem e que não trabalha. Idade modal e tempo para dedicação são condições básicas para a escalada. Discentes assim têm o ensino superior como um projeto central de profissionalização. Seus objetivos educacionais são claros: se formar neste ou naquele curso especificamente, e não num curso superior. Seguem uma “vocação” ou uma estimativa de ganhos, a ser atingida com dedicação exclusiva (ou pelo menos prioritária), visando à formação e ao exercício do ofício. Por isso, o resultado do Sisu é tudo ou nada: ou a aprovação desejada ou evasão pré-escalada. Como têm objetivos educacionais claros e, muitas vezes, tempo livre para se preparar, logo partem da universidade para recomeçar o processo seletivo. Procuram retirar-se do curso indesejado, mas não do ensino superior.

Não é o caso, entretanto, de estudantes maduros, para quem o abandono frequentemente não se deve à escalada, mas à ruptura do tênue equilíbrio entre forças internas e externas à universidade. Discentes acima da idade modal e que trabalham costumam procurar o ensino superior com objetivos complementares, como desenvolvimento intelectual, diversificação das qualificações, aquisição de habilidades subsidiárias e certificação em si mesma. Buscam formação, num sentido genérico de instrução. Importa-lhes diplomar-se num curso, e não naquele no qual entrevejam uma carreira (daí a curiosa figura de licenciandos que não cogitam a docência). Não vislumbram um projeto educativo de longo prazo, mas uma relação casual, paralela, complementar e cindida com o ensino superior. Uma formação sob improviso, repleta de lacunas, de baixas dedicação e expectativas e com constante estimativa de custos e benefícios da persistência. Os candidatos inspiram-se por facilidades ocasionais, como já residir na cidade em função do trabalho, a proximidade de casa, a gratuidade do ensino, o tempo disponível à noite, pessoas próximas estudando, acessibilidade e compatibilidade

(11)

com a rotina “principal”. Acabam se autosselecionando, pois precisam eleger cursos pouco concorridos e, sobretudo, noturnos. No caso da Unifal-MG, as licenciaturas são a única opção. Quando os afazeres externos à universidade exigem mais que os próprios estudos, o resultado é a partida definitiva do sistema. À interrupção dos estudos não segue a migração ascendente, mas o fim da “aventura” universitária.

Não se sabe se houve ingressantes em segunda opção que permaneceram, nem se, caso existam, quantos foram. “Ordem de preferência de curso X persistência” é uma relação bivariada difícil de se obter, pois não se tem acesso aos cursos assinalados pelos candidatos como primeira e segunda opção. Com os dados dos quais se dispõe, conseguiu-se identificar o movimento migratório, sem, no entanto, conhecer seu volume exato nem pontuar suas exceções.

Conclusões

Por meio deste trabalho, pretendeu-se lançar alguma luz sobre um aspecto curioso do abandono do ensino superior: a migração rumo aos cursos superiores seletivos e concorridos. Há uma população universitária em trânsito, disputando espaços, tentando galgar posições mais valiosas, mais de acordo com seus gostos, aspirações profissionais e projetos de mobilidade social. A escalada é esse movimento ascendente, dentro do próprio sistema, rumo às carreiras mais prestigiadas, independentemente de alcançarem ou não seu objetivo final. Essa caminhada começa pela ocupação provisória de vagas por “estudantes-fantasmas”. Matrículas que nunca se confirmaram de fato, ingressantes apenas no papel, cadeiras vazias logo no primeiro dia, enquanto nada melhor acontece. Essas matrículas meramente protocolares têm um custo: diminuem os efeitos expansivos e inclusivos das políticas públicas, pois esvaziam os cursos antes mesmo das aulas começarem, sobretudo os mais acessíveis, como as licenciaturas. Além disso, a permanência que não se concretiza pela falta de sentido gera indicadores artificialmente baixos que complicam a situação das universidades, embora não sejam verdadeiros. Boa parte da evasão é escalada

(12)

premeditada, é acesso de mentira e nem deveria ser contabilizada. Estes estudantes logo se vão, mas as taxas de evasão ficam, e elevadíssimas.

É preciso se repensar a segunda opção de curso, no Sisu. São necessárias pesquisas que verifiquem sua efetividade enquanto dispositivo inclusivo. É uma alternativa para estudantes recusados em cursos seletivos e concorridos? É um prêmio de consolação? Garante algum acesso? Este acesso significa permanência? Ou tem funcionado como usina de evasão, dado que oferece a um candidato algo que ele não quer, encorajando assim uma ocupação irreal das vagas?

Ademais, a segunda opção de curso é um obstáculo à democratização do acesso ao ensino superior. Ela estimula a ocupação deliberadamente provisória de algumas áreas por um contingente de desertores potenciais, sobretudo no primeiro semestre letivo e particularmente em cursos mais concorridos. Além disso, tal inserção irreal de reprovados na primeira opção em cursos que elegeram como segunda alternativa obstrui a entrada de pessoas realmente interessadas nestes últimos, mas que não tiveram o mesmo desempenho no Enem.

A escalada evidencia que evasão de curso não significa evasão de instituição e nem de sistema. Há uma população em trânsito entre cursos e instituições, reinserindo-se em outras vagas, ou pelo menos tentando, na mesma universidade ou em outra. É preciso estar atento aos distintos escopos que se escondem atrás do rótulo “abandono”: de curso, de instituição e de sistema (TINTO, 1989). Muitas das vezes, é uma “dança das cadeiras”.

A migração rumo aos cursos seletivos e concorridos desmitifica a evasão e desmente suposições pessimistas sobre ela. Muitas das vezes, as partidas são ajustes de trajetória pelos estudantes (RISTOFF, 2011). O abandono de curso nem sempre é tragédia, e pode ser o começo de uma caminhada cujo resultado é a permanência efetiva, pois os objetivos educacionais serão atingidos e o grau de comprometimento com eles, aumentado (TINTO, 1987).

(13)

Esta é uma primeira abordagem deste fenômeno migratório intrassistema. Identificaram-se suas dinâmica e motivações subjetivas. Faltam ainda dados relativos aos destinos pós-abandono. Superada esta limitação de dados, pode-se conhecer quantas retiradas precoces de fato se devem à escalada e não à partida do sistema; a proporção de escaladas bem sucedidas; seu tempo médio; em que medida os cursos de saúde, em proporções variadas, são “salas de espera” até a aprovação em Medicina; quais características socioeconômicas estão associadas a esta migração e o peso explicativo de cada uma; quais perfis favorecem a reinserção imediata; a vivência ao longo do ano de “alpinismo” até o Enem, em dezembro. Para tudo isso, é necessário um monitoramento dos evadidos, empreitada já em planejamento.

A migração via escalada não esgota a explicação da evasão no ensino superior. O propósito aqui foi apenas foi indicar essa população migrante e sua dinâmica. O abandono do ensino superior é um fenômeno multicausal, que envolve fatores estruturais e individuais, objetivos e subjetivos, socioeconômicos e regimentais, macro e microssociológicos (LATIESA, 1992). O mercado de trabalho é um determinante macrossociológico do abandono: as diversas carreiras têm retornos financeiros diferenciados. Por isso, os cursos têm atratividade desigual. Quanto mais seletivos e concorridos os cursos, menos abandonados (SÁ; CAÑAVERAL, 2017). O abandono também está associado a disposições subjetivas em relação aos estudos. Estudantes buscam a graduação com os mais variados objetivos. E com graus de comprometimento com estes objetivos igualmente variados (TINTO, 1987). E, com a democratização do ensino superior, tal diversidade fica ainda mais evidente, com a chegada dos estudantes maduros e trabalhadores, com suas dedicações e expectativas baixas e pretensões acessórias, paralelas e secundárias com os estudos (SÁ, 2019). E, obviamente, está associado também aos traços socioeconômicos individuais, como antecedentes escolares,

background familiar e trabalho.

Enfim, tratou-se aqui de lançar um olhar sobre um volume expressivo, que ainda precisa ser mais bem mensurado, de estudantes que ocupam vagas despretensiosamente enquanto aspiram as que (ainda) não alcançaram. Neste trabalho, identificou-se que, pelo menos para estudantes jovens e que não

(14)

trabalham, evasão de curso faz parte de um fluxo, ascendente, que começa pela aprovação em cursos que não se quer frequentar. A saída é só o começo da entrada.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, A.M. F; ÉRNICA, M. Inclusão e segmentação social no ensino superior público no estado de SP (1990-2012). In: Educ. Soc., Campinas, v. 36, nº. 130, p. 63-83, jan.-mar., 2015.

BARBOSA, M.L.O. Expansão, diversificação e democratização: questões de pesquisa sobre os rumos do ensino superior no Brasil. In: Caderno CRH. Salvador: v. 28, n. 74, p. 247-253, Maio/Ago, 2015a.

_________________. Origem social e vocação profissional. In: HONORATO, G.; HERINGER, R. (orgs.). Acesso e sucesso no ensino superior: uma sociologia dos estudantes. Rio de Janeiro: 7 Letras: FAPERJ, 2015b.

BARBOSA, M.L.O.; SANTOS C.T. A permeabilidade social das carreiras do ensino superior. In: Caderno CRH. Salvador: v. 24, n. 63, p. 535-554, Set/Dez, 2011.

BOADO, M.; CUSTODIO, L.; RAMÍREZ, R. La deserción estudiantil universitaria en la Udelar y en Uruguay entre 1997 y 2006 Montevideo: Universidad de la República, 2011.

BOURDIEU, P; PASSERON, J.C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 2013.

_____________________________. BOURDIEU, P. e PASSERON, J.C. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: Ed da UFSC, 2014.

HERINGER, R.. O acesso ao curso de pedagogia da UFRJ: análise a partir dos ingressantes em 2011-2012. In: HONORATO, G.; HERINGER, R. (orgs.). Acesso e sucesso no ensino superior: uma sociologia dos estudantes. Rio de Janeiro: 7 Letras: FAPERJ, 2015.

(15)

HONORATO, G.; HERINGER, R. Acesso e sucesso no ensino superior e a pesquisa no curso de pedagogia da UFRJ. In: HONORATO, G.; HERINGER, R.(orgs.). Acesso e sucesso no ensino superior: uma sociologia dos estudantes. Rio de Janeiro: 7 Letras: FAPERJ, 2015.

LATIESA, M. La deserción universitaria. Desarrollo de la escolaridad en la enseñanza superior. Exitos e fracasos. Madrid: Siglo XXI, 1992.

RISTOFF, D.. A expansão da educação superior brasileira: tendências e desafios. In: FERNÁNDEZ LAMARRA, N.; PAULA, M. F.C. (Orgs.). La democratización de la educación superior en América Latina. Límites y posibilidades. Saenz Peña: Universidad Nacional de Tres de Febrero, 2011.

SÁ, T. A. O. Por que eles se vão? O abandono no ensino superior público pós-expansão do acesso. 2019. 218f..Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2019

SÁ, T.A.O e CAÑAVERAL, I.C.P.. REUNI: Expansão, segmentação e a determinação institucional do abandono. EccoS – Rev. Cient., São Paulo, n. 44, p. 93-115, set./dez. 2017.

Referências

Documentos relacionados

É esta trabalhadora “de ontem”, cujas situações de trabalho decorrem do entrelaçamento entre divisão social, sexual e racial do trabalho atravessadas pelas estratégias racistas

Há uma espécie de embate, que frequentemente toma a forma de uma discussão, onde “quem critica deve produzir justificações que sustentem a crítica, assim como

Segundo Novaes (1997), o termo “juventude” no plural é utilizado para que se evite compreendê-lo como algo objetivamente definido por uma faixa etária. Se

a chegada ao cinema, a fila, o momento da espera, a compra do bilhete, a estada na sala. Notamos que novos paradigmas orientam as sociabilidades desempenhadas nesse equipamento

Para a análise dos dados levantados, após classificar as decisões por estado da federação onde foi praticado o crime, órgão decisor (Turma do STJ que julgou o caso), tipo de

Foram elencados, no item anterior deste artigo, ao menos cinco fatores preponderantes de degradação ambiental da Baía de Guanabara ao longo da ocupação histórica da

Ao adotar o índice de crescimento sustentável dos municípios, ICSM, como ferramenta para analisar o impacto do avanço do agronegócio na qualidade de vida das pessoas, o estudo

Indicando, portanto, assim como na tabela anterior, que as diferenças interativas de gênero e origem social nas chances de concluir o ensino superior em área de ciências duras