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20º Congresso Brasileiro de Sociologia 12 a 17 de julho de 2020 UFPA Belém, PA

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20º Congresso Brasileiro de Sociologia 12 a 17 de julho de 2020

UFPA – Belém, PA

Desigualdades de gênero e raça nas ocupações e grupos de atividade no trabalho por conta própria no Brasil

Thaís de Souza Lapa (UFSC) e Juliana Grigoli (UFSC) Resumo

Esse paper discute as características da desigualdade de renda nas ocupações e atividades informais e por conta própria no Brasil, especialmente naquelas que refletem divisão sexual do trabalho. Baseia-se em pesquisa realizada em 2020 com base em dados da PNAD-C, cujo levantamento entrecruzou dados das faixas de renda e ocupações dos trabalhadores com suas distribuições de gênero e raça. Foi possível observar que entre as ocupações por conta própria mais frequentes há uma nítida segregação de gênero e de renda, sendo as ocupações melhor remuneradas ocupadas por homens brancos, enquanto as mulheres, sobretudo negras, predominam na base da pirâmide ocupacional. Tais resultados expressam desigualdades estruturais do mercado de trabalho e sublinham que a persistência da divisão sexual do trabalho desigual reproduz, também entre os “conta própria”, padrões de subordinação da classe trabalhadora feminina e sobretudo negra, sobrerrepresentada em ocupações pior valorizadas e remuneradas. O enfoque interseccional-consubstancial adotado permite observar, deste modo, que o conjunto de trabalhadores por conta própria não conforma um todo homogêneo.

Palavras-chave: trabalho por conta própria - informalidade - interseccionalidade - desigualdades no mercado de trabalho

1 Introdução

Este paper apresenta parte dos resultados da pesquisa “Informalidade e discriminação racial e de gênero no trabalho ‘por conta própria’ no Brasil”, realizada em 2020 por equipe do Laboratório de Sociologia (LASTRO-UFSC)

1

. O

1

Esta pesquisa recebeu apoio da Fundação Perseu Abramo.

(2)

estudo procurou compreender, em perspectiva interseccional

2

, a morfologia socioeconômica dos 24,3 milhões de trabalhadores por conta própria no Brasil - tanto formais como informais

3

. Para tal, utilizou dados da PNAD-C

4

e se fundamentou, também, nas reflexões a respeito da longa trajetória da estrutura de desigualdades no mercado de trabalho brasileiro (Gonzalez, 2020[1979,1982], MOURA, 2019[1988]). A relevância do enfoque analítico interseccional se deve ao fato deste privilegiar o enovelamento destas dimensões como heuristicamente necessário para a compreensão (e desnaturalização) das posições e condições de trabalho da classe, atravessada pelas estruturações de sexo e raça. A divisão sexual do trabalho, conceituação desenvolvida por Kergoat e Hirata (2003), é chave analítica para se refletir em maior profundidade, a partir dos dados levantados, sobre sua imbricação com a divisões racial e social do trabalho - cujas características particulares no Brasil advém de processos de longa duração decorrentes da formação social do país, marcada pelo escravismo colonialista.

No Brasil, os trabalhadores por conta própria formam um grupo social majoritariamente masculino (63%, contra 37% de mulheres), em boa medida porque o emprego doméstico, ao ocupar outra parcela da população mais pobre, é quase inteiramente feminino. Os negros são maioria entre os conta própria, 55%

(10% de pretos e o restante de pardos), dez pontos percentuais a mais que os brancos. Outras identidades de cor-raça somam pouco mais de 1%.

2

Há diferenças entre as conceituações interseccionalidade e consubstancialidade, que não serão aprofundadas neste texto, cuja preocupação é privilegiar o enfoque analítico que imbrica as dimensões de classe, gênero e raça das relações sociais, compreendidas como relações de poder que se co-produzem e se recobrem parcialmente, sendo, portanto, base material estrutural das divisões de trabalho (social, sexual, racial). Ao longo do texto, utiliza-se “perspectiva interseccional”

(ou similares) como forma simplificada de nomear um campo de reflexões mais amplo e cujas dissonâncias escapam ao propósito do texto. Sobre o assunto, ver Hirata (2014) e Galerand e Kergoat (2018).

3 A maior parte dos trabalhadores por conta própria atua na economia informal - 77%, contra 23%

que têm CNPJ, quase todos estes como Microempreendedor Individual (MEI).

4 Utilizou-se os microdados da PNAD-C do terceiro trimestre de 2019. Foram selecionados/as

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Tabela 1. Composição dos conta própria por gênero e raça.

Raça/Gênero Percentual/conta própria

Homem Negro 35,5%

Homen Branco 27,3%

Mulher Negra 19,7%

Mulher Branca 17,6%

Fonte: Relatório da Pesquisa Informalidade e discriminação racial e de gênero no trabalho ‘por conta própria’ no Brasil. MICK, 2020.

Quase metade dos conta própria tem renda baixa, inferior a R$ 1.000,00 por mês (48%). Apenas 7% têm renda superior a R$ 4.001,00. Nos estratos intermediários, 30% têm renda entre R$ 1.001,00 e R$ 2.000,00 e 15%, entre R$ 2.001,00 e R$ 4.000,00, as faixas formando uma pirâmide. Como procuraremos demonstrar, as mulheres negras se concentram nas faixas de renda mais baixa, enquanto os homens brancos ocupam os quadrantes de renda mais alta.

Tabela 2. Variações por faixa de Renda.

Raça/gênero Até R$ 2 mil R$ 2 mil a R$ 4.000,00 Mais de R$ 4 mil

Homem Negro 37,3% 32% 20%

Homen Branco 22,9% 39,9% 50,2%

Mulher Negra 22,9% 9,5% 5,7%

Mulher Branca 16,9% 18,5% 24,1%

Fonte: Relatório da Pesquisa Informalidade e discriminação racial e de gênero no trabalho ‘por conta própria’ no Brasil. MICK, 2020.

Observados deste modo, contudo, os dados pouco revelam a respeito dos contornos mais específicos da divisão sexual do trabalho entre os “conta própria”.

É ao desagregar os trabalhadores segundo suas ocupações principais que

podemos visualizar os segmentos em que mulheres - homens - negros/as -

brancos/as tendem a se concentrar ou a ser minoritários. Procuraremos apresentar

esta distribuição e demonstrar como se relaciona a formas de divisão sexual

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(atravessadas pela racial) do trabalho que, longe de serem um fenômeno novo, reiteram a reprodução de desigualdades históricas no mercado de trabalho do país.

Antes de apresentar tais dados, abordaremos elementos que ajudam a traçar o quadro de tais desigualdades históricas.

2. A longa trajetória do gênero e da raça do trabalho informal brasileiro

A maior parte dos trabalhadores por conta-própria brasileiros são informais (quase 80%), sendo que entre o restante, boa parte são microempreendedores individuais (MEIs). Este dado remete à reflexão sobre as configurações do trabalho informal brasileiro, compreendido não como um traço predominante em toda a história do trabalho livre nacional. Mais do que isso, como herança dos tempos de sociedade escravocrata e patriarcal.

Moura (2019[1988]) é assertivo ao narrar a história da transição para o trabalho livre no país como um processo deliberado de afastamento dos negros das ocupações modernizantes da sociedade capitalista emergente, produzindo um imobilismo social que perdura até nossos dias. Segundo o autor, foi à luz das políticas de branqueamento da população promovias pelas classes dominantes que criou-se o “mito da incapacidade do negro para o trabalho” (MOURA, p. 98);

um mito reiterado por parte considerável de autores do pensamento social brasileiro para justificar o emprego de imigrantes europeus brancos na nascente indústria, por exemplo.

Moura explica, contudo, que durante todo o tempo em que o escravismo

existiu, “o escravo negro foi aquele que esteve presente em todos ofícios, por mais

diversificados que fossem” (idem). Eles eram “ourives, alfaiates, padeiros,

marceneiros, tanoeiros, metalúrgicos, etc”). Segundo o autor, foi devido a

mecanismos e fundamentações racistas dinamizados no contexto capitalista, que

os antes “bons escravos” passam a ser estereotipados e considerados “indolentes,

cachaceiros, não persistentes no trabalho”, ao mesmo tempo em que constrói-se o

modelo do branco como sendo o trabalhador ideal, “superior” e compatível com as

necessidades do capitalismo nascente. (MOURA, 2019 p. 99). Tais ideias

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reforçavam o argumento de que a população negra tratava-se de uma mão de obra eternamente não qualificada e não aproveitável.

Assim, por meio de mecanismos repressores ou reguladores, foi se conformando uma divisão social do trabalho que coincidia com uma divisão racial na qual “Tudo aquilo que representava trabalho qualificado, intelectual, nobre, era exercido pela minoria branca, ao passo que todo subtrabalho, o trabalho não qualificado, braçal, sujo e mal remunerado era praticado pelos escravos, inicialmente, e pelos negros livres após a Abolição” (MOURA, 2019, p. 103). Essa seria a base de uma divisão racial desigual que perdurava até o período dos escritos de Moura, nos anos 1980, e que perdura também até o presente. Uma divisão que é fruto da não democratização nem das relações sociais, nem das relações raciais no país.

Para Gonzalez (2020 ([1979], p. 58), se a população negra, de modo geral, foi excluída no processo de desenvolvimento e relegada à condição de massa marginal, predominando no desemprego, nas ocupações “refúgio” em serviços, nos trabalhos ocasionais, intermitentes, por temporada, a situação das mulheres negras dentro deste contexto teve um destino ainda mais peculiar.

Gonzalez (2020[1979] salienta que embora o número de pessoas negras escravizadas tenha sido sobretudo masculino, o sistema não suavizou o trabalho da mulher negra, que atuou fundamentalmente como trabalhadora do eito e como mucama

5

. Sua condição de “mucama” dentro do regime escravista desenha os contornos do seu posterior predomínio na “prestação de serviços domésticos junto às famílias de classe média e alta da formação social brasileira”. Gonzalez (2020[1982], p. 2018) é categórica ao afirmar que “a empregada doméstica de hoje não é muito diferente da ‘mucama’ de ontem”. Ainda segundo ela, o mesmo poderia se dizer da vendedora ambulante, da servente ou da trocadora de ônibus de hoje e da “escrava de ganho” de ontem.

A falta de perspectivas para a mulher negra brasileira se construiu de forma generalizada; explica Gonzalez (2019, p. 57-58) que ela pouco penetrou tanto nas atividades industriais, onde “o processo de seleção racial favoreceu muito mais a operária branca ou ‘morena’ do que a negra”, como em setores burocráticos de

5

De acordo com a autora, “enquanto mucama, cabia à mulher negra “a tarefa de manter, em todos os níveis,

o bom andamento da casa grande: lavar, passar, cozinhar, fiar, tecer, costurar e amamentar as crianças

nascidas do ventre ‘livre’ das sinhazinhas” (GONZALEZ, 2020[1979], p. 53).

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baixa remuneração que se feminizaram, mas que exigiam nível de escolaridade que elas não possuíam, além de “boa aparência” para lidar com público, frequentemente associado a critérios discriminatórios racistas. Além disso, mesmo entre a minoria que alcança níveis mais altos de escolaridade, a seleção racial se mantém. Assim, na sua maioria, quando não trabalham como empregadas domésticas, ocupam posições na prestação de serviços de baixa remuneração, frequentemente “invisíveis” (“na cozinha”), isto é, longe do atendimento ao público

“exigente” (leia-se racista), lugares chamados por Gonzalez de “refúgios”. Ou, ainda, atividades decorrentes do que a autora nomeia profissão de “mulata”, que hipersexualiza os corpos das mulheres negras, oportunizando relações de superexploração econômico-sexual.

Tal contexto de falta de perspectivas leva Gonzalez a afirmar que “ser negra e mulher no Brasil é ser objeto de tripla discriminação, uma vez que estereótipos gerados pelo racismo e pelo sexismo a colocam no nível mais alto de opressão”.

O cenário conformado para a trabalhadora negra brasileira no capitalismo contemporâneo também remete ao argumento que já fora colocado por Saffioti (2013[1969]) e acompanhado por Gonzalez a respeito de, na sociedade escracocrata-senhorial e patriarcal, a exploração da escrava ter sido mais elevada,

“por ser a negra utilizada como trabalhadora, como mulher e como reprodutora de força de trabalho ” (p. 237). É esta trabalhadora “de ontem”, cujas situações de trabalho decorrem do entrelaçamento entre divisão social, sexual e racial do trabalho atravessadas pelas estratégias racistas de imobilismo social sobre a população negra, que dá pistas para o entendimento da predominância de mulheres negras nas bases mais precárias e pior remuneradas da pirâmide ocupacional do mercado de trabalho por “conta própria” no Brasil atual, como demonstraremos adiante.

Discorremos antes, brevemente, sobre um aspecto relevante para o tema:

elementos que caracterizam o trabalho por conta própria no presente contexto.

Nas próximas seções, apresentaremos a análise dos dados dos “conta própria” a

partir da PNAD-C de acordo com a perspectiva interseccional.

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2.1. O trabalho por conta própria no contexto recente

Como estamos procurando demonstrar, o fenômeno do trabalho informal no país não decorre de problemas conjunturais, é traço constitutivo do mercado de trabalho brasileiro. Embora a informalidade admita diferentes interpretações, têm se consolidado reflexões que não enquadram o fenômeno em uma visão dualista, dividindo realidades de trabalho opostas, a formal-moderna e informal atrasada, mas sim, consideram a informalidade como caráter específico das relações de produção, distribuição e conformação de desigualdades próprios do modo de

“acumulação à brasileira” (ABÍLIO, 2014, p. 60). Nos percursos de trabalhadores/as entre emprego, desemprego e a chamada “viração, eles conformam um grupo de trabalhadores “por conta própria”. É importante observar que o grupo por “conta própria” abrange desde profissionais de alta remuneração, microempreendedores que geram lucro e trabalhadores que garantem no máximo seu sustento. Este é um aspecto importante, conforme Abílio (2014, p. 74), para pensarmos mais claramente a relação entre informalidade e desigualdades.

Hoje o trabalho por conta própria, como dito, ainda é eminentemente informal. Proni e Gomes (2015) alertam que procurou-se enfrentar este traço durante os anos 2000, por meio da iniciativa de formalização do trabalho através do MEI. como parte de um conjunto de políticas universais (como a de valorização do salário mínimo) e focalizadas (por exemplo as que buscaram minorar desigualdades de gênero e raça) que buscaram a estruturação do mercado de trabalho brasileiro. Desta iniciativa resultou uma parcela de trabalhadores por conta própria que podem ser considerados como formais, porque enquadrados no MEI.

Sendo formais ou informais, parte significativa dos trabalhos por conta

própria pode ser caracterizado pela precariedade no sentido de fornecerem

rendimentos insuficientes e gerarem insegurança quanto à incerteza de

continuidade (PRONI e GOMES, 2015, p. 141). No caso das ocupações informais,

um critério de precariedade adotado pelos autores é o de que se receba menos de

um ou até dois salários mínimos e, em tais casos, há uma predominância feminina

e sobretudo negra. Os autores também revelam que as políticas que procuraram

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enfrentar tal situação nos anos 2000 minoraram tais desigualdades de gênero e raça, mas que após a crise econômica dos anos 2015, houve retrocesso e aumento da precariedade ocupacional justamente destes setores - em especial da população negra.

3 PNAD-C e Interseccionalidade: levantamento e análise dos dados

O levantamento de dados e a análise do material estatístico foi influenciado pela perspectiva interseccional, isto é, entrecruzando as dimensões de gênero, raça e classe, entendidas não apenas como marcadores de diferenciação, mas como expressão de relações sociais desiguais de longa trajetória. Sob esse ângulo, foi observado material quantitativo vasto e disponível - no caso, a PNAD- C. Muito citados no mapeamento sistemático de características sociais e do mercado de trabalho, os dados colhidos pelo IBGE compõem bases úteis para inúmeros outros estudos; aqui, queremos observar como variados tipos de desigualdade se combinam para configurar o complexo contingente dos trabalhadores por conta própria, usualmente agregado (e interpretado) como um grupo social homogêneo.

Assim sendo, os dados extraídos da PNAD-C relativos à renda dos conta

própria urbanos nas 20 atividades mais frequentes em cada faixa de renda foram

distribuídos em gráficos com quadrantes de raça e gênero. Entre as 20 atividades

por conta própria mais comuns por sexo e raça-cor, no conjunto das faixas de

renda do trabalho por conta própria no Brasil, há uma segregação que se destaca

mais pelo recorte de gênero que por raça, como demonstra o gráfico abaixo.

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Gráfico 1: Distribuição de atividades mais frequentes em quadrantes de raça/gênero (todo o grupo).

Fonte: Relatório da Pesquisa Informalidade e discriminação racial e de gênero no trabalho ‘por conta própria’ no Brasil.MICK, 2020.

De acordo com o gráfico, a ocupação mais masculinizada/branca é a de Condutores de caminhões pesados, enquanto Vendedores ambulantes de serviços de alimentação é a mais feminina e negra das profissões. Entre mulheres brancas a ocupação Advogados e juristas é a mais corrente, enquanto Trabalhadores elementares da construção de edifícios é a mais negra e masculina. O gráfico também demonstra que há equilíbrio relativo quanto ao gênero entre mulheres e homens negros como Vendedores ambulantes e Vendedores de quiosques e postos de mercados.

Com a distribuição das ocupações por faixas de renda, é mais claro compreender a interseccionalidade das desigualdades - noutras palavras, visualizar como diferenças de classe, raça e gênero se combinam e se reforçam.

Na faixa de renda até 1.000 reais, todas as profissões pertencem

majoritariamente à população negra, como apontam os gráficos 2 e 3, abaixo.

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Gráfico 2. Renda até R$ 500,00.

Fonte: Relatório da Pesquisa Informalidade e discriminação racial e de gênero no trabalho

‘por conta própria’ no Brasil.MICK, 2020.

Gráfico 3. Renda até R$ 501,00 a R$ 1.000,00.

Fonte: Relatório da Pesquisa Informalidade e discriminação racial e de gênero no trabalho

‘por conta própria’ no Brasil. MICK, 2020.

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Trabalhadores elementares da construção de edifícios aparecem como a ocupação mais masculina e negra enquanto Cabeleireiros como a mais feminina e negra.

Entre as atividades com faixa de renda entre 1.001 e 2 mil reais, também se constata o predomínio de trabalhadores/as negros/as, com exceção de agricultores e trabalhadores qualificados em atividades da agricultura, ocupação onde há mais homens brancos e artesãs de tecidos couros e materiais semelhantes, onde há mais mulheres brancas.

Gráfico 4. Renda até R$ 1001,00 a R$ 2.000,00.

Fonte: Relatório da Pesquisa Informalidade e discriminação racial e de gênero no trabalho ‘por conta própria’ no Brasil. MICK, 2020.

No mais, o gráfico 4 mostra quase todos/as que recebem até 2 mil reais são negros/as, sendo a atividade simultaneamente mais masculina e negra é a de trabalhador elementar da construção de edifícios e as mais femininas e negras as de Cabeleireiros e Vendedores.

Nas atividades por conta própria de renda entre 2.001 e 4 mil reais, o

gráfico 5 demonstra que os brancos passam a participar da maioria das ocupações.

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Gráfico 5. Renda até R$ 2001,00 a R$ 4.000,00.

Fonte: Relatório da Pesquisa Informalidade e discriminação racial e de gênero no trabalho ‘por conta própria’ no Brasil. MICK, 2020.

Agricultores e trabalhadores qualificados em atividades da agricultura [exclusive hortas, viveiros e jardins] são a profissão mais masculina e branca e Psicólogos é a que predomina entre mulheres brancas. Os homens negros figuram nessa faixa principalmente como Mecânicos e reparadores de veículos a motor e Chapistas e caldeireiros. Não há ocupações com predominância de mulheres negras nesta faixa salarial.

Por fim, como demonstra o gráfico 6, as ocupações na faixa de renda

superior a 4 mil reais são totalmente realizadas por pessoas brancas.

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Gráfico 6. Renda acima de R$ 4.001,00.

Fonte: Relatório da Pesquisa Informalidade e discriminação racial e de gênero no trabalho ‘por conta própria’ no Brasil.MICK, 2020.

Ao se considerar a segregação de gênero dentro deste conjunto, a ocupação mais masculina e branca é a de agricultores e trabalhadores qualificados em atividades da agricultura [exclusive hortas, viveiros e jardins] e a mais feminina e branca é a de Psicólogos.

Os dados demonstram que a divisão do trabalho no segmento dos “conta própria” é marcada por clivagens cruzadas de raça, gênero, posição social e território. Além disso, os dados, reorganizados com a finalidade de observar a distribuição das desigualdades, reiteram a persistência de racismo, patriarcalismo, preconceito regional e/ou de classe, como dobras que agravam o trabalho marcado pela precariedade.

4 Análise dos Dados

A análise dos dados mostra que a problemática da segregação de gênero e

raça dos “conta própria” pôde ser evidenciada de modo mais detido ao se analisar

as 20 principais atividades e 10 principais grupos de atividade do trabalho por

conta própria com os recortes de gênero, raça e de faixa salarial. As atividades e

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grupos foram reagregados em cinco blocos: ocupações dominadas por mulheres negras, homens negros, homens brancos, mulheres brancas e àquelas mistas quanto ao gênero.

As ocupações majoritariamente desenvolvidas por mulheres negras no trabalho por conta própria se referem aos cuidados do corpo e à produção de roupas e alimentos, atividades que remontam à divisão do trabalho constituída durante a erosão do regime escravocrata. Há segregações de gênero nítidas nas faixas salariais, a exemplo das trabalhadoras da beleza, que são quase todas mulheres que predominam na faixa salarial até mil reais, mas, no grupo de cabeleireiros, há homens brancos - e justamente nesse grupo se concentra o segmento com renda maior que R$ 4 mil.

Já as ocupações por conta própria com predomínio de homens negros se agregam em três grandes grupos: pedreiros e outras atividades ligadas à construção civil; motoristas de carros, táxis, caminhonetes ou motocicletas e trabalhadores de transporte; e manutenção de veículos. Todas as ocupações são quase integralmente masculinas. Em todos os casos, as remunerações inferiores a R$ 2 mil são amplamente predominantes.

As ocupações por conta própria dominadas por homens brancos formam três blocos distintos em que encontram os caminhoneiros, os trabalhadores agrícolas e os de serviço (profissionais de informação e comunicação, finanças, imóveis, administração e outros). Enquanto os dois primeiros são profundamente masculinizados (com inferioridade salarial para os homens negros), o terceiro bloco é mais misto quanto à distribuição de gênero, isto é, acolhe maior proporção de mulheres. Mesmo com mulheres brancas predominando entre este bloco de serviços, com faixa salarial de 2001 a 4 mil reais, repete-se a concentração dos salários acima de 4 mil entre os homens brancos.

As mulheres brancas, grupo menos presente no trabalho por conta própria,

prevalecem em três conjuntos de atividades. São eles: o setor de educação, saúde

humana e serviços sociais; advogados e juristas e “outros serviços. Tomando-se

como exemplo o grupo de advogados e juristas, tem-se importante participação

feminina e renda majoritariamente concentrada nas faixas mais altas, mas

destaca-se a desigualdade de gênero: são mais masculinos os dois segmentos

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com renda superior a 2 mil,enquanto é claramente mais feminino o contingente com renda inferior a R$ 1 mil,ainda que pequeno.

Por fim, as atividades comerciais são as mais mistas em termos de gênero e raça, mas isso também se verifica no trabalho por conta própria nos setores de alojamento e alimentação e indústria em geral.

4 Considerações Finais

Verificou-se que em quase todos os casos, a renda mais baixa se localiza no polo em que se concentram os negros, tanto nas ocupações marcadamente masculinas, como nas femininas e mistas. O atravessamento dos “conta própria”

pela divisão sexual e divisão racial do trabalho - a exemplo da permanência de negros em ocupações que já realizavam no período escravista, como mulheres negras nas atividades ligadas à cozinha e vestuário, homens negros em ocupações braçais como pintor e pedreiro, e ambos os sexos comércio - revela a longa duração da sociedade colonial, uma herança ainda nítida na economia brasileira contemporânea, dependente e pós-industrial.

Tais resultados ainda expressam, de forma particular, que a persistência da divisão sexual do trabalho desigual reproduz, também entre os “conta própria”, padrões patriarcais de subordinação da classe trabalhadora feminina sobretudo negra, sobrerrepresentada em ocupações pior valorizadas e remuneradas e basicamente ausente em todos os quadrantes cujas remunerações são superiores a 2000 reais. Em termos práticos, conforme os critérios dr Proni e Gomes (2015) falar em trabalho por conta própria precário é praticamente sinônimo de falar em trabalhadoras negras. E logo em seguida, em trabalhadores negros.

Estes resultados - com destaque à predominância absoluta de

trabalhadores (homens e mulheres) negros em ocupações de rendimentos até

1000 reais e de predominância branca (mulheres e homens) nos rendimentos

acima de 4000 reais - também endossam pistas que haviam sido levantadas por

Gonzalez (2020[1979], p, 64), a respeito de a divisão racial do trabalho operar de

forma muito mais contundente, em termos de prejuízos para a população negra,

que a divisão sexual do trabalho em desfavor da população feminina brasileira,

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pelo fato de que em termos de distribuição de renda, as distâncias entre brancas e negras serem maiores que as entre as que separam homens e mulheres.

O enfoque interseccional adotado permite observar, deste modo, que o

conjunto de trabalhadores por conta própria não conforma um todo homogêneo,

permitindo captar algumas das complexidades de seus contornos e suas

importantes variações internas. Recupera-se, assim, à luz do alerta de Abílio

(2014), uma abordagem que associa informalidade aos debates sobre a

desigualdade.

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5 Referências

ABÍLIO, Ludmila Costeck. A informalidade e a questão social. In: _______. Sem maquiagem. O traballho de um milhão de revendedoras de cosméticos. São Paulo:

Boitempo, 2014.

GALERAND, Elsa; KERGOAT, Danièle. Consubstancialidade versus interseccionalidade? A propósito da imbricação das relações sociais. In:

KERGOAT, Danièle. Lutar, dizem elas...Recife: SOS Corpo, 2018. p. 145-166.

GONZALEZ, Lélia [1979]. A mulher negra na sociedade brasileira: uma abordagem político-econômica. In: RIOS, Flavia; LIMA, Márcia (orgs). Por um feminismo afro latino americano. Rio de Janeiro, Zahar, 2020.

GONZALEZ, Lélia [1982]. E a trabalhadora negra, cumé que fica?. In: RIOS, Flavia;

LIMA, Márcia (orgs). Por um feminismo afro latino americano. Rio de Janeiro, Zahar, 2020.

GONZALEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos A. Lugar de Negro. Rio de Janeiro:

Editora Marco Zero, 1982.

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MICK, Jacques (coord). Nas dobras da precariedade Desigualdades regionais, de gênero, raça e classe no trabalho “por conta própria” no Brasil - um olhar para a PNAD Contínua. Relatório de Pesquisa do projeto Informalidade e discriminação racial e de gênero no trabalho “por conta própria” no Brasil”. Lastro-UFSC e Reafro, Abril de 2020.

MOURA, Clóvis. Miscigenação e democracia racial. In: _______ Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 2019.

PRONI, Marcelo W.; GOMES, Darcilene C. Precariedade ocupacional: uma questão de gênero e raça. Estudos Avançados. 29 (85), pp. 137-152, 2015 Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ea/v29n85/0103-4014-ea-29-85-00137.pdf acesso 16 de fev 2020.

SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes. Mito e realidade. São

Paulo: Expressão Popular, 2013[1969].

Referências

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