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Experiências de leitura e escrita no Ensino Fundamental: a contribuição das narrativas literárias

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS

PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS

BRUNA FRANCINETT BARROSO FAUSTINO DE SOUZA

EXPERIÊNCIAS DE LEITURA E ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL: A CONTRIBUIÇÃO DAS NARRATIVAS LITERÁRIAS

NATAL/RN 2019

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BRUNA FRANCINETT BARROSO FAUSTINO DE SOUZA

EXPERIÊNCIAS DE LEITURA E ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL: A CONTRIBUIÇÃO DAS NARRATIVAS LITERÁRIAS

Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Letras pelo Programa de Mestrado Profissional em Letras – ProfLetras – da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Orientadora: Profa. Dra. Sulemi Fabiano Campos.

NATAL/RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Souza, Bruna Francinett Barroso Faustino de.

Experiências de leitura e escrita no Ensino Fundamental: a contribuição das narrativas literárias / Bruna Francinett Barroso Faustino de Souza. - Natal, 2019.

217f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Mestrado Profissional em Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019.

Orientadora: Profa. Dra. Sulemi Fabiano Campos.

1. Ensino - Dissertação. 2. Leitura - Dissertação. 3. Escrita - Dissertação. 4. Narrativa - Dissertação. 5. Experiência - Dissertação. I. Campos, Sulemi Fabiano. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 811.134.3:37

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BRUNA FRANCINETT BARROSO FAUSTINO DE SOUZA

EXPERIÊNCIAS DE LEITURA E ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL: A CONTRIBUIÇÃO DAS NARRATIVAS LITERÁRIAS

Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Letras pelo Programa de Mestrado Profissional em Letras – ProfLetras – da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Aprovada em: _____/_____/__________.

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________ Profa. Dra. Sulemi Fabiano Campos

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Presidente

________________________________________ Profa. Dra. Maria da Penha Casado Alves Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Examinadora interna

________________________________________ Profa. Dra. Ana Crélia Penha Dias

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Examinadora externa

________________________________________ Profa. Dra. Kátia Cilene Ferreira França Universidade Federal do Maranhão – UFMA

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Dedico este trabalho, em primeiro lugar, à minha família, que criou uma grande rede de suporte para que eu pudesse cursar o Mestrado. E o dedico também à minha aluna Karol Oliveira (in memoriam), que marcou a sua passagem neste mundo com gestos de alegria e esperança e me deu boas aulas sobre persistir em busca dos sonhos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, o meu Bom Pai, pela saúde e pela disposição necessárias nestes anos de muito estudo e trabalho.

Agradeço aos meus grandes apoiadores: a minha mãe Dona Ivete, o meu esposo Juscelino e os meus filhos Gabriel, Ester e Samuel por entenderem a minha ausência e por fazerem parte desta minha conquista.

A minha gratidão aos professores do ProfLetras/Natal por compartilharem valiosas aprendizagens de forma humana e comprometida; em especial, à Coordenação do Programa, na pessoa de Alessandra Castilho, pela dedicação à turma e presteza em atender a cada mestrando com eficiência.

A minha gratidão aos amigos que torceram por mim e me incentivaram a prosseguir nos momentos mais desanimadores e aos meus colegas de Curso pelo encorajamento a cada nova pedra no caminho.

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo incentivo à pesquisa materializado na concessão da Bolsa, sem a qual seria insustentável o projeto de voltar à Academia.

E, por fim, mas não menos importante, agradeço aos meus alunos participantes da Pesquisa por torná-la possível e única; e, de modo especial, a cada aluno e ex-aluno, ao longo destes 21 anos de docência, pelas parcerias responsáveis pela construção das experiências e consequente formação profissional e pessoal.

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

À orientadora

Estar de volta aos bancos acadêmicos, depois de 13 anos, foi um grande desafio. Embora a formação continuada fosse uma preocupação permanente, voltar à Academia não foi fácil e, sem as valiosas contribuições de uma orientadora exigente, teria sido ainda mais difícil. Por isso, agradecer à orientação da professora Sulemi é reconhecer o seu papel fundamental na minha trajetória no ProfLetras.

A sua forma de problematizar, sem dar respostas prontas, conduziu-me a reflexões complexas sobre as leituras teóricas e sobre a minha própria prática; provocou-me a curiosidade científica e permitiu-me a autonomia e o amadurecimento enquanto discente. Além disso, a sua forma de orientar representou o seu respeito aos meus saberes e me proporcionou segurança para buscar novos conhecimentos que justificassem teoricamente o meu fazer prático.

Assim, ensinou-me a teoria de maneira invisível quando me apresentou Larrosa, por exemplo, e ressignificou a minha visão de docência. Através da sua dedicação e da sua agenda sempre preenchida, ensinou-me sobre disciplina, compromisso e responsabilidade.

E, ainda, a sua atuação política me ensinou sobre a importância da participação social e do posicionamento político do professor.

Por tudo isso, a minha gratidão sincera à minha orientadora Sulemi Fabiano Campos. Sem dúvidas, uma nova referência para a minha vida.

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RESUMO

A exposição excessiva aos textos de linguagem mais objetiva e de comunicação instantânea disponíveis em meios digitais exerce alguma influência na produção escrita dos alunos do Ensino Fundamental no espaço escolar? O acesso às experiências de leitura através de narrativas literárias pode favorecer o desenvolvimento de outras habilidades de leitura e escrita mais complexas? Partindo dessas questões, desenvolvemos uma pesquisa social sob o paradigma qualitativo, conforme Bortoni-Ricardo (2008), de naturezas interventiva e interpretativista. O procedimento metodológico usado para a intervenção é a realização de oficinas de leitura e escrita a partir de narrativas literárias, desenvolvidas na Escola Municipal Deputada Maria do Céu Pereira Fernandes, da cidade de Goianinha/RN. O objetivo geral da pesquisa é construir experiências significativas de leitura literária a partir do acesso às experiências dos autores dos textos lidos, a fim de que, tendo o que dizer, os alunos desenvolvam satisfatoriamente a escrita de forma subjetiva e criativa. Assim, os objetivos específicos são: i) diagnosticar as práticas de leitura mais recorrentes para os estudantes e o impacto dos textos de comunicação imediata nas redes sociais na sua construção narrativa; ii) analisar os diferentes modos de dizer dos autores das narrativas lidas e suas implicações na construção de sentidos pelos alunos; e iii) promover produções escritas de narrativas literárias valorizando as experiências dos estudantes. Para isso, tomamos como aporte teórico a concepção dialógica da linguagem de Bakhtin (2004) e adotamos a concepção de indissociabilidade das práticas de leitura e escrita, bem como a distinção entre redação e produção textual, conforme Geraldi (2003; 2009; 2012; 2015). Partimos da definição de leitura rigorosa quanto à recuperação de pistas interpretativas do texto, conforme Riolfi et al. (2014), mas também da definição de leitura subjetiva, de acordo com as contribuições teóricas de Rouxel, Langlade, Rezende (2013), a fim de chegarmos à produção de narrativas literárias em consonância com Dalvi, Resende e Rover-Faleiros (2013) e consideramos a necessidade de espaços na Escola para a experiência como aquilo que nos toca, de acordo com a noção de Larrosa (2017).

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ABSTRACT

Does the excessive exposure to more objective language texts and instant communication available in digital means exert any influence on writing productions of primary school students in the school environment? Does the access to reading experiences through literary narratives can favour the development of more complex abilities of reading and writing? Starting from these questions we developed a social research under the qualitative paradigm, according to Bortoni-Ricardo (2008) of interventional and interpretational natures. The methodological procedure used for the intervention is the realisation of reading and writing workshops from the literary narratives developed in the Municipal School Deputada Maria Do Céu Pereira Fernandes in the city of Goianinha/RN. The general aim of the research is to build meaningful experiences of literary reading, starting from the access to the author’s experiences of the texts that were read, aiming that by having what to say, the students can develop satisfactorily a subjective and creative writing. So, the specific goals are: I) diagnose the most recurrent practices of reading for the students and the impact of immediate communicative texts on social network in its narrative construction; ii) analyse the different ways of saying from the authors of the narratives that were read and their implications on meaning construction by the students; iii) promote writing productions of literary narratives valuing the experiences of the students. For this, we took as theoretical support the concept of dialogical language by Bakhtin (2004) and we adopted the conception of indissociability of reading and writing practices, as well as the distinction between essay and writing production according to Geraldi (2003; 2009; 2012; 2015). We started from the definition of strict reading regarding to the recuperation of interpretation clues on the text according to Riolfi et al. (2014), but also the definition of subjective reading according to the theoretical contributions of Rouxel, Langlade, Rezende (2013), aiming to arrive on the productions of literary narratives in accord with Dalvi, Resende e Rover-Faleiros et al. (2013) and we considered the necessity of spaces in the school to experience how that touches us, in accord with the notion of Larrosa (2017).

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Conceitos relacionados às teorias da leitura subjetiva ... 51

Quadro 2 - Distribuição dos alunos de acordo com o bairro ... 60

Quadro 3 - Distribuição dos alunos de acordo com a idade ... 61

Quadro 4 - Critérios apontados para a escolha de um livro ... 66

Quadro 5 - Práticas de leitura ... 67

Quadro 6 - Preferência de material para acessar e publicar nas redes sociais ... 68

Quadro 7 - participação na atividade diagnóstica ... 71

Quadro 8 - Grade de análise da produção inicial ... 73

Quadro 9 - orientações para Comunidade de leitores e Diário de leitura ... 90

Quadro 10 - Ficha de autoavaliação ... 90

Quadro 11 - Situação geral das produções do Módulo 2 ... 149

Quadro 12 - Sugestões para atividade de vivências ... 165

Quadro 13 - Ficha de avaliação ... 168

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Frequência ao cinema... 65

Gráfico 2 - Frequência ao teatro ... 65

Gráfico 3 - Frequência à biblioteca ... 65

Gráfico 4 - Conteúdo mais acessado da internet ... 68

Gráfico 5 - Definição da internet ... 69

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - A indissociabilidade entre a leitura e a escrita ... 33

Figura 2 - Questionário para aluno ... 64

Figura 3 - Texto motivador produção inicial ... 70

Figura 4 - Modelo de grade 1 ... 72

Figura 5 - Modelo de grade 2 ... 73

Figura 6 - TI 1 ... 74 Figura 7 - TI 2 ... 75 Figura 8 - TI 3 ... 76 Figura 9 - TI 4 ... 78 Figura 10 - A1 ... 81 Figura 11 - A2 ... 83 Figura 12 - A3 ... 84 Figura 13 - A4 ... 85

Figura 14 - Capa do livro Os Meninos Verdes ... 91

Figura 15 - Capa do livro Seminário dos ratos ... 97

Figura 16 - Capa do livro A menina sem palavra ... 103

Figura 17 - Diários de leitura ... 110

Figura 18 - Diário 1/registro 1 ... 111

Figura 19 - Cubo elementos da narrativa... 114

Figura 20 - Envelopes com contos de Cora Coralina ... 114

Figura 21 - Diário 1/registro 2 ... 115

Figura 22 - Momento de registro nos Diários 1 ... 117

Figura 23 - Confecção de cartaz ... 118

Figura 24 -Momento de produção ... 119

Figura 25 - Momento de reescrita ... 120

Figura 26 - Diário 1/registro 3 ... 122

Figura 27 - Momento de conclusão da narrativa 1 ... 123

Figura 28 - Fichas de registros em grupos ... 130

Figura 29 -Varal com os textos ... 131

Figura 30 - Organização da sala ... 132

Figura 31 - Diário 2/registro 4 ... 133

(13)

Figura 33 - Alunos registrando as primeiras impressões no Diário ... 135

Figura 34 - Momento da escolha de livros para empréstimo ... 136

Figura 35 - Atividade de reescrita ... 138

Figura 36 - Leitura do conto “A cabeça” ... 141

Figura 37 - Narrativa produzida pela professora-pesquisadora ... 143

Figura 38 - Primeira versão das narrativas do Módulo 2 ... 145

Figura 39 - Momento de registros nos Diários 2 ... 146

Figura 40 - Diário 6/registro 6 ... 146

Figura 41 - Ficha de autoavaliação preenchida 1 ... 147

Figura 42 - Ficha de autoavaliação preenchida 2 ... 148

Figura 43 - Momento de reescrita do Módulo 2 ... 150

Figura 44 - Diário 1/registro 6 ... 159

Figura 45 - Momento de registro nos Diários 3 ... 160

Figura 46 - Diário 1/registro 7 ... 161

Figura 47 - Mapa interpretativo ... 162

Figura 48 - Momento da atividade do mapa interpretativo ... 163

Figura 49 - Mapa interpretativo produzido pelos alunos ... 164

Figura 50 - Mediação da professora através de lapbook ... 166

Figura 51 - Momento da escrita da primeira versão ... 167

Figura 52 - Cartaz dos mapas interpretativos produzidos ... 170

Figura 53 - Sessão de fotos ... 181

Figura 54 - Foto da turma com a Gestão da Escola ... 182

Figura 55 - Apresentação do projeto ... 182

Figura 56 - Mediadores de leitura ... 183

Figura 57 - Encenação “O despertar do narrador” ... 183

Figura 58 - Participação das alunas ... 184

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 15

2 CONSTRUTOS TEÓRICOS: O SABER CONDUZ O FAZER ... 22

2.1 Contextualização do ensino de LP e normatização do estudo do texto ... 22

2.2 Visões teóricas e escolhas metodológicas dos professores ... 28

2.3 Uma concepção de leitura e escrita: a indissociabilidade ... 32

2.4 Novas tecnologias da informação e da comunicação e a construção da experiência....36

2.5 O texto literário no Ensino Fundamental ... 43

2.5.1 O espaço do texto literário no contexto escolar ... 43

2.5.2 O lugar dos sujeitos: a leitura subjetiva ... 49

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS: O FAZER E O PENSAR SOBRE O FAZER ... 52

3.1 Paradigma de pesquisa ... 52

3.2 O contexto de pesquisa ... 58

3.3 Os colaboradores da pesquisa ... 60

3.4 Diagnósticos dos sujeitos de pesquisa ... 62

3.4.1 Instrumento 1: o questionário ... 62

3.4.2 Instrumento 2: produção textual inicial ... 70

3.4.3 Instrumento 3: a autobiografia de leitor ... 79

4 O PLANEJAMENTO: CAMINHOS PARA A INTERVENÇÃO ... 87

4.1 A experiência na/da intervenção: que experiência é esta? ... 88

4.2 O planejamento do Módulo1: O papel do narrador e dos tipos de discurso nos efeitos de sentidos ... 91

4.3 O planejamento do Módulo 2: A caracterização de ambiente e personagens e construção do suspense ... 97

4.4 O planejamento do Módulo 3: O desenvolvimento dos acontecimentos na construção narrativa ... 103

5 A EXPERIÊNCIA DO VIVIDO: POSSIBILIDADES E DESAFIOS ... 109

5.1 A experiência do Módulo 1 ... 109

5.1.1 Oficina Os sentidos do/no texto ... 109

5.1.2 Oficina Os detalhes no texto ... 112

5.1.3 Oficina Da conversa para a escrita ... 116

(15)

5.1.5 Oficina Construção e socialização ... 121

5.2 A experiência do Módulo 2 ... 131

5.2.1 Oficina A hora do suspense ... 131

5.2.2 Oficina Um olhar para as sutilezas do texto ... 137

5.2.3 Oficina A leitura do mundo precede a leitura do texto... 139

5.2.4 Oficina Suspense compartilhado ... 141

5.2.5 Oficina Jogo de reescritas ... 145

5.3 A experiência do Módulo 3 ... 158

5.3.1 Oficina Primeira leitura que toca ... 159

5.3.2 Oficina Na trilha interpretativa do texto ... 162

5.3.3 Oficina Projeção dos eus ... 164

5.3.4 Oficina Da escrita para a reescrita ... 167

5.3.5 Oficina Compartilhando histórias, construindo experiências ... 169

5.4 A experiência do encerramento do projeto ... 180

5.4.1 O lançamento do livro “Narrativas que florescem”... 181

5.4.2 A apresentação do livro para a comunidade escolar... 184

6 AFINAL, POR QUAIS PORTOS HAVEMOS DE PASSAR? ... 187

REFERÊNCIAS ... 192

APÊNDICE A - AUTOBIOGRAFIA DE LEITORA ... 195

APÊNDICE B - EDITAL DO CONCURSO DE FOTOS ... 197

APÊNDICE C - FOTOS DO CONCURSO DE FOTOS ARTÍSTICAS ... 198

ANEXO A - FOLDER DISTRIBUÍDO NO LANÇAMENTO DO LIVRO... 201

(16)

1 INTRODUÇÃO

“A aposta não é nova, nem eu o primeiro ou o último utopista.” (GERALDI, 2003, p. 42)

Fazemos uso das palavras do Geraldi para iniciar este trabalho porque explicitam o pensamento que o fundamenta: uma aposta que não é nova, mas que, a serviço de mais uma utopista, uma professora de Língua Portuguesa na Educação Básica da rede pública há 21 anos, ressignifica a sua própria prática enquanto contribui para o reposicionamento de outros docentes. E para entender a aposta, passamos a discutir o seu contexto.

É certo que a palavra é capaz de registrar as fases das mudanças sociais ao longo da História. Nesse sentido, é indiscutível que a leitura e a escrita são práticas complexas que exercem um papel determinante nas relações sociais em todas as suas dimensões e, devido a esse protagonismo e à complexidade que lhes é própria, são interesses permanentes da escola. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), a escola tem a responsabilidade de garantir aos estudantes os saberes linguísticos necessários para uma atuação cidadã, considerada um direito inalienável. Com o desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação, as práticas sociais de leitura e escrita sofreram um considerável impacto, especialmente entre crianças e adolescentes que já nasceram na era digital e que não apresentam maior resistência a elas. Diante desse contexto, à escola se coloca o desafio de utilizar essas novas tecnologias a serviço do ensino e da aprendizagem, ampliando as possibilidades de participação social dos estudantes.

Os PCN (BRASIL, 1998) já traziam a proposta de incorporar as novas tecnologias de informação e comunicação às práticas escolares para garantir aos alunos uma aprendizagem que atendesse às demandas sociais. Mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017, p. 9) reitera essa orientação, definindo como uma das dez Competências Gerais a serem desenvolvidas em todas as áreas: “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais”.

Concernente à área de Linguagens, o documento assume a ideia de que a linguagem é uma construção humana, histórica, social e cultural, numa perspectiva enunciativo-discursiva e quanto à abordagem de ensino, o texto ganha centralidade. Constitui-se, pois, como mais um passo nas políticas públicas educacionais do país, sobretudo por dialogar com diretrizes anteriores. Por outro lado, o documento acrescenta, às já cristalizadas práticas e ao objeto de

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ensino, as transformações ocorridas no século passado e intensificadas no atual, em virtude do desenvolvimento das novas tecnologias multimídias, considerando-as decisivas para a participação do estudante nas esferas pública, profissional e pessoal.

A relevância do documento é indiscutível, todavia há outras competências igualmente importantes para o desenvolvimento dos educandos em sua integralidade. Não pretendemos desprezar a importância da multiplicidade de linguagens disponíveis nos meios digitais e as possibilidades comunicativas decorrentes como objetos de estudo nas aulas de Língua Portuguesa (LP). Não se trata disso, já que é imperativo que o ensino acompanhe as mudanças sociais, tendo em vista o caráter histórico e social da própria linguagem. A questão que levantamos é o risco de a escola, a pretexto de trabalhar com textos de interesse mais imediato dos estudantes, como os de comunicação instantânea em aplicativos em redes sociais1, abandonar outras possibilidades de leitura e escrita, sob pena de negar ao estudante a interação com outras linguagens, como a literária.

A partir da observação inicial das experiências de leitura e escrita dos estudantes de uma escola pública da rede municipal, na cidade de Goianinha, Rio Grande do Norte, notamos que: a) por um lado, os adolescentes leem e escrevem muito em ambientes digitais; b) por outro lado, no espaço escolar, constituem um sério desafio tanto a interpretação das narrativas literárias propostas pelo LD, quanto a produção de narrativas que exigem maior subjetividade2.

É certo que há inúmeras possibilidades de utilização dos meios digitais que podem contribuir para o uso e o estudo da linguagem, tais como: consultas de ortografia e verbetes, leitura integral ou de fragmentos de obras canônicas, interação com poemas digitais, construção de e-books; porém, o que notamos em relação aos hábitos de leitura e escrita do grupo observado foi que tais possibilidades quase sempre são ignoradas. Nesse ponto, os recursos disponíveis nos meios digitais não eram aproveitados satisfatoriamente, pois os alunos observados faziam uma subutilização das suas potencialidades, restringindo o uso ao aspecto comunicativo imediato; em especial, observamos que poderia haver relação entre a superficialidade das narrativas produzidas pelos alunos em aula e o excesso de exposição a textos informativos e comunicativos de caráter mais imediato, mais curto, de linguagem e

1 Estamos considerando como textos de comunicação instantânea em aplicativos em redes sociais, os textos usados, com maior frequência, pelos adolescentes em Facebook e WhatsApp (mensagens, comentários, legendas, status etc).

2 Empregamos o termo “subjetividade” aqui neste trabalho para nos referirmos à escrita mais pessoal, sem a preocupação em obedecer a um modelo de estrutura e com o compromisso de o aluno se projetar no texto com mais autonomia.

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composição estrutural mais objetiva e simplificada, recorrentes nos aplicativos de redes sociais pela necessidade comunicativa, a natureza dos textos e o próprio suporte textual.

Tais situações observadas devem ser problematizadas ao pensarmos o processo de ensino/aprendizagem, pois, segundo pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação e divulgada no Portal TecMundo3, oito em cada dez brasileiros entre 9 e 17 anos têm acesso à internet; entre adolescentes das classes D e E, o índice chega a 70%. Ou seja, a adolescência atual está exposta a uma gama de informações sobre os mais diversos assuntos, inclusive os adolescentes oriundos de classes menos privilegiadas.

Entretanto, observando o comportamento dos nossos alunos, constatamos que, embora apresentem certas dificuldades para cotejar, relacionar ou aplicar as informações nesses espaços, interagem com os textos de comunicação imediata com mais propriedade do que com os textos de linguagem literária. Assim, ressaltamos que, por um lado, o discurso comumente ouvido entre professores de que os alunos não leem nem escrevem não se sustenta, uma vez que os adolescentes estão lendo e escrevendo muito nos meios digitais; e, por outro lado, isso não representa necessariamente que estão lendo e escrevendo significativamente em se tratando de outros textos, como as narrativas literárias. Portanto, propomos trabalhar com essa linguagem, a fim de construir outras experiências de leitura e escrita.

Considerando o contexto de ensino atual, é comum um questionamento entre professores de LP na Educação Básica: como ensinar aos alunos a ler e escrever significativamente, valendo-se das sutilezas da linguagem, em um tempo em que eles estão submetidos a práticas de leitura e escrita que exigem linguagem e estrutura mais rápidas e objetivas? Considerar a complexidade da leitura e da escrita como práticas sociais é considerar também um trabalho aberto às novas práticas de interação humanas, sem rejeitar outras possibilidades de construção de experiências. Assim, a nossa pesquisa tem sua relevância por contribuir com a reflexão sobre as implicações negativas de uma prática docente que privilegie uma competência da BNCC em detrimento das demais, sob pena de incorrer em um ensino pouco abrangente e não cumprir a proposta do documento.

Desse modo, propomos o (re)conhecimento e a (re)construção da formação dos alunos por meio de leituras de narrativas literárias que permitam o resgate da consciência do leitor quanto à complexidade do mundo do escrito para que, a partir da percepção das experiências

3 Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/mercado/134424-oito-cada-dez-criancas-adolescentes-tem-acesso-internet-brasil.htm>. Acesso em: 22 set. 2018.

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de escrita dos autores das narrativas lidas, os alunos (re)descubram a magia e a imprevisibilidade necessárias ao ato de escrever e escrevam seus textos, como sujeitos que se reconhecem como tal e que, mais que isso, valorizam os diferentes modos de dizer, inerentes à concepção dialógica da língua, os quais são particular e privilegiadamente perceptíveis no discurso literário.

Reconhecemos a importância da escrita sob outro viés, para além da escrita numa perspectiva utilitarista e prevemos a contribuição das narrativas literárias no que tange à formação escritora através de experiências, para além dos textos mais objetivos e da imitação inconsciente e mecânica de gêneros discursivos trazidos pelo LD, de forma modelar. Diante disso, tomamos como objeto de pesquisa: o acesso ao discurso literário por meio da leitura de narrativas literárias e sua provável contribuição na produção escrita dos alunos de uma turma de 8º ano do Ensino Fundamental (EF), da Escola Municipal Deputada Maria do Céu Pereira Fernandes; e pretendemos responder às seguintes questões:

a) A exposição excessiva aos textos de linguagem mais objetiva e de comunicação instantânea, disponíveis em aplicativos nos meios digitais, exerce alguma influência na produção escrita dos alunos do Ensino Fundamental?

b) O acesso ao discurso literário e às experiências dos autores dos textos lidos, através da leitura de narrativas literárias, pode favorecer o desenvolvimento de uma escrita mais proficiente?

Vinculadas às questões expostas, formulamos as seguintes hipóteses:

1. Há relação entre o excesso de exposição aos textos de linguagem objetiva e de

comunicação mais imediata nas redes sociais e a superficialidade das construções narrativas dos adolescentes no espaço escolar.

2. O acesso à experiência dos autores das narrativas literárias lidas pode potencializar o processo de formação leitora dos estudantes e, consequentemente, o desenvolvimento da escrita subjetiva criativa.

A fim de pensarmos o problema da superficialidade das produções narrativas dos alunos, adotamos inicialmente a perspectiva de Geraldi (2003, p. 137):

[...]para produzir um texto (em qualquer modalidade) é preciso que a) se tenha o que dizer; b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz [...]; e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d).

A proposta se opõe à forma como as escolas têm tratado a escrita, conferindo-lhe um caráter artificial e improdutivo que prejudica a percepção dos estudantes quanto à importância na sua participação social. Assim, definimos os seguintes objetivos:

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➢ Objetivo geral:

Construir experiências significativas de leitura literária a partir do acesso às experiências dos autores dos textos lidos, a fim de que, tendo o que dizer, os alunos desenvolvam satisfatoriamente a escrita de forma subjetiva e criativa.

➢ Objetivos específicos:

• Diagnosticar as práticas de leitura mais recorrentes para os estudantes e o impacto dos textos de comunicação imediata nas redes sociais na sua construção narrativa;

• Analisar os diferentes modos de dizer dos autores das narrativas lidas e suas implicações na construção de sentidos pelos alunos;

• Promover produções escritas de narrativas literárias valorizando as experiências dos estudantes.

A fim de atendermos aos objetivos, adotamos o paradigma qualitativo, uma vez que não se pode negligenciar o contexto sócio-histórico no qual os alunos se inserem; e, nessa perspectiva, os métodos empregados são de caráter interventivo e interpretativista, permitindo a reflexão sobre a própria prática à professora-pesquisadora4.

O trabalho parte da aplicação de um questionário que serve ao diagnóstico em relação ao perfil de alunos quanto às experiências com leitura e escrita, o que não desconfigura a pesquisa como qualitativa, uma vez que o instrumento foi adotado com a finalidade de mapear o que foi observado inicialmente; além disso, foi proposta aos alunos a produção inicial de uma narrativa de experiência para análise e comparação futura; e, ainda com caráter diagnóstico, foi solicitada a autobiografia de leitor, a fim de que professora e alunos se percebessem como sujeitos leitores e produtores de sentidos.

A intervenção consiste em três Módulos de Oficinas, sendo cada um constituído de cinco Oficinas. Cada Módulo agrupa as Oficinas em torno de um conhecimento mobilizador em comum com duração de 10 a 12 aulas, o que representa um total de 30 a 36 aulas. Destacamos que, embora tenhamos optado por introduzir cada Módulo de Oficinas por meio de em conto motivador, não abordamos aqui a questão do gênero para a escrita dos alunos, por entendermos que, ao solicitarmos uma narrativa literária dos alunos, conferimos a eles a autonomia para escrever um conto, uma fábula, uma crônica, um texto de memórias etc. Ou seja, entendemos, com isso, que solicitar uma narrativa pode lhes proporcionar uma reflexão

4 Optamos por usar o termo “professora-pesquisadora” neste trabalho por defendermos a visão de indissociabilidade entre a teoria e a prática em uma proposta de intervenção nos moldes do Programa do Mestrado Profissional em Letras.

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crítica quanto ao gênero que melhor se aplicaria à situação e, portanto, conferiria mais sentido ao processo de escrita e de aprendizagem.

Como mencionado, o trabalho foi desenvolvido na Escola Municipal Deputada Maria do Céu Pereira Fernandes, uma escola pública da cidade de Goianinha/RN. Nela, os colaboradores da pesquisa são, principalmente, os estudantes de uma turma de 8º ano do EF, a partir de uma relação colaborativa, ora entre alunos, ora entre professor e alunos, a fim de incentivar a autonomia dos alunos e valorizar a troca de experiências. Os estudantes foram incentivados a trabalhar colaborativamente para o melhor aproveitamento das possibilidades de aprendizagens e a registrar as suas impressões individuais de leitura em um Diário.

Como resultado da experiência, compilamos as narrativas dos alunos em um livro intitulado “Narrativas que florescem” (disponível como Anexo B) e como produto educacional, em resposta às exigências do ProfLetras, organizamos um Caderno Pedagógico intitulado “Oficinas de leitura e escrita: relato da experiência do vivido”, constando as experiências vividas durante as oficinas (disponível em repositório digital do Programa).

Os dados da pesquisa são gerados principalmente por produções textuais dos alunos, mas também por fichas avaliativas e questionários aplicados para fins de diagnóstico, além de fotos, notas de aulas e registros individuais nos Diários de leitura.

Este trabalho foi organizado em quatro partes, a saber:

No primeiro capítulo, fazemos referência aos construtos teóricos nos seguintes tópicos: i) de início, apresentamos a contextualização do ensino de língua pátria no Brasil e as causas e consequências da normatização do estudo do texto em sala de aula, a partir da visão de Geraldi (2003; 2009; 2012; 2015) e Neves (2017); ii) no segundo tópico, tratamos do modo como as concepções de um professor interferem na sua prática; iii) depois, explicitamos a concepção de leitura e escrita à qual o trabalho se filia, baseada nas contribuições de Geraldi; iv) em seguida, abordamos as demandas decorrentes dos avanços tecnológicos no contexto de ensino, os riscos da adoção de uma prática voltada unicamente para os textos com características mais utilitárias, partindo de Palfrey e Gasser (2011), além da perspectiva de criação de espaços para a experiência nas escolas, de acordo com Larrosa (2017); v) por fim, um tópico para defendermos a importância da leitura literária na perspectiva do sujeito leitor como alternativa para o desenvolvimento de experiências éticas e estéticas de leitura e escrita, conforme contribuições de Dalvi, Resende e Rover-Faleiros et al. (2013), Riolfi et al. (2014), Rouxel, Langlade, Rezende (2013).

O segundo capítulo faz referência aos procedimentos metodológicos e traz a seguinte distribuição: i) apresentação da metodologia de pesquisa, segundo Bortoni-Ricardo (2008); ii)

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o contexto de pesquisa e a caracterização da escola; iii) a apresentação dos colaboradores da pesquisa; iv) o diagnóstico dos sujeitos de pesquisa. No terceiro capítulo, apresentamos a proposta de intervenção nos seguintes tópicos: i) a aplicação da noção de experiência; ii) o planejamento dos Módulos de Oficinas. Já no quarto capítulo, apresentamos a experiência do vivido em cada uma das Oficinas com a análise dos dados, relacionando-os e aos objetivos propostos. Por fim, expomos as conclusões e as considerações finais do trabalho.

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2 CONSTRUTOS TEÓRICOS: O SABER CONDUZ O FAZER

“Escolha-se, por inevitabilidade, o posto. Escolhido, o posto é movediço. É preciso desenhá-lo” (GERALDI, 2003, p. 5)

As problemáticas inerentes ao espaço escolar quanto à(s) aprendizagem(ns) não têm uma solução instantânea e simplista. Dada a complexidade dos desafios que se apresentam à prática docente na Educação Básica (EB), há diferentes meios para diferentes objetivos. Apropriamo-nos da fala de Geraldi para destacarmos que cabe aos professores a escolha de uma abordagem teórica que fundamente o seu trabalho, já que a teoria e a prática são aliadas. É, pois, este o objetivo deste capítulo: construir a trajetória teórica percorrida para nos fundamentar. Assim, escolhemos como ponto de partida (e de chegada) o processo interlocutivo da linguagem sob a perspectiva dos eixos definidos por Geraldi (2003) — a historicidade da linguagem, o sujeito e suas interações.

Organizamos o capítulo em cinco pilares: a) inicialmente, abordamos a normatização do texto na sala de aula, segundo Geraldi (2003; 2009; 2012; 2015) e Neves (2017), por entendermos que a problemática que levantamos é resultante de uma construção histórica em torno do estudo de língua pátria; b) em seguida, abordamos concepções de leitura e escrita, segundo Pietri (2007) e Leffa (1999), a fim de defendermos que as atividades planejadas pelos professores são por elas motivadas; c) abordamos a indissociabilidade entre leitura e escrita, consoante Geraldi (2003; 2009; 2012; 2015), por propormos a leitura como meio para desenvolver a escrita; d) seguindo, abordamos benefícios e limitações de uma prática focada nas novas tecnologias da informação e da comunicação, bem como a possibilidade de criação de um espaço para a experiência no contexto escolar, segundo Palfrey e Gasser (2011) e Larrosa (2017), respectivamente; e) por fim, abordamos a relevância da leitura literária na construção de novas experiências, consoante Riolfi et al. (2014), Dalvi, Resende e Rover-Faleiros et al. (2013) e Rouxel, Langlade e Rezende. (2013). Passamos a desenhar o nosso posto para ratificar a intervenção.

2.1 Contextualização do ensino de LP e normatização do estudo do texto

O insucesso de muitos estudantes brasileiros concernente à interpretação e à produção de textos é frequentemente apontado no cerne de discussões sobre a qualidade da educação. Os indicadores apontam para uma sequência de resultados insatisfatórios em avaliações externas e

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reiteram a crise no sistema educacional no país, cujas causas múltiplas e históricas impossibilitam uma resolução imediata, motivo pelo qual se arrasta ao longo de décadas, atestando a ineficiência de práticas. Assim, o objetivo desta seção é conhecer a construção que se deu historicamente em torno da língua, a fim de entendermos o contexto atual do ensino de LP nas escolas públicas brasileiras, conforme algumas contribuições de Neves (2017) e, principalmente, de Geraldi (2015).

Inicialmente, a sistematização gramatical sempre foi utilizada para a difusão de uma língua entre povos conquistados, ou seja, a língua foi tomada como aspecto essencial para a dominação de um povo e, na tentativa de unificá-la, reforça-se o desejo de domínio de uma cultura. Conforme Geraldi (2015), no Brasil colônia, a sistematização gramatical se deu por necessidade de contato e exploração, por isso afirmamos que há uma relação entre a reflexão sobre a língua e o exercício do poder.

Tal contexto explica por que professores de LP com dicas e normas do “bom uso” fazem sucesso até hoje, e que os veículos de comunicação de massa explorem negativamente os “desvios gramaticais” cometidos por pessoas públicas, ou que as chamadas “pérolas do Enem” sejam destaque nas redes sociais todos os anos. Aliado a isso, materiais didáticos populares entre os professores ignoram diferenças regionais e locais ou as citam como se fossem anormalidades. Isso pinta um quadro de retorno à correção gramatical rígida que cala uma parte da população a qual, convencida de não saber falar, silencia e, silenciada, é sobrepujada. Logo, a manutenção do silêncio mantém a hegemonia de um pensamento e corrobora as relações de poder.

Ao longo dos anos, a escola desenvolveu um papel de guardiã dos valores tradicionais referentes à linguagem. Somente na década de 90, com a popularização dos PCN, o material adotado para ensino e o foco das aulas mudaram; todavia, sob uma visão equivocada. Pela influência direta que os Livros Didáticos (LD) têm na prática dos professores, é preciso considerarmos como o aparecimento e o desenvolvimento da ciência linguística provocou mudanças no material adotado: os livros, que antes traziam textos clássicos, predominantemente, passaram a trazer gêneros de linguagem coloquial e popular, com representações das interações orais, gerando um entendimento equivocado de que a escola não deveria tratar da modalidade padrão escrita. É claro que a abordagem desses textos representaria um avanço na Educação se não se tratasse de uma mera substituição desses em lugar daqueles.

Segundo Neves (2017), acabou-se por estabelecer uma incoerência entre os textos oferecidos para leitura e os solicitados para análise linguística. Estes, evidentemente, na variedade padrão e essa incoerência só acentuou o distanciamento entre o que se ensina nas

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aulas e o uso recorrente dos alunos. A autora destaca que a escola atual sofre a acusação de privilegiar o ensino de uma variante em detrimento das outras, ou seja, a norma padrão, mais especificamente na modalidade escrita. Mas, parafraseando a pergunta de Neves (2017), a quem caberia a tarefa de ensinar a variedade padrão da língua na forma escrita, além da escola? Se os alunos já têm acesso a outras variantes da língua em outras instâncias de interação e se já conhecem e aplicam os recursos disponíveis para a interação oral, não se espera que a escola ensine a falar informalmente. Desse modo, é papel da escola, sim, tratar da língua escrita na forma convencionada como padrão.

Obviamente que isso não significa reforçar estigmas, atribuindo valoração negativa às variantes dos estudantes. É bem provável que eles, ao conhecerem a variante padrão, passem a usá-la em suas interações por reconhecerem o seu papel social, inclusive no tocante à inclusão em espaços sociais e aos bens culturais formais. Entretanto, a alteração de código não deve se dar na perspectiva de substituição de um pelo outro, mas de adequação às situações, buscando-se o respeito à heterogeneidade constitutiva da linguagem, até porque ensinar exige respeito aos saberes dos alunos, no sentido de

[...] não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam [...] mas também... discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos (FREIRE, 1996, p. 30).

Com isso, a escola cumpre o seu papel de oferecer o acesso à variedade padrão, sem fortalecer preconceitos linguísticos.

Ainda na perspectiva de Neves (2017), os professores de LP sofrem com a insatisfação diante da — como chama Geraldi (2003) — crise de expressão dos estudantes e o seu baixo desempenho, mas também com a pressão dos professores de outros Componentes Curriculares e Equipe Pedagógica, que os apontam a cada “erro” dos estudantes. Sofrem ainda com a cobrança da família dos alunos e da sociedade em geral que, culturalmente, esperam que as aulas de LP se centralizem no jogo dicotômico de erro/acerto pela formação que tiveram. Essa insatisfação dos professores com a crise de expressão dos alunos pode representar dúvidas em relação ao objeto de ensino da Disciplina; a pressão dos colegas de trabalho pode representar a ausência de compreensão da concepção de linguagem como atividade fundamental no desenvolvimento do homem, em qualquer área e como patrimônio da cultura escrita, gerando a responsabilização unicamente dos professores de Português; e a cobrança da sociedade pode representar o entendimento equivocado de que o ensino da língua é o ensino da norma.

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Desse modo, é preciso que esclareçamos que ensinar a variante padrão escrita não é reforçar preconceitos ou incentivar a discriminação; é, na verdade, fomentar o acesso à sistematização dos saberes letrados, sem o qual, estaria formalizando as desigualdades de oportunidades e realização pessoal, já que conhecer e aplicar a norma padrão escrita é também meio de inclusão na sociedade. Enfim, o sistema escolar tem papel determinante na promoção das crianças e adolescentes, sobretudo daqueles oriundos das classes mais marginalizadas, cuja variedade, quase sempre, se distancia ainda mais da forma aceita como padrão; isso, por representar o melhor, talvez até o único, meio de acesso a esse bem simbólico na nossa cultura letrada.

Para a autora ainda, na contramão do que se espera, a escola brasileira, apesar de alguns avanços já mencionados, ainda insiste no ensino da metalinguagem, até mesmo na tentativa de minimizar as cobranças e acusações que sofre, numa perspectiva mumificada da língua. Dessa forma, ao desconsiderar o uso, o ensino torna-se artificial. Por outro lado, há professores que, fundamentados na crítica ao ensino prescritivo da língua, assumem uma prática baseada na ideia de que não se pode corrigir.

Neste trabalho, assumimos que ambas as visões apresentadas são equivocadas e defendemos que a imposição da variedade padrão, associada à intolerância e à valoração negativa à variedade que os alunos dominam, gera a rejeição ao que a escola propõe, além de provocar insegurança nas crianças em relação à própria linguagem, pois a elas é apresentada uma língua que não reconhecem como sua. A aversão se manifesta quando os alunos se veem diante de um papel em branco, já que, ao desconsiderar a sua variante, a escola os faz pensar que eles não sabem a língua e, pois, também não sabem escrever. Logo, as crianças passam a enxergar a escrita apenas como uma atividade escolar, desvinculada das práticas de uso com as quais elas já estão familiarizadas. Em outras palavras, na vida, as crianças escrevem para se comunicar e na escola elas escrevem para obter uma nota e isso é desmotivador.

A distinção entre redação e produção textual proposta por Geraldi (2015) não se restringe a uma questão de nomenclatura e nisso já identificamos um primeiro equívoco. Não são termos equivalentes, mas de compreensões distintas do ato de escrever. Para o autor, escreve-se porque — e quando — se tem o que dizer e para quem dizer, o que ele denomina como produção textual. Com base nisso, escolhe-se como dizer, tanto no sentido composicional, quanto no sentido de seleção das palavras, com uma intenção real e clara, a fim de se alcançar uma determinada finalidade.

Uma possibilidade de minimizar esse distanciamento das atividades escolares em relação às situações de uso da língua está na centralidade do texto, conforme propõem os

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documentos oficiais; mas também é preciso refletirmos sobre como esse objeto de estudo das aulas pode se transformar em um vilão, em se tratando do seu uso como pretexto para análise linguística ou mesmo para o estudo estrutural do gênero discursivo sem considerar a singularidade dos enunciados em função do seu caráter dialógico.

Com a publicação dos PCN (BRASIL, 1996), adotou-se nas escolas uma prática fundamentada a partir de gêneros e a proposta se transformou na didatização dos textos5, isto é, a normatização comumente adotada no estudo da gramática da frase foi incorporada ao ensino dos gêneros discursivos, de modo que eles passaram a ser também normatizados e os professores passaram a desenvolver atividades cujo objetivo era escrever, segundo o modelo dos textos estudados.

E o que poderia ser uma solução para o ensino da escrita passou a ser um problema por: a) podar a criatividade dos estudantes, já que estes passaram a imitar o texto-modelo, como se não houvesse várias formas de dizer uma mesma coisa, como se escrever fosse um ritual ou técnica; b) focar no aspecto composicional, em um processo de engessamento do texto, o qual, dissecado em partes, é apresentado como forma, desconsiderando o fato de que a estabilidade dos gêneros é relativa, em virtude das condições de produção e os fins interacionais; c) e, sobretudo, por aumentar o fosso entre a escola e as práticas reais de uso, visto que os alunos não sabem por que escrevem.

Segundo Geraldi (2015), os gêneros discursivos foram tomados como objeto de ensino, deixando de ser vistos como processos disponíveis para a atividade discursiva humana realizáveis nas esferas de interação. O estudo bakhtiniano prestou-se, pois, “a um deslocamento no ensino que vai das tentativas de centração na aprendizagem através das práticas, para objetos definidos previamente, seriáveis, unificados e exigíveis em avaliações nacionais” (GERALDI, 2015, p. 79). Nada menos bakhtiniano, uma vez que, vista assim, a prática de ensino fundamentada nos gêneros deixa de cumprir o seu objetivo. Por essa razão, rejeitamos aqui a ideia de trabalhar a partir de gêneros discursivos nessa perspectiva engessada em que eles perdem a natureza do texto em uso significativo; adotamos, pois, a perspectiva de Geraldi (2003, p. 135) ao afirmar:

Considero a produção de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto de chegada) de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua. [...] Sobretudo, porque é no texto que a língua – objeto de estudos – se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu reaparecimento, quer enquanto discurso que

5 Ferrarezi Jr. E Carvalho (2017) introduzem a obra trazendo essa mesma problematização em relação ao tratamento dado ao texto na sala de aula, sobretudo com referência à leitura.

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remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas dimensões.

Ainda em consonância com Geraldi (2015), tomamos a escola como lugar de aprendizagem(ns), considerando que professores e alunos são aprendizes, apesar de em patamares distintos. Nessa visão, concebemos um modelo de escola que centra seu ensino nas práticas, abrindo-se às aprendizagens, no plural, sem que se defina um ponto de chegada fixo, não por falta de planejamento ou de objetivos, mas por valorizar o processo acima do produto, devolvendo a voz aos estudantes. Nesse entendimento, tratamos o texto sem necessidade de engessá-lo em uma estrutura e sem intenção de sobrepor a forma ao conteúdo, pois “... não se trata simplesmente de redigir um texto sobre determinado tema, mas de dizer algo a alguém a propósito de um tema. A imaginação se sobrepõe à correção do dizer, ainda que esta possa ser buscada não só no sentido gramatical da expressão” (GERALDI, 2015, p. 78).

Pelo reconhecimento da ineficiência de práticas que engessam o texto e o distanciam das relações sociais, propomos que os estudantes tenham a oportunidade de dizer algo a alguém, partindo da subjetividade das próprias histórias de vida e do acesso a experiências de leitura, isto é, rejeitamos uma prática que possa reiterar a normatização transferida do estudo da gramática para o estudo dos gêneros, a fim de que os alunos concebam o texto como atividade discursiva com significado. Reconhecemos que a normatização do texto tem causas na construção histórica em torno do ensino da língua, bem como tem consequências nas produções escritas dos estudantes, seja pela tentativa de uma escrita modelar6, seja pela supervalorização da forma em detrimento do conteúdo, seja pela excessiva preocupação com os aspectos gramaticais.

Tendo explicitado o contexto geral de ensino de LP, os avanços e obstáculos quanto à redefinição do texto como objeto de ensino na perspectiva dialógica e a nossa posição de rejeição à normatização, tratamos das concepções de leitura e escrita a seguir, por entendermos que a falta de clareza nessas concepções também causa práticas equivocadas.

6 Ao usarmos a expressão “escrita modelar”, referimo-nos à tentativa dos alunos de usarem textos de escritores reconhecidos como modelos e ao fato de alguns professores ainda usarem em suas aulas esquemas listando as palavras ou expressões para iniciar cada parágrafo.

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2.2 Visões teóricas e escolhas metodológicas dos professores

Conforme a problemática quanto ao papel dado ao texto em sala de aula de LP, julgamos indispensável uma reflexão sobre as concepções de leitura e escrita por entendermos que há uma relação com as atividades planejadas pelos docentes. Por isso, o objetivo desta seção é abordar algumas dessas concepções, segundo contribuições de Pietri (2007) e Leffa (1999), bem como Geraldi (2003) e Freire (1996).

A concepção teórica dos professores tem implicações diretas na sua prática e, como consequência, a sua atuação em sala interfere na concepção que os estudantes constroem inconsciente e/ou empiricamente sobre leitura (e escrita). Assim, recorremos inicialmente a dois autores que discorrem sobre as concepções de leitura.

No entender de Pietri (2007), a leitura é, por um lado, uma prática social escolarizada pelo fato de as pessoas considerarem ser uma das funções da escola ensinar a ler e, por outro lado, uma prática não escolar pelo fato de alguém poder desenvolver habilidades de leitura fora da escola. Para o autor, ao pensar no ensino de leitura, é preciso, primeiramente, refletir sobre a relação leitor-texto.

Consideramos tal definição pouco abrangente, tendo em vista que se limita à relação entre leitor e texto; ademais, trata da leitura escolar e não-escolar de uma maneira dicotômica, como se fossem práticas excludentes, quando, na verdade, podem ser tratadas como práticas complementares.

Em Leffa (1999), as linhas que discutem a leitura podem ser organizadas em três abordagens: a ascendente (a leitura na perspectiva do texto), a descendente (a leitura com ênfase no leitor) e a conciliatória (considera texto, leitor e processo interativo). Na primeira, tem-se o foco no próprio texto e a leitura é vista como um processo de extração de um sentido único para o texto, dado pelo autor; vista dessa forma, a leitura na sala de aula se mostra limitada pelo fato de, quase sempre, o sentido do texto ser dado pelo professor de acordo com o que subjaz ao texto, dando ao aluno, como leitor menos experiente, um papel secundário. Quanto à segunda abordagem, o foco está no leitor, e não no texto, e os sentidos atribuídos resultam de conhecimentos linguísticos, textuais e enciclopédicos e de fatores afetivos, dentre os quais o autor destaca a importância das experiências de vida do leitor; para ele, nas vivências do dia a dia o leitor constrói uma representação mental do mundo, a qual é acionada quando este se coloca diante de um texto, ou seja, o processo deixa de ser extração de sentido para ser atribuição de sentido; vista por esse ângulo, a leitura em sala de aula é mais produtiva por considerar diferentes leitores e suas experiências de vida e o professor passa a ser um dentre os

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leitores. Já na terceira abordagem, a leitura é vista como uma atividade mental e social; na perspectiva interacional há a ampliação da abordagem centrada no leitor, pois a relação se dá entre o leitor, o texto e o autor, ou seja, o texto é construído também pelo leitor à medida que este lhe atribui sentidos, levando em conta as convenções de interação social.

Se, por um lado, a primeira abordagem de Leffa é limitada por considerar que o sentido está no texto; por outro, apesar de a segunda ser mais abrangente do que a primeira, também apresenta uma limitação, tendo em vista que o leitor é tomado como soberano, como se pudesse atribuir qualquer sentido, o que não é verdade, porque há sentidos desautorizados pela materialidade do texto. Já a abordagem interacional, é a que mais se aproxima de uma prática voltada para a língua como meio de interação.

Como notamos, seja em Pietri, seja em Leffa, é possível concluirmos que a concepção que os professores assumem tem uma relação com os objetivos que definem e com as atividades que propõem aos alunos; consequentemente, tem relação com as experiências de leitura dos estudantes e o modo como eles a concebem que, por sua vez, tem relação com os resultados obtidos na leitura e também na escrita. Portanto, quando pensamos no contexto atual de ensino de língua pátria, pensamos também nas concepções implícitas na atuação docente, pois um professor que planeja atividades priorizando questões formais da língua ou estrutura composicional do texto só o faz porque construiu determinadas concepções ao longo da formação e da trajetória de docência.

Uma das consequências de lacunas na formação dos profissionais é a dependência ao LD. Repetir seus exercícios, sem reflexão sobre os objetivos ou sem julgamento quanto à relevância do que se pede para a formação de experiências significativas de leitura e escrita ou mesmo solicitar atividades de “produção textual” de atas e requerimentos, por exemplo, sem um interlocutor ou qualquer alusão às esferas de circulação desses textos é também um equívoco. Ao limitarmos a nossa aula ao LD, incorremos no erro de desconsiderar a dinamicidade das manifestações linguísticas dos estudantes e a potencialização da aprendizagem que a heterogeneidade dos seus modos de dizer pode proporcionar. Essa perspectiva de uso crítico e reflexivo do LD requer o reposicionamento dos professores, pois lhes confere mais autonomia na mobilização dos conhecimentos e recursos disponíveis.

Partindo do entendimento das abordagens levantadas e da sua relação com a adoção de estratégias de ensino, esclarecemos que para nós: i) ler não é decodificar — apesar de a decodificação estar implicada na leitura — e não é extrair um sentido que está unicamente no texto, limitando o papel do leitor; ii) ler também não é atribuir qualquer sentido, desconsiderando a materialidade do texto ou os contextos, conferindo ao leitor um papel

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soberano. Assim, a concepção adotada concorda com a defendida por Geraldi (2003) de que a leitura é um encontro com o texto, porém não apenas isso, mas também um encontro com o outro, o encontro de um eu com um tu. Para o autor:

É por isso “que se fala em compreensão de um texto, e não em reconhecimento de um sentido que lhe seria imanente, único. Não se creia, no entanto, que a labilidade seja tal que a relação, através de um texto, entre um eu e um tu seja impossibilitada. Na produção de sentidos, há ao mesmo tempo uma abertura e um fechamento

(GERALDI, 2003, p. 103).

Sendo assim, a leitura é uma abertura no sentido de o leitor ser um sujeito ativo na produção de sentidos e é, ao mesmo tempo, um fechamento por não permitir qualquer leitura, sem considerar as pistas dadas pela materialidade escrita; é uma atividade individual por exigir conhecimentos e experiências individuais, mas também uma atividade social por se constituir na interação com o autor e com outros leitores. Essa concepção prevê o respeito à heterogeneidade, pois a aula de leitura passa a ser um espaço de compartilhamento de saberes a partir do texto, proporcionado pelas “situações dialógicas ilimitadas que constituem suas possíveis leituras” (AUTHIER-REVUZ, J., 1982, p. 104 apud GERALDI, 2013, p. 91).

Considerar essa concepção de leitura é reconsiderar o papel dos professores, os quais passam a ser também leitores, cuja leitura configura como mais uma dentre as possíveis. Esse reposicionamento é importante porque:

O diálogo entre professoras ou professores e alunos ou alunas não os torna iguais, mas marca a posição democrática entre eles ou elas. [...] O diálogo tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não apenas conservam sua identidade, mas a defendem e assim crescem um com o outro (GERALDI, 2003, p. 162).

Ou seja, entendermos a leitura dessa forma exige o reposicionamento dos professores porque não lhes permite uma postura autoritária, de modo que não se sustenta a ideia de serem eles os detentores do conhecimento; não cabe aos professores fornecer o sentido do texto, já que é possível que o texto não tenha um único sentido, cabendo-lhes a função de gerenciar a discussão do grupo em torno dos sentidos possíveis em concordância com as pistas linguísticas e com os contextos de produção e recepção dos textos. Tal discussão deve ser conduzida de maneira não-hierárquica, de modo que o diálogo promova o crescimento e a autonomia dos sujeitos envolvidos.

Sendo assim, a resistência dos professores em relação à leitura de mundo com que os educandos chegam à escola pode se constituir, na visão de Freire (1996, p. 122), “um obstáculo à sua experiência de conhecimento”. Para esse autor, respeitar a leitura do mundo dos alunos

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não significa adotá-la como a melhor ou a correta, mas tomá-la como ponto de partida para a produção do conhecimento, o que se aplica inclusive à leitura, sendo possível, assim, falar em leituras possíveis. Evidentemente que, sendo o professor um leitor mais experiente, o seu papel na condução da leitura dos seus alunos é fundamental; em contrapartida, se ele tiver a iniciativa de orientar quanto às diferentes estratégias de leitura para diferentes fins, é esperado que os alunos conquistem autonomia.

Por essa razão, se a concepção de leitura defendida aqui exige o reposicionamento do professor, também exige o reposicionamento dos estudantes, o qual pressupõe a sua autonomia que se constrói à medida que têm acesso a diferentes experiências de leitura, seja na dimensão individual ou na coletiva. Freire (2018, p. 105) afirma:

Ler um texto é algo mais sério, mais demandante. Ler um texto não é “passear” licenciosamente, pachorrentamente, sobre as palavras. É apreender como se dão as relações entre as palavras na composição do discurso. É tarefa de sujeito crítico, humilde, determinado.

Temos, pois, no leitor, segundo Freire, um sujeito: a) crítico, pela possibilidade de assumir uma posição sobre o texto, em concordância ou não; b) humilde, pela forma como se mostra disponível para aprender a cada nova leitura; c) e determinado, por se deixar envolver pelo texto para entendê-lo. A um professor de EF, desenvolver esses três aspectos do sujeito leitor é uma iniciativa muito cara, pelas possibilidades de favorecer a proficiência na leitura não só como atividade escolar, mas como prática de participação social em resposta à inserção dos discentes em instâncias públicas formais.

Diante da complexidade e da relevância, o ensino de leitura se apresenta em primeiro lugar como um desafio, em virtude do crescente número de suportes e práticas atuais e as diferentes estratégias possíveis a serem acionadas de acordo com os objetivos do leitor. Em segundo, como um risco, por exigir o seu reposicionamento crítico concernente às atividades e à metodologia propostas, sobretudo porque, de acordo com Geraldi (2003, p. 113) “Recompor a caminhada interpretativa do leitor [...] exige atenção ao acontecimento dialógico que ocorre no interior da sala de aula.”. E, por fim, como um compromisso social, por ampliar o acesso dos discentes aos bens culturais formais e por proporcionar a formação e participação cidadãs, devolvendo-lhes a palavra.

Após pensarmos sobre a concepção de leitura adotada, tratamos da concepção de escrita. Se para Riolfi et al. (2014, p. 63), “ler é um ato criador que retira da apreensão estática aquele que lê passivamente”, podemos depreender que, ao ler, uma pessoa se movimenta da sua

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condição passiva de receptora do texto para a condição ativa de construtora de sentidos e, como tal, formula outros textos tomando como base aquilo que leu. Isso, entretanto, não se dá por imitação, como se o texto ao qual a pessoa teve acesso fosse o modelo a seguir, de acordo com o que vemos comumente nas aulas baseadas em gêneros discursivos, de forma didatizada. Na verdade, o que ocorre é que as experiências de leitura, construídas a partir do acesso às experiências dos autores dos textos lidos, permitem a alguém ter o que dizer, reconhecendo que há, inclusive, várias formas de dizer. Isso se dá porque “os sujeitos se constituem como tais à medida que interagem com os outros, sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como ‘produto’ deste mesmo processo” (GERALDI, 2003, p. 6).

Sendo assim, escrever para nós não é uma técnica ou um dom, também não se limita a uma tarefa escolar. Mais que isso, escrever é uma forma de atuação nas diferentes instâncias sociais, é a “devolução do direito à palavra às classes desprivilegiadas” (GERALDI, 2003, p. 135), é um meio de participação cidadã, é ter voz; e, vendo assim, é um direito7 por colocar o indivíduo como “autor e ator de seu lugar no mundo” (CASTRILLÓN, 2011, p. 90). Nessa perspectiva, ler e escrever são práticas intrinsecamente ligadas, de modo que a prática docente precisa considerá-las em colaboração, conforme defenderemos no próximo tópico.

2.3 Uma concepção de leitura e escrita: a indissociabilidade

Nesta seção, o objetivo é explicitar a indissociabilidade existente entre leitura e escrita e defender as consequências dessa visão de indissociabilidade na nossa prática. Partimos, pois, da visão de leitura e escrita como práticas sociais indissociáveis, isto é, só se lê porque alguém escreveu e só se escreve com base no que se leu e porque se tem algo a dizer para alguém que lerá.

Geraldi (2003) explicita essa ideia de indissociabilidade ao falar do processo dialógico usando a metáfora dos fios de um bordado que tecem outros bordados, de modo que o encontro dos fios gera uma cadeia. Ou seja, o leitor é sempre marcado pelas experiências dos autores dos textos que leu e essas experiências que o marcam podem gerar outros textos. Essa relação está ilustrada na Figura 1 abaixo:

7 Castrillón, em seu livro O direito de ler e de escrever, de 2011, defende a leitura e a escrita como direitos dos indivíduos para a atuação na sociedade. Na obra, a autora destaca a necessidade de tratamento das práticas como políticas públicas.

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Figura 1 - A indissociabilidade entre a leitura e a escrita

Fonte: Elaborada pela autora (2019).

Ademais, essa indissociabilidade está pressuposta também no que o autor chama de movimento equilibrado entre as tendências da diferenciação e da repetição (GERALDI, 2003, p. 12). A primeira, refere-se à possibilidade do uso de expressões novas, que ampliem os seus modos de dizer com base nas leituras de mundo do sujeito e que imprimam as marcas da identidade de quem escreve; já a segunda, refere-se ao emprego de expressões já usadas e legitimadas, as quais são conhecidas do sujeito pelas experiências adquiridas nas interações com outros textos.

A nossa intervenção acredita nessa indissociabilidade, por isso pretende ampliar as estratégias de escrita por meio da leitura sob essa perspectiva de necessidade do equilíbrio entre as tendências da diferenciação e da repetição quanto aos modos de dizer, respeitando os usos dos estudantes, mas também fornecendo-lhes acesso a outros modos de dizer por meio do discurso literário, isto é, defendemos que leitura e escrita são práticas inseparáveis e complementares e que a indissociabilidade é premissa para o planejamento das atividades das aulas de Português que se prestam a um ensino significativo.

Entendemos que um provável entrave nessa proposta, evidentemente, diz respeito ao reposicionamento dos estudantes, uma vez que exige deles o entendimento de que, sendo a língua uma construção histórica e social, cabe-lhes o papel de sujeitos ativos no processo de construção dos usos, em oposição à sua adesão à escrita por imitação dos modelos estabelecidos. Sobre a produção de textos, Geraldi (2003, p. 135) explicita a importância da escrita na sala de aula:

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