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5.2 A experiência do Módulo 2

5.2.1 Oficina A hora do suspense

Para esta Oficina, os objetivos definidos foram: avaliar o Módulo 1; proporcionar a leitura subjetiva; ampliar as habilidades de oralização e escuta; reconhecer, na construção

narrativa, diferentes efeitos de sentido produzidos pela caracterização do espaço e dos personagens; identificar o papel do suspense na construção narrativa; incentivar a leitura de obras completas; favorecer a construção de imagens subjetivas sobre o conto.

Conduzimos os 22 alunos presentes para a Sala do Laboratório de Ciências, a qual já havia sido previamente preparada pela professora-pesquisadora durante o intervalo: cadeiras dispostas em três grupos, luz reduzida, som ambiente de suspense, uma trilha de figuras de formigas no chão, em direção a um objeto encoberto por um tecido em tom chamativo.

Figura 30 - Organização da sala

Fonte: Acervo da pesquisadora (2019)

Após todos estarem acomodados, entramos arrastando uma mala grande, sob os olhares atentos. Inicialmente, pedimos para que os alunos relembrassem o que havíamos feito no Módulo 1 e registrassem em seus Diários o que mais gostaram. Dentre os registros, destacamos um para análise a seguir.

Figura 31 - Diário 2/registro 4

Fonte: Diário 2 (2019).

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Transcrição Diário 4/registro 3

Eu gostei muito do momento sobre nossa avó, que fez a gente lembra a ela. De fala sobre as coisas que ela faz comidas, que eu amo o feijão dela. Saudades daminha voinha.

Apesar de curto, o registro 4 do Diário 2 é marcado pelas experiências pessoais da aluna, como observamos nos trechos destacados: “gostei muito...”, “... fez a gente lembra a

ela”, “... eu amo o feijão dela” e “Saudades daminha voinha”. Isso revela que, para projetar a

subjetividade, não é preciso escrever em quantidade, mas estabelecer relações com leituras anteriores, lugares, pessoas e tempos. Nesse sentido, o registro em análise atendeu à proposta.

Em seguida, solicitamos que fizessem uma observação inicial do conto de Lygia Fagundes Telles e registrassem as suas primeiras impressões. Nesse momento, fomos interrompidos porque a nossa presença foi solicitada em uma reunião de pais/responsáveis para entrega de resultados do 1º bimestre e uma funcionária ficou com a turma. Decidimos por relatar esse episódio para explicitar que não trabalhamos em condições ideais no contexto escolar, mas que há entraves entre o planejamento e a execução de um trabalho e que isso também deve ser considerado como objeto de reflexão.

Quando retornamos, os alunos já estavam concluindo os seus registros. Selecionamos um para análise na sequência.

Figura 32 - Diário 1/registro 5

Fonte: Diário 1(2019).

Diante da dificuldade de usar o Diário, pensamos em tópicos que pudessem conduzir os registros, somente no sentido de orientação. Embora o objetivo fosse apenas sugerir pontos que pudessem nortear os registros, os alunos estão tão habituados ao esquema de pergunta- resposta que responderam aos pontos sugeridos como se fosse uma atividade, como os exercícios do LD. Por isso, mais uma vez, retomamos o funcionamento do Diário e a necessidade do seu uso de modo subjetivo, esclarecendo a importância de privilegiar a escrita livre sobre as impressões, de modo mais pessoal.

Retomamos a Oficina sob o som de suspense baixinho. Iniciamos uma leitura performática, com modulações na voz, circulando entre os grupos, com paradas estratégicas para observar as reações dos alunos. Seguindo a trilha de figuras de formigas no piso, caminhamos até o objeto encoberto pelo tecido e revelamos o esqueleto oculto, de acordo com o desenrolar da história. De fato, foi um momento de muita concentração, da turma toda, até mesmo os alunos mais inquietos estavam acompanhando. Enquanto professora, também foi uma experiência marcante para nós porque, considerando o baixo nível de concentração da turma, vê-los concentrados foi um momento singular.

Quanto às alunas com necessidades educativas especiais, uma delas não estava presente. As outras duas participaram normalmente das atividades, sem necessidades de adaptação, inclusive a aluna em processo de alfabetização. Isso foi possível porque boa parte das atividades eram orais, então ela pôde contribuir tranquilamente. Somente a atividade de registro no Diário precisamos adaptar e fazer oralmente com a aluna.

Concluída a leitura, pedimos que cada um registrasse as suas observações sobre a história, aprofundando ou reformulando os registros anteriores. Daí, seguimos para a conversa sobre o que sentiram. Medo e curiosidade foram citados pelos alunos, que destacaram o tecido sobre o objeto, o som ambiente e as formigas como fatores que contribuíram para o mistério em torno do texto. Isso nos permitiu introduzir invisivelmente a reflexão sobre diferentes recursos disponíveis para construir o suspense.

Figura 33 - Alunos registrando as primeiras impressões no Diário

Fonte: Acervo da pesquisadora (2019).

Ao serem questionados sobre as possíveis razões de não haver caracterização das duas meninas no texto, tampouco os seus nomes, responderam que a caracterização do lugar era mais importante para construir o suspense. Obviamente que essa percepção nos causou satisfação, por atender aos objetivos propostos no Módulo, quanto ao papel da caracterização para a construção narrativa de suspense.

Logo em seguida, revelamos o conteúdo da mala: uma parte da Biblioteca Particular da professora. Apesar de a Escola ter uma biblioteca, ainda que modesta, entendemos que levar uma parte da nossa biblioteca seria uma forma de reafirmar o papel do professor como sujeito leitor. Queríamos levar um acervo bem diverso, para que todos pudessem se identificar com alguma leitura e nesse trabalho de seleção do material que estaria na mala, a autobiografia de leitor, que os alunos escreveram na etapa de diagnóstico, teve um papel fundamental. A autobiografia nos forneceu informações sobre o que eles já liam. Os títulos iam desde Histórias em Quadrinhos, mangás, contos infantis a livros de contos, romances, diários, poesia, livros de histórias bíblicas e de autoajuda. A maioria dos títulos levados já compunha o acervo da Biblioteca, mas alguns foram adquiridos especialmente para a Oficina (como os mangás) após a leitura das autobiografias que nos ajudaram a conhecer a história de leituras do grupo e a reconhecer o seu perfil como leitores.

Abrimos o espaço para que cada estudante escolhesse um título que levaria para ler em casa. Observamos que os alunos comparavam os títulos, as capas, abriam, folheavam, cheiravam. Foi uma experiência muito interessante porque, de tanto ouvirmos/repetirmos que os alunos não gostam de ler, acabamos por acreditar; quando, na verdade, o encantamento da turma diante de uma mala cheia de livros nos demonstrou exatamente o contrário: eles tiveram interesse pelos livros e transformaram esse momento em um dos mais marcantes da intervenção. Isso nos permite concluir que é possível obtermos resultados positivos quanto à leitura, mesmo diante de contextos desfavoráveis.

Figura 34 - Momento da escolha de livros para empréstimo

Colocamos quatro alunos para organizar esse momento e registrar os empréstimos; a outros três alunos encarregamos de conduzir, inicialmente, a Comunidade de leitores. Usamos esse tempo para explicar-lhes os objetivos e o funcionamento da Comunidade e da necessidade da adesão de um grupo para fomentar ações de leitura na Escola, o qual chamaríamos de mediadores de leitura. Os dois grupos (o que organizava os empréstimos e o de mediadores de leitura) se mostraram muito satisfeitos com as atribuições recebidas e demonstraram alguma autonomia para organizar os colegas. No final da aula, vários alunos se dispuseram a ajudar na organização da sala. Esse comportamento nos revelou o protagonismo dos alunos incentivado pela leitura subjetiva que prevê que cada sujeito tem o que dizer.

Embora não tenhamos notado dificuldades maiores para desenvolver a Oficina, se fôssemos elencar aspectos negativos, destacaríamos: os aspectos físicos da sala (quente e com cadeiras inadequadas), a ausência da professora-pesquisadora por alguns minutos por causa da reunião e ainda dois alunos terem faltado nas duas últimas oficinas e estarem desambientados. Todavia, podemos dizer que foi uma experiência interessante para todos, inclusive, uma das mais marcantes da nossa trajetória docente.

Vejamos a Oficina seguinte.