• Nenhum resultado encontrado

3.4 Diagnósticos dos sujeitos de pesquisa

3.4.1 Instrumento 1: o questionário

Este subtópico apresenta o instrumento usado para diagnosticar o perfil dos participantes da pesquisa em relação ao acesso a bens culturais, bem como verificar o lugar que os suportes digitais têm para eles, a fim de validar a nossa observação inicial sobre a subutilização das aprendizagens oportunizadas pelos recursos digitais e de defender a necessidade de uma abordagem reflexiva e crítica das novas tecnologias.

O questionário, representado na Figura 2, foi aplicado com os estudantes do 8º ano B para traçar um perfil quanto aos bens culturais e às práticas de leitura e escrita mais recorrentes entre eles, assim como as características dos textos com os quais interagiam comumente. Vale ressaltarmos que a adoção do questionário como instrumento diagnóstico não desconfigura o caráter qualitativo da pesquisa, já que funcionou como verificação da observação inicial de que os alunos, em sua maioria, têm a internet como o principal bem cultural disponível, o que justificaria a sua maior influência nas práticas de leitura e escrita em sala de aula. Desse modo, a ausência de acesso a outros bens culturais estaria dificultando o favorecimento da construção de outras experiências éticas, estéticas e linguísticas.

Figura 2 - Questionário para aluno

Fonte: Elaborado pela autora (2019).

O instrumento continha 20 perguntas objetivas e um espaço no final para algum comentário ou observação que os alunos quisessem registrar. O tempo gasto para respondê-lo foi, em média, de 15 minutos. Foi aplicado na própria sala de aula, sob a orientação da professora-pesquisadora, sem necessidade de identificação. Dos 27 alunos matriculados na turma, apenas um deixou de responder por não estar presente no dia da aplicação.

Dos 26 alunos que responderam, 17 ingressaram na escola com até 3 anos de idade e apenas dois só conheceram a escola aos 6 anos. Esses números são bem positivos porque sugerem a preocupação das famílias com a escolarização dos filhos; porém, quando perguntados sobre a idade que tinham quando aprenderam a ler e escrever, nove alunos responderam que aprenderam com mais de 7 anos, seis alunos disseram que aprenderam aos 6 e apenas um com menos de 4 anos de idade. Isso nos leva a crer que, embora tenham chegado

cedo à escola, o processo de alfabetização se deu de forma lenta para a maioria deles. Quanto ao acesso dos estudantes a bens culturais, observemos os gráficos a seguir:

Gráfico 1 - Frequência ao cinema

Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Gráfico 2 - Frequência ao teatro

Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Gráfico 3 - Frequência à biblioteca

Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Com que frequência você vai ao cinema?

nunca

anualmente

às vezes

Com que frequência você vai ao teatro?

nunca anualmente às vezes

Com que frequência você vai à biblioteca?

às vezes nunca anualmente

Observamos, no gráfico 1, que 12 alunos nunca foram ao cinema, 10 vão anualmente e quatro vão às vezes. No gráfico 2, quanto ao teatro, 22 alunos nunca foram, dois afirmaram ir anualmente e dois afirmaram ir às vezes. Vale destacarmos que não há cinemas ou teatros na cidade e, considerando que muitos adolescentes sentem vergonha de dizer que nunca foram a esses ambientes, é possível que os números não correspondam exatamente à realidade.

Já em relação à ida à biblioteca, 18 alunos disseram que vão às vezes, cinco disseram que nunca foram e três responderam que vão anualmente. Se considerarmos que há uma biblioteca na Escola e uma biblioteca pública municipal no centro da cidade, esses números, embora melhores em relação ao cinema e ao teatro, têm uma representação ainda mais negativa, tendo em vista que a biblioteca é mais acessível para eles.

Quando perguntados sobre a internet, nenhum adolescente disse não ter acesso, dois disseram ter acesso às vezes em outros ambientes (escola, casa de amigos e parentes) e 24 disseram ter acesso em casa. Isso confirma a ideia de que, para muitos, a internet é o bem cultural mais presente e, consequentemente, mais importante e mais influente.

Quando perguntados sobre quantos livros leram no ano anterior, sete responderam nenhum, quatro responderam um e seis responderam dois. Já em relação a quantos livros compraram ou ganharam, 15 alunos disseram nenhum e quatro disseram um. Os números revelam que os livros impressos não fazem parte da rotina da maioria dos alunos, o que não representa nenhuma novidade se considerarmos os números nacionais26 referentes à leitura.

Já diante da pergunta sobre o critério de escolha de um livro, os dados são bem desafiadores, conforme o quadro 4, a seguir:

Quadro 4 - Critérios apontados para a escolha de um livro

Critérios Quantidade de alunos

Histórias curtas 12

Mais ilustração e menos texto escrito 08

Histórias longas 03

Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Como observamos, o critério que se destaca na hora de escolher um livro é a presença de histórias mais curtas ou de mais ilustração do que texto escrito. Histórias mais longas são evitadas. Isso pode ter relação com a falta de tempo, tão comum no nosso estilo de vida atual.

26 Segundo Pesquisa Ibope encomendada pelo Instituto Pró-Livro e divulgada no Portal G1 em 18 de maio de 2016, brasileiros leem 2,54 obras por ano. Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/numero-de- leitores-no-brasil-sobe-6-entre-2011-e-2015-diz-pesquisa.ghtml>. Acesso em 20 fev. 2019.

Dos consultados, três responderam que não usam qualquer critério porque não costumam escolher livros. Esses números reiteram a nossa ideia inicial de preferência por textos curtos, rápidos e de organização simples.

Um outro quesito do questionário solicitava que os discentes enumerassem de 1 a 10 (sendo 1 correspondente à mais frequente e 10 à menos frequente) as práticas de leitura mais frequentes para eles nas suas atividades cotidianas. Os textos na internet foram apontados como os mais frequentes no cotidiano por 22 dos 26 alunos. O acesso, segundo as respostas, é diário para 24 dos entrevistados e desses, 14 admitiram dedicar mais de 6 horas do dia à internet. O livro ficou em primeiro lugar para dois alunos e em último para sete. Esses dados revelam a presença e a importância dos textos de circulação em suporte digital para esse grupo. O que nos chamou a atenção nessa questão também foi o fato de três alunos afirmarem terem visto um jornal impresso somente pela televisão e nunca pessoalmente, revelando a disparidade de acesso entre o impresso e o digital. O quadro 5 traz as opções dadas no quesito:

Quadro 5 - Práticas de leitura

Faixas na rua

Fachadas de lojas e comércios

Letreiros e cartazes em muros e ônibus

Encartes distribuídos nas ruas (propagandas, campanhas) Placas

Panfletos promocionais de lojas Revistas impressas

Jornais impressos Livros

Textos na internet (status, comentários, legendas de fotos, memes, vídeos, conversas em Aplicativos. Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Com base nas respostas dadas, já sabemos que os adolescentes passam muito tempo na internet, agora precisamos entender o que fazem por lá. Eis o gráfico 4:

Gráfico 4 - Conteúdo mais acessado da internet

Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Foram apresentadas algumas opções de uso da internet para que eles assinalassem sim, não ou às vezes, quanto à frequência de acesso. De acordo com o gráfico 4, os alunos consultados priorizam vídeos no YouTube (22), redes sociais (21) e jogos (19), ou seja, há uma busca evidente por imagens já prontas; por outro lado, os três conteúdos relacionados a estudo, formação ou informação juntos foram citados apenas por dois alunos. No tocante aos conteúdos que não são consultados, cursos em plataformas digitais e bibliotecas foram unanimidade e os sites de informação foram opção para apenas dois alunos. A situação exposta no gráfico contribui para o pensamento inicial de haver relação entre os textos a que os alunos têm acesso mais frequente e o modo como escrevem nas aulas de LP, dada a exposição excessiva a essas práticas.

Em outra questão, os discentes foram perguntados sobre a rede social mais utilizada: o WhatsApp ficou em 1º lugar, sendo citado por 13 alunos e o Facebook veio em seguida, citado por 08. Esses números, de certa forma, surpreenderam porque em uma observação inicial pensávamos que o Facebook fosse mais popular; no entanto, considerando que é possível acessar o WhatsApp mesmo quando a rede de internet está lenta (situação comum nos bairros dos alunos), faz sentido que esse seja o aplicativo mais usado. Eles também responderam sobre o objetivo principal de acesso às mídias digitais: as finalidades de distrair-se e de conversar ou se comunicar juntas arrebanharam 16 votos. Quanto ao material que acessam ou publicam nas redes sociais, vejamos o quadro 6:

Quadro 6 - Preferência de material para acessar e publicar nas redes sociais

Para acessar Para publicar

Memes 09 05

Vídeos 05 04

Textos escritos curtos 00 01

Textos escritos longos 00 00

Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Notadamente, a turma tem a preferência por textos híbridos como fotos, vídeos e memes. As fotos são preferência tanto para acessar quanto para publicar, enquanto os textos escritos são evitados pelos consultados. Quando questionados sobre a atitude que costumam ter quando um amigo publica um texto mais longo na rede social, a maioria (11) respondeu que, apesar de não gostar de textos longos, lê em respeito ao amigo; por outro lado, apenas cinco disseram não ter problemas para ler os textos maiores.

Já sobre a pergunta “Como você define a internet?”, foram dadas algumas opções de respostas representadas no gráfico 5 através de números, a saber: 1 corresponde a essencial, 2 a perigosa, 3 a prejudicial e 4 corresponde a importante. Vejamos:

Gráfico 5 - Definição da internet

Fonte: Elaborado pela autora (2019).

Segundo o gráfico 5, a internet foi definida como importante por 21 pessoas (58%), como essencial por 10 (28%), como perigosa por quatro (11%) e como prejudicial por apenas uma pessoa (3%). Para responder à definição, os alunos poderiam escolher mais de uma palavra e o interessante é que, mesmo aqueles que escolheram duas definições, optaram por associar as duas positivas (importante e essencial), de modo que podemos inferir que, para a maioria deles, a internet só apresenta benefícios.

Essencial [] Perigosa [] Prejudicial [] Importante [] D E FI N I Ç Ã O D A I N T E R N E T Essencial Perigosa Prejudicial Importante

Esse conjunto de informações levantadas ratifica a afirmação que fizemos de que há uma subutilização das possibilidades de aprendizagens oportunizadas pelas tecnologias digitais, talvez em decorrência da falta de um direcionamento; ademais, fortalece a opinião defendida, em concordância com os documentos oficiais, de que há a necessidade de a escola abordar essas possibilidades de maneira reflexiva e crítica sem, no entanto, incorrer em uma defesa inquestionável para qualquer contexto. Atesta ainda que a internet é, para muitos dos informantes, o principal (ou o único) bem cultural disponível. Assim, a partir desses dados, é possível construir um perfil dos alunos mais próximo do real, a fim de justificar a relevância da intervenção para proporcionar o acesso a outras práticas de leitura e escrita que possam contribuir para o desenvolvimento das aprendizagens dos estudantes.

Além do questionário, adotamos um segundo instrumento para diagnóstico, sobre o qual tratamos a seguir.