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2.5 O texto literário no Ensino Fundamental

2.5.2 O lugar dos sujeitos: a leitura subjetiva

Pensar que a experiência de acesso ao discurso literário pode contribuir para a autonomia dos alunos em relação à leitura e à escrita é pensar no reposicionamento desses sujeitos. Por isso, neste subtópico o objetivo é apresentar a perspectiva subjetiva da leitura como alternativa teórico-metodológica para o ensino de escrita.

20 O termo foi empregado aqui em oposição a subjetividade. Não se deve relacioná-lo à concisão do textual, característica importante no conto.

21 Benjamim, W. O narrador. In: ____. Obras escolhidas I: Magia e técnica, arte e política. 10 ed. São Paulo: Brasiliense, 1996, p. 197.

Entendemos que construir outras experiências de leitura e escrita com os alunos passa pela ideia de transformação da aula em um ambiente de escuta e respeito às individualidades, às experiências individuais.

Langlade (2013, p. 26) questiona: “Longe de serem apenas escórias da atividade leitora, não seriam eles [os ecos subjetivos] os indícios de uma apropriação do texto, de uma singularização da obra realizada pelo leitor?”. A pergunta retórica demonstra a sua defesa quanto à leitura subjetiva não ser hierarquicamente inferior à leitura crítica e objetiva.

Para o autor:

[...] toda obra literária engendra uma multiplicidade de obras originais produzidas pelas experiências, sempre únicas, dos leitores empíricos. Essa importância central outorgada à participação do leitor na elaboração de um texto singular leva a questionar a noção de texto literário (LANGLADE, 2013, p. 33).

Sendo assim, a participação do leitor se dá de maneira mais efetiva, uma vez que a ele cabe a complementação da obra ao inserir elementos do seu universo pessoal para compreendê- la. Por essa razão, a concepção de leitura subjetiva nos parece muito pertinente a uma proposta de intervenção com o objetivo de construir novas experiências de leitura e escrita através do texto literário.

Jouve (2013, p. 53) destaca que “Toda leitura tem[...] uma parte constitutiva da subjetividade” e que isso se constitui como uma realidade negativa para muitos, mas que, na verdade, deveria ser o centro das aulas de literatura, uma vez que no plano educativo pode ser bem mais interessante para o aluno exatamente por lhe fazer mais sentido.

Na mesma linha, para Lebrun (2013, p. 137), uma pergunta é essencial: “Que leitor se quer formar?”, pois para uma didática focada na leitura literária, a finalidade deve ser “formar um leitor intérprete autônomo capaz de se apropriar pessoalmente dos textos e de dar sentido a suas leituras”. E, de fato, entendemos que os alunos se apropriarão pessoalmente do texto quando se projetarem nele, ou seja, quando puderem estabelecer associações entre o texto e a sua própria realidade.

Para Rouxel (2013, p. 197), muito se tem falado nas pesquisas atuais em didática da literatura sobre a necessidade de se repensar a abordagem, a fim de priorizar a leitura literária. No entanto, segundo a autora, pouco avançamos quanto ao papel do leitor real e, após duras críticas à prática escolar atual, ela propõe como uma perspectiva didática o espaço para o texto do leitor, o qual define como “trabalho de singularização” do texto pela implicação do sujeito.

Nessa linha, o quadro que segue trata de conceitos fundamentais para uma didática em leitura literária:

Quadro 1 - Conceitos relacionados à leitura subjetiva

Conceitos relacionados à leitura subjetiva

Leitura subjetiva Abordagem pautada na intersubjetividade do sujeito leitor; com espaço para a subjetividade do leitor diante da obra.

Sujeito leitor Leitor real, que se projeta no texto e através dele volta a si; agente na recepção e envolvido emocionalmente com o texto.

Texto de leitor Atividade leitora como manifestação do íntimo do sujeito; reapropriação da obra no sentido de transformá-la.

Mediador Escuta atenta que implica o leitor e contribui para a sua formação leitora humanizadora; ponte entre texto que instrui e leitor que constrói.

Fonte: elaborado pela autora (2019).

Uma abordagem que toma o leitor como real, apressado, dividido entre várias tarefas parece-nos apropriada ao público da intervenção, uma vez que se alinha com a nossa perspectiva de ouvir os alunos e valorizar a sua experiência pessoal e a sua história, conferindo- lhes lugar central como sujeito ativo. E, partindo dessa valorização das subjetividades como espaço para novas experiências de aprendizagens, entendemos contribuir para uma escrita também criativa, distanciada da escrita modelar e utilitarista que criticamos anteriormente.

Portanto, buscamos nesta intervenção um espaço na sala de aula como meio de construção e atribuímos à leitura literária a promoção do encontro dos alunos com outras variedades linguísticas, por meio dos diferentes modos de dizer presentes no discurso literário; assim como a oportunidade de se fazerem ouvir mediante a autonomia criadora. Defendemos que para escrever é preciso ter o que dizer, mas também sensibilidade e fabulação, é preciso sair do lugar comum e, especialmente, é preciso se sentir ouvido. Assim, fundamentada nos aportes teóricos apresentados, a proposta será organizada conforme os procedimentos metodológicos expostos no próximo capítulo.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS: O FAZER E O PENSAR SOBRE O FAZER

“... construir a escola que queremos impõe-nos ações na escola que temos” (GERALDI, 2015, p. 44-45)

A escola pública que temos hoje não é a que queríamos ter. Isso perpassa a fala de educadores espalhados pelo país há décadas. Porém, a insatisfação frente à realidade que nos é posta não justifica o comportamento de inércia, o discurso derrotista ou a transferência de responsabilidades. Em contrapartida, também não justifica o idealismo romântico, a defesa inconteste ou o sonho sem luta. Afinal, educação é uma trança, na qual as três pontas são a teoria, a prática e a luta. Assim, se desejamos uma escola diferente, precisamos agir na escola que temos a fim de transformá-la.

Nessa perspectiva, não há um único caminho no sentido de atingir um objetivo e, por isso, é necessário definir a linha à qual nos filiamos. Feito isso, este capítulo tem como finalidade apresentar as ações e os procedimentos metodológicos adotados neste trabalho em busca da escola que queremos e para isso está organizado nas seguintes seções: explicitação do paradigma da pesquisa, consoante Bortoni-Ricardo (2008), e dos aspectos éticos da pesquisa; caracterização do contexto de pesquisa, na qual apresentamos a Escola; caracterização dos sujeitos da pesquisa com a apresentação dos alunos colaboradores; explicitação dos três instrumentos de diagnóstico utilizados.