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Territórios em disputa e a barragem de Anagé - Bahia: terra e água de trabalho versus terra e água de negócio

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

GEDEVAL PAIVA SILVA

TERRITÓRIOS EM DISPUTA E A BARRAGEM DE ANAGÉ - BAHIA: TERRA E ÁGUA DE TRABALHO VERSUS TERRA E ÁGUA DE NEGÓCIO

Salvador 2011

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TERRITÓRIOS EM DISPUTA E BARRAGEM DE ANAGÉ - BAHIA: TERRA E ÁGUA DE TRABALHO VERSUS TERRA E ÁGUA DE NEGÓCIO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Orientadora: Profª Drª Guiomar Inez Germani Coorientadora: Profª Drª Suzane Tosta Souza

Salvador 2011

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Catalogação na fonte: Elinei Carvalho Santana - CRB-5 /1026 Bibliotecária – UESB – Campus Vitória da Conquista – BA

S58t Silva, Gedeval Paiva.

Os territórios em disputa às margens da Barragem de Anagé - Bahia: Terra e água de trabalho versus terra e água de negócio/ Gedeval Paiva Silva, 2011.

142f.: il.; color.

Orientador (a): Guiomar Inez Germani.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Instituto de Geociências, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Salvador, 2011.

Referências: f. 140-142.

1. Barragens – Aspectos sociais. 2. Remoção (Habitação) – Barragem de Anagé - BA – Aspectos sociais. 3. Geografia agrária. 4. Assentamento rural. I. Germani, Guiomar Inez.

II. Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-Graduação em Geografia. III. T.

CDD: 305.5633098142

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GEDEVAL PAIVA SILVA

OS TERRITÓRIOS EM DISPUTA ÀS MARGENS DA BARRAGEM DE ANAGÉ - BAHIA: TERRA E ÁGUA DE TRABALHO VERSUS TERRA E ÁGUA DE NEGÓCIO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Submetida em satisfação parcial dos requisitos ao grau de

MESTRE EM GEOGRAFIA

à

Câmara de Ensino de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Federal da Bahia Comissão Examinadora: ... Profª Drª Guiomar Inez Germani - Orientadora

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

... Profª Drª Suzane Tosta Souza – Coorientadora Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)

... Prof. Dr. Marcelo Rodrigues Mendonça

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Não sou profeta, Nem tão pouco visionário, Mas o diário, desse mundo tá na cara, Um viajante, Na boléia do destino, Sou mais um fio, Da tesoura e da navalha, Levando a vida Tiro verso da cartola, Chora viola, Nesse mundo sem amor, Desigualdade, Rima com hipocrisia, Não tem verso nem poesia, Que console um cantador, A natureza na fumaça se mistura, Morre a criatura, E o planeta sente a dor, O desespero, No olhar de uma criança A humanidade, Fecha os olhos pra não ver, televisão de fantasia e violência, aumenta o crime Cresce a fome e o poder, Boi com sede bebe lama, Barriga seca não dá sono, Eu não sou dono do mundo, Mas tenho culpa, porque sou, Filho do dono. (Flávio José).

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Dedico este trabalho aos meus avós, José Ferreira Paiva Filho (in memoriam), Maria Eunice Andrade Paiva, José Juviniano da Silva (in memoriam), Maria Tertuliana de Santana (in memoriam), pela raiz camponesa, pela transmissão dos valores e da forma de ver e ser no mundo. Ser Geógrafo Agrário certamente se deve a esse convívio, e aprender a gostar da terra, da vida na roça veio da convivência e dos aprendizados ao longo de nossas vidas.

Dedico também este trabalho à memória do Pequeno Davi Lima, guerreiro pequenino, que lutou bravamente pela vida e que, apesar dos seus vinte e cinco dias de existência, permitiu um profundo e marcante aprendizado para aqueles que conviveram com ele: nunca desistir, lutar sempre! Obrigado por nos permitir crescer e aprender com você. Siga em paz teu caminho, que ele seja iluminado.

À memória dos 34 trabalhadores que perderam a vida no grave acidente ocorrido no dia 3 de dezembro de 2011 na Rodovia 116, nas proximidades do Município de Brejões, nas terras da Bahia, quando retornavam do duro trabalho no corte da cana-de-açúcar no Mato Grosso. Por meio de vocês, que perderam a condição de trabalho em suas terras e lugares de vida e vivência, e que perderam a vida no movimento da busca das mínimas condições de sobrevivência, estendo o meu agradecimento a todos os trabalhadores e trabalhadoras que tombaram nas lutas e conflitos no campo e nas péssimas condições de trabalho, nesse país da contradição, enfim a todos de alguma forma ainda lutam em prol da superação desse modelo de sociedade, velho, arcaico e podre.

Dedico este trabalho ainda aos camponeses de Anagé: Sr. Loro, Sr. Cecílio, Sr. Aurelino, Dona Anelina, Dona Anasenhora, Dona Ana Marinho, Sr. Tonico, Diacísio Rodrigues, Sr. Zé, Sr. Elias e todos os que lutaram e lutam pela permanência na terra e pelo retorno à condição de camponeses. Em nome deles, dedico-o a todos os camponeses desse Mundão de Meu Deus, que lavram a terra, garantem a vida, alimentam as nações e forjam a história da construção de outro mundo.

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Enfim é chegada a hora de agradecer. Trata-se de uma tarefa difícil, porém indispensável, já que este trabalho é resultado de contribuições e apoios de muitas pessoas e instituições, que, direta ou indiretamente, contribuíram para concretização de um sonho. Mais que sonho, um projeto de vida. Como diz Chico Buarque, “Sonhar/ mais um sonho impossível/ Lutar/ Quando é fácil ceder/ Vencer/ o inimigo invencível”. Assim foi fazer o Mestrado: no início um sonho, que depois se tornou real, sonho que me fez lutar, sorrir, sofrer, chorar, mas que me transformou em, além de mestre, em outro homem.

Agradeço ao Grande Arquiteto do Universo, Deus do amor, da caridade e da justiça, pela vida, pelas inspirações, pelo apoio dos meus benfeitores, pela força e coragem para continuar firme no meu propósito, pela minha família, meus amigos, por possibilitar o encontro e o convívio com pessoas tão especiais, que foram essenciais ao longo da caminhada e na conclusão com êxito da minha empreitada.

Agradeço à minha família, base e sustentação da minha existência, razão de lutar e viver: minha querida mãe Maria das Graças Paiva, mulher forte, destemida, corajosa, carinhosa, sempre pronta a me apoiar e a me incentivar, cujo amor é fundamental para mim; meu pai Salvador Santana, homem íntegro, pai admirável, exemplo de vida, cheio de alegria e presença de espírito, de quem herdei muitas qualidades. A ele o meu obrigado por fazer parte da minha vida em todos os momentos.

Aos meus amados irmãos Salvador Júnior, Salmária Paiva e Silvia Paiva, provas concretas da existência do amor incondicional e verdadeiro, que sempre me apoiaram, me incentivaram e entenderam os momentos em que estive ausente do convívio familiar.

Aos meus sobrinhos Salvador Neto, Bruno Paiva, Beatriz Paiva, Ícaro Salvador e Helena Tosta (sobrinha de coração), que, na ternura de ser, na inocência da infância, me mostram a beleza da vida e a importância de ser amado, o que alimenta o sonho de continuar lutando para construir um mundo melhor e justo para o futuro deles. Amo muito vocês!

A minha avó Eunice Paiva, grande guerreira, mulher de fibra, cheia de amor e carinho, que sempre se preocupou comigo, que, mesmo distante, esteve sempre presente. Obrigado pelas suas valiosas orações, pelas constantes palavras de incentivo e motivação. Aos meus, tios tias, primos, primas, cunhados, pelo amor, carinho, apoio e torcida e por constituírem uma família linda, unida e forte, em especial tio Juracy, tia Zena, Goi, Henrique e Ney, pela acolhida que possibilitou o convívio em família em Conquista. Essa vitória é nossa!

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engajamento político, pela experiência rica e única no GeografAR, pelo carinho e cuidado. Sem a senhora, professora, esse projeto não seria possível. Obrigado por tudo e por me ensinar a compreender a Geografia e a importância da luta e da resistência nas trincheiras da Universidade.

A Suzane Tosta, amiga querida, companheira de luta, mestre e professora, orientadora e, acima de tudo, apoiadora desse sonho, desde a época da graduação. Su, você sabe o quanto és especial para mim e o quanto foi essencial para a realização desse projeto, que é seu também. Obrigado por me ensinar a entender e praticar uma Geografia Viva, Radical, que me levou a compreender a realidade para além da aparência e desvendar a essência das contradições do mundo que lutamos para transformar.

Ao professor Marcelo Mendonça, amigo, companheiro de lutas, incentivador. Obrigado pela amizade, pelos ensinamentos, pelo apoio e sugestões no decorrer desse processo, por contribuir com a construção desta dissertação, por dividir conosco o projeto de compreender as contradições do mundo.

A Patrícia Amorim, meu amor, companheira, amiga, obrigado por dividir a vida comigo, pelo amor, pela compreensão, pelo apoio, pelo incentivo, por entender quando não pude lhe dar a atenção merecida e, sobretudo, por aceitar fazer parte de minha vida nesses dias de turbulência.

À galera de Salvador, Janio Santos e Eduardo Brandão, queridíssimos amigos, que foram essenciais para que eu continuasse no Mestrado e em Salvador, partilhando a vida, dando atenção, apoio e companhia nos momentos difíceis, minimizando a dureza de “viver na Metrópole”, proporcionando boas risadas de uma amizade que levarei para a vida. A Andrigo Afonso, pela partilha da casa, dos problemas, dos sonhos, da alegria, pela companhia nos momentos mais duros ao longo do primeiro ano das disciplinas.

Aos amigos de velhos carnavais, Claudinha, Carla, Fabrício, Adriano, Bruno (Brão), Fabiane, Heitor, Danilo, Marcos, Tarcisio e todos da turma da Casa Branca, pelo convívio, pelos momentos de alegrias, de resenhas, pela acolhida e por, acima de tudo, demonstrar que a distância e o tempo não destroem as amizades verdadeiras.

Aos amigos e às amigas do GeografAR, mais que do colegas de pesquisa, são irmãos, parceiros, companheiros, que me acolheram em Salvador, especialmente Denílson, colega de turma, amigo do peito, irmão e companheiro de orientação; Tiago, pela amizade, pela companhia, pelos debates e por sempre me proporcionar momentos de alegrias; Hingyd,

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das dificuldades.

Aos meus colegas da turma MGEO 2009, pela partilha dessa difícil e muitas vezes dolorosa jornada. Vocês tornaram esse processo mais humano, alegre, mais feliz e, por isso, cheguei aqui. Valeu Adriana, Danillo, Daniel, Fádia, Denílson, Guilherme, Henrique Ione, Ivan, Noélia, Paulo, Polly!

Ao Programa de Pós-Graduação e Geografia da UFBA, pela possibilidade da qualificação e por todos os aprendizados. A todos os professores e servidores, em especial a minha amiga Catherine Prost, coordenadora, professora, amiga e companheira de luta; Wendel, pela amizade, pelos ensinamentos e pela alegria do convívio. A meu grande amigo Itanajara, sempre sorrindo, nos apoiando, incentivando, tornando nossa vida mais alegre. Obrigado pela disposição, dedicação e cuidado conosco. A Dirce, pela atenção, competência e compromisso com os alunos e com o curso.

Aos meus amigos e amigas, que são tantos e tão diferentes, que são parte da minha vida, em diferentes momentos e que sempre me apoiaram cada um do seu jeito e dentro das suas possibilidades. Vocês são verdadeiros anjos da guarda: Espedito Maia, Meirilane Rodrigues, Jânio Diniz, Alex Dias, Michelle Félix, Sócrates Menezes, Dayse Maria, Deise Rocha, Ediluzia Maria, Tadeu, Jó, João Diógenes, Marco Mitidiero, Vanessa Dias, Manuella Cajaíba, Manoel Oliveira, Edneilton Gomes, Renato Léda.

Agradeço especialmente a Flaulles Boone, amigo, companheiro e agora já ex-chefe. Sua compreensão, apoio e incentivo foram essenciais; a minha queira amiga Celina Pereira, que “segurou a barra” no meu setor de trabalho, me substituindo nos momentos em que estive ausente, além do incentivo e da amizade de todas as horas; a Erbene Café, sempre solícita, disponível e pronta a me ajudar. Seu apoio foi fundamental; sua amizade é para a vida.

Aos alunos e amigos da UESB; à turma da Unopar; aos meus queridos amigos da Campanha do Tody, pela possibilidade da prática de ajudar ao próximo; aos moradores de rua de Vitória da Conquista, os quais atendemos todas as terças-feiras, homens, mulheres, idosos e crianças que partilham a vida, dividem o sofrimento e possibilitam o exercício de amor ao próximo.

À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), pela liberação das minhas atividades, pela concessão da bolsa, por possibilitar construir grandes amizades, pelas lutas que travei e por se constituir em uma parte de minha vida. Agradeço em especial a Allen

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Por fim, mas não menos importante, aos que tornaram a pesquisa possível, aos que deram sentido à prática da pesquisa científica e à experiência da partilha da vida e do exercício de uma Geografia radical e prática. Aos camponeses e trabalhadores, sujeitos centrais da minha pesquisa, que, ao abrirem suas portas, permitiram-me conhecer suas histórias de vida, seu jeito de viver, mais que suas trajetórias e lutas. Revelaram, na simplicidade do trabalho com a terra, que forjam uma nova forma de produzir e transformar o espaço, produzindo e construindo o território da terra e água do trabalho, resistindo e mostrando que um mundo justo e igualitário é possível e necessário. Obrigado pelo carinho e pelo acolhimento, em especial a toda família Marinho, que desde a graduação tem me recebido e partilhado suas histórias de vida.

Agradeço também ao Servidor do DNOCS, José de Souza Leitão, sempre atencioso, prestativo, receptivo, muito simpático e amigo, ao me receber inúmeras vezes para a realização do trabalho de campo. Aos representantes das empresas, que permitiram as visitas, a realização das entrevistas, os trabalhos de campo, em especial o Sr. Natalino da Fazenda Santa Clara, Job e João da Fazenda Umbuzeiro.

Aos trabalhadores e trabalhadoras de Anagé, da Bahia e do Brasil, que trabalham incessantemente e garantem a existência da Universidade Pública, e para quem produzimos o conhecimento que, esperamos, possa contribuir com a superação da condição de explorados e oprimidos, que auxilie na construção de um processo de emancipação, rumo à construção de uma nova sociedade, na luta pela transformação social. A luta continua!

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Esta dissertação tem como objetivo principal analisar as transformações territoriais recentes ocorridas no entorno da Barragem de Anagé, obra executada pelo DNOCS. O projeto de construção dessa barragem data do final da década de 1980, contexto em que foram atingidas muitas famílias camponesas, em sua maioria, posseiros. A expropriação camponesa constitui uma das principais contradições dessa intervenção do Estado no espaço agrário do Sudoeste da Bahia, apesar de não ser a única. O mais importante propósito do projeto da barragem era perenizar o trecho a jusante do Rio Gavião, por meio da construção de um grande reservatório de água, que permitiria a instalação da agricultura irrigada, vinculada ao agronegócio. Esse processo de modernização da agricultura para se estabelecer precisava substituir ou sujeitar formas camponesas de uso da terra e da água. Entretanto, tal propósito não se concretizou plenamente em decorrência da resistência camponesa, evidenciando, dessa forma, o território em disputa. De um lado verificou-se a permanência dos camponeses que foram parcialmente atingidos no trabalho na terra, como agricultores, e, na água, como pescadores, consorciando o uso da terra e da água de forma articulada, como necessidade para sobreviver a partir da redução das terras. A relação com a natureza é fundamentada no valor de uso ou como condição e meio de reprodução da vida, na qual o trabalho é o elemento de garantia da vida, constituindo o que se denomina Território de Terra e Água de Trabalho. No sentido inverso, constatou-se a territorialização do capital, processo em que os capitalistas se apossam da terra e da água, como mercadorias ou como meios de extrair a renda da terra, a partir da exploração do trabalho alheio, sobretudo a partir da fruticultura irrigada que se estabeleceu nas proximidades da barragem, constituindo o que se conceituou como Território de Terra e Água de Negócio. Outra face da apropriação da terra e da água pelo capital se constata no uso da terra e da água com fins de entretenimento e diversão, com a edificação de chácaras, sítios e hotéis às margens do espelho d’água. As distintas racionalidades de uso da terra e da água, desenvolvidas nas proximidades da Barragem de Anagé, revelam a lógica das classes sociais antagônicas no seu processo de reprodução e apropriação da natureza, evidenciando a luta de classes pelo/no território, que se materializa no desenvolvimento desigual e combinado no espaço. A pesquisa possibilitou compreender a essência da lógica do Estado, que revelou sua face real – a de instrumento de classe –, tendo em vista que, para garantir a plena acumulação do capital, tem permitido a apropriação da água sem custo e sem limites para os capitalistas, enquanto dificulta e inviabiliza a disponibilidade de água para os camponeses, ao impor regras, limites e, sobretudo, por não construir formas de captação de distribuição de água nas propriedades que perderam o acesso à água após a barragem.

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The present dissertation had as the main objective to analyze the recent territorial transformations in the surroundings of the Anage Dam, work made by DNOCS. The project of construction of that dam occurred in the end of the 1980s, context in which six hundred peasant families on average, the most of squatters, were affected. The expropriated peasantry was one of the main contradictions of that State intervention in agrarian area of the Bahia Southwestern, although it does not be the only one. The most important aim of that project was to promote “the regional development”, above all, through the installation of irrigated agriculture, attached at the agribusiness. That modernization agriculture process to establish needed to replace or to destroy peasant manners of use of land and water. However, such intention did not make entirely real, because of the peasant resistance, so making clear the territory on dispute. On the one hand it was verified the stay of the peasants, who partially were affected, from labor in the land as farmers, and in the water as fishermen. Associating the use of land and water in an articulate manner to survive from the reduction of lands, the relationship with nature is based on the value in use or is a condition and means of reproduction of life, in which the labor is the guarantee element of the life, constituting what we named Land Territory and Labor Water. In the opposite direction it was evidenced the territorialization of capital, an process in which the capitalists appropriated the land and water, as goods or means of acquiring a revenue of land from the exploitation of alien labor, especially from irrigated fruit tree which was established in the neighborhoods of the dam, constituting the Land Territory and Business Water. On the other hand the ownership of land and water by capital was verified through the use of land and water in order to entertain and amuse by means of building of farms, ranches and hotels at the banks of the reflecting pool. The different rationalities of use of land and water, developed in the neighborhoods of Anage Dam, have revealed the reasonings of antagonistic social classes in its process of reproduction, so underlining the class struggle by/in the territory, which is materialized through the unequal and combined development of the place. That research allowed us to understand the essence of the reasoning of State, which revealed its real reason, - one instrument of class -, taking into account that, in order to ensure the full capital accumulation, it has allowed the ownership of water, without cost and limits to the capitalists, while it became difficult and impossible to make available the water to the peasants, because it imposed rules, limits, and did not especially build manners of impounding the water distribution in the properties which lost the access to water after the dam.

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Figura 01: Mapa 01 Terras que pertenciam aos Guedes de Brito 33

Figura 02: Mapa 02 – Bacia do rio Gavião 79

Figura 03: Mapa 03 Mapa de Localização da Barragem de Anagé 80

Figura 04: Início das obras, maio de 1987 97

Figura 05: Início do enchimento da barragem 98

Figura 06: Romaria da Terra para Anagé 105

Figura 07: Residência da Família Camponesa 124

Figura 08. Casa construída após a Barragem 125

Figura 09: Placa da Sede da Associação 134

Figura 10: Estrutura da interna da associação 134

Figura 11: Pesca Artesanal em Anagé 137

Figura 12: Tanques Redes de Anagé 138

Figura 13: Barracas próximas a Barragem de Anagé 140

Figura 14: Prainha de Anagé 140

Figura 15: Vista Panorâmica do Acampamento Ojeferson em 2008 144

Figura 16: Entrada do Acampamento Ojeferson em 2008 144

Figura 17: Ruínas de um barraco do Acampamento em 2011 145

Figura 18: Estrada do local onde estava o Acampamento 2011 146 Figura 19: Área de Produção Coletiva do Acampamento Ojeferson 149 Figura 20: Alguns Camponeses do Acampamento na área de produção 149 Figura 21: Mapa 04: Área com cultivos próximos a Barragem de Anagé 155

Figura 22: Plantação de Uvas da Fazenda Umbuzeiro 159

Figura 23: Plantação de Pinhas da Fazenda Umbuzeiro 159

Figura 24: Plantação de Manga da Fazenda Santa Clara. 161

Figura 25: Plantação de Coco da Fazenda Santa Clara. 162 Figura 26: Casas de Veraneios nas margens da Barragem de Anagé. 167 Figura 26: Casas nas margens da Barragem de Anagé com píer 167

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Gráfico 01 – Redução da Agricultura de Sequeiro após a construção da Barragem do Município de Anagé.

156 Gráfico 02 – Crescimento da Fruticultura Irrigada após a construção da Barragem do Município de Anagé

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APPA – Associação de Pescadores e Piscicultores de Anagé ASA – Articulação do Semi-Árido Brasileiro

BA - Bahia

CEBS – Comunidades Eclesiais de Base

CNBB – Conselho Nacional dos Bispos do Brasil

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco. CPT – Comissão Pastoral da Terra

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas EMBASA – Empresa Baiana de Águas e Saneamento S. A GEOGRAFAR – A Geografia dos Assentamentos na Área Rural IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INTERBA – Instituto de Terras do Estado da Bahia

ITR - Imposto Territorial Rural

MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra PA – Projeto de Assentamento

PAC - Programa de Aceleração do Crescimento do Brasil PCdoB – Partido Comunista do Brasil

PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PT – Partido dos Trabalhadores

SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste SP – São Paulo

TECNOSAN – Empresa de Engenharia e Consultoria LTDA. UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

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1 INTRODUÇÃO --- 17 2 A OCUPAÇÃO DE TERRAS, ESTRUTURA FUNDIÁRIA E A FORMAÇÃO TERRITORIAL DO SUDOESTE BAIANO E DO VALE DO RIO GAVIÃO.

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2.1 OCUPAÇÃO DE TERRAS E FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL: A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA E AS FORMA DE USO DA TERRA.

25 2.2 A OCUPAÇÃO DAS TERRAS DO ALTO SERTÃO DA BAHIA E A FORMAÇÃO TERRITORIAL DO SUDOESTE BAIANO: DO LATIFÚNDIO DOS GUEDES DE BRITO AOS MINIFÚNDIOS POLICULTORES.

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3 AÇÃO DO ESTADO, O PLANEJAMENTO E AS TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO AGRÁRIO.

50 3.1 A CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS, A EXPROPRIAÇÃO CAMPONESA E

AS TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO GEOGRÁFICO. 61

4 A CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE ANAGÉ, A HISTÓRIA DE LUTA E RESISTÊNCIA CAMPONESA.

75 4.1 LOCALIZAÇÃO E ASPECTOS TÉCNICOS DA BARRAGEM DE ANAGÉ.

78 4.2 A HISTÓRIA DO PROJETO DA BARRAGEM E A CONCRETIZAÇÃO DA

OBRA.

82 4.3 A LUTA E RESISTÊNCIA CAMPONESA EXPROPRIADOS PELA BARRAGEM DE ANAGÉ.

94 5 OS TERRITÓRIOS EM DISPUTAS NAS MARGENS DA BARRAGEM DE ANAGÉ.

112 5.1 RESISTÊNCIA E PERMANÊNCIA CAMPONESA NAS MARGENS DA BARRAGEM DE ANAGÉ. O TERRITÓRIO DE TERRA E ÁGUA DE TRABALHO.

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5.2 CAMPONESES, PESCADORES E COMERCIANTES: MESMA CLASSE SOCIAL, NOVAS FORMAS DE TRABALHO.

128 5.3 MESMO TERRITÓRIO E A NOVA MARCHA DA LUTA PELA TERRA ÀS MARGENS DA BARRAGEM DE ANAGÉ – O ACAMPAMENTO OJEFERSON.

142 5.4 O ESTADO E AS CONTRADIÇÕES DA TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL NAS MARGENS DA BARRAGEM DE ANAGÉ.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 170

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1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação de mestrado é parte dos estudos desenvolvidos desde o ano de 2007, iniciados com o Projeto de Pesquisa “Novas Configurações do Espaço Agrário da Região do Sudoeste da Bahia” e que tiveram continuidade na Monografia de Graduação intitulada “Terra, água e vida. A ação do Estado, expropriação camponesa e a luta pelo território: uma análise do processo de construção da Barragem de Anagé – Bahia”, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Suzane Tosta Souza. A monografia teve como foco principal a análise do processo histórico de construção da Barragem de Anagé, com destaque para os processos de luta e resistência dos camponeses que foram atingidos pela obra.

A experiência de pesquisa na graduação nos motivou a continuar os estudos no âmbito da Geografia e, mais objetivamente, na temática das barragens com um olhar geográfico. Ingressamos no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) com o propósito de pesquisar os rebatimentos territoriais promovidos pela construção da Barragem de Anagé, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Guiomar Inez Germani, pesquisadora que havia realizado um dos estudos pioneiros sobre esta temática, com a análise da construção da Hidrelétrica de Itaipu, instalada na década de 1980. Esses estudos resultaram na dissertação de mestrado intitulada “Os expropriados de Itaipu”, defendida em 1982 e publicada em 2003 (GERMANI, 2003).

Com o ingresso no mestrado, fomos também integrados ao Projeto “A Geografia dos Assentamentos na Área Rural (GeografAR)”, coordenado pela professora Guiomar Germani, e que, entre pesquisas e atividades desenvolvidas à época, estava elaborando o “Inventário Sócio-ambiental das Barragens na Bahia”. A colaboração com esta pesquisa permitiu-nos uma experiência ampla sobre a construção das barragens da Bahia, suas intenções, interesses, contradições e, sobremodo, os rebatimentos territoriais desses empreendimentos (GeografAR, 2009). O contato com essas informações nos possibilitou perceber a atualidade e a importância do estudo sobre as barragens para a Geografia e para as Ciências Sociais e Humanas diante da diversidade de contradições e transformações sociais e territoriais delas decorrentes.

Os estudos sobre a construção de barragens trazem para a Geografia uma nova perspectiva de análise, mais especificamente para a Geografia Agrária, pois as transformações ocasionadas alteram a forma e o processo de apropriação da terra e da água

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pelas distintas classes sociais e se expressam espacialmente através da territorialização camponesa e da territorialização do capital, quando se ampliam as formas capitalistas de uso desses espaços.

Com a construção de um empreendimento como uma barragem, há o acirramento dos conflitos por terra e por água por parte daqueles que são atingidos. Os grandes projetos de barramento de rios, executados em diversos lugares do país, em especial aqueles localizados no semiárido brasileiro, agravam também a questão agrária pela expropriação de milhares de pessoas.

Alguns pesquisadores têm estudado as barragens em diferentes regiões do país, a exemplo das pesquisas sobre o agro-hidro-negócio, coordenadas por Mendonça (2007) e Mesquita (2007), que analisam os conflitos, a resistência e o processo de expropriação dos camponeses promovidos pela Hidrelétrica Serra do Facão, no Vale do Rio São Marcos, e sua relação como modelo de desenvolvimento agrário no estado de Goiás.

Sobre a realidade do estado da Bahia, alguns estudos foram realizados para compreender os rebatimentos das barragens no espaço agrário, advindos de grandes projetos de barramento de rios, com destaque para as represas de Sobradinho, Pedra do Cavalo, Itaparica, construídas com o propósito de gerar energia hidrelétrica e possibilitar o uso da água para irrigação e abastecimento humano.

A nossa pesquisa analisa as barragens com enfoque no papel do Estado, como agente produtor do espaço e do capital, que se apossa dos recursos públicos (seja no processo de construção, seja na edificação de infraestrutura para esses empreendimentos), e também com enfoque nas formas de luta e resistência dos atingidos contra o processo de expropriação. Pretendemos contribuir para compreensão das contradições desses grandes projetos e dos interesses neles envolvidos, a partir da lógica do desenvolvimento desigual e combinado, como princípio estruturante do modo capitalista de produção e das racionalidades contra-hegemônicas empreendidas por camponeses e trabalhadores em marcha pelo direito à terra, à água, ao trabalho, enfim, à vida.

Diante de um contexto de contradições e resistências, a pesquisa empreendida sobre a construção da Barragem de Anagé procurou responder às seguintes questões centrais:

 Quais as principais transformações territoriais, no espaço agrário do entorno do lago, ocorridas a partir da construção da Barragem de Anagé e quais as novas formas de uso da terra e da água desenvolvidas?

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 Como se deu a difusão da agricultura capitalista e como esses empreendimentos se apropriaram da terra e da água?

 

 Quais as estratégias de resistência dos camponeses que foram parcialmente atingidos e que permanecem nas áreas e quais as formas de uso da terra e da água que passaram a desenvolver após a construção da barragem?

 

 Quais as novas formas de luta pela terra e pelo trabalho implementadas por parte das famílias camponesas que tiveram perdas totais ou parciais de suas terras, bem como de novos sujeitos que passaram a residir nas proximidades da barragem?

O objetivo principal do trabalho – formulado para responder a estas questões da pesquisa – foi analisar as transformações territoriais ocorridas principalmente no entorno da Barragem de Anagé, com destaque para as formas de uso da terra e da água desenvolvidas ao longo dos vinte anos, tanto no processo de territorialização de projetos capitalistas, quanto nas formas de resistência e permanência camponesas.

Para compreender essa realidade, utilizamos, como método, o Materialismo Histórico e Dialético, por possibilitar compreender as contradições do modo capitalista de produção e os rebatimentos espaciais da luta das classes sociais antagônicas no processo de disputa pelo e no território. Como metodologia para o desenvolvimento da pesquisa, usamos a pesquisa participante, como processo de convivência e acompanhamento dos sujeitos da pesquisa, sobretudo dos camponeses e das lideranças, além da pesquisa histórica, revisão bibliográfica e compilação de dados e informações junto a órgãos oficiais.

Na etapa do trabalho de campo, realizamos visitas aos locais de estudo, onde foram feitas entrevistas com os camponeses e lideranças envolvidas com a obra e com a história da barragem. Na pesquisa direta, foi possível conviver com muitos dos sujeitos da pesquisa, em especial os camponeses que resistem nas margens da barragem. Desenvolvemos uma relação de convivência e amizade com os entrevistados, o que nos permitiu compreender a essência do modo de vida camponesa em sua expressão mais concreta, entendendo como se forjam as formas de reprodução da vida, a organização

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social, a estrutura familiar e os aspectos relacionados aos costumes desses sertanejos, dimensões imateriais e subjetivas que mostram as diferenças nas formas de viver e entender a vida, uma nova forma de estruturação social, que, por vezes, se apresenta como revolucionária simplesmente por existir.

Foi possível também perceber os elementos centrais que orientam as formas de uso da terra, das águas, do trabalho e as estratégias desenvolvidas para garantir a sobrevivência com a resistência e permanência em suas terras. Assim a metodologia se reverteu em uma vivência prática com a realidade em estudo, superando os princípios formais, transformando-se em uma experiência única, pessoal, acadêmica e política, enfim, vendo, no cotidiano desse grupo social, o sentido verdadeiro de ser camponês.

A dissertação está estruturada em quatro capítulos, que, apesar de separados, guardam uma relação direta entre si e compõem uma estrutura que se completa. Parte da compreensão da estrutura fundiária como elemento inicial da formação territorial da área de estudo e do seu entorno; no segundo momento, discute conceitualmente o Estado e as formas como se produz e se transforma o espaço geográfico; na terceira parte, analisa o processo histórico de construção da barragem e as formas de resistência e mobilização dos camponeses atingidos; e, por último, analisa as diversas formas de apropriação da terra e da água no entorno da barragem e as transformações territoriais decorrentes dessa obra.

De forma mais detalhada, assim estão distribuídos os assuntos nos respectivos Capítulos:

No Capítulo I, realizamos uma revisão bibliográfica do histórico da formação territorial do Sudoeste da Bahia, mais especificamente, do Vale do Rio Gavião, tentando compreender a constituição do Latifúndio de Antônio Guedes de Brito, desde as sesmarias até o processo de minifundização promovido pela venda das terras pelo Sétimo Conde da Ponte, para entender a situação fundiária dos municípios que compõem a pesquisa, sobretudo Anagé e Caraíbas, que tiveram parte das terras agricultáveis atingidas.

No Capítulo II, demos um enfoque maior aos aspectos de ordem teórico-conceituais, com revisão bibliográfica de conceitos essenciais para a dissertação: o processo de produção do espaço, que contribui para compreensão do conceito de espaço geográfico como processo em movimento; o conceito de território, categoria central na análise sobre a realidade do estudo; a ação do Estado, entendido como agente produtor e transformador do espaço geográfico e regulador dos conflitos de classes na apropriação do território, destacando também o papel do planejamento no processo de concepção e

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elaboração das ações do Estado; por fim, a construção de barragens e os rebatimentos territoriais desse empreendimento no espaço agrário.

No Capítulo III, analisamos a história da construção da Barragem de Anagé, desde a concepção do projeto até a sua execução. Examinamos os discursos oficiais, por meio de entrevistas com pessoas que estiveram envolvidas em várias etapas do projeto, desde o ex-deputado Élquisson Soares, tido como idealizador do projeto, e José de Souza Leitão, servidor do DNOCS, que trabalhou no levantamento topográfico no início da construção e que permanece até os dias atuais como responsável pela Barragem de Anagé. Realizamos, também, entrevistas com alguns sujeitos que acompanharam e apoiaram as mobilizações e a resistência dos camponeses atingidos pela obra, como o advogado Ruy Medeiros; o Padre João Cardoso e Diacísio Rodrigues, membros da então Comissão Rural Diocesana; e sobremodo os camponeses parcialmente atingidos e que ainda permanecem nas áreas próximas à barragem, vivendo do trabalho com a terra e com a água.

No Capítulo IV, analisamos as formas de uso da terra e da água desenvolvidas após a construção da Barragem de Anagé, a partir da constituição dos territórios de terra e água, que evidenciam a disputa das classes sociais pelo e no território. Os conflitos de classes expressam as distintas racionalidades de uso da terra e da água: de um lado, os camponeses que medeiam a relação segundo a concepção do valor de uso da terra e da água, por meio do trabalho, como agricultores, pescadores ou comerciantes; de outro lado, empresas capitalistas que se apropriam da terra e da água com a edificação de médios e grandes empreendimentos da agricultura irrigada, apossam-se da natureza como mercadoria, orientada pelo valor de troca ou pela possibilidade de extrair a renda da terra, além da territorialização do capital, que se materializa na construção de sítios e chácaras às margens do lago, usando a terra e a água como meios de diversão e entretenimento.

Desse modo, o trabalho partiu do processo histórico de formação territorial da área de estudo, tentando compreender as transformações ocorridas na estrutura fundiária até a configuração espacial que se tem atualmente. Posteriormente analisamos as transformações promovidas pelo Estado, entendido como instrumento de classe, tanto no que se refere à questão da terra, quanto nas estratégias de organização espacial e de produção resultantes de planos, projetos e outras formas de controle e incentivo. Em outra etapa, nos detivemos nas mobilizações e na resistência camponesa, que se expressaram no enfrentamento ao Estado e seus organismos, quando se deu o processo de expropriação das terras, ocasionado pela construção da Barragem de Anagé.

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Com a construção da barragem, houve profundas transformações territoriais, as quais expressam concretamente as distintas racionalidades de uso e apropriação da terra e da água, com destaque para a lógica camponesa, que tem resistido como camponeses ou pescadores ou trabalhadores precarizados, e para a edificação de empresas capitalistas que têm se apropriado das terras, das águas e, sobretudo, do trabalho precarizado. Isso evidencia claramente as diferentes mudanças espaciais e territoriais que alteram essa porção do espaço agrário baiano, que, certamente, jamais será o mesmo. Perderam-se aspectos imateriais e subjetivos, que, atualmente, só existem na memória de homens e mulheres diretamente atingidos pela ação do Estado.

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2 FORMAÇÃO TERRITORIAL DO SUDOESTE BAIANO E DO VALE DO RIO GAVIÃO Ô Zefinha O luar chegou meu bem Vamos pela estrada que teu pai passou Quando era criancinha igual você também Ô Zefinha essa é a terra de ninguém Guarda na lembrança ela é a esperança Dos filhos da terra Que a terra não tem Nela o teu pai nasceu e se criou E se Deus quiser Um dia há de morrer também Ôôôô... Zefinha Ouve o seu pai meu bem Ama essa terra que nosso Sinhô Um dia batizô a terra de ninguém Ôôôô... Zefinha Veja quantos ranchos tem Nessa terra os homi planta, colhi e comi Louvando Jesus na terra de ninguém Elomar 1 (Álbum “Das Barrancas do Rio Gavião” 1972)

Parece oportuno iniciar, com um poema de Elomar, a discussão sobre as transformações territoriais no espaço agrário, promovidas com a construção da Barragem de Anagé, que represou as águas do Rio Gavião. O compositor que eternizou esse rio em inúmeras canções, tornando-o conhecido no Brasil e no mundo, também relata, em suas canções, o modo de vida sertanejo, que acompanhava os ciclos que se desenvolviam no compasso das chuvas e dos regimes desse que era o maior rio intermitente da Bahia, antes de sua perenização com a construção da barragem.

O trecho da letra transcrito expressa também o significado da terra, sobretudo para os sertanejos, um meio de produção que não pertence a ninguém, que é uma dádiva da criação, um bem coletivo e social, que não surgiu com donos, nem era cercada ou demarcada. O parcelamento e a apropriação privada da terra são resultado da ação da

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Elomar Figueira de Mello, compositor e cantor, é natural de Vitória da Conquista, arquiteto de formação e músico por paixão e opção, é integrante da música regionalista. Reconhecido internacionalmente, tem o sertão e modo de vida sertanejo como as maiores inspirações para sua obra artística. O Rio Gavião é citado em diversas obras e músicas, inclusive é o título do álbum da música, cujo trecho citamos.

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sociedade, que a concebe como uma mercadoria. A terra e a natureza nasceram livres e foram aprisionadas na condição de mercadoria, quando a sociedade passou a ser organizada, hierarquicamente, segundo as relações de poder e de classes sociais.

Pretendemos, neste capítulo, discutir o processo histórico de formação territorial e a constituição da estrutura fundiária do Sudoeste da Bahia, atualmente Território de Identidade de Vitória da Conquista2. Para que possamos compreender a ocupação das terras nas margens do Rio Gavião – desde as primeiras expedições e a ação dos bandeirantes que iniciaram a ocupação do interior da Bahia –, fazemos uma breve análise histórica para identificar a origem da questão agrária e da questão fundiária dessa porção do espaço baiano. Intentamos, também, situar os posseiros que foram expropriados e atingidos pela construção da Barragem de Anagé, no final da década de 1980.

Partimos do princípio de que estudar o espaço geográfico é, em essência, uma análise da história da sociedade no processo de apropriação da natureza, ou seja, para compreender a atual configuração geográfica, é fundamental conhecer o processo histórico de formação territorial e a realidade espacial, pois o espaço é um testemunho material e dinâmico da história social.

Para compreender as novas formas de uso da terra e a lógica da apropriação dos recursos naturais nas margens da Barragem de Anagé que se desenvolvem atualmente é importante fazermos uma análise história da formação desse território. Entenderemos, assim, a ação dos camponeses e das classes sociais que se territorializaram historicamente nesse espaço.

Souza, ao analisar a formação territorial do Sudoeste baiano, afirma:

Entender o estágio atual da luta de classe existente no campo, e mais especificamente no Sudoeste da Bahia, requer, em qualquer instância, retomar o processo histórico de ocupação deste território e as atuações, nos diferentes momentos, do Estado, mediante novas demandas que passam a caracterizar os processos de realização do capital. Assim sendo, há que se reportar ao processo de abertura e interiorização do território brasileiro, a partir da ação dos bandeirantes, sobremodo, a partir do século XVII, quando estes começaram a promover alterações significativas nas áreas denominadas “Alto Sertão da Bahia3”, com

2

“Sudoeste da Bahia” era a denominação utilizada para a divisão político-administrativa do estado da Bahia. A partir de 2007, passou a ser utilizada a expressão “Território de Identidade” para designar a divisão regional do estado. São 26 “Territórios de Identidades” na Bahia.

3

“Alto Sertão da Bahia” refere-se atualmente às áreas do Centro-Sul baiano, Serra Geral e Médio São Francisco, ou seja, a sua demarcação inicial, no Século XVI, referia-se às grandes propriedades fundiárias dos Guedes de Brito, que correspondem a mais de três Territórios de Identidade, entre

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destaque a ação do mestre-de-campo Antônio Guedes de Brito, responsável pelo controle de amplas porções de terras, conseguidas a partir da “extinção do gentio bárbaro”, passando tais domínios a seus descendentes, que controlavam as terras por ocasião das descobertas de metais e pedras preciosas, o que predominou até o século 19, quando estas terras passaram a sofrer um processo de loteamento e comercialização por parte dos herdeiros do sexto conde da Ponte (SOUZA, S. 2008, p. 359).

Por entender que esses processos estão inseridos numa totalidade que transcende a escala regional e local, analisaremos, inicialmente, a formação territorial brasileira de maneira mais abrangente para, posteriormente, aproximar o foco de análise para a área que está sendo estudada, ou seja, o Sudoeste da Bahia e o Vale do Rio Gavião.

2.1 OCUPAÇÃO DE TERRAS E FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL: A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA E AS FORMAS DE USO DA TERRA

É essencial iniciar o debate acerca da formação territorial brasileira desconstruindo um equívoco muito recorrente nos estudos sobre a ocupação e colonização portuguesa, a ideia de que existia nessas terras um espaço vazio, desocupado. Isto, na realidade, não condiz com a verdade, pois, no período da colonização portuguesa, viviam nas terras do Brasil cerca de cinco milhões de indígenas, que resistiram bravamente a essa ocupação e à expropriação a que foram submetidos. Essa resistência representa os primeiros conflitos e disputas pelas terras e a gênese da formação territorial, marcada pela luta e disputa pelo território.

Os indígenas que aqui viviam se reproduziam materialmente daquilo que a natureza lhes oferecia, tinham seu território livre, desprovido das amarras do capital e da propriedade privada. Só com a chegada dos “invasores” e, com eles, as relações mercantis é que se dá a gênese da formação territorial, com a dominação, extermínio e escravização dos verdadeiros donos dessa terra. Assim nossa formação territorial está calcada na injustiça, na violência e na expropriação.

Segundo Neves, para conquistar e ocupar as terras:

eles, o de Vitória da Conquista, onde estão localizados os municípios abrangidos por esta pesquisa: Anagé, Belo Campo e Caraíbas.

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[...] Os colonizadores moveram guerra aos indígenas e promoveram sua escravização, submissão ou expulsão para o interior, onde os recursos eram mais escassos e teriam que combater outras tribos a lhes tomar as áreas que ocupavam, num processo de desterritorialização em cadeia (NEVES, 2005, p. 122).

Para entendermos as formas de uso da terra e os conflitos das classes sociais na apropriação da terra, é fundamental que analisemos a constituição da estrutura fundiária desde sua origem. No Brasil a configuração fundiária desenvolveu-se historicamente de forma desigual, pois sempre esteve alicerçada nos princípios da concentração das terras e, posteriormente, na consolidação da propriedade privada desse meio de produção.

Desse modo, a função que a terra passou a desempenhar a partir da colonização portuguesa foi gerar riqueza e concentrar poder; passou a representar, também, poder político e econômico. Desse modo há duas contradições centrais: a concentração de terras e apropriação privada desse meio de produção por uma pequena minoria; e a expropriação de uma massa de pequenos produtores, que foram, em muitos casos, exterminados e expulsos de suas terras, como os índios, os rendeiros, os posseiros e os negros.

No contexto das expedições marítimas dos espanhóis e portugueses, que encontraram as terras da América, foi elaborado o Tratado de Tordesilhas, para partilhar e dividir as terras, com limites imaginários, entre Portugal e Espanha. A partir desse Tratado, a Coroa Portuguesa estabeleceu a divisão das terras sob o seu domínio em Capitanias Hereditárias. Esse processo consistiu em repartir o território em grandes propriedades, que se iniciavam no litoral e seguiam em direção ao sertão (sentido leste-oeste). Tais porções de terras foram divididas por linhas imaginárias e doadas a famílias nobres de Portugal. Ao todo, foram quinze capitanias hereditárias, que, como diz o nome, eram propriedades hereditárias. Muitas delas correspondem às áreas de alguns estados atuais. Souza, ao se referir a esse tema, afirma:

O processo de ocupação do território brasileiro, desde o início, está vinculado ao movimento de expansão comercial da Europa, decorrente de práticas mercantilistas da época moderna. A colônia brasileira se inseria nesse quadro de competição entre as várias potências européias, como produtora e exportadora de bens primários, lançados no mercado externo através de Portugal. Nesse contexto, o principal meio de produção era a terra e sua distribuição definiu o caráter de atividade produtiva de larga escala e a intensa exploração da mão-de-obra escrava (SOUZA, M. 2001, p.60).

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A divisão desse território em capitanias foi uma alternativa da Coroa Portuguesa para garantir o povoamento e a ocupação do território, para evitar o tráfico do pau-brasil e as invasões de outros povos, especialmente os franceses e holandeses. Foi também uma estratégia para ocupar o território sem ter muitos custos para a Coroa, uma vez que os donatários tinham que tornar as terras produtivas, “desbravá-las” por conta própria, gerar renda e, ainda, repassar parte das riquezas à Coroa Portuguesa.

As capitanias hereditárias representaram a primeira forma de organização e divisão territorial do espaço brasileiro, mas entraram em decadência em consequência de dois fatores principais: a grande extensão das terras e a distância de Portugal. Muitos donatários não conseguiram tornar suas capitanias produtivas, por isso muitas delas fracassaram ou foram abandonadas.

Instalou-se, posteriormente, o Sistema de Sesmarias, com o propósito de ocupar efetivamente o território e torná-lo produtivo, ou seja, uma ocupação rentável e economicamente viável para a Coroa. Esse sistema estava baseado em uma prática já utilizada em Portugal, que consistia, basicamente, em conceder terras às pessoas que tivessem condição de produzir.

Como analisa Germani:

O instrumento legal utilizado para a distribuição das terras foi a Lei do

Sexmo – as Sesmarias. É o núcleo de onde originou o direito agrário

brasileiro. Era um antigo costume em Portugal retirar seus donos das terras não exploradas para entregá-las a quem se dispunha a lavrá-las e semeá-las. O costume foi transformado em lei escrita, em 1375 pelo rei D. Fernando. Segundo a dita Lei, as terras eram concedidas por tempo determinado e o proprietário estava obrigado a trabalhar nelas, por si ou por terceiros, pagando à coroa a sexta parte dos frutos, chamada antigamente de “sexma” (GERMANI, 2005, p. 5).

As sesmarias já eram uma forma de uso da terra praticada em Portugal havia muito tempo e foram estendidas ao Brasil Colônia com algumas modificações. Assim, por determinação legal, os donatários das capitanias recebiam ordens de doar parte de suas terras a qualquer pessoa, contanto que detivessem as condições objetivas de fazê-las produzir e que fossem cristãos. É importante destacar que, naquele contexto histórico, a população da Colônia era relativamente pequena, sobretudo a população branca e cristã. Esse processo ocorreu por volta de 1531, ou seja, nesse período a massa de expropriados da terra era formada por índios nativos e brancos pobres.

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Neves, ao comparar o Sistema de Sesmarias de Portugal com o do Brasil, afirma:

O regime de sesmarias estendeu-se ao Brasil com as capitanias hereditárias, instituídas por Dom João III, 1534. Seu conceito continuou o mesmo de Portugal, com algumas adaptações, significando terras conquistadas, não ocupadas economicamente, doadas pelos capitães donatários e mais tarde pelos capitães governadores, com posteriores confirmações, para exploração de particulares, ou seja, território disponível para exploração de terceiros, com anuência governamental. Quanto ao substantivo sesmerio, passou a designar donatário de sesmaria, diferentemente de Portugal, onde denominava o agente do poder político, encarregado de repartição de terras por esse regime (NEVES, 2001, p. 10-11).

Iniciou-se, assim, o primeiro grande processo de parcelamento das terras em propriedades menores que as capitanias. Na prática, representou a divisão e a fragmentação das capitanias por meio de concessões de sesmarias. Conjugada com esse sistema, surgiram outras práticas, com os rendeiros, posseiros e foreiros, formas de uso da terra, sem concessão de posse, uma vez que aqueles que, de fato, as tornavam produtivas, ou seja, que “derramavam o suor” e produziam as condições para a extração da renda, não tinham a posse desse importante meio de produção.

Ao analisar esse processo, Germani afirma:

As primeiras concessões de terras se concentraram, em 1531 com Martin Afonso de Souza, capitão maior das terras do Brasil. Foi também ele que estabeleceu o primeiro engenho de cana no Brasil, na vila de São Vicente. Estavam lançadas as bases de uma nova política econômica que se apoiavam em duas instituições – o sexmo e o engenho – os quais construíram os antigos pilares da antiga sociedade colonial (GERMANI, 2005, p. 5).

Com o surgimento dos engenhos se desenvolveu uma nova configuração territorial e toda uma estrutura social baseada na produção de açúcar, estabelecendo a desigualdade, a exploração do trabalho escravo e a extração da renda da terra como condições mínimas para a manutenção do desenvolvimento da Colônia. Constitui-se, assim, o primeiro ciclo econômico importante a influenciar na formação territorial brasileira, com duas características perversas: a exploração do trabalho e a concentração de terras.

Os engenhos representaram o primeiro empreendimento produtivo do Brasil e estavam fundados em contradições básicas, como a exploração da força de trabalho dos escravos e dos indígenas.

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A estrutura dos engenhos também contribuiu na ocupação do território para além do litoral, com o cultivo de alimentos para abastecimento interno e das fazendas e com a criação de gado bovino, que passou a ocupar as áreas do agreste e do sertão, uma vez que os engenhos se desenvolviam na porção litorânea, dadas as condições climáticas mais propícias.

Para garantir a produção e a ampliação dos engenhos, dois elementos foram primordiais: grandes porções de terras conquistadas com a dominação ou o extermínio dos índios; oferta de força de trabalho que, naquele período, era essencialmente escrava. Assim, os negros trazidos da África foram fundamentais para a manutenção desse sistema produtivo e para a garantia da produção do açúcar e exportação desse produto para a Europa. Também os índios foram essenciais, pois, além de serem expulsos de suas terras, eram, por vezes, escravizados e submetidos a um processo alienante de “catequização”. Assim ao passo em se desenvolviam os engenhos, mais índios eram expropriados e negros eram utilizados como escravos.

Neste aspecto, Germani comenta:

Se por um lado, o indígena era caçado, por outro, a implantação dos sexmos e dos engenhos necessitavam de suas terras. Assim o latifúndio no Brasil nasceu e se desenvolveu sob o signo da violência contra populações nativas cujo direito congênito a propriedade da terra nunca se respeitou, e muito menos se exerceu. Deste estigma de ilegitimidade, que é o seu pecado original jamais se redimirá (GERMANI, 2005, p. 9).

Concomitante com os engenhos, outros ciclos importantes passaram a se desenvolver nas áreas mais distantes do litoral, no sentido do continente, sobretudo com as expedições dos bandeirantes e “desbravadores”, que passaram a adentrar nos agrestes e nos sertões, à procura de pedras preciosas e, principalmente, de ouro.

Essas expedições deixavam o rastro da violência e da expropriação com o extermínio de tribos indígenas inteiras, como também de quilombos de negros fugitivos. Esses foram sendo dizimados garantindo, assim, o controle das terras, para edificação de grandes fazendas destinadas à criação bovina ou para o transporte de rebanhos que vinham do sul para abastecer a capital da província.

Foi nesse processo de abertura e expansão para as áreas do interior que se deu a ocupação efetiva dos sertões do Brasil e, mais especificamente, no caso da Bahia, do Alto Sertão, que será analisado no tópico seguinte.

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2.2 A OCUPAÇÃO DAS TERRAS DO ALTO SERTÃO DA BAHIA: DO LATIFÚNDIO DOS GUEDES DE BRITO AOS MINIFÚNDIOS POLICULTORES

A ocupação das terras, que se iniciou no litoral, passou a se interiorizar com as expedições dos bandeirantes à procura de metais preciosos. Nos sertões, essa ocupação também sucedeu com a criação e transporte dos rebanhos bovinos, com a instalação das sesmarias, que promoveram um povoamento mais intenso, e com formas produtivas de uso da terra seja por meio das fazendas de gado bovino, seja pela agricultura. Todo esse processo foi fundamental para ocupação e formação territorial dos sertões da Bahia e para o aumento populacional e o surgimento de vilas e povoados.

Sobre essa questão, afirma Maria Aparecida de Souza:

A busca de metais e pedras preciosas e a caça ao índio para escravização não foram os únicos fatores que permitiram a ocupação e povoamento do interior brasileiro. Desde muito cedo os rebanhos bovinos trilharam caminhos pelos sertões provocando transformações na paisagem baiana. Se, por um lado, a expulsão ou eliminação física do nativo significava o despovoamento, por outro num movimento inverso, a fixação de colonizadores reconstruía e redimensionava o povoamento com as fazendas criadoras de gado e instalação de rancharias para atender às necessidades imediatas de tropeiros que estabeleciam os vínculos comerciais com a isolada região (SOUZA, M. 2001, p.73).

Esse processo também ocorreu com o Sudoeste baiano, área que outrora correspondia às terras do “Alto Sertão da Bahia” e que tinha como modelo de povoamento a criação de gado em grandes propriedades e, posteriormente, a descoberta de minas de ouro e pedras preciosas. O mais conhecido proprietário de terras dessa porção do espaço, que atualmente corresponde às terras do estado da Bahia e de Minas Gerais, foi o Mestre de Campo Antônio Guedes de Brito, que detinha concessão de inúmeras sesmarias e que ampliou suas terras com áreas conquistadas aos índios.

Compreender o processo de ocupação das terras com o povoamento e o desbravamento da caatinga é essencial para entendermos a formação do território baiano, sobremodo as diversas formas de uso da terra que se desenvolveram historicamente nessa região e a atual estrutura fundiária.

Para tanto é imprescindível recorrermos à história da “conquista” dessa porção do território. Segundo dados historiográficos, o Sudoeste baiano e, também, as margens do Rio Gavião, na porção que foi represada para formar a Barragem de Anagé, têm uma

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ocupação que data do século XVII, quando os bandeirantes e sesmeiros passaram a ocupar os vales dos rios dessa região, que, naquele contexto, era denominada Alto Sertão da Bahia.

Como afirma Neves:

As cartas de doação das capitanias hereditárias e os respectivos forais no século XVI, já empregavam esse termo com a mesma acepção. Também a denominação de Alto Sertão da Bahia tem antecedentes remotos, talvez século XVI, quando Antônio Guedes de Brito conquistou esse território de povos indígenas (NEVES, 2005 p. 20).

A formação territorial do Alto Sertão da Bahia ocorreu com a expansão da pecuária extensiva, desenvolvida em grandes latifúndios, que foram sendo formados a partir das sesmarias e das terras que foram sendo repartidas aos herdeiros de famílias. Naquele contexto histórico, os casamentos se davam entre famílias brancas, consideradas nobres ou com posses, para que a riqueza e, sobremodo, a terra não fossem divididas, mas, sim, somadas, promovendo a concentração para que permanecessem sob domínio das mesmas famílias.

O maior exemplo desse processo é o controle dos Guedes de Brito, como relata Neves, ao se referir aos domínios fundiários de origem sesmeira dessa família:

Um dos maiores vinculava parcelas do Morgado Guedes de Brito, instituído no século XVII, por verba testamentária do tabelião Antônio de Brito Correia e sua mulher Maria Guedes. Esse patrimônio fundiário de origem sesmeira, em poder do filho Antônio Guedes de Brito, expandiu-se e somente não superou, em extensão, as terras da Casa da Torre, domínio dos descendentes de Garcia d’Ávila que se estendia por zonas que mais tarde ficaram sob jurisdição de vários estados nordestinos. Quase todo o sertão da Bahia pertenceu a essas duas famílias. Os d’Ávila disporia de 270 léguas à margem esquerda do São Francisco, “indo para o sul” e 80 desse rio “para o norte”, e os “herdeiros do mestre-de-campo Antônio Guedes de Brito possuiriam 160 léguas desde morro dos Chapéus até a nascença do rio das Velhas”, em cujas terras estabeleceram sítios de uma légua, arrendados “por dez mil réis de foro” anuais (NEVES, 2008 p. 65-66).

O destaque do autor de que todas as terras do sertão pertenceram a essas duas famílias e, levando-se em consideração que tais domínios fundiários correspondiam também a outras áreas do agreste, do litoral e a terras que hoje constituem áreas de outros

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estados, como Minas Gerais e Sergipe, tudo isso nos leva a inferir que as grandes propriedades fundiárias não tiveram origem necessariamente nas capitanias hereditárias. Elas são provenientes, sobretudo, da expansão das sesmarias e da apropriação ilegal e ilegítima de grandes extensões de terras, tendo em vista que existia um limite para cada sesmaria, mas que não foi respeitado pelos patriarcas dessas famílias e por seus descendentes.

As terras que pertenciam aos Guedes de Brito foram ampliadas com extensões de áreas que correspondem a partes dos estados da Bahia e Minas Gerais. Esse patrimônio fundiário foi sendo construído com as heranças das famílias e com as terras conquistadas com a expropriação dos índios, que foram violentamente massacrados e dizimados pelas expedições organizadas pelo Mestre de Campo Antônio Guedes de Brito. Sabe-se também que ocorriam processos de ocupação das terras para, posteriormente, ser solicitada a legalização junto à Coroa. Esse grande latifúndio ocupava partes da área central da Bahia indo até o norte de Minas Gerais, como descreve Neves:

O mesmo Guedes de Brito, associado a Bernardo Vieira Ravasco, recebeu do Conde de Óbidos, capitão-geral da Bahia em 1663, terras desde a nascença do Itapicurú e do rio de São Francisco e por elle acima tanta léguas, quantas há da própria nascença do Itapicurú á do Paraguassú [...]. Posteriormente Guedes de Brito comprou parte do sócio. Sobre o que caberia a tribos indígenas nada se sabe. Desconhece-se qualquer reserva indígena na região. E assim comprando de parceiros em sesmarias e outros proprietários, descobrindo e conquistando territórios dos índios, o mestre de campo se apoderou, nos sertões baianos e mineiros, de áreas mais extensas que diversos países da Europa juntos ou correspondentes a vários Portugais (NEVES, 2001, p.131).

As marcas da violência e da expropriação estão presentes na gênese da formação territorial do Sudoeste baiano. No processo de conquista do território dos índios, várias tribos foram completamente exterminadas pelas tropas do Mestre de Campo Antônio Guedes de Brito. Terras foram tomadas de posseiros e pequenos proprietários, além de diversas formas de extração da renda da terra, que já se desenvolviam, nessa época histórica, por meio de arrendamentos, foreiros, posseiros que, por não disporem de terras, pagavam as rendas aos proprietários.

A Figura 01 refere-se ao Mapa 01, que mostra a extensão das terras que pertenciam aos Guedes de Brito. Como podemos perceber, as propriedades ultrapassavam os limites de alguns estados, que, na época, ainda não eram demarcados com os limites atuais.

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Rio Vaz a B arris Rio Itap ituru Rio Jac uípe Rio S alit re Rio Jac aré R io P a ra g u a çu R io P reto R io G ra n d e R io C o rr e n te Rio Para mirim Rio Sto Onofre Salva dor Rio de Con tas Rio Bru mado Rio Pa rdo R io J e q u iti n h o n h a Rio Itan hém Rio Mu curi R io São M a teus R io D o ce Rio da s Velh as R io P a ra íb a R io G ran de R io P ar na íb a Rio Par acat u Rio Uru caia R io C ar in ha nh a Oc ea no A tlâ nti co Rio V erd e G ran de Rio Ve rde Pe quen o R io G a vi ã o R io d o A n tô n io R io d a s R ã s Rio Sta Ri ta São Fr an ci sc o Te rras de do mín io do s G u ed es d e Br ito Oce ano Rios Elab oradore s: J úni or R . P. J úno ir e Ge dev al Pa iva . Ago ./200 9. Fonte: CE PLAB/SEP LAN T EC. Nev e s (200 5).

Território de domínio dos Guedes

de Brito no Alto Sertão da Bahia

e estado de

Minas Gerais - sécu

los XVII e XVIII

70 ° W 0° 10 ° S 20 ° S 30 ° S 40 ° W 50 ° W 60 ° W 0 1 15 0 km Bra sil div isã o pol ít ic a 0 11 0 2 20km MAPA 01: TERRAS Q U E PE RT E

NCIAM AOS GUEDES DE BRI

T

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As propriedades sob o controle dos Guedes de Brito foram sendo ampliadas, usando das mais diversas práticas, como as ações de espoliação de pequenos proprietários, usando, como forma de controle, a violência e a truculência, maculando com sangue, ilegalidade e ilegitimidade um dos maiores latifúndios dos sertões da Bahia. Segundo Neves:

Se a imensidão das terras ermas facilitava as ocupações, propiciavam também a espoliação de posseiros pobres por proprietários mais experientes e influentes nas órbitas do poderes políticos e que dispunham, na retaguarda, das milícias coloniais. A legislação portuguesa ignorava a existência de posseiros. Em casos de conflitos se reconheciam os direitos dos donatários de sesmarias, que materializavam a onipresença do poder monárquico português, emanante da propriedade da terra. Explorando essa faculdade desde o século XVII se legalizaram extensas áreas já ocupadas, das quais passaram a cobrar foros e arrendamentos de moradores (NEVES, 2001, p. 131).

O direito a esse meio de produção se apresentava inacessível para a grande massa de excluídos e pobres, mesmo que estivessem na condição de posseiros, tendo em vista que, quando ocorriam conflitos por terra e litígios entre os sesmeiros e posseiros, a lei sempre favorecia os proprietários das terras. Esse processo de disputa entre posseiros e supostos proprietários ainda ocorre atualmente no Brasil, evidenciando que as contradições e a concentração fundiária não sofreram grandes alterações, mesmo com o aprimoramento das leis e instituições.

Ao analisar o parcelamento das terras por meio da sesmaria, Neves relata:

As restrições e controles das concessões e conservação de sesmarias, não eliminaram seu caráter de latifúndio inacessível ao lavrador sem recursos. Enquanto perdurou no Brasil esse sistema de repartição de terras funcionou como mecanismo de construção e consolidação da estrutura fundiária de grandes propriedades concentradora de renda, facilitando sua transferência para outros sistemas econômicos, conduta típica de economias primário-exportadoras de origem colonial (NEVES, 2001, p. 130).

Com a morte do Mestre de Campo Antônio Guedes de Brito, o patrimônio fundiário foi transferido para sua única filha, Maria Isabel Guedes de Brito, que, juntamente com seu marido Antônio da Silva Pimentel, administrou as propriedades, que, em grande parte, eram arrendadas para aqueles que não tinham a terra e pagavam o arrendamento ou o foro anual à proprietária ou aos seus procuradores. Como descreve Neves (2005, p.135), “o

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procurador de Isabel Maria cobrava rendimentos dos ocupantes, mas estes passaram a se declarar espoliados e suspenderam os pagamentos”.

Fica desse modo evidente que a herdeira assumiu com afinco a gestão de suas terras e usava as mesmas práticas de seu pai, para ampliar as propriedades. A disputa pelas terras no Rio das Velhas, onde foram descobertas pedras preciosas, incitou os conflitos e os interesses não apenas sobre as terras, mas, principalmente, sobre as riquezas minerais ali encontradas e em processo de exploração, como relata Neves:

Logo que se descobriu ouro no rio das Velhas, na primeira metade da década de 1690, intensificou-se o povoamento de suas adjacências, iniciando com as fazendas pecuaristas de Antônio Guedes de Brito. Desenvolveu-se, a partir de então, a demanda por terras e surgiram, em conseqüência, arrendatários e posseiros que, em pouco tempo, passaram a disputar, com Isabel Maria Guedes de Brito, a posse das glebas que ocupavam (NEVES, 2005, p. 134).

Outros conflitos entre arrendatários e posseiros e a proprietária Isabel Maria também ocorreram em outras áreas, como em Jacobina, sobretudo em decorrência das minas de ouro que passaram a ser exploradas, tendo os ocupantes de pagar o valor do arrendamento. Tais conflitos, segundo relato de Neves, sempre eram levados ao conhecimento do rei, ou do seu representante na colônia, que, via de regra, sempre reconhecia o direito da proprietária: “O conde de Assumar, por considerar a matéria de competência régia e, enquanto o rei não deliberasse, ordenou aos moradores que voltassem a pagar as rendas da terra a Isabel Maria Guedes de Brito” (NEVES, 2005, p. 137).

A herdeira de Guedes de Brito, juntamente com seu marido, o coronel Antônio da Silva Pimentel, além de administrar as propriedades herdadas, atuou no sentido de ampliar as terras, como descreve Neves, ao se referir a esse processo: “Pode-se, com base nestes dados, deduzir que Antônio Guedes de Brito se apossara do território do centro-norte da Bahia até a foz do rio das Velhas. Seu genro e sua filha estenderam as ocupações até as cabeceiras desse afluente do São Francisco” (NEVES, 2005, p. 143).

Com a morte de Isabel Maria Guedes de Brito e do seu esposo, o domínio fundiário foi transferido para Joana da Silva Guedes de Brito, neta de Antônio Guedes de Brito, que recebeu uma imensidão de terras, correspondendo às áreas do estado da Bahia e Minas Gerais, entre elas as porções de terras do Sudoeste baiano e as margens do Rio Gavião.

Referências

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