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A CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS, A EXPROPRIAÇÃO CAMPONESA E AS TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO GEOGRÁFICO

3 A AÇÃO DO ESTADO, O PLANEJAMENTO E AS TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO AGRÁRIO

3.1 A CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS, A EXPROPRIAÇÃO CAMPONESA E AS TRANSFORMAÇÕES NO ESPAÇO GEOGRÁFICO

O termo “barragem” significa represamento, tapume de cimento e pedra, que tem a função de represar ou barrar o rio para formar represa ou reservatório de água. Trata-se de uma técnica utilizada há séculos pela humanidade para construir reservatórios de águas para abastecimento ou irrigação da agricultura.

A barragem tem finalidades múltiplas, desde o aproveitamento dos recursos hídricos superficiais, com perenização dos rios intermitentes, ao represamento das águas na época de suas cheias em reservatórios para o controle das enchentes, a geração de hidroeletricidade, a irrigação de terras e, ainda, para o abastecimento humano.

No caso específico do Nordeste, as principais finalidades são a perenização dos rios, a construção de reservatórios para o abastecimento humano, e, a partir da década de 1970, também foram construídas muitas barragens para a geração de energia. Uma mesma barragem pode, inclusive, ser utilizada para múltiplos fins, a exemplo de Sobradinho, que serve para geração de energia, abastecimento humano, irrigação, regularização do volume de águas do São Francisco, sendo, contudo, a geração de energia sua principal finalidade.

As barragens, independente de sua extensão ou finalidade, geram impactos sociais, ambientais, econômicos e culturais, transformam o espaço geográfico e as relações sociais, seja pela expropriação dos atingidos, seja pela implementação de novas formas de uso da

terra com a possibilidade do desenvolvimento da irrigação. Por isso o foco de análise deste trabalho não serão os aspectos técnicos, mas as repercussões territoriais e sociais desses empreendimentos, sobretudo para o espaço agrário, onde estão localizados.

A Ciência Geográfica pode contribuir bastante com o estudo das barragens, por possibilitar a interpretação dos processos de transformação espacial e os rebatimentos territoriais ocasionados por esse empreendimento. Corrobora ainda com a análise da apropriação da natureza, mais objetivamente da água e da terra, promovida pelas transformações espaciais que também modificam a paisagem.

A análise geográfica possibilita uma interpretação mais completa, pois amplia o estudo das barragens para além dos aspectos técnicos, investigando, afora os processos de ordem social, as mudanças e reconfigurações espaciais e territoriais, tendo em vista que essas obras modificam o espaço e intensificam a questão agrária por meio da expropriação dos atingidos, agravando as disputas territoriais.

Os aspectos essenciais desse processo de expansão dos agronegócios se consolidam territorialmente, de forma enfática, em várias porções do espaço, mas enfatizamos o que se passa especificamente à sua complexa expressão/composição canavieira, o que denominamos de Polígono do Agrohidronegócio (THOMAZ JÚNIOR, 2010, p. 94-95).

O processo de disputa pela terra e na terra é uma característica histórica do campo brasileiro, que evidencia a expressão da luta das classes sociais pelo território e no território, através dos conflitos e dos confrontos entre as classes sociais expropriadas desse meio de produção e os latifundiários e rentistas. Tais conflitos são acirrados também pela luta pela água e, mais precisamente, pela junção da terra e da água e pela potencialidade agrícola que os espaços adquirem após a construção das barragens com a possibilidade de irrigação. A disputa agora se dá pelo território conjugado da terra e da água. Tal processo tem sido implantado em várias partes do território nacional, com destaque ao que Thomaz Júnior (2010, p. 92) denomina “Polígono do Agrohidronegócio” ao se referir à territorializacao do capital no campo:

O capital tem à disposição elementos imprescindíveis para a marcha expansionista dos seus negócios. Além de contar com os favorecimentos dos investimentos públicos e também privados, e por isso disputa apoios, cabe colocar em evidência que os bons resultados/retornos obtidos são complementados/potenciados pelo acesso às melhores terras (planas,

férteis, localização favorável e logística de transportes adequada). Mas não somente, pois o sucesso do empreendimento como um todo requer a garantia de acesso a água, seja superficial (grandes rios, reservatórios de hidrelétricas, lagos), por meio de intervenções, via de regra, represamentos de cursos d’água [...] (THOMAZ JUNIOR, 2010, p 94).

Portanto, compreender uma barragem significa compreender a totalidade das relações capitalistas, entender a relação que há entre a construção de uma barragem e o capital barrageiro e, ainda, perceber a expansão do capitalismo no campo por meio de agronegócio, tendo em vista que o represamento da água torna viável a instalação do agrohidronegócio8, que se apropria da terra, da água, do trabalho precarizado e da infraestrutura necessária à realização do capital. A intervenção do Estado, por meio de uma obra com uma barragem, não se efetiva de forma desarticulada ou espontânea. Na realidade, o objetivo e as intenções de tal empreendimento estão ligados aos interesses capitalistas desde o planejamento, seja para produzir energia para atender a demanda industrial, seja para garantir a edificação das empresas do agronegócio.

Antonio Thomaz Júnior tem desenvolvido pesquisas, sobretudo nas regiões Centro- Oeste e Sudeste, onde os grandes empreendimentos agrícolas vêm se instalando desde a década de 1970, com a produção de grãos, cana-de-açúcar e, mais recentemente, com o cultivo do eucalipto, destinados, em sua maioria, à exportação.

A realidade investigada pelo autor está relativamente distante do nosso campo de pesquisa e tem grandes diferenças da que estamos analisando, tanto do ponto de vista social, como econômico, quanto natural. Contudo, a lógica que se processa naquelas regiões não é diferente da que se estabelece no Nordeste.

Exemplo claro desse processo são os perímetros irrigados do Vale do Rio São Francisco e, mais especificamente no Sudoeste da Bahia, nos municípios de Livramento de Nossa Senhora e Dom Basílio, onde a fruticultura se desenvolve com a irrigação da água canalizada da Barragem do Rio de Contas, localizada no município de mesmo nome. Da

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O conceito Agrohidronegócio refere-se ao conjunto de ações que envolvem o complexo produtivo do agronegócio, conjugado com a territorialização do capital, que se apropria da terra, da água e do trabalho precarizado e promove, com sua expansão no campo, a expropriação camponesa e as formas tradicionais de uso da terra. Foi inicialmente concebido e apresentado por Marcelo Rodrigues Mendonça e Helena Angélica Mesquita, professores da UFG, campus Catalão, em textos publicados e apresentados em diversos eventos. Recentemente também tem sido utilizado por Antonio Thomaz Junior em texto publicado no ano de 2010. O termo é bastante apropriado e traz uma interpretação precisa do processo de expansão do capital no campo.

mesma forma aconteceu após a construção da Barragem de Anagé, com a instalação da fruticultura irrigada nas médias propriedades.

É necessário destacar que as barragens, mesmo sendo importantes para atenuar os problemas inerentes à estiagem, por garantir o represamento da água para abastecimento da população das cidades e para a agricultura irrigada, por isso repercutem no ideário da população como o “progresso” e “desenvolvimento” principalmente para aqueles que são diretamente beneficiados, contraditoriamente se efetivam como retrocesso para as populações atingidas e mais diretamente para os camponeses/trabalhadores que são expropriados para que se instalem as empresas do agronegócio.

Uma consequência direta da construção de uma barragem é a perda do território camponês, ou seja, o espaço de reprodução da vida. Em outros casos, também ocorre a perda de casas e lares, quando cidades inteiras são inundadas, submergindo as histórias e o espaço de construção da vida das pessoas, com perdas também imateriais, que são as referências espaciais, sociais e simbólicas, como ruas, igrejas e áreas de convivência coletiva.

O clima semiárido é quase predominante na região Nordeste, por isso se convencionou historicamente que as barragens são a única opção para atenuar os efeitos da seca e garantir o represamento da água para atender a população. Entretanto, diante dos efeitos e dos impactos que elas promovem e da ineficiência ou inversão de prioridade dessas obras, é que se defendem alternativas menos impactantes, mais eficientes e baratas, a exemplo das cisternas construídas pela Articulação do Semi-árido (ASA), que tem garantido água para milhares de pessoas em todo o Nordeste.

Por conta desse discurso da hegemonia das barragens como única possibilidade é que as ações do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS) têm centrado sua atuação na construção de represas e açudes, sem desenvolver outras formas de aproveitamento hídrico e represamento de água, a exemplo das barragens subterrâneas e das cisternas de produção, ambas desenvolvidas pela ASA.

Em relação ao DNOCS, algumas ponderações precisam ser feitas, por existirem alguns equívocos no desenvolvimento de projetos por parte desse órgão: o primeiro está na sua própria denominação – um órgão que desenvolve projetos e programas “contra a seca” – e se sabe que a seca é um problema climático que não pode ser combatido. Não existem projetos elaborados por esse órgão que sejam capazes de acabar com a seca. O que deveria ter seriam projetos e ações que melhorassem as condições de vida da população e que

implementassem as reformas estruturais necessárias, além de políticas de convívio com o semiárido. Outro aspecto a se destacar é a relação que as oligarquias regionais têm com o DNOCS, evidenciando o seu aparelhamento por parte dos políticos e das elites regionais que, no caso nordestino, muitas vezes, se confundem. Esse fato pode ser comprovado pelo grande número de represas e barragens em propriedades de lideranças políticas locais ou grandes latifundiários, e que, mesmo sendo construídas com recursos públicos, são apropriadas e utilizadas de maneira privada, reproduzindo relações de domínio, opressão e troca de favores, impostas pelos donos da terra. Essas relações são muito utilizadas em períodos de eleições locais. Assim a ação do Estado, via DNOCS, tem permitido a reprodução das oligarquias e grupos políticos e a sua manutenção no poder.

Uma das principais consequências da construção de barragens é a expropriação das famílias que ocupam a área onde as represas são construídas, processo que é marcado ou pela perda total dos bens e das terras, ou pela perda parcial quando ocorre o desalojamento ou deslocamento compulsório das famílias.

Muitas famílias camponesas atingidas perdem suas terras e benfeitorias sem direito a nenhum tipo de indenização, uma vez que, em sua grande maioria, são posseiros, que não possuem o título legal da terra, por isso o Estado não tem o dever legal de reassentá-los. Frente a essa ação arbitrária do Estado, as famílias se organizam e resistem com o objetivo de garantir a permanência na terra ou lutam pelo direito de serem reassentados para continuar vivendo como camponeses em outras áreas.

O conceito de “atingido por barragem” é amplo, por isso é importante discuti-lo e compreendê-lo dadas as especificidades e abrangência de sua interpretação.

Para Vainer,

Ao abordar o conceito de atingido, é necessário deixar claro o contexto e o sentido do debate, de modo a explicar o que é que está em jogo. Na verdade, embora o termo apareça em documentos técnicos e remeta a dimensões econômico-financeiras, a noção não é nem meramente técnica, nem estritamente econômica. Conceito em disputa, a noção de atingido diz respeito, ao fato, ao reconhecimento leia-se legitimação, de direitos e de seus detentores. Em outras palavras, estabelecer que foi determinado grupo social, família ou indivíduo é, ou foi, atingido por certo empreendimento significa reconhecer como legítimo – e, em alguns casos, como legal – seu direito a algum tipo de ressarcimento ou indenização, reabilitação ou reparação não pecuniária. Isto explica que a abrangência do conceito seja, ela mesma, objeto de uma disputa (VAINER, 2009, p. 39).

Por isso é difícil analisar as transformações territoriais e os impactos causados por uma barragem do ponto de vista estritamente técnico, uma vez que as pessoas atingidas passam por mudanças bruscas em suas vidas, na sua organização social, na sua base territorial ou nas formas de trabalho e sobrevivência. É importante também ampliar o olhar e o conceito de atingido, estendendo o debate para além dos atingidos por barragens, tendo em vista que outros processos que vêm se desenvolvendo no campo têm expropriado um considerável número de camponeses/trabalhadores que são atingidos também pelo agronegócio, pelos parques ecológicos, pelas ferrovias, por projetos de transposição.

Atualmente no estado da Bahia, inúmeras pessoas estão sendo atingidas e expropriadas, por algumas obras, a exemplo dos atingidos pelos canais da transposição do Rio São Francisco ou os atingidos pela Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), pelos parques nacionais e estaduais. Assim é importante partir do princípio de interpretação da lógica que se opera em todos esses processos. Concretamente o fio condutor que abrange todos os atingidos são as perdas territoriais, seja a terra, seja a água, sejam as casas; e o agente expropriador, que é comum a todos, nesse caso, é o Estado, seja por meio de suas obras, seja através das legislações.

O debate precisa ser feito por outras perspectivas, ou seja, se essas pessoas foram ou estão sendo atingidas, indiscutivelmente estão sendo prejudicadas por tais ações, por isso precisam ser reconhecidas para serem reparadas e indenizadas pelas perdas.

O fato agravante desses processos é a situação fundiária de muitas áreas onde tais obras são executadas, tendo em vista que, a partir desses empreendimentos, revela-se o caos fundiário, a condição dos posseiros, meeiros e os conflitos resultantes dessas ações. Ao perceber a necessidade de regularização fundiária, o Estado age de forma indiferente, antes da implantação desses projetos e, sobretudo, após as obras, promovendo a expropriação das pessoas e deixando de realizar o reassentamento delas.

No processo de construção da barragem de Anagé, a localização da obra em área de terras devolutas não foi uma escolha aleatória. A intenção de construir as obras em pontos específicos do território por certo levou em consideração a situação fundiária, isto é, o propósito de construí-las em área de terras devolutas, tidas como “públicas”, reduziria o custo com as indenizações que seriam pagas apenas aos quatro proprietários que tinham o título de suas terras, as mais de oitocentas famílias de posseiros que seriam atingidas receberiam apenas o pagamento indenizatório referente às benfeitorias.

Apesar de serem devolutas, essas terras não eram desabitadas. Muito pelo contrário, havia uma ocupação secular, conforme dados obtidos na pesquisa de campo, e relato das lideranças camponesas de que viviam nesse espaço cerca de oitocentas famílias.

No plano nacional, as barragens também têm tido outra função, sobretudo a partir da década de 1970, com o plano de desenvolvimento adotado pelo Governo Militar, o chamado “milagre econômico”. Com o intuito de impulsionar o “desenvolvimento” surgiu a necessidade de aumentar as formas de geração de energia, por isso o Estado começou a desenvolver projetos para construção de hidrelétricas. Iniciou-se, então, a construção de grandes barragens, e se consolidou o modelo energético baseado na hidroeletricidade com o discurso de ser uma forma “limpa” e “renovável” de gerar energia.

É fundamental desconstruir esse discurso de que a hidroeletricidade é uma forma limpa de geração de energia, tendo em vista que, no processo de construção das barragens, o impacto social e ambiental é incalculável. É preciso analisar o processo sem se restringir à aparência ou à lógica técnica, ou seja, o movimento das turbinas e a produção de energia. É importante compreender a essência da totalidade social em que esses projetos estão inseridos e as consequências na vida das pessoas.

Como afirma Borges,

Os principais inventários das grandes bacias hidrográficas do Brasil foram elaborados nos anos 1960 e 1970, durante o regime de exceção. Naquele momento, o ideário do desenvolvimento, o discurso da excelência da engenharia nacional, o milagre econômico, entre outros aspectos, conformavam um cenário que forjava um consenso social sobre a necessidade de grandes obras para que o Brasil alcançasse a condição de país desenvolvido. Obras e projetos como a ponte Presidente Costa e Silva (Rio - Niterói), a companhia Vale do Rio Doce e grandes usinas hidrelétricas tais como Paulo Afonso, Tucuruí e Itaipu tornavam-se mais que simples intervenções governamentais. Constituíam-se símbolos da ordem e do progresso brasileiros (BORGES, 2007, p. 10).

O Estado, por meio das políticas de planejamento e organização territorial, garante e pleno desenvolvimento do capitalismo, tendo em vista que os grandes projetos geram lucros ao capital transnacional, que, além de receber altos pagamentos com a construção dos projetos, promove a privatização dos recursos naturais do país, à custa da expropriação de centenas de famílias camponesas que vivem do trabalho na terra.

Naquele contexto histórico, na década de 1982, foi construída a Hidrelétrica de Itaipu, por meio de um convênio do governo brasileiro com o governo paraguaio,

denominado Itaipu Binacional. Segundo Germani (2003, p. 21), o barramento do Rio Paraná, que forma “um lago bastante ramificado, que se estenderá até a cidade de Guaíra, com o comprimento de 170 km² e uma superfície total de 1.350 km²”, está localizado em terras do estado do Paraná e em terras do Paraguai. Essa represa expropriou centenas de famílias camponesas e tornou-se um marco na organização e na luta de resistência camponesa contra a expropriação, o que possibilitou a criação de um movimento denominado Justiça e Terra, organização que contribuiu para a articulação que, posteriormente, daria base para a criação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Para Germani, que acompanhou e fez uma pesquisa sobre esse processo,

Uma das funções do Estado capitalista moderno é criar as condições favoráveis para o desenvolvimento do processo de acumulação de capital. Cabe, assim, a esse Estado, realizar os grandes investimentos em infraestrutura, não assumidos diretamente pelo capital privado, quer seja pelo volume de capital necessário, quer pela lenta ou baixa taxa de retorno que esses investimentos proporcionam (GERMANI, 2003, p. 19).

No caso brasileiro, coube ao Estado destinar a riqueza socialmente produzida para a construção das barragens, de modo a garantir a plena acumulação do capital e promover a expropriação de centenas de famílias, sacrificando uma parcela da sociedade, para garantir os interesses das classes sociais dominantes.

Em Itaipu isso também ocorreu, conforme relata Germani:

Esse processo de remoção ocasionou, no caso de Itaipu, um conflito. Conflito inserido no contexto da sociedade divida em classes, com interesses diferenciados, portanto, que vai contrapor o Estado – representado pela Itaipu Binacional e – a população que terá que deixar a área. Este conflito surgiu num momento bastante significativo, caracterizado por um forte envolvimento do Estado nos conflitos de terra – seja diretamente, seja indiretamente, através de empresas ou de leis de benefícios que favorecem ao grande capital em detrimento do pequeno produtor, cada vez mais expropriado de seu meio de produção fundamental – a terra – e por um processo crescente de resistência dos pequenos produtores, que começam a se organizar em todo o país, a expropriação (GERMANI, 2003, p. 19).

As barragens e os projetos das hidrelétricas se territorializaram em todo o país com vistas a gerar energia para as diversas regiões, seja para abastecer as indústrias, seja, em

menor escala, para viabilizar o consumo nas cidades e garantir a plena consolidação do capitalismo no Brasil.

O Nordeste também passou por transformações espaciais e sofreu os rebatimentos territoriais com a construção de vários projetos barrageiros, sobremaneira para geração de energia, sendo as principais: Sobradinho, Moxotó, Paulo Afonso, Itaparica, Pedra do Cavalo. Todos esses projetos foram elaborados e executados pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), empresa estatal subordinada ao Ministério de Minas e Energia. O discurso para justificar a construção dessas represas não destacava a geração de energia, mas a garantia de grandes reservatórios de água para suprir a necessidade hídrica das populações sertanejas e possibilitar o desenvolvimento de projetos de irrigação, além do abastecimento humano. Esse “discurso” garantia a execução dessas obras com alto índice de aprovação por parte da sociedade sertaneja, que, historicamente, sofre com a escassez da água.

Apesar de se sustentar na retórica da construção de grandes reservatórios de água, a aceitação por parte da sociedade não era unânime, uma vez que as famílias camponesas e os moradores das cidades que foram inundadas se mostravam contrários à forma como o Estado executava e implantava essas obras, principalmente no que se refere ao processo de expropriação, à política de reassentamento e ao tratamento dispensado a essas famílias – sempre marcado pelo autoritarismo, com valores injustos das indenizações, quando essas eram pagas –, pois é fato que centenas de famílias não receberam nenhum tipo de reparação material ou pecuniária.