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LAZER E TURISMO: A TERRA E ÁGUA DE ENTRETENIMENTO COM A INSTALAÇÃO DOS SÍTIOS E CHÁCARAS NAS BORDAS DO LAGO

Anagé Caraíbas

GRÁFICO 02: PRODUÇÃO DA FRUTICULTURA IRRIGADA

5.5 LAZER E TURISMO: A TERRA E ÁGUA DE ENTRETENIMENTO COM A INSTALAÇÃO DOS SÍTIOS E CHÁCARAS NAS BORDAS DO LAGO

As classes sociais dominantes também desenvolveram outras formas de territorialização nas margens da Barragem de Anagé, com a apropriação da terra e da água para fins de lazer e entretenimento, edificando sítios e chácaras que são utilizados para veraneio. Tais empreendimentos pertencem a pessoas com alto poder aquisitivo, sobretudo de Vitória da Conquista, que construíram grandes estruturas, inclusive com píeres, cais, onde são ancorados lanchas, barcos e jet-skis. Nesses casos a utilização da água é basicamente para passeios com esses instrumentos e também para a prática da pesca esportiva.

Essa forma de uso da terra e da água está relacionada à apropriação da paisagem como dimensão bucólica, como espaço artificializado, área com potencialidade paisagística e de entretenimento.

Para Marques, essa lógica está fundamentada da seguinte forma:

O contraste de imagens entre o rural e o urbano é reforçado ainda mais com a transformação da paisagem rural em objeto de consumo e a tendência crescente de elaboração e/ou valorização de identidades rurais para atender a exigências mercadológicas. Estas mudanças observadas de modo mais significativo em países desenvolvidos como a França levam à passagem da imagem do campo ligada à produção, à atividade agrícola, para a imagem- consumo. O olhar torna-se mais importante que o fato econômico, o campo é hoje uma paisagem em primeiro lugar (MARQUES, 2001, p. 6).

Tais construções, em sua maioria, encontram-se nas bordas do lago, ocupando áreas que deveriam ser preservadas, pois, segundo a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), as faixas de cem metros das margens de rios e barragens devem ser preservadas como Área de Proteção Permanente (APP). Essas construções apresentam outra ilegalidade, pois foram edificadas na área de segurança nacional ou área de servidão do DNOCS. Apesar dessas irregularidades já terem sido denunciadas, nada foi feito, diferente do que aconteceu com os camponeses, que também ocuparam porção da área de segurança e que foram expulsos, por força de um processo de reintegração de posse. Ou seja, na prática a lei é aplicada conforme as conveniências, ou o poder aquisitivo, ou a classe social, revelando a postura do aparato burocrático do Estado a serviço da classe social dominante. Essa realidade pode ser comprovada pela estrutura das mansões apresentadas nas imagens das Figuras 23 e 24:

Figura 26: Casas de Veraneios nas margens da Barragem de Anagé.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2011. Autor: PAIVA SILVA, Gedeval.

Figura 27: Casas de Veraneios nas margens da Barragem de Anagé com píer.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2011. Autor: PAIVA SILVA, Gedeval.

As terras que antes da barragem se constituíam no espaço de trabalho de centenas de famílias camponesas, ocupado historicamente para a reprodução desses sujeitos sociais, atualmente são áreas de entretenimento utilizadas apenas nos finais de semana. Promoveu- se a expropriação dos trabalhadores de suas terras para construir possibilidades de turismo privativo.

O relato do membro da Comissão Rural Diocesana da Diocese de Vitória da Conquista, na época da construção da barragem e que esteve ao lado dos camponeses atingidos, já alertava para esse processo mesmo no período da construção:

Por isso tínhamos que desconstruir a propaganda que aquela área teria diversos benefícios, iria se modernizar. Mas hoje a gente percebe que toda aquela área virou um espaço de lazer, hoje as pessoas de classe média alta compram lotes ali pra ter um sítio para passar fins de semana, e outros, com áreas maiores, plantam manga, coco, pinha, a lógica de mercado muito presente ali. Então, todo aquele processo transformou drasticamente a vida das famílias camponesas, direta e indiretamente, e as consequências estão visíveis hoje. Mas todo aquele processo de luta e resistência foi fundamental para que organizássemos os camponeses e todos os trabalhadores para continuarem contestando e lutando contra as desigualdades sociais (J. C., pesquisa de campo, 2008).

Essas transformações espaciais revelam o conteúdo das classes e a forma como elas se apropriam da terra e da água. Assim o território é a expressão material do desenvolvimento desigual e combinado do espaço geográfico, materializando as contradições e as desigualdades promovidas por essa obra planejada pelo Estado.

O propósito deste capítulo foi compreender as transformações territoriais promovidas pela Barragem de Anagé, destacando as diversas contradições decorrentes dessa obra realizada pelo Estado. Dessa forma foi possível perceber que na prática esse processo evidencia a centralidade da relação capital versus trabalho, tendo como expressão espacial o território em disputa. O território, como categoria central e norteadora desse capítulo, fundamenta-se no entendimento do processo de lutas, disputas e conflitos das diferentes classes sociais no processo de apropriação da natureza. Nossa análise baseou-se no sistema de mediação de primeira e segunda ordens formulado por Antunes (2002), para compreender como as diferentes classes sociais se apropriam da terra e da água.

Para os capitalistas, essa mediação é baseada no valor de troca, constituindo o que se convencionou denominar “Território de Terra e Água de Negócio”, processo em que o capital se apossa da terra e da água, visando à acumulação do capital. Verificou-se isso na

instalação das empresas do agronegócio que passaram a desenvolver a agricultura irrigada, que tem transformado as formas de uso da terra e da água, e na expansão de formas capitalistas de produção agrícola, baseadas no trabalho alienado, com aumento da precarização das relações de trabalho, contratos por safra ou pagamento pelos dias de serviço prestado. A presença das classes sociais dominantes também se deu na construção de sítios e chácaras, nas áreas próximas à barragem, voltados ao lazer e ao entretenimento nos finais de semana.

Baseado em outros princípios e sob outras racionalidades, houve também a territorialização camponesa, expressa no uso da terra e da água como meio e condição de reprodução social de um grupo que luta pela permanência e resistência na terra e na água. Para designar esse processo, formulou-se o conceito “Território de Terra e Água de Trabalho”, em que o uso da terra e da água se dá baseado no valor de uso, ou seja, como garantia de sobrevivência. Dessa forma, este grupo social concilia o trabalho na terra com o trabalho na água como meio de garantir sua reprodução social.