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4 A CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE ANAGÉ: LUTAS E RESISTÊNCIAS CAMPONESAS

4.2 A HISTÓRIA DOS SUJEITOS E DO PROJETO DA BARRAGEM DE ANAGÉ

A construção da Barragem no Rio Gavião sempre foi um sonho para a população sertaneja local, até tornar-se realidade em 1988. Localizada no médio curso do Rio Gavião, essa obra era uma promessa antiga e por muito tempo fez parte do imaginário da população de Anagé e Caraíbas, representando, no ideário popular, a redenção e a solução para os problemas de estiagem, de falta de água e uma alternativa para a superação do “atraso”.

Entretanto, a concretização do antigo sonho trouxe muitos problemas, sobretudo para as populações que foram atingidas pela obra, pois a grande maioria era formada de posseiros, que perderam as terras, por terem sido inundadas, sem direito ao reassentamento, recebendo apenas as indenizações referentes às benfeitorias.

Os primeiros comentários sobre a construção de uma barragem no Rio Gavião surgiram ainda na década de 1940, conforme relatam alguns sujeitos que foram entrevistados, a exemplo do senhor Aurelino Marinho e do ex-deputado Élquisson Soares. Segundo esses entrevistados, a obra seria construída nas proximidades da cidade de Anagé.

O relato do ex-deputado evidencia isso:

O vale do Rio de Contas teve um projeto criado pelo DNOCS, de aproveitamento de todo o Vale do Rio de Contas, e aí também implicava em Anagé, pois o principal tributário do Rio de Contas é o Rio Gavião. Então nessa época eles, do DNOCS, projetaram cerca de oito barragens no vale do Rio de Contas, sendo que três dessas barragens eram no vale do Rio Gavião, uma próxima a Condeúba, que não chegou a ser construída, sendo feito um açude. Nessa época também surgiu a Barragem de Anagé, a primeira verba que saiu no orçamento geral da União para a barragem, eu não sei na verdade dizer quem criou o projeto, na realidade foi o próprio DNOCS. Através de um deslocamento desses recursos que seriam para construir a Barragem de Anagé, para o açude na cidade de Tremedal, também no vale do Rio Gavião, no município de Tremedal, o Gavião passa lá. Isso foi na verdade na segunda metade da década de 1940 (E. S. pesquisa de campo, 2010).

Segundo Élquisson Soares13, o projeto esperou por mais de quarenta anos para se concretizar e, somente após a década de 1970, voltou a ser discutido em âmbito

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Élquisson Soares é natural de Anagé. Sempre ouviu comentários referentes à construção de uma barragem no Rio Gavião. Após concluir os estudos no Rio de Janeiro, graduando-se em Direto, retornou para Vitória da Conquista, onde passou a atuar como advogado e a militar no Movimento em Defesa da Redemocratização do País. Foi eleito vereador pelo MDB, em 1972; por ter uma atuação política em toda a região, se candidatou a deputado estadual, sendo eleito. Já no exercício

institucional, quando ele, na condição de deputado estadual, tentou reativá-lo e refazê-lo. Naquele contexto histórico, o país encontrava-se sob o Regime da Ditadura Militar, e o deputado era membro do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), portanto, oposição ao regime, o que tornava o processo mais complicado e difícil. Após a sua eleição para a Câmara Federal, a situação começou a tomar outro rumo, como fica evidente no seu depoimento:

Em 1974 me elegi Deputado Estadual e fui para Salvador. Nesse mandato de estadual, é que de fato eu conheci o caminho da Barragem de Anagé. Todo mundo comentava, e povo de Anagé sempre quis e esperou esse projeto. Para que no Rio Gavião tivesse essa Barragem, eu, já na Assembléia, fui atrás e procurei conhecer, fui ao DNOCS, e nós reativamos essa luta pela barragem, e ele durou muito tempo. Só na Câmara Federal, em 1979, quando tomei posse como deputado federal é que a briga ficou mais fácil e voltei a trabalhar no projeto porque o DNOCS é um órgão federal. Então eu fui brigando pela Barragem, sempre discursava no plenário em defesa da Barragem e, após isso, conseguimos os primeiros recursos. Embora eu fosse do MDB, eu consegui esses recursos com Mário Andreazza, ministro do Interior, os recursos para os estudos iniciais para construir da Barragem. Ele me disse: “Olhe, deputado, o Rio Gavião é um rio baiano, por isso o DNOCS não tem autoridade nenhuma sobre ele, na verdade ele só tem competência para legislar em rios nacionais, e o Rio Gavião, nasce e morre na Bahia” (E. S. pesquisa de campo, 2010). Destaque nosso

O projeto de construção da barragem, na prática, passou a ser também a estratégia política para atender os interesses das oligarquias regionais, por isso tanto empenho e dedicação para que fosse concretizado.

A partir das discussões, mobilizações e articulações políticas na esfera federal é que o projeto da Barragem de Anagé voltou a ser discutido e analisado, ficando em fase de estudos até a década de 1980. Só em 1987, depois de José Sarney assumir a Presidência da República, é que o projeto tornou-se mais real e possível de ser concretizado, já que ambos eram do mesmo partido. Conforme relato de Élquisson Soares:

Sarney tinha assumido a presidência, foi que aí eu joguei duro com ele, disse toda a história da Barragem: “é uma coisa antiga, a população tem do seu mandato, tentou refazer o projeto da Barragem, por meio dos órgãos estaduais, sem obter êxito. Anos depois foi eleito deputado federal e, nesse posto, passou a mobilizar esforços para viabilizar o projeto, mas, pelo fato de ter sido oposição ao Regime Militar, sempre encontrou problemas e resistências e sempre teve dificuldade em ter apoio para seu projeto. Somente após o fim do regime, com José Sarney na presidência da República é que pôde ter o apoio para concretizar o projeto.

muita fé nessa obra, é desde a década de 1940 que se fala dessa barragem, é muito importante é vital para o município.”. E disse ainda: “para continuar no MDB e apoiando o seu governo, eu preciso que essa obra saia do papel, senão não vou poder ir mais a minha terra, porque antes eu dizia ao pessoal, ‘eu sou deputado de oposição ao Regime, eles dificultam tudo’”. Ele disse “essa obra vai sair logo”, depois me deu uma autorização para levar para Costa Couto, que era ministro na época. Então peguei o bilhetinho que dizia assim: “Ministro Costa Couto, o deputado Élquisson Soares tem interesse nessa barragem, e eu tenho interesse em atender ao pedido do deputado.”. Ele leu, e aí eu disse: “Ministro, gostaria de contar com sua ajuda para fazer essa obra.”. Então ele me disse: “olha, deputado, então eu vou ter que construir a barragem, o presidente está dizendo que tem interesse em lhe atender, o senhor agora está com a bola toda, e nós vamos lhe atender.”. Dito e feito, em dois anos a barragem saiu, em 1986, ela foi construída e inaugurada e encheu no ano seguinte, e já estava cumprindo suas funções (E. S. pesquisa de campo, 2010). Destaque nosso

O relato do ex-deputado demonstra o interesse e o empenho que teve para tornar real esse projeto, que, ainda segundo ele, foi o maior feito de sua carreira como político. Para ele a intenção era garantir água para as cidades da Bacia do Rio Gavião e promover a modernização da agricultura, com a possibilidade de irrigação, visando ao desenvolvimento regional, além de possibilitar a implantação da piscicultura como alternativa de renda para a população local. Para isso, deveria ser construída uma grande barragem, que, como ocorre em outros locais, tem grandes impactos sociais e ambientais. No relato do ex-deputado sobre as mobilizações e articulações para viabilizar esse projeto, fica evidente a intenção de fazer uma barragem com grande capacidade de represamento. Ao se reunir com o ministro responsável pela liberação dos recursos, obteve a seguinte resposta:

“Você vai ter que conseguir autorização com o Governo do Estado para autorizar a construção dessa barragem, se nós tivermos que fazer e de fato formos construir, mesmo assim vou lhe conseguir os recursos iniciais para os estudos”, como de fato deu. Aí eu vim a João Durval, que na época era Governador da Bahia, para mostrar a viabilidade e conveniência de delegar ao DNOCS a autorização para construir a barragem, e ele me disse: “Mas, deputado Élquisson , nós já temos o projeto de construir essa barragem, aliás, temos 25 barragens projetadas para a Bahia, inclusive a de Anagé.” Eu até brinquei com ele e disse: “Mas, Governador, o que o senhor quer construir é uma “cacimba”, uma barragem de 25 milhões de metros cúbicos de água é muito pouca coisa, na verdade é desperdiçar o rio, de mais a mais, o senhor, delegando ao DNOCS, vai ter uma barragem grande e sem gastar dinheiro, pois quem vai gastar é o governo federal.” Ele se convenceu e autorizou e delegou ao DNOCS. E o ministro Mário Andreazza, que tinha feito o compromisso, cumpriu (E. S. pesquisa de campo, 2010). Destaque nosso

O depoimento evidencia o interesse do deputado em construir uma grande barragem, que viabilizasse o desenvolvimento da agricultura irrigada, a criação de peixes, a instalação de estruturas voltadas ao turismo. Para que esses projetos de realizassem, seria preciso uma grande quantidade de água, e a justificativa de perenizar o rio e garantir o abastecimento das cidades vizinhas era, na verdade, uma maneira de conseguir maior aceitação e aprovação popular para o projeto.

Ao se referir ao cumprimento dos objetivos estabelecidos no projeto, Élquisson Soares comenta:

Algumas coisas não aconteceram. Ela tinha quatro finalidades principais: abastecer as cidades da bacia, como Tremedal, Anagé, Belo Campo, Caraíbas. E aí, portanto, a barragem cresceu muito a possibilidade de desenvolvimento da região, criou a infraestrutura para esse desenvolvimento. A segundo finalidade da barragem era a piscicultura, a terceira era a irrigação, que aconteceu, mas muito pouco, foi muito restrito e até a própria piscicultura não se desenvolveu de forma organizada e estruturada. Alguma coisa surgiu, mas não foi plenamente, e a irrigação que também não se desenvolveu tem muito pouca coisa hoje, e poderia ter muito mais coisa (E. S. pesquisa de campo, 2010).

O discurso do deputado sobre a realidade atual das áreas que margeiam a barragem deixa evidente que a sua intenção era construir uma grande barragem que viabilizasse um projeto de desenvolvimento regional em grande escala. Esse, na realidade, era o propósito fundamental do projeto. Mesmo tendo sido construída e ter sido garantida a perenização do Rio Gavião a jusante e o abastecimento de água para as cidades de Caraíbas e Anagé, os demais objetivos voltados diretamente à lógica de mercado, como a agricultura irrigada e a piscicultura em grande escala, não se desenvolveram plenamente.

Os objetivos iniciais previstos pelo projeto se concretizaram, ainda que alguns tenham sido implantados sob outra lógica, como é o caso da piscicultura, que se estabeleceu por meio da organização e união de pequenos proprietários camponeses que tiveram suas terras reduzidas ou mesmo como alternativa de trabalho para trabalhadores rurais e urbanos, que encontram na pesca uma nova forma de reprodução social.

No caso da agricultura irrigada, que também se instalou nas proximidades da barragem, ainda que não tenha sido em grandes proporções, tem promovido a expansão do agronegócio e, consequentemente, a expropriação e a subordinação dos camponeses às relações capitalistas de produção. Essas fazendas edificadas são em grande parte dirigidas

por pessoas de outras regiões, que adquiriram terras após a construção da barragem, ou mesmo antes da construção nas áreas que estariam mais próximas da água.

Muitos entrevistados relataram que várias pessoas que eram responsáveis pelo projeto e que também estavam envolvidas no período das obras compraram terras nas proximidades da barragem antes da construção e que, depois da construção, as venderam muito bem valorizadas, como foi o caso da propriedade que atualmente se chama Fazenda Umbuzeiro, cuja área foi comprada, por um dos principais articuladores da barragem, de três irmãos, que, na época, eram posseiros. Isso ocorreu também com outras pessoas que tiveram acesso às informações sobre o projeto da barragem antes mesmo do início das obras.

No que se refere à piscicultura, de fato não se desenvolveu em grande escala, mas atualmente a pesca artesanal e também a criação de peixes em tanques-rede representam uma importante alternativa de renda para os camponeses que foram parcialmente atingidos, pois as terras restantes não seriam suficientes para garantir a sobrevivência deles e de outras pessoas que passaram sobreviver da pesca.

As consequências diretas da barragem foram a expropriação dos camponeses atingidos, que perderam suas terras, sua única forma de sobrevivência, a transformação deles em pescadores, em trabalhadores rurais assalariados ou boias-frias, como os que foram trabalhar nas lavouras de café de Vitória da Conquista e Barra do Choça, ou em trabalhadores urbanos na região, o agravamento da questão agrária na região e o aumento da miséria. Quando questionado sobre a situação das pessoas que foram atingidas pela barragem e a escolha do local, uma área de terras devolutas, o ex-deputado afirma:

Quando a barragem foi projetada, ela ficava muito mais próxima do município de Anagé, ficava próxima daquela ponte velha. Onde tem uma ponte nova hoje, mais abaixo daquela tem uma ponte antiga, mas, conforme esse projeto inicial, ela estava mais ou menos a um quilômetro da ponte antiga. A barragem nesse lugar era para ser uma cacimbinha, uma barragem pequenininha, que tava projetada pelo Governo de João Durval, que, na verdade, era o projeto antigo da década de 1940. Foi feito um reestudo e uma reformulação depois que o DNOCS foi à área e constatou que naquela área ela não oferecia tanta segurança, pois se tratava de uma barragem maior, também tinha uma questão de ordem econômica, como construir a barragem e não gastar tanto assim. Então veio um técnico, se não me engano um italiano e localizou onde ela está hoje e foi construída. Ela ficou amarrada com toda a pedra que foi usada na barragem, foi retirada das escavações, para fazer a barragem, e o técnico dizia “vai dar uma segurança maior” (E. S. pesquisa de campo, 2010).

Ao se referir à questão de ordem econômica, é claro que seria em relação às indenizações que seriam pagas às famílias que foram atingidas, pois a grande maioria dos atingidos era formada de posseiros. Talvez essa localização tenha levado esse aspecto em consideração, como de fato ocorreu. Para o ex-deputado, essa questão não tem grande relevância, diante da importância da barragem, sendo, portanto, apenas um “detalhe”. Não se pode negar a relevância da barragem e a melhoria das condições de vida da população, mas a questão dos atingidos teve um impacto considerável na região.

Quando questionado sobre o processo de expropriação, ele afirma:

Houve, mas não foi assim como dizem. A população ribeirinha não era tão intensa, mas também não era uma área deserta, tinha pequenos proprietários, e essas terras eram todas devolutas. Na verdade na Bahia não teve uma organização melhor para tratar dessa questão. A situação fundiária na Bahia é muito precária, e ali naquela área não tinha praticamente nada, mas o DNOCS indenizou, não só construindo casas para as pessoas que foram afetadas, como também pagou para quem perdeu as terras, e a terra não tinha valor de nada, não valia coisa nenhum, e os proprietários vendiam por qualquer preço, porque na verdade eles não acreditavam que essa barragem ia sair. Quem queria comprar, eles vendiam mesmo a qualquer preço. Depois o PT, o povo do PT subiu muito na área da barragem porque era contra a barragem, eles mobilizaram muito para dizer que não era pra construir, eram contra e, na verdade, demonstraram falta de visão das coisas, não se dedicaram a fazer um estudo mais sério (E. S. pesquisa de campo, 2010).

A questão dos atingidos foi tão séria e gerou tantas manifestações que teve o apoio de entidades sociais de toda a região, e o pagamento pelas benfeitorias e a construção de novas casas para as pessoas que foram atingidas se efetivaram graças às mobilizações e à organização dos camponeses que montaram acampamento e chegaram a paralisar a obra inúmeras vezes.

É muito esclarecedor o depoimento do servidor José de Souza Leitão, topógrafo do DNOCS, que foi designado para atuar nas negociações e nos processos de desapropriação. Seus relatos confirmam o número de pessoas que foram atingidas e trazem muitos dados relevantes para compreender essa história. Ele é uma testemunha de todo o processo, tendo em vista que trabalhou na época da construção e acompanhou as transformações que ocorreram nos últimos vinte anos nas proximidades da barragem.

Na época eu vim para orientar, porque a Andrade Gutierrez foi quem construiu a obra e já tinha ganhado a concorrência para essa daqui. Então, todo mundo que veio e que estava construindo a obra lá no Ceará – o Açude do Serrote – veio para cá, tá certo? Aí quando chegaram aqui eles requisitaram os topógrafos daí de Salvador que vieram para cá, mas eles não tinham experiência nessa área de desapropriação. Aí me mandaram para cá para eu instruir eles, pra eu ensinar, e eu ia passar só esses 30 dias aí até hoje eu estou aqui (J. L., pesquisa de campo, 2010).

O depoimento do servidor confirma a história de que a intenção de construir a Barragem de Anagé era antiga, informação que coincide com o relato de outros entrevistados.

Então, segundo as informações das histórias do DNOCS esse requerimento aqui dessa barragem foi de 1940. O diretor do órgão aqui na Bahia tinha solicitado um projeto de uma barragem no Rio Gavião, não especificamente aqui nesse local, no Rio Gavião, que era da barra do Rio de Contas pra cá. O DNOCS na época fez o estudo, fez o projeto e até hoje ficou aí. Todos os anos na época, cada diretor pedia ao Ministério aquele recurso para fazer determinada barragem e aqui teve até uma politicagem que Élquisson Soares fez. Élquisson não arrumou coisa nenhuma, essa é verdade verdadeira. Eu não quero dizer que não houve influência de Élquisson Soares, jamais, mas alguém disse que ele é o pai da barragem, não tem nada de pai de barragem. Ele também ajudou, deu força e isso foi colocado no orçamento da União, porque naquela época... Mas é criação política querer ser o pai e a mãe da coisa. Eu sei que foi determinada essa barragem para o Rio Gavião, para a Bahia em 1987. Foi licitada a obra, e Gutierrez ganhou a concorrência e vieram para cá no começo de janeiro de 1987. Eu já vim no dia 23 de novembro de 87. Eles vieram primeiro fazer essa estrada. Não tinha nada, só tinha um caminho. Aí já era o desenvolvimento da coisa, da barragem (J. L., pesquisa de campo, 2010).

A história dos sujeitos envolvidos no projeto da Barragem de Anagé é repleta de contradições. Para a maioria dos camponeses e para a população local, a obra é resultado da atuação política do ex-deputado Élquisson Soares; para outros, a exemplo do servidor do DNOCS, resulta da ação planejada do Estado. O aspecto mais importante é a análise da concretização do projeto, para que seja possível entender como se deu a execução da obra, com destaque para a ação do Estado e as práticas adotadas no que se refere ao respeito ao direito dos atingidos.

A execução do projeto teve início em 1984 quando começaram os estudos preliminares, que foram concluídos em 1985. A fase seguinte foi a de elaboração do Relatório de Impacto Ambiental. A empresa responsável pela realização dessa etapa foi a

Tecnosan. Nessas fases iniciais os moradores não sabiam ao certo qual a finalidade desses trabalhos. Alguns ouviam dizer que seria para a construção da barragem, mas, efetivamente, não sabiam onde seria construída e qual a sua localização exata.

Segundo os dados disponíveis no Relatório de Impacto Ambiental da Barragem de Anagé, foram cadastradas 521 famílias14 diretamente atingidas pela obra, totalizando cerca de 2.500 pessoas. Entre essas, em média 109 famílias tiveram suas casas alagadas pela barragem e mais de 150 tiveram perdas totais de suas terras.

A diferença entre os dados oficiais e os números obtidos nos depoimentos de alguns camponeses e das lideranças que apoiaram os posseiros se deve ao fato de que, para o Estado, os atingidos são apenas as pessoas diretamente afetadas por esses empreendimentos, não considerando, por exemplo, as que foram atingidas pelas estradas, as que residiam a jusante da barragem e que, indiretamente, também foram prejudicadas pela construção, ou mesmo aquelas que não foram reconhecidas como beneficiárias. Os dados apresentados por Diacísio Ribeiro refletem essa diferença.

Embora as informações prestadas por Diacísio sejam diferentes das que estão