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30 cm Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TECNOLOGIA – CEFT PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

ANATOTE LOPES DA SILVA

HIBRIDISMO MUSICAL E RELIGIOSIDADE POPULAR:

DJ TUDO E SUA GENTE DE TODO LUGAR

SÃO PAULO 2018

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TECNOLOGIA – CEFT PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

HIBRIDISMO MUSICAL E RELIGIOSIDADE POPULAR:

DJ TUDO E SUA GENTE DE TODO LUGAR

Por Anatote Lopes da Silva

Docente/Orientador: Prof. Dr. Jorge Luiz Rodrigues Gutierrez

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós- graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, para obtenção do grau de Mestre.

São Paulo, Junho/2018

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S586h Silva, Anatote Lopes da.

Hibridismo musical e religiosidade popular : DJ Tudo e sua gente de todo lugar / Anatote Lopes da Silva.

273 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2018.

Orientador: Jorge Luiz Rodrigues Gutierrez.

Referências bibliográficas: f. 275-280.

1. Mito. 2. Ancestralidade. 3. Sincretismo. 4. Religiosidade. 5.

Popular. 6. Híbrida. 7. Étnica. 8. Música. I. Gutiérrez, Jorge Luis Rodriguez, orientador. II. Título.

LC BL60

Bibliotecária Responsável: Eliana Barboza de Oliveira Silva - CRB 8/8925

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SILVA, A. L. Hibridismo Musical e Religiosidade Popular: DJ Tudo e Sua Gente de Todo Lugar. Centro de Educação, Filosofia e Tecnologia – Universidade Presbiteriana Mackenzie – CEFT/UPM – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião – São Paulo: 2018.

RESUMO

O contexto brasileiro é caracterizado por uma diversidade étnica que contribui para o pluralismo racial, ideológico, religioso e sociocultural, e, neste ambiente plural e secularizado convivem as diversidades do novo e do moderno, e, do antigo e do tradicional. Essa pesquisa investiga uma experiência de renovação religiosa na religião umbandista. O resultado da síntese do antigo e do novo, a reinserção da produção artística pós-moderna no ambiente cultural brasileiro, especificamente, na religião de matriz africana, onde ocorrem os registros das tradições populares e a sofisticação das antigas tradições religiosas. O autor discorre sobre o elo fundamental na estrutura dos mitos das religiões que compõem a diversidade interior da Umbanda, aspectos gerais da história da identidade étnica, da formação e do panteão africano e suas influências no campo religioso brasileiro. E, finalmente, o desenvolvimento e a contribuição observada, do objeto do estudo de caso que, confirma o emprego de novas tecnologias e novas mídias contribuindo para a preservação da tradição musical afro-brasileira.

Palavras chave: mito, ancestralidade, sincretismo, religiosidade, popular, híbrida, étnica, música.

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SILVA, A. L. Musical Hybridism And Popular Religiosity: DJ Tudo And Its People From Every Place. Center for Education, Philosophy and Technology – Presbyterian University Mackenzie – CEFT/UPM – Post-Graduate Program in the Sciences of Religion – São Paulo: 2018.

ABSTRACT

The Brazilian context is characterized by an ethnic diversity that contributes to racial, ideological, religious and sociocultural pluralism and in this plural and secular environment the diversity of the new and the modern, and the old and the traditional, live together. This research investigates an experience of religious renewal in the umbandist religion. The result of the synthesis of the old and the new, the reinsertion of postmodern artistic production in the brazilian cultural environment, specifically in the religion of African matrix, where popular traditions and the sophistication of the old religious traditions are recorded. The author discusses the fundamental link in the structure of the myths of the religions that make up the inner diversity of the Umbanda, general aspects of the history of ethnic identity, formation and the African pantheon and its influences in the Brazilian religious field. And, finally, the development and observed contribution of the object of the case study confirms the use of new modern technologies and new media, contributing to the preservation of the Afro-Brazilian musical tradition.

Keywords: myth, ancestry, syncretism, religiosity, popular, hybrid, ethnic, music.

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SILVA, A. L. Hibridez musical y Religiosidad Popular: DJ Tudo y toda su gente de todas las partes. Universidad Presbiteriana Mackenzie – Centro de Educación, Filosofía y Tecnología – CEFT/ UPM – Programa de Postgrado en Ciencias de la Religión – São Paulo: 2018.

RESUMEN

El contexto brasileño se caracteriza por una diversidad étnica que contribuye al pluralismo racial, ideológico, religioso y sociocultural, y en este ambiente plural y secularizado conviven las diversidades de lo nuevo y lo moderno, y del antiguo y del tradicional. Esta investigación investiga una experiencia de renovación religiosa en la religión umbandista. El resultado de la síntesis del antiguo y del nuevo, la reinserción de la producción artística posmoderna en el ambiente cultural brasileño, específicamente, en la religión de matriz africana, donde ocurren los registros de las tradiciones populares y la sofisticación de las antiguas tradiciones religiosas. El autor discurre sobre el eslabón fundamental en la estructura de los mitos de las religiones que componen la diversidad interior de la Umbanda, aspectos generales de la historia de la identidad étnica, de la formación y del panteón africano y sus influencias en el campo religioso brasileño. Y, finalmente, el desarrollo y la contribución observada, del objeto del estudio de caso que, confirma el empleo de nuevas tecnologías y nuevos medios contribuyendo a la preservación de la tradición musical afro-brasileña.

Palabras clave: mito, ancestralita, sincretismo, religiosidad, popular, híbrida, étnica, música.

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A inclinação pós-moderna de acumular toda espécie de referencia a estilos passados é uma de suas características mais presentes.

Jacques Le Goff

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AGRADECIMENTOS

Ao Deus de Abraão, Isaque e Jacó, Deus Triúno: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, um só Deus, meu Senhor e Salvador; a Ele seja o louvor e a glória eternamente. Amém.

À Juliane Pereira Lopes da Silva que me apoia em tudo e a meus filhos que suportaram a ausência do pai, e, um tipo de assombração no escritório, a qualquer hora, dia e noite. Aos meus irmãos e irmãs, aos oficiais da igreja que, nunca se queixaram por eu dividir o tempo entre as visitações, as orações, os estudos, e a pregação com as leituras e pesquisas do programa. Aos amigos Amauri Marinho, pelo apoio nas gravações e edições da entrevista e do show no campo, Ronaldo Rocha, o qual apoiou, tecnicamente, e, dialogando comigo sobre minhas reflexões. Ao amigo Luiz Alfredo Coutinho Souto. Aos meus professores.

Sou devedor a muito mais pessoas as quais contribuíram comigo. Que ninguém se ofenda pela omissão de seu nome. Mas, ore por mim.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO 1 – OS DEUSES E HERÓIS MITOLÓGICOS ... 20

1.1. Revisão de literatura das teorias aplicadas à religiosidade brasileira ... 21

1.2. Fato histórico ou mito? ... 27

1.3. A estruturação do tempo nas narrativas mitológicas ... 34

1.4. O mito africano da criação e o culto dos orixás ... 42

1.5. O conflito primordial e o destino final dos homens ... 51

CAPÍTULO 2 – A RELIGIOSIDADE HÍBRIDA DO BRASIL ... 59

2.1. Religiosidade híbrida ou sincretismo? ... 59

2.2. Religiosidade, identidade étnica e acesso à imprensa ... 91

2.3. Catolicismo e protestantismo populares no Brasil ... 106

2.4. Marxismo e religião ... 158

2.5. O espiritismo no Brasil e a origem da Umbanda ... 170

2.6. Perspectivas quanto ao futuro da religiosidade brasileira ... 209

CAPÍTULO 3 – DJ TUDO E SUA GENTE DE TODO LUGAR ... 218

3.1. Novidade no quintal: DJ Tudo... 219

3.2. Desenvolvimento psicossocial, memória e identidade do DJ Tudo ... 224

3.3. A experiência de “conversão” religiosa de Luís Alfredo Coutinho Souto ... 237

3.4. A difusão da música do DJ Tudo no século XXI ... 240

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 263

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 272

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Anexo I...278 Anexo II... ... 280 Anexo III...281

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INTRODUÇÃO

A sigla DJ é tomada das inicias da designação inglesa Disk Jockey à figura do profissional provedor da música eletrônica das festas dançantes e bailes populares;

remete-nos à diversidade de ritmos. Neste caso, o nome “DJ Tudo” mistura a sigla DJ à palavra tudo que na língua portuguesa significa a totalidade: o todo, o completo, o pleno.

Os DJ’s têm múltiplas habilidades e dominam as tecnologias avançadas de sonorização e produção musical, principalmente, samples e remixes. O que diferencia os DJ’s geralmente é o repertório musical e o engajamento social deste numa causa, utilizando-se do seu trabalho na divulgação de ideais ou crenças.

Os DJ’s podem tocar músicas de uma diversidade de estilos e satisfazer aos convidados ou participantes da festa, como requerer o seu contratante, e não se interessar por hibridismo musical, ativismo e religiosidade, nem pertencer a um grupo político ou religioso.

Nesta pesquisa investigamos a identidade étnica e sua relação com a inovação tecnológica na religião1, no campo religioso brasileiro, em parte da ampla literatura sobre

1 Nesta pesquisa o uso das palavras religião e religiosidade aparece intercambiável, mas o contexto determinará quando se tratar de religião como conjunto ou sistema de crenças, costumes e ritos, geralmente

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a religiosidade do Brasil. Estudamos a inserção da música híbrida na religiosidade brasileira; no caso da banda DJ Tudo E Sua Gente De Todo Lugar o hibridismo musical vem por conta do DJ Tudo, a religiosidade popular vem por conta da sua Gente de Todo Lugar.

O DJ Tudo é o produtor musical brasileiro Luiz Alfredo Coutinho Souto, nascido em janeiro de 1972, graduado em música pela UNB, mineiro de Juiz de Fora, Minas Gerais, criado no Distrito Federal, filho da dona Terezinha Pereira Coutinho; Alfredo é marido da Deborah Pio e pai do Cauê Benedito Coutinho Pio. Atualmente mora em São Paulo, mas já morou em muitos lugares e esteve em mais de 30 países; uma das razões dele usar uma denominação internacionalista: “DJ Tudo e sua gente de todo lugar”.

A “sua gente” é uma designação para a sua banda e para as pessoas que se apresentam com o DJ Tudo no palco; representam os povos “de todo lugar”, do mundo todo – a humanidade –; vem da experiência de ter viajado pelo mundo e conhecido muitas pessoas e diversas culturas. “Nos quintais do mundo melhor” significa que, os “quintais”

são o lar da humanidade, o Planeta Terra. Remete- nos aos terreiros ou quintais2 do mundo inteiro.

O DJ Tudo da banda “DJ Tudo e Sua Gente de Todo Lugar” foi escolhido para ser o objeto deste estudo de caso desde que ouvimos o show “Nos Quintais do Mundo Melhor”. A sua expectativa é de construção de um “mundo melhor” através da música

organizado ou institucionalizado, e, religiosidade como sentimento, qualidade intrínseca do individuo, mas também da coletividade quando se tratar de uma devoção espontânea, livre e desorganizada ou desinstitucionalizada.

2 Quintal, Terreiro, Tenda, etc., denomina o espaço de convivência e ritual religiosos nos cultos afro- brasileiros.

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dos quintais; porque o DJ Tudo tem tudo! Identidade3, memória4, história e trajetória artística e religiosa. Toda essa riqueza de sons, cores, performances e símbolos surgiram como uma oportunidade perfeita para a experiência de aventura antropológica, o Anthropological blues. (DAMATA, 1974, p. 4). No acervo formado durante esta pesquisa consta, entre outros documentos, o CD – compact disc – do show5: “Nos Quintais do Mundo Melhor” ocorrido aos 29 dias de julho de 2011 no auditório do Ibirapuera em São Paulo, cuja música e religiosidade despertaram a nossa curiosidade, quanto ao protagonismo do DJ Tudo.

O DJ Tudo, juntamente com outros DJ’s, foi pesquisado anteriormente por, entre outros, Nilton Faria de Carvalho e Herom Vargas Silva da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, apresentado em DJs, remixes e samples: inovação, memória e

3 “A noção de identidade possui, como mostra Cardoso de Oliveira (1976, p. 4), uma dimensão individual, estudada pela psicologia, e uma dimensão social, que interessa diretamente à antropologia. A identidade individual é alcançada pelo processo de socialização ou de interiorização da realidade (BERGER E LUCKMAN, 1978, p. 73), sendo realizada ao longo da vida de cada pessoa, em torno de suas relações sociais. A dimensão individual e a social estão interconectadas, como dimensões de um mesmo fenômeno (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976, p. 4). Para Berger e Luckman (1978. P. 228), a identidade acha-se em relação dialética com a sociedade, sendo mantida, modificada e remodelada pelas relações sociais.”

(FERRETTI, 2013, p. 107).

4Fenômeno individual e psicológico (cf. soma/psiche), a memória liga-se também a vida social (cf.

sociedade). Esta varia em função da presença ou da ausência da escrita (cf. oral/escrita) e é objeto da atenção do Estado que, para conservar os traços de qualquer acontecimento do passado (cf.

passado/presente), produz diversos tipos de documento/monumento, faz escrever a história (cf. filosofia), acumular objetos (cf. coleção/objeto). A apreensão da memória depende desse modo do ambiente social (cf. espaço social) e político (cf. política): trata-se da aquisição de regras de retórica e também da posse de imagens e textos (cf. imaginação, social, imagem, texto) que falam do passado, em suma, de certo modo de apropriação do tempo (cf. ciclo, gerações, tempo/ temporalidade). As direções atuais de memória estão, pois, profundamente ligadas às novas técnicas de cálculos, de manipulação da informação, do uso de máquinas e instrumentos (cf. máquina, instrumento) cada vez mais complexos. (LE GOFF, 2014, p. 387).

5 Show: apresentação: Pensando em um tema para o projeto de pesquisa do Mestrado em Ciências da Religião ocorreu o reencontro do pesquisador com o DJ Tudo num restaurante em São Paulo, depois de mais de 20 anos separados pelos rumos diferentes que tomaram suas vidas. Recebemos o CD e a conversa provocou muita curiosidade concernente à experiência religiosa e inovação tecnológica na religião de matriz africana. Como no culto do berimbau, do atabaque e do caxixi, num quintal ou terreiro, na convivência e no ritual religioso afro-brasileiro, vai entrar alguém para remixar e relançar a música dos quintais e misturar estas músicas com as músicas dos quintais do mundo inteiro?

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identidades na linguagem híbrida da música nas mídias. Carvalho narra o seu encontro com o DJ Tudo:

No dia 21 de março de 2014, fui ao Sesc Pompeia, em São Paulo (SP), para assistir a uma apresentação do DJ, que ainda não conhecia, exceto por dois vídeos dele que encontrei na web poucos dias antes do show. No palco, confluíam cultura popular e ritmos globalizados, longe das restrições da leitura binária “local versus global”, mas por meio de conexões complexas nas quais não havia ao certo o começo de um e o final de outro – a lógica era a do movimento. Ao final do show, comprei o álbum Pancada motor – manifesto da festa e procurei Alfredo – que inclusive autografou o exemplar que eu acabara de adquirir – para falar sobre a pesquisa. Questionado sobre os samples, o artista declarou que adota esse recurso, mas de maneira diferente. Quando notei que seu arquivo de samples eram gravações de culturas populares, decidi inseri-lo no corpus, por ser um trabalho inovador. A pluralidade musical do DJ Tudo, que combina diferentes possibilidades de criação, pode ser entendida na descrição de um de seus vídeos na plataforma YouTube, em que as funções do artista no palco são indicadas da seguinte forma: “DJ Tudo – bass, computer and voice”.

(CARVALHO, 2016, p. 81).

O DJ Tudo vive sua experiência religiosa e musical na peregrinação aos lugares sagrados e na participação em festas, cultos e procissões. Recebe influência, ajunta, rearranja, remixa, regrava e relança a música das antigas tradições, tendo estas em sua base, principalmente, a música das tradições afro-brasileiras e ameríndias.

A pesquisa literária apresenta um breve estudo teórico das origens dos mitos6 sagrados de diversas religiões e suas ressurgências, abordando as teorias pioneiras no estudo das religiões afro-brasileiras e as novas perspectivas no estudo do sincretismo religioso.

A pesquisa de campo empreendida observa o impacto da inovação tecnológica, verifica o emprego de novas mídias, registra e analisa a produção, a recepção e a contribuição do DJ Tudo no campo da música e da religião. Apresenta-se um breve estudo sobre o sincretismo religioso; lembrando a ressalva de Arthur Ramos, para quem o sincretismo não se restringe exclusivamente ao domínio religioso (FERRETTI, 2013, p.

47); o foco desta pesquisa está no sincretismo religioso e em parte do conjunto da

6 Neste trabalho utilizamos termos ambíguos de forma intercambiável e conceitos muito polêmicos tais como mito, sincretismo religioso, pós-modernidade, etnia, identidade étnica, religião e religiosidade, os quais são apresentam sentido claro no contexto do trabalho.

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religiosidade popular, da diversidade de tradições religiosas, principalmente, na Umbanda7, religião de matriz africana, porque é a religião do DJ Tudo. A Umbanda pode ser considerada como religiosidade híbrida, aberta às diversas influências, a que melhor compreende e sintetiza as diversas experiências do catolicismo, do protestantismo e dos diversos tipos de espiritismos e esoterismos.

A Umbanda8, especificamente, não foi um tema estudado pelas Ciências da Religião. Ainda que, grande quantidade de pesquisas das Ciências Sociais sobre religiões afro-brasileiras, inclusive a Umbanda, já foram publicadas. No entanto, julgamos necessário apresentá-la a fim de pavimentar a nossa pesquisa.

Esta pesquisa social, cultural e histórica é relevante porque contribui para o conhecimento da diversidade no campo religioso brasileiro; ajuda no combate a ignorância do outro, e consequente preconceito e intolerância religiosa que ela pode gerar.

Contribui para o desenvolvimento de uma sociedade melhor, mais harmônica que, promova soluções de conflitos sociais e culturais, aplicação de políticas públicas de apoio à cultura, promoção da igualdade de oportunidades e respeito à diversidade.

A nossa hipótese é que o emprego de tecnologias modernas e novas mídias contribuem para a preservação da tradição musical afro-brasileira.

A questão de partida desta pesquisa é a seguinte: O que acontece quando um novo agente ou nova influência, interna ou externa, no ambiente religioso influencia sua tradição musical?

7 Segundo o senso do IBGE – 2000 o número total de adeptos do umbandismo no Brasil é de 419.562.

Segundo pesquisa realizada em 1994 pelo instituto DataFolha, cerca de 900 mil brasileiros declaram-se seguidores da umbanda. Já a Federação Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Fenatrab) estima em 70 milhões o número de pessoas que têm ligação com as religiões afro-brasileiras, que incluem a umbanda e o candomblé. Os dados do IBGE são científicos, já os dados da Fenatrab são apologéticos; com o proposito de promover a valorização da identidade étnica exagera os aspectos positivos e negativos da condição do negro em função da sua negritude.

8 A nossa definição de Umbanda, acompanhada da ressalva à importância de não se restringir ou reduzir o sentido da palavra a qual ainda vai ser mais bem trabalhada, trata-se de uma religião brasileira, sincrética, a qual melhor compreende e expressa a diversidade étnica e cultural do Brasil. A partir da denominação artística: o DJ Tudo e sua religião reflete o interesse de contribuir para a atualização do conhecimento cultural do campo religioso e compreensão da diversidade religiosa brasileira e mundial.

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Nosso objetivo geral é analisar o emprego e a contribuição de novas mídias e tecnologias musicais na preservação do patrimônio cultural das tradições religiosas, e, verificar o impacto dos avanços tecnológicos na cultura e no cotidiano das pessoas nos espaços sagrados e profanos.

Essa pesquisa atende aos seguintes objetivos específicos: investigar, verificar, avaliar e refletir, sobretudo, o seguinte:

1. A sofisticação ou emprego de modernas tecnologias e mídias alcançando o contexto da religiosidade popular, pressupondo sua contribuição para visibilidade e preservação da tradição musical.

2. A experiência de construção dialética do mundo de uma perspectiva identitária, pressupondo alguma evidência de dupla construção identitária: do artista e a da religião.

A recepção e o impacto9 da participação de novos protagonistas no cotidiano de uma comunidade especificam o resultado do emprego de novas tecnologias na religião;

constitui um desafio à metodologia científica. Interessa-nos a atuação do DJ, o que compreende o “Tudo” e a flexibilidade das tradições religiosas as quais pertence e seus possíveis desdobramentos.

O quadro referencial desta pesquisa reflete o caráter multidisciplinar e plurimetodológico das ciências da religião; propicia um trabalho embasado nos pilares teóricos e metodológicos da Sociologia Compreensiva weberiana10, da Sociologia em

9 Esta pesquisa deveria ser precedida de survey melhor aplicado para uma análise mais profunda neste ponto, mas ocorreram imprevistos, interrupções e limitações pessoais no decorrer da pesquisa. O objeto de estudo de casa apresenta grande diversidade de símbolos e linguagens utilizados no espetáculo de ritmos, movimentos, símbolos e cores; o que demandará trabalhos futuros.

10 O jurista e economista alemão Karl Emil Maximilian Weber é considerado um dos fundadores da Sociologia. Para entender a complexidade da sociedade recomendamos como imprescindível a leitura da sua obra Economia e sociedade.

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Profundidade de Gurvitch11 e do conceito de reinterpretação proposto por Herskovits12; tendo como contribuição os exemplos da aplicação destas teorias conjuntamente na abordagem culturalista, mais avançada, conforme apresentada na obra de Roger Bastide13.

Servimo-nos da Observação Participante; segundo Bastide, ideal para os estudos de caso. Também seguimos o quadro referencial teórico proposto por Bastide, pois, segundo ele, compreende melhor o fenômeno religioso, evita o psicologismo e o sociologismo, ou seja, a psicologização do enquadramento nos “arquétipos”, e a coisificação do objeto de estudo de caso, nos “tipos ideais”, os quais não lidam muito bem com um caso em particular ou fenômeno novo ou distinto.

Completa este quadro de referencias, além do que já mencionamos: a teoria identitária; principalmente, conforme aplicada nas obras de João Baptista Borges Pereira14. Apenas uma teoria não é suficiente para compreender o objeto ou fenômeno estudado. Mas, sem desejar ampliar muito o quadro, tentamos encontrar explicação em outros teóricos. Trabalhamos com varias teorias tentamos produzir uma abordagem apropriada às mais recentes manifestações, reconfigurações e ressurgências religiosas, mitos, artes e pensamento religioso. Como é apropriada à Ciência da Religião.

Finalmente, investigamos a tradição escrita e oral, as fontes primárias e secundarias priorizando o objeto deste estudo de caso; conforme delimitado; estudar os

11 Georges Gurvitch; sociólogo e jurista russo que nasceu em 11 de novembro de 1894 em Novorossiysk e morreu em 12 de dezembro 1965 em Paris; atuou na França e suas obras foram traduzidas para vários idiomas.

12 Melville Jean Herskovits foi o antropólogo americano que estabeleceu os Estudos africanos e os Estudos afro-americanos na academia americana. Contribuiu de forma relevante com observações diretas entre 1941 e 1942 em Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Orientou trabalhos de pesquisadores brasileiros, publicou numerosos artigos e participou de diversos congressos afro-brasileiros.

13 O livro As Religiões Africanas no Brasil do antropólogo Roger Bastide é uma referencia que não pode ser ignorada em qualquer abordagem às religiões e mitos africanos e ao sincretismo religioso. Ele trouxe à pesquisa o resultado de 17 anos de estudos da situação do negro e das religiões afro-brasileiras.

14 João Baptista Borges Pereira é um antropólogo brasileiro, entre os mais produtivos etnólogos interessados na cultura popular brasileira, com trabalhos realizados sobre o negro e os imigrantes. É professor emérito da Universidade de São Paulo – USP e autor de diversas obras com destaque, entre outras: Cor, profissão e mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo e Italianos no mundo rural paulista.

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documentos e fatos recentes da religião; processar os dados obtidos pelos estudos bibliográficos e documentais de pesquisas anteriores e coletados pelas entrevistas e observações participantes, e, buscar a confirmação ou refutação da nossa hipótese.

Os aspectos socioculturais do objeto deste estudo de caso desafiam a aplicação das técnicas de pesquisa na investigação da realidade social, especialmente do protagonismo ou comportamento religioso do individuo e suas consequências ou desdobramentos na sociedade.

Coletamos o que foi possível de dados por meio do survey (anexos I, II e III) e procedemos à análise e comentários. Levantamos dados por meio de uma das entrevistas, uma delas gravada e disponibilizada na íntegra15, fizemos relatório de observação, produzimos um acervo de sons e imagens, e, aqui trouxemos os resultados: somente o que entendemos que, deva ser considerado no momento.

Os ouvidos e os olhos do pesquisador captaram sons e imagens as quais escaparam às lentes das câmeras16 utilizadas. Pela memorização e anotação produzimos um relatório descritivo dos fatos e das impressões do pesquisador. A pesquisa foi realizada em três fases:

Na primeira fase, apresentada nos capítulos um e dois, retorna brevemente aos estudos teóricos, etnográficos, etiológicos, históricos e filosóficos do sincretismo religioso e da flexibilidade das religiões e a origem do culto e da mitologia dos deuses e heróis africanos e sua ressurgência na pós-modernidade.

Na segunda fase, apresentada no terceiro capítulo da pesquisa, apresentamos os resultados coletados na visita ao campo para observar o culto, a festa, o comportamento do protagonista, o DJ e outros. Ouvimos e observamos o que se passa no campo religioso;

quanto ao impacto das novas tecnologias no seu cotidiano, na arte e no culto.

15 http://anatotelopes.com.br/

16 Captamos imagens e áudios, ainda que a experiência religiosa esteja descrita por meio das palavras. Parte das entrevistas, anotações e outras experiências constam no corpo do texto, mas relatadas de forma ainda resumida. Por isso, o autor mantem uma página na internet como um canal, onde os vídeos e as imagens poderão ser acessados: www.anatotelopes.com.br.

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Em seguida passamos à identificação, definição e interpretação do objeto do estudo de caso. Apresentamos o referencial teórico e os resultados ou dados coletados da pesquisa qualitativa, e, concluímos com as nossas considerações finais. Na qual fazemos uma reflexão considerando as recentes publicações e fatos registrados; analisamos os dados obtidos pela pesquisa de campo, a fim de que, o nosso próprio caso fique elucidado e apresentado ao leitor de forma clara, perceptível e decifrável.

As Ciências da Religião não podem se omitir de observar o que está acontecendo de novo no campo religioso brasileiro, nem os pesquisadores desta ciência ou ciências, limitar-se aos estudos da própria religião. Deve acrescentar sua contribuição às pesquisas antropossociológicas anteriores as quais serviram ao alcance dos objetivos desta pesquisa.

Esta pesquisa não tem a pretensão de ser um trabalho completo sobre a religiosidade popular ou sincretismo religioso ou religiões afro-brasileiras, mas pretende servir o mínimo que seja com algum conhecimento para quem tiver interesse no tema. No entanto, pretende trazer informações do campo religioso brasileiro para pavimentar investigações posteriores, mais profundas.

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CAPÍTULO 1 – OS DEUSES E HERÓIS MITOLÓGICOS

Neste capítulo, apresentaremos, primeiramente, a revisão de literatura e os mitos das origens que servem ao tema e não apenas ao conteúdo do primeiro capítulo. Constam, principalmente, das obras sobre a diversidade do campo religioso, sincretismos e sínteses de tradições religiosas africanas e cristãs (catolicismo popular e protestantismo rural).

Deixamos para tratar no segundo capítulo, a complexa religiosidade do Brasil onde convivem diversos tipos de sincretismo e hibridismo. No campo teórico, apresentamos uma breve análise mitológica, demonstrando algum tipo de elo entre as religiões analisadas; o qual pode favorecer a hipótese de aproximação entre essas religiões, juntamente com a hipótese de uma origem comum destas diferentes culturas ou muito remota interpenetração destas civilizações. Argumentamos que as narrativas religiosas dos mitos da criação (gênese) e do fim do mundo (escatologia) apresentadas das tradições judaico-cristãs e afro-brasileiras são filosoficamente superiores ou equivalentes às teorias supostamente cientificas da origem do mundo e da humanidade (Big Bang e evolucionismo) e finais dos tempos (utopia do progresso).

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1.1. Revisão de literatura das teorias aplicadas à religiosidade brasileira Nesta revisão de literatura consta somente uma parte da ampla bibliografia dos estudos antropológicos que abrangem a religiosidade popular, em especial, as religiões afro-brasileiras e o sincretismo no campo religioso brasileiro. Enfatizamos que, não temos a presunção de apresentar a vasta produção literária existente no campo dos estudos científicos da religiosidade brasileira; nem mesmo a intensão de desprezar os valorosos esforços dos estudiosos empenhados no estudo das diversas tradições religiosas existentes no Brasil. Alguns omitidos nesta revisão de literatura.

Nosso propósito é apresentar uma seleção, muito particular, de autores e obras dos estudiosos da diversidade religiosa brasileira, pertencentes às teorias: Biologista, Culturalista, Identitária, entre outras.

A Teoria Biologista observa os aspectos da raça categorizando os seres humanos a partir de elementos biológicos.

A Teoria Culturalista entende o homem pelo estudo das culturas: material e imaterial; e, pelo estudo das estruturas sociais; abrindo espaço para a teoria Estruturalista.

A Teoria Identitária apresenta a cultura como elemento que define a identidade do ser humano. São diversas as teorias identitárias; interessa-nos a qual se ocupa da identidade étnica.

Algumas obras citadas nesta revisão de literatura constam de outras, por exemplo, do antropólogo Sérgio Ferretti que, pesquisou o sincretismo afro-brasileiro como se apresenta na Casa de Minas em São Luiz do Maranhão e a publicou o livro Repensando o Sincretismo, o qual juntamente com as obras indicadas pelos professores do programa de pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, orientou nossa seleção bibliográfica.

Teoria biologista – O médico Raimundo Nina Rodrigues foi o pioneiro dos estudos do sincretismo e fundador do campo de conhecimentos científicos afro- brasileiros. A influência de Nina Rodrigues perdurou. Observava o fenômeno do sincretismo religioso pela antropologia de uma perspectiva biologista e considerava o

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estudo das religiões africanas no Brasil tema de psiquiatria, por isso foi muitas vezes acusado de racismo. No entanto, contribuiu para o estudo das religiões afro-brasileiras.

Segundo Bastide: “a grande descoberta de Nina Rodrigues foi o sincretismo religioso entre os deuses africanos e os santos católicos” (BASTIDE, 1971, p. 35). E, segundo Ferretti, ele foi o primeiro a apontar o sincretismo modificando o cristianismo e a religião africana. (FERRETTI, 2013, pp. 43-45).

Nina Rodrigues pensava de acordo com a perspectiva evolucionista dominante na época, “da incapacidade física das raças inferiores para as elevadas abstrações do monoteísmo”. (Rodrigues, 1935, p.13. Apud., Ferretti, 2013, p. 44). “Documenta e exemplifica estas asserções, citando uma cerimônia dos Metodistas Uivadores nos EUA e a cabula, descrita no Estado do Espírito Santo pelo bispo católico D. João Correia Nery.” (Idem). Que “os negros e mestiços justapunham os santos com os deuses africanos” (FERRETTI, 2013, p. 45). Afirmava que os negros não se convertiam, porque não eram evoluídos para compreender o complexo sistema de crenças do homem branco.

De fato, Nina Rodrigues distinguiu duas formas de adaptação fetichista do culto católico:

uma a interna ou subjetiva (confiada a um sacerdote) 17, e, a outra, seria externa ou cultural (quando os negros assumem livremente a direção do culto). Bastide também observa que os candomblés faziam a afirmação de que eram “todos bons católicos”, tornando a religião cristã “uma idolatria de orixás” (BASTIDE, 1971, p. 360). Quanto às distinções feitas por Nina Rodrigues, Ferretti escreve:

Lamentamos que, tendo deixado sua obra inacabada, Nina Rodrigues não tenha detalhado melhor a distinção que fez entre a adaptação interna e subjetiva que lhe parece ocorrer no candomblé da Bahia e a adaptação externa e cultural, identificada por ele no que posteriormente será chamado de macumba e mais tarde de umbanda. O sincretismo ou a

“adaptação fetichista ao catolicismo”, no dizer de Nina Rodrigues, no candomblé e na umbanda, parece hoje mais claramente distinto do que em final do século passado, ao tempo de suas pesquisas. (FERRETTI, 2013, p. 44).

Ainda que Nina Rodrigues aceitasse sem discutir a perspectiva evolucionista e evitasse usar a palavra “sincretismo”, como muitos até hoje; a expressão foi utilizada em sua época por Marcel Mauss em resenha no L’Année Sociologique, elogiando a “elegante monografia do médico baiano” (FERRETTI, 2013, pp. 43-44). A despeito das acusações

17 Wassa: a palavra que designa um sacerdote de nível secundário entre os nagôs. (BASTIDE, 1971,p. 567).

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de racismo Nina Rodrigues “defendeu as garantias de liberdade constitucional para o culto jeje-nagô.”. (Bastide, 1977, p. 246. Apud., Ferretti, 2013, p. 45). Apesar de sua caracterização das religiões africanas ser contradita por seus sucessores, Nina Rodrigues registrou, apoiou a resistência da religião africana e criticou as perseguições e a repressão policial aos cultos africanos.

Teoria Culturalista – Arthur Ramos foi o sucessor de Nina Rodrigues. Assim como seu antecessor, também era médico, antropólogo e etnólogo. Ferretti registra que sua carreira foi marcante, sua ascensão acadêmica rápida e sua vida curta. Na década de 40, Ramos fez associações pouco comuns à época, como: “a europeização do mundo com o imperialismo, a colonização, a destruição cultural, o preconceito racial, as lutas contra a dominação europeias e os processos de contra-aculturação.” (2013, p. 48).

Borges Pereira comenta sobre a falta de pesquisas sobre negros no Brasil em 1942 e que, “Arthur Ramos, nas proximidades de 1930, procurou reavivar o tema que, há 25 anos, logo após os trabalhos pioneiros de Nina Rodrigues, jazia, semi-esquecido, sob o peso da “conspiração do silencio”.” (BORGES PEREIRA, 2001, p. 23). Ramos foi de fato o primeiro estudioso brasileiro a analisar o sincretismo sob o ponto de vista da teoria culturalista, e, diferentemente de Nina Rodrigues, preferiu usar o termo sincretismo à

“ilusão da catequese”.

Ramos foi influenciado por Linton, Redfield e Herskovits e adotou a definição de aculturação na sua análise do sincretismo religioso apresentada em 1936. Embora tivesse organizado e publicado as obras de Nina Rodrigues, Ramos avançou do evolucionismo que o antecedeu à posição culturalista que caracterizou a sua época. Logo, Ramos representa uma visão à frente de Nina Rodrigues. Ferretti critica a teoria culturalista porque prevê um processo de aculturação tão harmonioso e sem conflitos, como nem sempre ocorre; mas, de um ponto de vista técnico sua critica parece mais aguda. Ferretti afirma que, em diversos trabalhos Ramos apresenta “quadros e esquemas de sincretismo que são comuns em outros autores da época vinculados ao culturalismo.

Referindo-se a avalanche de sincretismos, apresenta esquemas como: jeje-nagô-muçulmi- banto-católico-espírita-caboclo” (FERRETTI, 2013, p. 48). Ferretti tem a impressão de que Ramos adotou a visão esquemática conceitual e não conseguiu chegar a uma teorização mais abrangente e objetiva sobre a realidade que estudava. Ramos não

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distingue sincretismo de aculturação e não o entende como forma de resistência cultural, como posteriormente Ferretti e outros autores da teoria identitária entenderiam.

A teoria culturalista evoluiu muito com Melville Herskovits, quem realizou numerosas pesquisas sobre o negro na África e nas Américas desenvolvendo suas análises em torno da cultura como elemento focal. Foi Herskovits a principal influencia de Ramos e Bastide; Ambos valorizam o conceito de “reinterpretação” definido como “o processo pelo qual antigos significados se adscrevem a novos elementos ou através dos quais valores novos mudam a significação cultural de velhas formas” (Herskovits, 1969, pp.

357-3760 Apud., Ferretti, 2013, p. 51). Logo, para Herskovits, o sincretismo é uma reinterpretação de elementos de uma cultura, componentes do diálogo entre o novo e o velho.

Roger Bastide, antropólogo francês da Sorbonne e da Universidade de São Paulo, utiliza os conceitos de reinterpretação e a teoria culturalista de Herskovits com o estruturalismo de Claude Lévi-Strauss. Autor de, entre outras, As Religiões africanas no Brasil, fruto de 17 anos da vida do autor dedicados à pesquisa do negro e das religiões de matriz africana; publicada pela primeira vez em 1960 pela Presses Universitaires de France e publicada no Brasil com a cooperação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Está entre os clássicos mais importantes para pavimentar o caminho para novas pesquisas e ajudar na compreensão do campo religioso brasileiro, da situação colonial até a primeira metade do século XX.

Ferretti afirma que Bastide procurou entender o sincretismo dos orixás com os santos, por uma interpretação sociológica, mantendo de Nina Rodrigues que, “o catolicismo é um meio de disfarce” – como a “ilusão da catequese”. (2013, p. 57). Ferretti menciona diversos autores que publicaram no Brasil livros sobre o sincretismo religioso:

Gonçalves Fernandes, que descreve aspectos do Xangô, do Catimbó e de vários outros cultos no Nordeste, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Fernandes já observava o aspecto da “religiosidade popular, em que se misturam elementos negros com outros de procedências variadas, com a presença de imigrantes japoneses, libaneses e italianos”

(2013, p. 49), além do aparecimento da macumba no futebol e como atrativo para turistas.

Waldemar Valente destaca a exploração dos aspectos da religião considerados “exóticos”

e “surreais” nos candomblés de caboclo no qual se entrosam elementos de procedência Nagô, Jeje, Banto, Mina, Malê, Tupi, Católica e Kardecista. Para Valente o sincretismo

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se distingue da aculturação, de assimilação e amalgamação, como uma Intermistura de elementos culturais, uma Interfusão, uma simbiose entre os componentes das culturas em contato, “com possíveis vestígios esotéricos, teosóficos e maçônicos. E também com praticas de quiromancia e cartomancia” (2013, p. 50). Ferretti cuidadosamente procura fundamentar “que o sincretismo com a religião católica foi maior na liturgia do que na mitologia.” (2013, pp. 53-54); entre outros. Encontramos na literatura o sincretismo, do seu surgimento à sua rejeição, e, a proposição de novos conceitos e a aplicações de novas teorias, passando do biologismo representado por Nina Rodrigues ao culturalismo por Arthur Ramos, entenda-se como expoentes assinalados. Bastide foi inovador no campo e equilibrou os conceitos de aculturação e reinterpretação de Herskovits com o estruturalismo de Lévi-Strauss, abrindo o caminho para a nova teoria da identidade étnica e para a revisão do conceito de sincretismo religioso.

Teoria identitária – Essas obras fortalecem a tese de que as tradições religiosas antigas continuam se renovando. Assim, como já citamos, a obra Repensando o Sincretismo de Sérgio Figueiredo Ferreti nos traz, sob esta perspectiva, um novo olhar para interpretação das religiões; trabalho que nos chega em 2013, publicado em São Paulo pela Editora EDUSP. Os estudiosos desta teoria em geral fazem distinção entre raça e etnia; dentre os quais mencionamos Ferretti (2013, p. 108), que escreve:

A distinção entre grupos étnicos e raciais é também problemática, uma vez que raça é um conceito cientificamente impreciso e ambíguo. Para alguns autores, grupos raciais são os que se julgam terem base genética, e os grupos étnicos, os que se supõe terem base cultural ou comportamental. As classificações de populações como raça ou grupos étnicos, entretanto, são em grande parte questão subjetiva e complexa, sujeita a contradições e conflitos.

Constatamos que o próprio conceito de etnia, como vimos, é também bastante impreciso e, embora tenha sido mais discutido ultimamente, encontra-se ainda insuficientemente analisado pelas ciências sociais, sendo mesmo contestado por muitos.

Roberto Cardoso de Oliveira considera a teoria culturalista insuficiente e inadequada por não levar em conta o caráter do sistema da cultura de uma sociedade e sua estrutura; fundamentado na refutação à teoria funcionalista de Balandier a ela vinculada: propõe que a noção de aculturação seja substituída pela de fricção interétnica.

Vai mostrar que o choque de civilizações em contato na situação colonial impôs a

“dominação estrangeira ‘racialmente’ e culturalmente diferente” à “minoria autóctone materialmente e interiormente.” (Balandier, 1971, pp.34-35. Apud., Ferreti, 2013, p. 54).

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Considera, na perspectiva de “fenômeno social total”, a situação colonial como um sistema totalizante e o sincretismo vai ser demonizado como instrumento de opressão.

Renato Ortiz explica que a teoria culturalista valoriza a cultura em detrimento da sociedade. Ortiz propõe discutir a integração da Umbanda na sociedade urbano- industrial e de classes do Brasil e a análise da entidade Exu no candomblé e na umbanda,

“não exatamente como fenômeno de sincretismo religioso, utilizando o conceito de reinterpretação de Herskovits” (Ortiz, 1978, p. 12. Apud., Ferreti, 2013, p. 55). Ferretti cita que, entre os estudiosos do negro no Brasil, Clóvis Moura observa que “muitas análises do sincretismo incluem julgamentos de valor, pois consideram inferior a religião dos dominados” (2013, p. 55) e critica os conceitos de sincretismo, assimilação, acomodação e aculturação a ela vinculados. A oposição à teoria culturalista combate nela o erro de considerar a cultura como um sistema autônomo.

Destacamos dentre as obras recentes sobre o negro e sua mobilidade social: Cor, profissão e mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo do antropólogo brasileiro: João Baptista Borges Pereira. Organizador, dentre outras da coletânea de artigos dele e de diversos autores: Religiosidade no Brasil; a qual inclui os indígenas e imigrantes, europeus e orientais, analisa o campo religioso brasileiro a partir da identidade ética.

Entre as obras mais recentes influenciadas por estudos anteriores que recebem as contribuições das novas teorias, foi lançada em 2017 pela Companhia das Letras em São Paulo: O Rei, o Pai e a Morte, uma pesquisa da religião daomeana de Luís de Nicolau Parés que esmiúça a origem e a flexibilidade da religião africana oriunda da região do Golfo do Benin, na África ocidental (PARÉS, L. N., 2017, 488 p).

Destacamos o olhar para o Protestantismo Rural: magia e religião convivendo pela fé da antropóloga Lídice Meyer Pinto Ribeiro. Para contribuir com diferentes abordagens do catolicismo popular e do protestantismo. E, para entender melhor o contexto atual recorremos às obras de David Harvey, a qual nos foi útil à abordagem das mudanças culturais recentes: Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural; e, de Jacques Le Goff trazendo os novos conceitos de História e Memória.

Não tratamos equitativamente das obras aqui mencionadas; não fizemos jus aos mais preciosos tesouros deste campo de estudo confirmado como tão amplo, conforme

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revisão de literatura, mas consideramos estas obras entre outras, muito importantes, por servirem ao quadro referencial teórico desta pesquisa. O texto está permeado de citações de obras omitidas nesta revisão de literatura, as quais constarão na bibliografia.

1.2. Fato histórico ou mito?

A ciência histórica nos apresenta o mito e se interessa pelas eras míticas. O questionamento se determinada personagem, divindade, herói ou ancestral civilizador, ou, evento criativo, fundacional18, epopeia19 ou saga de determinada civilização são um fato histórico ou um mito exige uma crítica da noção de “fato histórico” e de “mito”. Esta reflexão foi apresentada por Mircea Eliade no livro: Mito e Realidade:

Há mais de meio século, os eruditos ocidentais passaram a estudar o mito por uma perspectiva que contrasta sensivelmente com a do século XIX, por exemplo. Ao invés de tratar, como seus predecessores, o mito na acepção usual do termo, i. e., como "fábula", "invenção",

"ficção", eles o aceitaram tal qual era compreendido pelas sociedades arcaicas, onde o mito designa, ao contrário, uma "história verdadeira" e, ademais, extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar e significativo. Mas esse novo valor semântico conferido ao vocábulo "mito" torna o seu emprego na linguagem um tanto equívoco. De fato, a palavra é hoje empregada tanto no sentido de "ficção" ou "ilusão", como no sentido — familiar sobretudo aos etnólogos, sociólogos e historiadores de religiões — de "tradição sagrada, revelação primordial, modelo exemplar". (ELIADE, Mircea, 1972, p. 6).

Anteriormente, o historiador Jacques Le Goff afirma em seu livro Historia &

Memória que, na realidade, quando a ciência histórica investiga o passado e o futuro deixa de ser científica (2014, p. 10):

A história é incapaz de prever e predizer o futuro. Então, com ela se coloca com relação a uma nova “ciência”, a futurologia? Na realidade deixa de ser cientifica quando se trata do inicio e do fim da história do mundo e da humanidade. Quanto à origem, ela tende ao mito:

a Idade de Ouro, as épocas míticas, ou sob aparência científica, a recente teoria do big bang.

Quanto ao final, ela sede lugar à religião e, em particular, às religiões de salvação que construíram um “saber dos fins últimos” – a escatologia –, ou às utopias do progresso, sendo

18 Refiro-me a uma sucessão de eventos extraordinários, ações gloriosas, capazes de provocar admiração, surpresa, maravilha, com o conteúdo e a grandiosidade da epopeia.

19 Epopeia: “Poema longo sobre assunto grandioso e heroico.” (FERREIRA, 2001, p. 275). “Poema longo sobre assunto heroico; (fig.) série de ações heroicas.” (BUENO, 1995, p. 427). Narra ações e feitos memoráveis de um herói histórico ou lendário que representa uma coletividade.

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a principal o marxismo, que justapõe uma ideologia do sentido e do fim da história (o comunismo, uma sociedade sem classes, o internacionalismo). Todavia, no nível da práxis dos historiadores, vem-se desenvolvendo uma crítica do conceito de origens, e a noção de gênese tende a substituir a ideia de origem.

O que ocorre com a ciência quando nos apresenta a teoria do big bang “sob aparência científica” (LE GOFF, 2014, p. 10) e a utopia marxista com sua “ideologia do sentido e do fim da história”. A história deixa de ser ciência histórica e se torna ciência filosófica: “quando se trata do início e do fim da história do mundo e da humanidade”

(2014, p. 10). Isto é, algumas teorias científicas são equivalentes aos mitos da origem: da gênese, e dos fins dos tempos: da escatologia.

Não existe qualquer incompatibilidade ou impedimento à reflexão filosófica e à investigação cientifica sobre os mitos dos povos. Ainda mais, não disputamos quem é superior, a ciência, como a história, ou, a filosofia, como a teologia. Antes do iluminismo, a teologia era considerada superior, com autoridade, tanto científica quanto filosófica.

As ciências históricas reivindicam os aspectos religiosos de verdade peculiares às ciências teológicas? Quando? Afirmamos que, quando a teologia passa da história da concepção do mito à sua investigação e elucidação pela reflexão histórica adquire a forma de ciência teológica, enquanto as teorias científicas e as utopias do progresso passam à reflexão filosófica, quando superestimam sua confiabilidade histórica e assumem o aspecto religioso de verdade.

Le Goff nos apresenta a nova história que critica o lugar da narrativa na história tradicional como história-relato ou testemunho; como a história começou e valoriza a reflexão filosófica na discussão do “problema da periodização histórica e da concepção do tempo na história do mito” (2014, p. 14). Desde a antiguidade se reuniu documentos escritos e registros de testemunhos oculares e auriculares, da tradição oral. Essa nova história valoriza o que se viu e sentiu, e considera como documento histórico o que não é material, documental, arqueológico, etc., mas, igualmente, pertencente à história, na verdade são inseparáveis. “Documentos”, hoje, abrangem testemunhos, sentimentos, palavras e gestos. Logo, quanto às teorias científicas e às ideologias, consideremo-las sem caráter absoluto, ou, no mínimo, nivelá-las às concepções religiosas no que tange às origens ou gêneses, e aos finais ou à escatologia.

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As narrativas das origens são apresentadas de diversas formas pelas diferentes tradições cientificas: evolucionistas e criacionistas; e, tradições religiosas, narradas à maneira primitiva. O que torna as histórias cativantes para seus primeiros ouvintes ou leitores pode parecer ingênuo ao leitor contemporâneo. Por exemplo, aos leitores adeptos das teorias supostamente cientificas dotados de uma pré-compreensão, a qual os impede compreender o simbolismo das representações coletivas. Pré-compreensão para não dizer preconceito; uma vez que as hipóteses da origem do mundo e as utopias do progresso têm o caráter filosófico das gênesis e das escatologias religiosas.

O que diferencia as teorias históricas e filosóficas são os valores que as acompanham. O sociólogo Roger Bastide autor do livro, entre outros, As religiões africanas no Brasil, rompeu com o cientificismo do materialismo histórico na abordagem da história do mito. Mas, hesitou quanto à investigação da natureza exata dos valores religiosos. Escreve: “Em primeiro lugar, não temos de nos perguntar sobre a natureza exata desses valores” (BASTIDE, 1971, p. 536). O estudioso evita fazer juízo dos valores morais dos grupos étnicos e das civilizações, e, justifica: “porque nos faz sair do campo cientifico para entrar no campo filosófico.” (Idem).

Bastide seguiu o mesmo caminho de Le Goff quanto às teorias evolucionistas da origem do cosmos e do mundo, atribuindo-lhes a mesma confiabilidade histórica das narrativas das tradições religiosas. Bastide afirma não fazer o juízo dos valores de uma tradição, o que pode parecer uma critica implícita ao método comparativo, no entanto, é possível utilizar o método comparativo evitando-se algum tipo de juízo preconceituoso.

Bastide não descartou, segundo ele mesmo confessa: “pelo menos em certos pontos”, o método comparativo; antes, recomendou-o complementado pela dialética histórica. Com uma expectativa otimista para os estudos futuros “à medida que nos aproximarmos do período contemporâneo com a massa da documentação aumentando, permitindo assim seguir mais de perto as temporalidades dos diversos níveis do real.”

(1971, p. 30). Bastide investiga a história dos mitos nas diversas tradições religiosas, com suas narrativas primitivas. Mas, quanto aos valores morais o estudioso se mantem descritivo, evitando o método comparativo. Ou melhor, Bastide aplica cautelosamente o método comparativo.

O mito não surgiu, mas ressurgiu e assumiu o seu lugar. Eliade afirma que,

“nossa análise permitiu-nos arrancar o mito da criação de seu esplêndido isolamento. Ele

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deixa de ser um hapax genomenon para ocupar o seu lugar numa classe numerosa de fatos análogos, os mitos de origem.” (ELIADE, 1972, p. 29). Vimos que, certa valorização do mito acompanha algumas áreas das ciências. Especialmente, tratando-se das novas abordagens. Por exemplo, a sociologia compreensiva, a sociologia em profundidade, a ciência histórica e filosófica, e mais recentemente as teorias identitárias.

A valorização do mito assume graus diferenciados no cristianismo tradicional e no protestantismo liberal. Bruce K. Waltke comenta com Canth J. Fredericks o Genesis, no campo das ciências teológicas; reconhece que, em nenhuma outra tradição filosófica a confiabilidade histórica do mito é tão valorizada como no cristianismo, por razões teológicas. Especialmente do mito da criação:

A evidência do narrador não satisfará as demandas da historiografia moderna, porém mostra que ele tencionava escrever história real, não mito, nem saga, nem lenda. Embora os críticos históricos omitam sua interpretação teológica da história historicamente confiável, suas pressuposições antissobrenaturais não desaprovam empiricamente o relato profético do narrador da mão ou intervenções divinas na história. (WALTKE, 2010, p. 30).

Segundo o sociólogo Peter Ludwig Berger, no livro O dossel Sagrado:

Elementos para uma teoria sociológica da religião: “na medida em que a secularização é uma tendência global, os conteúdos religiosos tendem de um modo geral a se modificar numa direção secularizante.” (BERGER, 2004, p. 157). Berger menciona a existência de uma tendência para “demitologizar” no cristianismo, mais forte no protestantismo do que no catolicismo; pode significar apenas não enfatizar elementos sobrenaturais. Quanto ao liberalismo teológico que, nega estes elementos sobrenaturais. Berger ainda acreditava que tendia a crescer, sob o rótulo de valores aceitáveis pela consciência secularizada (2004, pp. 191-192). Mas, reconhece no seu último trabalho20 que, ocorreu exatamente o inverso do que previu:

Na cena religiosa internacional, são os movimentos conservadores, ortodoxos ou tradicionalistas que estão crescendo em quase toda parte. Esses movimentos são justamente aqueles que rejeitaram o aggiornamento à modernidade tal como é definida pelos intelectuais progressistas. Inversamente, as instituições e os movimentos religiosos que muito se esforçaram para ajustar-se ao que vêem como modernidade estão em declínio em quase toda

20 Publicado originalmente em Berger (org.), The Desecularization of the World: Resurgent Religion and World Politics, ©1999 The Ethics and Public Policy Center/ Wm. B. Eerdmans Publishing Company, Grand Rapids, MI, USA. Transcrição autorizada; todos os direitos reservados.

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parte. Nos Estados Unidos isso foi muito comentado, e exemplificado pelo declínio das denominações protestantes tradicionais e o crescimento concomitante do evangelismo. E os Estados Unidos não são absolutamente uma exceção. (BERGER, 1999, p. 13)

Observamos que o uso do termo “mito” para algumas tradições é considerado uma afronta à verdade religiosa. Nas tradições estudadas verificamos que, as diferentes concepções quanto à autoridade do mito faz com que cada comunidade separadamente assuma a sua própria compreensão dogmática e promova alterações organizacionais e estruturais nos rituais e instituições para conformar a religião e os novos valores morais.

O teólogo Waltke demonstra que os mitos tem relação com os dogmas e valores da religião; seja no cristianismo como nas religiões afro-brasileiras. No caso do cristianismo o relato da criação no livro de Gênesis reivindica a alteridade profética fundamental para a lei moral ou decálogo, enquanto, no caso das religiões africanas, vinculadas à tradição oral, os contos da literatura recente21 destas religiosidades não têm a alteridade profética da voz dos deuses falando nos rituais. No entanto, Berger acredita que, tanto o catolicismo tradicional, quanto o protestantismo “progressista” podem efetivamente ser apregoados como fortalecedores da “fibra moral da nação ou como fornecedores de vários benefícios psicológicos” (BERGER, 2004, p. 158); podem efetivamente ser apregoados como fortalecedores de fibra moral da nação ou como fornecedores de vários benefícios psicológicos.

Bastide expressa que a autoridade do mito na tradição oral, independente inclusive da tradição sacerdotal: “Mediante a tradição oral, o cururu conservou a história sagrada (mais que os milagres dos santos, devem-se contar) e os dogmas; fez do cantor um pregador leigo.” (1971, pp. 490-491). Segundo Bastide o “Cururu” é uma “Dança jesuítica, onde a coreografia era quase inexistente. O elemento cantado aí domina e se caracteriza pela luta entre vários cantores sobre temas improvisados, religiosos e profanos, e sobre as rimas dadas com antecedência.” (1971, p. 559). Segundo Ferretti, as vozes no cotidiano das comunidades africanistas valorizam “pessoas, culturas e

21 Literatura recente, por exemplo, publicações em parceria entre a Arché Editora e a FTU – Faculdade de Teologia Umbandista – fundada em 2011: “A FTU representou um avanço para as Religiões Afro- brasileiras, uma vez que vem permitindo, desde 2003, a realização de projetos que receberam a marca do mote estabelecido por seu fundador: aproximar o saber acadêmico (senso crítico) e o saber popular tradicional (senso comum), passando pelo saber teológico (senso religioso).” Arché Editora.

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produções provenientes da tradição oral brasileira, seja religiosa, cultural ou artística”.

(FERRETTI, 2013, p. 7). As sociedades sem escritas se servem principalmente do canto entre outras práticas de memorização que “atribuem à memória mais liberdade e mais possibilidades criativas.” (LE GOFF, 2014, p. 394). Constatamos que a moralidade das religiões afro-brasileiras é deduzida da cultura, especialmente, da tradição dos ancestrais e dos conselhos espirituais, ou seja, recebida da experiência cultural e não da autoridade sacerdotal e normativa de um religioso ou livro sagrado. Ferreti afirma que, “a memória oral é capaz de preservar conhecimentos do passado que não foram transmitidos por escrito e guardar genealogias com personagens históricos que viveram há vários séculos22.” (FERRETTI, 2013, p. 41). Logo, as mitologias dos povos sem escrita se sustentam na confiabilidade subjetiva da tradição meramente oral:

Na África, entre os povos, a tradição histórica é preservada oralmente, sendo transmitida, por exemplo, entre os Mandingas, do Malí e da Guiné, pelos gritos, que são cronistas encarregados de narrar as tradições históricas do reino. Eles costumam ser músicos e poetas, e são verdadeiras bibliotecas ambulantes (Niane, 1982). (Niane, 1982. Apud., Ferretti, 2013).

Quando a autoridade da tradição oral e não escrita orienta a comunidade religiosa e os indivíduos, a relevância histórica do mito está na sua própria força, como mito. O fato histórico também acaba por ter alguma importância, quando assume a força de um

“mito”. Logo, o “mito” sem a materialidade do fato histórico não se esvazia de sacralidade e de mistério:

Para esses detentores do conhecimento, não se pode “proceder como o branco, isto é, escrever tudo, sem distinguir o que é segredo e o que é sagrado, reservado apenas aos iniciados. [...]

Há coisas que só se dizem sob juramento do selo do segredo e não se diz aos não iniciados, a quem não se abriu o ouvido para receber os mistérios (Glélé, 1974, pp. 21-22. Apud., Ferreti, 2013, p. 41).

Entendemos que o “mito” pertencente a uma categoria própria. Portanto, o que designamos fato histórico mítico não perde o seu sentido mitológico, mesmo quando não se encontram evidências históricas que combinem a narrativa de um evento ou fato, artefatos ou documentos que o comprovem. Um fato historicamente documentado e

22 “Na África, entre os povos, a tradição histórica é preservada oralmente, sendo transmitida, por exemplo, entre os Mandingas, do Malí e da Guiné, pelos gritos, que são cronistas encarregados de narrar as tradições históricas do reino. Eles costumam ser músicos e poetas, e são verdadeiras bibliotecas ambulantes (Niane, 1982).” (Niane, 1982. Apud., Ferretti, 2013).

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comprovado pode não alcançar a força que tem o mito; exceto que se torne realmente um

“mito”.

Bastide, no entanto, traz a ressalva que, a influência africana é fraca no campo e os negros se deixaram muitas vezes absorver pela civilização cabocla: “porque a dispersão da população já não permite a sobrevivência de uma verdadeira memória coletiva africana” (BASTIDE, 1971, p. 481). Logo, podemos refletir sobre a importância de uma tradição escrita para preservação de uma tradição religiosa, especialmente, quanto aos fatos fundacionais. A tradição oral passando à escrita alcança larga vantagem no cotidiano onde ela é recebida.

A psicologia e a sociologia interpretam os deuses e heróis mitológicos para compreender a psique humana e os comportamentos e mudanças sociais. Bastide aplica o método sociológico compreensivo para investigar as estruturas dos mitos; e, ainda considera a antropologia francesa a que melhor trabalha antropologia cultural e psicologia social (1971, p. 21). Mas, faz ressalvas aos estudos sociológicos anteriores de David Émile Durkheim em Formas Elementares da Vida Religiosa: O Sistema Totêmico na Austrália que trazem para o estudo das religiões o conceito de representação coletiva.

Outra contribuição celebrada vem da psicologia da religião; destacam-se os estudos psicanalíticos de Carl Gustav Jung trazendo o conceito de arquétipos do Inconsciente Coletivo.

Segundo Bastide, as abordagens de Durkheim e Jung podem ser importantes para a análise dos mitos, mas não devemos nos deter aos seus paradigmas generalizantes (1971, p. 23). Bastide não restringe seus estudos à sociologia compreensiva e propõe uma sociologia em profundidade que ele credita à Melville Herskovits, um dos principais estudiosos da corrente culturalista norte-americana. Valoriza a contribuição de outras áreas do conhecimento, no entanto, evita a sociologização ou a psicologização da religião e sua consequente coisificação. Uma descrição satisfatória dos mitos de uma cultura, com identificação e interpretação do sentido simbólico de suas representações e correlações de equivalência ou semelhança com os mitos de outras culturas exige uma delimitação temática e uma adequação metodológica.

Bastide também rejeita parcialmente o método comparativo fundamentado no distanciamento geográfico e histórico entre as religiões: “é difícil encontrar duas religiões globais análogas exceto num ponto, pois tudo está em relação com tudo”. (1971, p. 29).

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