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Catolicismo e protestantismo populares no Brasil

CAPÍTULO 2 – A RELIGIOSIDADE HÍBRIDA DO BRASIL

2.3. Catolicismo e protestantismo populares no Brasil

2.3. Catolicismo e protestantismo populares no Brasil

Houve uma tentativa de europeizar os sentimentos religiosos do negro e do caboclo e de extinguir o catolicismo negro no Brasil; o qual ainda sobrevive pelo menos em parte no catolicismo popular, nas festas populares como maracatus, congadas, folias, entre outras manifestações, e, no conteúdo simbólico e mágico da devoção popular das camadas sociais subalternas, distantes dos principais centros urbanos.

O protestantismo de imigração e missionário procura se distanciar tanto do catolicismo quanto do africanismo. Observamos que no espiritismo de Umbanda o negro introduziu novos sentimentos e novas atitudes aos seus mais antigos símbolos religiosos, mas o inverso ocorreu quando ele se converteu primeiramente ao catolicismo tradicional, e, principalmente, mais tarde ao protestantismo. Mas como vimos, não existe catolicismo e nem protestantismo monolítico, assim como encontramos os catolicismos: tradicional, popular, carismático, etc., nós também encontraremos uma diversidade de protestantismos.

Segundo Lídice Meyer o fenômeno denominado de protestantismo rural “valoriza os símbolos e a magia”, contradizendo o “ethos, modo de operação e modo de vida do protestantismo urbano” (PINTO RIBEIRO, L. M., 2014, p. 17). Lídice defende sua tese fundamentada na sociologia:

Através deste estudo pretende-se discutir algumas das proposições de Max Weber acerca do caráter da religião primitiva e do protestantismo, contrapondo-as com as ideias de Émile Durkheim. A religião do campesinato é um tema abordado por ambos os autores, sendo a sociedade rural bastante diferenciada, composta por classes sociais, mas conservando, características, composta por classes sociais, mas conservando, características primitivas, segundo Weber. Na verdade, para Weber, não se trata de religião, mas de magia, pois não fornece racionalização para a ação de uma classe. Ao tratar sobre as religiões que surgem no meio rural. Weber as associa à classe social mais encontrada nesse meio, os camponeses “cujo destino está estreitamente ligado à natureza, dependendo em ampla medida de processos orgânicos e de acontecimentos naturais e pouco disponíveis, do ponto de vista econômico, a uma sistematização racional.” (WEBER, 1974, P. 327). (PINTO RIBEIRO, 2014, p. 18).

Lídice apresenta sua fundamentação tanto de Emil Maximilian Weber quanto de Pierre Bourdieu para sustentar que, “quanto maior for o peso da tradição camponesa numa civilização, tanto mais a religiosidade popular se orienta para a magia” (BOURDIEU, 2001, p. 18). O que pode ser observado no isolamento das fazendas, quanto nas cidades do interior do Estado de São Paulo. E, depois do êxodo rural na diversidade do campo religioso urbano. Para compreender o protestantismo de forma concisa tomamos a classificação feita por Rubem Alves no livro: Religião e Repressão. No qual ele subdivide o protestantismo em três tipos ideais que compreendem os aspectos estruturantes: ideológicos, teológicos, burocráticos e comportamentais:

1) O Protestantismo da Reta Doutrina (que indicarei, de forma abreviada, no transcurso deste trabalho61, como PRD), e que se caracteriza pelo fato de privilegiar a concordância com uma série de formulações doutrinárias, tidas como expressões da verdade, e que devem ser afirmadas, sem nenhuma sombra de dúvida, como condição para participação na comunidade eclesial.

2) O Protestantismo do sacramento, para o qual a confissão da reta doutrina é de importância secundária, quando comparada com a participação emocional e mística na liturgia e nos sacramentos.

3) O Protestantismo do espírito, para o qual a marca distintiva da participação na comunidade eclesial não é nem a reta doutrina nem a participação nos sacramentos, mas uma experiência subjetiva de êxtase intenso. (ALVES, 2014, p. 44).

Este Protestantismo da Reta Doutrina ou PRD impõe padrões doutrinais e litúrgicos, inibem o desenvolvimento do êxtase religioso e apregoam a racionalidade reverente como conduta sagrada. Preocupa-se, essencialmente, com a conversão ou transformação da alma; compreendida tanto em termos morais quanto religiosos.

A adesão do negro ao PRD não obedeceu à lógica da magia, que é de acumulação. Senão no caso típico do Protestantismo do espírito, por exemplo, no pentecostalismo americano e nos cismas nacionais posteriores que foram introduzidos no Brasil. Bastide afirma que no Brasil não temos um protestantismo negro, mas a assimilação pelos negros, primeiramente, deste tipo de protestantismo.

Bastide demonstra como os negros são capazes de assimilar o PRD. No entanto, “essa assimilação encontra obstáculos nos hábitos ou tradições culturais dos negros” (BASTIDE, 1971, p. 473). Afirma que “o seu protestantismo não é senão a perseguição obstinada do transe a todo custo no interior de um cerimonial imposto ou aceito de fora” (Idem). O obstáculo consiste que o PRD é um tipo de protestantismo puritano o qual considera como magia ou contra magia a religião designada como cultura da afetividade, e rejeita as experiências de reinterpretações do cristianismo em termos das religiões africanas. Berger também diferencia o protestantismo do catolicismo:

O protestantismo deixou de rezar pelos mortos. Simplificando-se os fatos, pode-se dizer que o protestantismo despiu-se tanto quanto possível dos três mais antigos e poderosos elementos concomitantes do sagrado: o mistério, o milagre e a magia. Esse processo foi agudamente captado na expressão “desencantamento do mundo”. O crente protestante já não vive em um

mundo continuamente penetrado por seres e forças sagrados. A realidade está polarizada entre uma divindade radicalmente transcendente e uma humanidade radicalmente “decaída” que, ipso facto, está desprovida de qualidades sagradas. Entre ambas, está um universo completamente “natural”, criação de Deus, é verdade, mas em si mesmo destituído de numinosidade. Em outras palavras, a radical transcendência de Deus defronta-se com um universo de radical imanência, “fechado” ao sagrado. Religiosamente falando o mundo se torna muito solitário, na verdade. (BERGER, 2004, p. 124).

Berger determina a diferença entre catolicismo e o protestantismo em termos do segundo ser uma redução drástica de muitos elementos “essenciais” no primeiro. Segundo Berger, o protestantismo se constitui uma redução no âmbito do sagrado na realidade; redução no protestantismo, a qual Berger denomina: “desencantamento do mundo”. Diminuiu-se drasticamente no protestantismo, principalmente em quantidade, comparado ao catolicismo, o número de santos, anjos e almas invocados no cotidiano dos indivíduos. Mas, existe uma diversidade dentro do próprio protestantismo de no mínimo três tipos, conforme Alves. E, de no mínimo dois, afirma Bastide. Talvez porque ainda não tivessem sido constatadas as modificações atualmente observadas de uma grande diversidade de protestantismos.

Segundo Bastide, no Brasil se desenvolveram dois tipos de catolicismos, um negro e um branco; assim como nos Estados Unidos se desenvolveram dois tipos de protestantismos: um negro e um branco. Mas no protestantismo brasileiro, o negro se misturou com o branco e assumiu a religião, não apenas o espetáculo, como no catolicismo negro, mas as funções plenas correspondentes ao clero no catolicismo. Bastide trata de distinguir catolicismo e protestantismo negros, na situação colonial do catolicismo e do protestantismo dos negros na democracia racial. Com efeito, as duas coisas não são equivalentes.

Interessa-nos o estudo do catolicismo e do protestantismo dos negros no Brasil das divisões de cor especialmente na situação colonial e de classe, principalmente, quando o país passa da monarquia racial a república, e do escravagismo à democracia racial. Na Europa o monopólio da fé foi quebrado pela Reforma Protestante, mas no Brasil isso só ocorreu com a proclamação da República. Boanerges Ribeiro registra:

Proclamada a República, imediatamente trata um chefe da Igreja de aproximar-se, e de fazer-se ouvir: Em 21 de novembro de 1889, fazer-seis dias após a proclamação da República, D. Luiz Antônio dos Santos, arcebispo da Bahia, dirigiu ao General Deodoro da Fonseca o seguinte telegrama: “Arcebispo da Bahia com seu clero saúdam na pessoa de V. Excia. novo regime

estabelecido e imploram bênçãos do céu sobre os esforços dos filhos da Terra de Santa Cruz pela prosperidade e felicidade da mesma.”62

Deodoro encarregou o Governador do Estado de ir pessoalmente agradecer. E, apreciando a visita, o Arcebispo Primaz expõe a Deodoro, “em caráter confidencial, seus temores sobre a publicação dos decretos da separação da Igreja e do Estado, do casamento civil e da secularização dos cemitérios”. E não deixa de lisonjear o velho general: “A presença de V. Excia. à frente do Governo Provisório é uma garantia para a fé.”63

Já estava, pois, no domínio público que o Governo Provisório teria de liberar a separação da Igreja do Estado. (RIBEIRO, B. 1991, p. 2).

A separação entre a Igreja e o Estado no final do século XIX contribuiu com profundas transformações no seio da sociedade e da Igreja no Brasil. Um fato que Bastide considera que, prioritariamente, “o clero já não será recrutado, como outrora, nas velhas famílias tradicionais, e serão os estrangeiros, ou os filhos de imigrantes, que vão fornecer a cota-parte mais importante da nova Igreja” (BASTIDE, 1971, p. 474). Bastide cita a análise de Herskovits64 da evolução psíquica dos africanos do ponto de vista da psicologia, do que se passa entre os negros dos Estados Unidos, assim como no Haiti. Nos Estados Unidos o protestantismo negro sobreviveu e influenciou primeiramente o surgimento do pentecostalismo e do carismatismo, os quais posteriormente foram “importados” para o Brasil. Nestes casos a conversão ao protestantismo não é senão um processo contra magia nas zonas rurais, contra a perseguição das pessoas pelos Voduns. Bastide explica que, “agora já não se trata de religiões separadas, as quais, por causa da sua separação, podem com mais facilidade conservar traços africanos; trata-se de negros católicos e protestantes, em igrejas unificadas, onde não existem barreiras de cor” (BASTIDE, 1971, p. 474). Aplicando a sociologia de Herskovits das reinterpretações e das representações coletivas Bastide conclui que a definição da religião no Brasil não segue a linha de cor como nos Estados Unidos, mas de classe social: “o puritanismo define a classe média” (Idem). Afirma que “a religião afetiva é constitutiva da classe baixa” (Idem) e as conversões ao catolicismo e protestantismo tradicionais “coincidem exatamente com a ascensão social da classe rural ainda africanizada para a classe não

62 Scampini, José. A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras, pp. 82-83. 63 Ibid., p. 83.

africanizada, enfim para a classe média” (Idem). A divisão religiosa é, portanto, de classe e não de etnia.

Ao explicar a conversão do negro ao protestantismo, defende-a com relação a um fato duplo: “– a importâncias das reinterpretações e a ligação de camadas de interpretações com as estruturas sociais –” (Idem). As reinterpretações ligadas a uma teoria sociológica das estruturas e das mobilidades sociais das etapas se tornam explicativas quando se considera que, cada classe tem de algum modo a sua própria reinterpretação.

A expansão marítima portuguesa foi financiada primeiramente pelos banqueiros da Ordem dos Templários; extinta no final do século XV. Chegando Pedro Alvares Cabral ao continente empunhando a bandeira da Ordem de Cristo, ordem militar e religiosa fundada pelo papa João XXII. Segundo Elben M. lenz César, como acontecia em todas as viagens marítimas portuguesas havia capelães a bordo: “No caso de Cabral vieram oito franciscanos e o frei Dom Henrique Soares de Coimbra, um frade para cada 150 tripulantes.” (CÉSAR, 2000, p. 20). César registra que, a colonização portuguesa era dotada de uma consciência missionária generalizada; os interesses coloniais eram regidos por uma “aliança estreita e indissolúvel entre a cruz e a coroa” (Idem). Posteriormente, a fim de manter o domínio religioso no Brasil, a igreja católica serviu-se dos missionários jesuítas.

César critica as missões religiosas portuguesas; registra que, quando a Europa passava por profundas reformas sociais e religiosas (CÉSAR, 2000, pp. 26-27) os jesuítas cristianizavam os povos nativos, mas não se utilizavam da catequese com eficiência, a fim de reprimir as influências mágicas dos cultos afro-ameríndios que se desenvolviam no Brasil (2000, pp. 55-58). O domínio português no território nacional se manteve por séculos, até a proclamação da república. Registra que, os protestantes demoraram a vir para o Brasil, mas, Boanerges Ribeiro defende que o protestantismo aproveitando a liberdade republicana se alastrou por todas as classes sociais.

Proclamada a independência do Brasil, em setembro de 1822, o país já tinha deixado de ser cem por cento católicos a constituição de 1824 ainda proíbe os protestantes alemães de construírem igrejas com torre, sino e cruz. (Ibid., 2000, p. 72), as limitações legais, a pobreza do fervor religioso do estrangeiro e o animo moral dos imigrantes (Ibid.,

p. 74) contribuíram para os aspectos menos simbólicos e mágicos do protestantismo urbano. César elenca o quadro religioso do Brasil no final do século XIX (Ibid., p. 77):

o Brasil tinha 18 milhões de habitantes. Destes, 600 mil eram alemães ou descendentes de alemães. Menos da metade eram católicos e mais da metade eram protestantes, quem sabe em torno de 350 mil. Era, então, o maior grupo protestante do Brasil, que ultrapassava certamente a soma de todos os congregacionais, todos os presbiterianos, todos os metodistas, todos os batistas, todos os episcopais e todos os adventistas. Ao mesmo tempo, era o grupo protestante mais nominal. Eles eram filhos da emigração, e não do cuidadoso trabalho missionário.

Os missionários anglo-americanos protestantes eram dotados de fervor religioso e alcançaram boa reputação na sociedade brasileira; espalharam-se pelo Brasil e conseguiram excepcionais resultados. Tinham, em geral, virtudes que excediam a boa cultura teológica. Conforme descreve César (2000, p. 79).:

Alguns deles eram missionários bi ocupacionais, isto é, missionários e educadores, missionários e médicos, missionários e agrônomos, missionários e escritores. Fundaram igrejas, escolas, seminários, institutos bíblicos, universidades, clínicas, hospitais, jornais e editoras. Colocaram a Bíblia na mão do povo. Trabalharam em favor da liberdade religiosa no país. Obrigaram a Igreja Católica Apostólica Romana a reconhecer e a respeitar a diversidade religiosa

Boanerges Ribeiro destaca a influência dos protestantes na sociedade republicana, que entre os constituintes de 1891 estava o Senador Nogueira Paranaguá, um protestante batista; entre os deputados estava Natanael Cortez que era presbiteriano. Protestantes iniciavam indústrias e prosperavam, compravam fazendas e se tornavam beneméritos regionais, enquanto uns prosperavam no comercio outros nas profissões liberais. Ribeiro narra: “algumas vezes os problemas “religiosos” do interior não eram teológicos, mas políticos, pois os coronéis católico-romanos contrapunham-se coronéis protestantes”. (RIBEIRO, B. 1991, p. 26). Boanerges Ribeiro (1991, p. 26) cita apenas alguns exemplos do que era um fenômeno nacional:

Juntamente com um protestantismo de minoria, reprimido e perseguido, crescia um protestantismo de liderança social ao longo da Primeira República, onde o sentimento de “estar em casa” responde aos ataques ao caráter forasteiro dos missionários cobrando de padres e frades estrangeiros respeito à lei e aos cidadãos do país. Poucas coisas são mais inesperadas que a insistência com que o pastor André Jansen, dinamarquês naturalizado brasileiro, acusa frei Otto Maria, nos conflitos de Aparecida do Norte, de ser alemão.

Boanerges Ribeiro afirma que não por acaso ou repentinamente, após Vargas os protestantes emergiram na vida nacional em todos os sistemas sociais. A República garantiu pelo menos a sensação de segurança e liberdade face às perseguições locais ou quando muito regionais, as quais não impediram que as igrejas protestantes ou evangélicas reagissem à intolerância e se integrassem aos quadros da religiosidade brasileira.

Apesar de participar do debate político e da luta pela liberdade; conforme César vai demonstrar, a integração protestante nos quadros da religiosidade brasileira vai se distinguir da católica por uma ênfase muito mais dogmática do que, por exemplo, a catequese jesuíta, afirmando, por exemplo, que o “apóstolo do Brasil”, o padre José de Anchieta, não menciona a ressurreição de Jesus em seu catecismo bilíngue. (CÉSAR, 2000, p. 44).

Anchieta demonstrou um diálogo aberto com as tradições indígenas, o qual certamente é considerado inapropriado “do ponto de vista reformado”, isto é, protestante. (2000, p. 47). O nordeste seria mais afetado por este ponto de vista na época do Brasil holandês sob o governo do conde João Mauricio de Nassau-Sieegen, o qual segundo César (2000, p. 52) era frequentador assíduo da Igreja Reformada:

No Brasil holandês, dava-se muita importância à fé e conduta dos fiéis. Era o reflexo da Reforma Protestante de 100 anos atrás e de um movimento recente conhecido como puritanismo holandês. A Bíblia era a norma credenti et agendi. Isto é, a norma de fé e de comportamento.

Se por um lado a ética protestante no Brasil holandês propiciou um tratamento mais humano para com o escravo e o caboclo, ela também exigia em contrapartida uma mudança de costumes: “era preciso observar o domingo, era preciso conhecer de perto os dez mandamentos da lei de Deus” (2000, p. 52). César registra que o governo holandês, não exigiu mudanças de praticas devocionais, garantiu liberdade de culto aos não protestantes e os momentos de lazer considerados ingênuos. Desde que certa audiência fosse prestadas aos pregadores capelães militares, os pastores das igrejas e os missionários entre os indígenas. (Idem).

As imagens não eram toleradas nos templos, apenas os bancos, um púlpito, tendo sobre ele um exemplar da Bíblia, a pia batismal e a mesa da ceia. Segundo César: “Estima-se em 22 o número de igrejas no Brasil holandês, todas jurisdicionadas, a princípio, ao

Presbitério de Amsterdam”. Servidas por “54 pastores e proponentes, 120 presbíteros e igual numero de diáconos.” (CÉSAR, 2000, p. 53). Após a expulsão dos holandeses em 1654 e a subsequente expulsão dos jesuítas em 1759, o novo clero foi composto de franciscanos alemães, maristas franceses, padres belgas e italianos eram mais tradicionalistas, imbuídos do espirito de Roma, e menos acolhedores para com o catolicismo negro. Bastide registra que tudo quanto fosse muito ostensivamente jogo ou mistério medieval chocava a consciência dos recém-chegados. Ocorreu uma luta tenaz contra o folclore católico negro, a qual se viu expulso de toda parte; do limiar dos templos e nas praças pública. Entendeu-se como uma desnacionalização da fé e um divórcio entre a religião antiga e a nova religião.

César afirma que o primeiro erro de Portugal foi a demora em enviar os missionários católicos para evangelizar os indígenas e negros e alocar padres para pastorear os brancos que vieram para cá. (Ibid., 2000, p. 55). Mas os padres também não conseguiram separar a fé crista das crenças indígenas e africanas. “Mas a fé, justamente, não faz distinção de raças ou de cores, ela as une em redor da santa mesa, ela as faz comungar na mesma hóstia sagrada.” (BASTIDE, 1971, p. 475). Segundo Bastide, neste intento, a “nova igreja” se tornou orientada para o serviço exclusivo da fé, o seu clero já não prestava aos negros o mesmo acolhimento dos clérigos mulatos, e, não se voltava mais para a política, a vida intelectual, os debates parlamentares e as revoltas democráticas.

A situação de escassez de padres continuou ainda após a proclamação da republica. Ainda que não completamente morto, o duplo catolicismo da época colonial estava condenado. Mas, no século XX, uma reação uniu os brasileiros na Igreja católica novamente: De repente os católicos brasileiros se viram assustados com a raridade das vocações religiosas nacionais e com uma igreja fechada em si mesma, vivendo sua vida mística enquanto a comunidade permanece indiferente e o país se afunda no materialismo. Intelectuais católicos como Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima foram lideranças de um despertar que desejava reunir a igreja mediante a escola livre, a imprensa religiosa e o rádio propuseram chamar os católicos para se tornarem a igreja, não apenas a religião do domingo, mas de todos os dias. Não sem consequências:

A Igreja, principalmente, se preocupou com os problemas sociais, formou brigada de moços e moças, de homens católicos e mulheres católicas, de operários, enfim, arregimentando-os na Ação Católica. Ora, já dissemos que os negros constituem a parte principal da classe baixa

da população; deviam, portanto, por sua vez, ser tocados por esse despertar religioso. Mas agora já não entravam na Igreja pela porta lateral, para rezar na capela de S. Benedito: entravam pela porta da frente, junto com a multidão dos outros católicos – o povo era um só. (1971, pp. 475-476).

Em face da americanização do Brasil apenas os pesquisadores de folclore desejavam a volta das congadas, agora agonizantes, mas ainda existem confrarias de negros com seus vestuários brancos e azuis, rosários pretos e cruzes de malta vermelhas. Bastide (1971, p. 476) cita as principais e ressalta o ressentimento que perdura nessas manifestações populares:

As principais são as de Nossa Senhora do Rosário, de Santa Efigênia, de São Domingos de Gusmão, de Nossa Senhora do Bom Parto, e, principalmente, de S. Benedito. Mas esse culto de S. Benedito ficou carregado de ressentimentos, que outrora não se encontravam, pelo menos no mesmo grau. O seu dia deve ser celebrado anualmente pela Igreja, sem o quê os