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CAPÍTULO 2 – A RELIGIOSIDADE HÍBRIDA DO BRASIL

2.4. Marxismo e religião

2.4. Marxismo e religião

Um dos assuntos muito discutidos na imprensa brasileira no ano de 2018, por ocasião das comemorações dos 500 anos da Reforma Protestante, decorreu da cobertura jornalística que frisou entre outros fatos, que na cidade onde ela começou no lado oriental da Alemanha, após quase cem anos da revolução comunista, o protestantismo foi quase totalmente eliminado.

Na Alemanha Oriental, o berço do luteranismo, as autoridades dos regimes marxistas, pela força das armas, tentou varrer toda forma de religião dos territórios dominados. Inclusive a religião nacional protestante. Mas em seus escritos Karl Heinrich Marx não deixou de reconhecer a importância da religião natural da Alemanha. Portanto, leia-se o que ele escreveu88:

Mesmo do ponto de vista teórico, histórico, a emancipação teórica apresenta, para a Alemanha, uma importância especificamente prática. Com efeito, o passado revolucionário da Alemanha é teórico. Nessa época, a revolução começou na cabeça de um monge; hoje, começa na cabeça do filósofo. Lutero, é inegável, venceu a servidão por devoção, substituindo-a, no entanto, pela servidão por convicção. Destruiu a fé na autoridade porque restaurou a autoridade da fé. Transformou os padres em leigos, porque transformou os leigos em padres. Libertou o homem da religiosidade exterior porque fez da religiosidade a essência mesma do homem. Desatou as cadeias do corpo, porque carregou o coração de correntes. Mas, se o protestantismo não foi a verdadeira solução, foi ao menos a verdadeira posição do problema. (Valença, 1974, apud. Marx, p. 166).

88 Parágrafo completo transcrito de Karl Marx: Contribution à la critique de la Philosophie du Droit de Hegel, in Oeuvres Philosophiques, Edition Molitor, Paris, 1952, Tomo I, p. 97. Tradução de Rachel Teixeira Valença para Biblioteca de História - Grandes personagens de todos os tempos: Lutero, Editora Três, São Paulo, 1974, Tomo 17, p. 166.

Marx reconheceu a emancipação produzida pela revolução que “começou na cabeça de um monge”; mas, restringiu-a ao campo teórico. Ele sugeriu que esta revolução foi teórica e parcial e deveria ser superada pela que “começa na cabeça do filosofo”. Segundo Marx, tal revolução “carregou o coração de correntes” e os ateístas marxistas negaram-lhe qualquer importância, ignorando ou indo muito além do próprio pensamento de Marx.

Na critica de Marx aos valores da religião protestante ele considera limitada a liberdade que a revolução religiosa trouxe, porque as convicções religiosas mantinham as correntes no coração; embora religiosos liderem movimentos de luta pela liberdade, entre outros, Martin Luther King, um pastor na vanguarda da luta contra o racismo. Os valores religiosos não ficaram aprisionados pelas correntes do coração, mas se encarnaram em verdade, na situação social, senão acabariam desaparecendo. Bastide ressalva que se recusa passar da ciência a filosofia, e considera: engajarmo-nos numa teoria de valores:

Devemos sempre tomar os valores em sua perspectiva sociológica e considerá-los somente como fatos objetivos assimiláveis num certo nível da sociologia em profundidade. Com efeito, os valores constituem um desses níveis, que se manifesta no comportamento dos homens por ligações afetivas, por participações sentimentais, que se traduzem, em um nível inferior, por normas de conduta, orientações obrigatórias da ação, compulsões sociais, bem como em um nível superior, por atos de comunhão ou pela formação do que poderíamos chamar “comunidades axiológicas”. Os valores religiosos não fazem exceção à regra; ao contrário, é com eles que nossa definição se apresenta na sua maior amplitude. (BASTIDE, 1971, p. 550).

Nas alianças e rupturas políticas envolvendo a dominação imperialista sempre ocorreu alguma forma de manifestação religiosa, de no mínimo um segmento da religião. Segundo Bastide, os valores religiosos assumem forma “por intermédio das normas ou modelos de ação”. E, de outro lado, esses modelos atuantes permitem a reunião dos indivíduos, não em simples grupo, mas numa “comunidade axiológica”:

Esse último ponto é tão nítido que alguns até chegaram a definir a religião por essa comunidade, assim confundindo o laço religioso com o laço social. O que é esquecer que todos os valores realizam comunhões, tanto os estéticos ou morais quanto os místicos. Assimilar a religião à consciência coletiva é esquecer o pluralismo dos valores e tomar um fenômeno muito geral pela característica de uma só espécie dentre eles. Em realidade, segundo dissemos no começo, o que distingue os valores religiosos dos outros é a utilização do “sagrado”, a transcendência em relação ao social, a participação do humano em qualquer coisa que o ultrapasse. O que naturalmente não impede aos indivíduos comungar entre si

nessa categoria do sagrado e assim realizar em torno dela a “comunidade axiológica”. (1971, pp. 550-551).

Obviamente, essa comunidade axiológica é colocada numa certa situação social, e “essa situação pode agir sobre ela, aí traduzir-se pelas distorções dos ideais coletivos, por inserções de elementos estranhos ao sagrado, tais os interesses das classes sociais e outras impurezas”. (BASTIDE, 1971, p. 551). A mensagem do movimento religioso que rejeita os elementos estranhos ao sagrado, ao mesmo tempo, traz esperança para alguns e gera a expectativa de condenação para outros, designados de “ímpios”, “impenitentes” ou “incrédulos” acirrando as disputas no campo político e religioso. Segundo Bastide se trata de distorções que se produzem quando “a sociedade se divide em classes antagônicas” ou quando “a religião, por uma razão ou outra, se põe a flutuar, se me permitem a expressão, acima das realidades sociais, em vez de orientá-las e nelas se encarnar.” (Idem). Quando confirmamos a importância dos valores religiosos numa determinada situação social, tomamos emprestado de Marx a relação entre as estruturas sociais e os valores, mas no segundo caso, trata-se de “um novo aspecto do problema da aculturação”. (Idem). O conteúdo do discurso religioso pode trazer legitimação da dominação, e, igualmente, esperança de libertação e ameaça de condenação à dominação e a opressão.

A máxima “a religião é o ópio do povo” é tão repetida que já se tornara um jargão muito popular no Brasil. A sociedade é a construção do homem para atender a necessidade relacionada ao fato antropológico básico da sociabilidade do homem. O reducionismo do fenômeno religioso a um produto (ópio) das classes dominantes restringido à função de debilitar a revolta operaria não diminuiu o interesse da história, da filosofia, da antropologia, da psicologia e de outras ciências pela religião. Berger afirma que a compreensão marxista da natureza humana é que, ela própria é um produto humano; o que define fundamentalmente uma antropologia dialética e uma não dialética. Segundo Berger: “seja como for, a sociedade, naturalmente, nada mais é do que parte e parcela da cultura não material. A sociedade é aquele aspecto desta última que estrutura as incessantes relações do homem com os seus semelhantes.” (BERGER, 2004, p. 19).

Produto em Karl Marx tem pelo menos dois sentidos; um sentido material e outro ideológico, Bastide demonstra que os marxistas excederam a consideração da religião como ópio do povo. Bastide justifica essa reação ideológica contextualmente;

exprime àquela realidade econômica do momento em que Marx escreveu seus Escritos

de outro, o protesto contra essa mesma miséria.” Afirma: “A religião é o suspiro da criatura acabrunhada pela desgraça.” (Bastide, 1985, Apud Marx, p. 84).

Não aludindo somente ao cristianismo ou às religiões afro-brasileiras, mas também às formas primitivas da religião descritas na obra de Émile Durkheim; devendo mais a Lévi-Strauss do que a Marx, Bastide aplica a teoria estruturalista para compreender os complexos estruturais das relações sociais; discorda da conclusão dos marxistas, ao escrever que: “é impossível, nos quadros da teoria marxista, fazer da religião uma simples ideologia inventada pelos senhores para melhor dominar seus escravos.” (BASTIDE, 1971, p. 9). Não podemos negar, sobretudo, que Engels desenvolve a ideia de a religião primitiva traduzir a angustia do homem em face das forças misteriosas de uma natureza selvagem e que a religião contemporânea é a angustia do homem diante das forças sociais, das crises econômicas e suas consequências, às quais ele não pode controlar; trazendo uma explicação sociológica para acomodar o fracasso do trabalho humano e uma reação psicológica de medo irracional dos reveses e contradições do capitalismo. (1971, p. 10) Mas, segundo Bastide fica muito evidente que “a presença de forças religiosas não é sempre uma presença de medo, mas também de força, de paz ou de alegria.” (Ibid., p. 11). Continua:

Os valores religiosos, bases da comunhão axiológica, se encontram desse modo sujeitos a pressões externas; o resultado foi um compromisso entre o sagrado e o ideológico. À medida que o candomblé restaura a civilização africana, é o sagrado que domina a fusão das consciências num mesmo sistema de crenças, a participação dos mesmos valores, seja qual for a posição ocupada pelos membros do candomblé na sociedade – sejam aqueles livres ou escravos, ricos ou pobres, as metamorfoses das divindades não fazem senão acentuar certos traços, mágicos o sinistros, apagar alguns outros; o sistema, entretanto, não é atingido. Mas quando as perturbações das estruturas sociais consecutivas à industrialização do país criam novas formas de solidariedade que já não se adaptam às antigas normas, os interesses das classes econômicas, as tensões entre os grupos sociais, as frustrações raciais, podem passar. Eis o espiritismo de Umbanda. (BASTIDE, 1971, pp. 551-552).

Os marxistas estariam certos ao rechaçar a religião, se a explicação da religião se restringisse pelo medo, pelas “perturbações das estruturas sociais”, mas, segundo Bastide, “passando do sociológico ao psicológico, voltando à explicação da religião pelo medo, não fazem mais que insistir numa solução ultrapassada”. Para Bastide, não é reconhecido que “a religião exprime não as relações de produção entre os homens, mas, sim, o fato de que essas relações são contraditórias.” (1971, p. 11). Podemos afirmar que

existe uma relação inegável entre culto, cultura e protesto, e que a religião pode tanto alienar quanto desalienar, pacificar quanto acirrar uma revolta. Marx afirma que a religião em uma conjuntura econômica é nascida da “miséria do homem”, então, pode produzir tanto medo quanto revolta. Se a religião como expressão de uma sociedade pode ser utilizada por uma classe para assegurar seu domínio, também pode ser utilizada para mobilizar uma sociedade: reunir ou dispersar, uma vez que a religião é produto e expressão da sociedade.

Não pretendemos negar a relação da religião com as estruturas e condições sociais e econômicas por trás do culto, da cultura e do protesto, uma vez desafiados pelos estudos antropológicos do sistema totêmico, das Formas elementares de vida religiosa de Durkheim, e pelos estudos d’As Religiões Africanas no Brasil da sociologia compreensiva de Bastide ao considerar “o mundo dos valores religiosos, no seio do fenômeno social total.” (1971, p. 11). Ninguém deve ignorar que os mesmos pontos de vista, e as mesmas crenças aproximem as pessoas as quais se organizam em blocos ou grupos sociais e políticos. Nem todas as pessoas gostam de misturar questões polêmicas e pessoais como a sua religiosidade e sexualidade à pauta das manifestações públicas. Para muitos essas questões deveriam pertencer à esfera da vida privada e permanecer separadas da devoção e livres de criticas e dos debates públicos. Um tipo de religião relegada à esfera privada, comparada à intimidade e a sexualidade é rara, mas para muitos a religiosidade não deveria interferir nas pautas das reivindicações e disputas políticas, isto é, as decisões políticas deveriam permanecer longe da influencia e da interferência da religião.

Um evento ou reunião pública com uma pauta tanto religiosa quanto política não é raro. Quando a religião se apresenta para a discussão ou apresenta uma reivindicação política e alguém proponha a sua exclusão imediata do debate apelando, por exemplo, para a laicidade do Estado, devemos considerar isto como completamente novo, porque a religião nunca foi totalmente privada, ainda que tenha seu lugar na esfera privada. Nunca deixou de interferir nos assuntos de Estado, porque lá está o ser humano. O ser humano é essencialmente social, quanto político e religioso, e, tanto a religião quanto a política são construídas socialmente.

As reações são inevitavelmente ditadas pelas crenças religiosas e ideologias políticas. A questão é se as ideológicas políticas estão isentas de suas crenças e valores

religiosos ou podem até tomar a forma de crenças e valores religiosos? Afirmamos que sim. “A visão marxista ortodoxa” tem os seguintes aspectos apresentados resumidamente por Magalhães, Martins e Resende no livro Análise de discurso crítica: um método de pesquisa quantitativa:

Na tradição marxista ortodoxa, o motor da história é determinado pela estrutura econômica. Com base nela, toda uma superestrutura é formada e a ela corresponde. As contradições do sistema econômico capitalista, o esgotamento de suas possibilidades e as lutas entre as facções da elite dominante propiciarão o momento oportuno para o surgimento, amadurecimento e fortalecimento da classe trabalhadora, que, consciente de seu papel, liderada por uma vanguarda e enfrentando os riscos e ameaças, toma o poder num processo revolucionário e acaba com o sistema de exploração e com a dominação de classes, passando pelo socialismo como estagio provisório ate chegar ao comunismo – situação – final, em que o Estado deixaria de existir, e se viveria numa sociedade igualitária, sem dominantes ou dominados, com a propriedade comum dos meios de produção e sem a existência de distinções relevantes relacionadas a raças, povos e religiões. (MAGALHÃES, Izabel (Org.); MARTINS, André Ricardo Nunes; RESENDE, Viviane de Melo, 2017, p. 53).

Os aspectos do marxismo citados acima deixam escapar a estrutura mitológica do comunismo e o seu sentido escatológico: sem a existência de distinções relevantes relacionadas a raças, povos e religiões, numa Era de Ouro, no futuro, viveríamos num mundo melhor. Entretanto, apresentando-se esta expectativa sucumbe o dualismo, uma luta épica travada entre o bem, representada de um lado pelos defensores do ideal marxista, e, do outro o mal, representado pelos os reacionários ou conservadores, ou seja, resistentes ao ideal propugnado pelo marxismo revolucionário.

O antropólogo Mircea Eliade em seu livro O Sagrado e o Profano afirma que o marxismo não está isento sequer das teologias e mitologias: A utopia que a teoria socioeconômica marxista propõe em nada difere, em suma, do ideal de paraíso escatológico proposto pelas teologias e mitologias das diversas religiões messiânicas:

Marx retoma e prolonga um dos grandes mitos escatológicos do mundo asiático mediterrânico, a saber, o papel redentor do justo (o “eleito”, o “ungido”, o “inocente”, o “mensageiro”; nos nossos dias, o proletariado), cujos sofrimentos são chamados a mudar o estatuto ontológico do mundo. Com efeito, a sociedade sem classes de Marx e a consequente desaparição das tensões históricas encontram seu precedente mais exato no mito da Idade do Ouro, que, segundo múltiplas tradições, caracteriza o começo e o fim da História. Marx enriqueceu este mito venerável de toda uma ideologia messiânica judaico-cristã: por um lado, o papel profético e a função soteriológica que ele atribuiu ao proletariado; por outro, a luta

final entre o Bem e o Mal, que pode aproximar-se facilmente do conflito apocalíptico entre o Cristo e o Anticristo, seguido da vitória decisiva do primeiro. (ELIADE, Mircea, 1992, p. 99).

Segundo Eliade: “O processo de dessacralização da existência humana atingiu muitas vezes formas híbridas de baixa magia e de religiosidade simiesca”. Eliade sugere que todas as visões de mundo e movimentos filosóficos e políticos, mesmo àqueles, declaradamente, ateus ou não religiosos, os quais “pululam em todas as cidades modernas” pertençam à esfera da religiosidade. Logo, não apenas nas “pequenas religiões” ou “diversos movimentos políticos e profetismos sociais, cuja estrutura mitológica e fanatismo religioso são facilmente discerníveis” (ELIADE, 1992, p.99). A mitologia e a teologia são componentes teóricos muito evidentes do marxismo. Consequentemente, os comportamentos religiosos camuflados ou degenerados não são apenas encontrados nas religiões; são abundantes nas ideologias.

A grande maioria dos marxistas, declaramente ateus ou sem religião, não está, propriamente, livre da construção de teodiceias e de comportamentos religiosos. No entanto, Schuurman, discutindo a relação entre religião e tecnologia, não se interessa muito pelo aspecto religioso do marxismo ortodoxo; prefere considerar que o desenvolvimento tecnológico vem acompanhado por diversos problemas, ameaças e perigos à ordem política e econômica, para pavimentar sua descrição da ótica marxista ortodoxa e sua relação com o progresso técnico-científico:

Visto que o desenvolvimento da tecnologia está nas mãos dos capitalistas, os trabalhadores vivenciam uma crescente alienação e servidão. Ao mesmo tempo, a tecnologia moderna encerra luta de classes. Os marxistas acreditam que, considerando o avanço do desenvolvimento socioeconômico e técnico, a profunda sobra de alienação e “ausência de liberdade” será eliminada e, com a chegada de um novo dia, o reino da liberdade encontrará o seu caminho. (SCHUURMAN, 2006, p. 12).

No entanto, observamos, que a utopia marxista da era de ouro escatológica, isto é, dos últimos dias ou tempos, definitiva e permanentemente no futuro, será realizada com o desenvolvimento tecnológico; acreditam então, que, “nenhuma pessoa individual ou classe especial terá o poder de controlar as coisas, pelo contrário, a humanidade será soberana e mestra das obras de suas mãos.” Os marxistas atribuem alto valor a ciência como instrumento de controle social, mas, “com base nas visões secundárias da sociedade, o resultado é muito diferente.”. Explica Schuurman (2006, pp. 12-13).:

Os marxistas não partem do princípio da liberdade do homem e de um sistema empreendedor livre de produção como a matriz na qual a tecnologia se desenvolve; e sim do princípio de que a tecnologia pode atuar apenas de forma revolucionadora e liberal quando controlada centralmente e se, ademais, o valor prático dos produtos produzidos, em vez de seu valor de câmbio, for central. Desse modo, eles partem da ideia de uma tecnocracia centralizada.

Os avanços tecnológicos trouxeram alterações historicamente verificáveis nas conjunturas sociais. Elas aconteceram de forma natural, com desdobramentos mais ou menos abrangente, das mais duradouras às provisórias; alterou consideravelmente o dia a dia dos indivíduos e das instituições religiosas, culturais, econômicas e políticas. Entretanto, longe de serem controlados, os avanços tecnológicos ameaçaram a legitimação de conteúdos éticos, teóricos, religiosos e não religiosos, com expectativa de controle técnico cientifico.

Berger também inclui o marxismo na mesma dificuldade de legitimação em que passam os conteúdos religiosos. Classificaria os aspectos do marxismo ortodoxo comparáveis aos aspectos mitológicos e teológicos de uma religião, os quais o sociólogo denomina de “estruturas de plausibilidade” (BERGER, 2004, p. 104). Afirma: “Na verdade, tem sentido incluir na mesma crise global as dificuldade encontradas pelos legitimadores de cosmovisões não religiosas, especialmente a do marxismo dogmático” (BERGER, 2004, p. 166).

Berger apresenta um histórico das legitimações teóricas e arrola o marxismo na categoria de conteúdos a serem legitimados. Atém-se às legitimações desenvolvidas pela teologia contemporânea “com o instrumental do existencialismo e do psicologismo” (BERGER, 2004, p. 167-168). Portanto, permanecem como estruturas sócias religiosas entrincheiradas, as quais recusam adaptação às demandas do homem moderno.

Surgiram ainda tentativas de adaptação do marxismo, ao nível teórico, resultando em outras correntes filosóficas, as quais não são o objeto desta abordagem, mas, mencionamos aqui, os esforços de conciliar cristianismo e marxismos da Teologia da Libertação, principalmente no círculo católico romano, e, da Teologia da Missão Integral no circulo protestante.

Eliade descreve como “as tensões da história são consubstanciais à condição humana que, portanto, jamais poderão ser completamente abolidas” (ELIADE, 1992, p. 99). As mudanças sociais do nosso tempo ocorreram de uma forma ou de outra, mas não

foram construídas por uma visão uníssona e inequívoca, propulsionada por esperança utópica.

Apesar do olhar otimista do marxismo para a ciência e tecnologia como instrumento revolucionário para o ideal de liberdade, Schuurman aponta para uma possibilidade de declínio da visão marxista, ou, pelo menos, um problema ainda não resolvido, face ao desenvolvimento técnico-científico:

Após o colapso do império soviético, parece que a visão marxista das coisas também foi destruída. Esse fato se deve especialmente à ideia de uma economia centralmente orientada que passou a existir sob a influência de Lênin. Mas, para muitas pessoas, a análise inicial de Marx a respeito da revolução industrial ainda não perdeu sua relevância. Enquanto a ciência e a tecnologia alienam poderes, elas também estão cheias de uma possível liberação. Assim, segundo o pensamento marxista, a ideia de controle dará margem a um levante revolucionário para o ideal de liberdade. (SCHUURMAN, 2006, p. 13).

Observamos grande crescimento do acesso aos bens culturais, mas na disputa no campo cultural ocorreram ameaças e risco real de supressão de direito ao acesso e à