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Mulheres valorosas: trajetórias de vida familiar e profissional das empregadas domésticas de Ijuí

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

HARIET WONDRACEK KRUGER

MULHERES VALOROSAS:

TRAJETÓRIAS DE VIDA FAMILIAR E PROFISSIONAL DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS DE IJUÍ

Ijuí (RS) 2011

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HARIET WONDRACEK KRUGER

MULHERES VALOROSAS:

TRAJETÓRIAS DE VIDA FAMILIAR E PROFISSIONAL DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS DE IJUÍ

Monografia final do Curso de Graduação, apresentada ao Curso de Sociologia, DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, como requisito para obtenção do título Bacharel em Sociologia.

Orientadora: Prof. Nádia Scariot

Ijuí (RS) 2011

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AGRADECIMENTOS

À UNIJUI, pela oportunidade de ensino-aprendizagem em ambiente virtual, de forma consistente e eficiente, através da coordenação, grupo de professores e

tutores sábios e dispostos a compartilhar conhecimento.

À minha orientadora, profa. Nádia Scariot, pela paciência e confiança, aliadas à disponibilidade e experiência no desenvolvimento deste trabalho.

Às empregadas domésticas que concordaram em participar da pesquisa, e responderam com disposição e interesse às questões das entrevistas.

À minha família, que apoiou a realização deste curso e desta monografia, entendendo que os tempos de pesquisa e redação são tempos de muito trabalho e dedicação.

A todos, muito obrigada, pois foram importantes para que os caminhos fossem abertos, e os alvos propostos alcançados.

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RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso teve por finalidade investigar as trajetórias de trabalho da empregada doméstica, em especial a moradora da periferia de Ijuí, relacionando-as com sua vida familiar. O objetivo principal foi evidenciar seu dia a dia de trabalho como forma de apoio à sua família, através de esforço e dedicação pessoal. Para isto, foi feito um breve histórico da atividade no Brasil, buscando suas origens e sua evolução. As conquistas da classe também foram analisadas, junto com sua situação socioeconômica e familiar. Este estudo serviu de pano de fundo para a análise de dez casos de empregadas domésticas da periferia de Ijuí,realizadas através de entrevistas semiestruturadas, visando caracterizar suas famílias, sua contribuição para a vida doméstica e as condições de seu trabalho. A incidência de estresse e cansaço também foi analisada, bem como a forma de cuidado com os filhos. Finalmente, as perspectivas futuras para o trabalho doméstico foram abordadas, baseadas nas indagações e objetivos das classes empregadoras e empregadas. Foi constatada a necessidade da caracterização do perfil da nova empregada doméstica, as exigências em torno de qualificação e especialização também nesta profissão, já que novas demandas surgem a cada dia. Os arranjos familiares contextualizados e reestruturados deverão ser assumidos, incluindo maior participação masculina na estrutura familiar, bem como a necessidade de instituições de apoio presentes e atuantes no dia a dia. A valorização da mulher que tem por profissão o emprego doméstico é o objetivo final, comprovando o pressuposto inicial de que há uma sobrecarga de trabalho que realmente afeta a vida familiar.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 5

1 EMPREGADA DOMÉSTICA NO BRASIL ... 12

1.1 Panorama histórico ... 12

1.2 As conquistas trabalhistas ... 16

1.3 Contexto socioeconômico atual ... 18

1.4 Contexto familiar ... 21

2 A EMPREGADA DOMÉSTICA DA PERIFERIA DE IJUÍ E SUA FAMÍLIA ... 25

2.1 Características socioeconômicas das famílias ... 27

2.1.1 Estrutura familiar ... 27

2.1.2 Estrutura econômica... 29

2.1.3 Condições de horário e trabalho ... 32

2.2 Condições físicas, psicológicas e emocionais ... 35

2.2.1 O cansaço físico ... 35

2.2.2 O estresse emocional ... 37

2.3 A preocupação com os filhos ... 39

2.3.1 Os arranjos com os cuidados dos filhos menores ... 39

2.3.2 A situação dos filhos maiores – cuidados e escola ... 42

3 PERSPECTIVAS DO TRABALHO DOMÉSTICO PARA O FUTURO ... 45

3.1 Perfil do novo trabalho doméstico remunerado ... 45

3.2 As exigências em torno de qualificação e especialização ... 49

3.3 Os novos arranjos familiares ... 52

3.4 As instituições de apoio ... 56

CONCLUSÃO ... 61

REFERÊNCIAS ... 65

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INTRODUÇÃO

Uma pesquisa monográfica de graduação pressupõe uma construção de conhecimento e entendimento de saberes acerca do objeto pesquisado. No caso da área sociológica, em que se limita o universo a ser pesquisado a um determinado grupo social, considera-se relevante tecer algumas considerações em relação à produção do conhecimento e de fatores que envolvem esta construção. Para tanto, na sequência, passa-se a discorrer sobre a temática do conhecimento e da construção de saberes referenciada em diversos autores, para que o estudo a respeito do grupo social das empregadas domésticas, tema da presente monografia, seja perpassado por tais instâncias.

A palavra “conhecimento” tem sido interpretada de diversas formas há vários séculos. Filósofos gregos já tinham se proposto a identificar seu sentido. Platão (429 a.C.-347 a.C.) (2008), por exemplo, deixou a ideia de que conhecimento é a crença verdadeira e justificada. Mais tarde, Aristóteles (384 a.C.-322 a.C) sistematizou o conceito de que conhecimento é divisível em três áreas específicas: teorética, que trata do saber em si mesmo, prática, saber para alcançar perfeição e poiética, que produz algo (CESAR, 2011). De qualquer forma, percebe-se que o assunto abrange várias ramificações, com implicações sociais e intelectuais. Atualmente é considerado como “patrimônio coletivo”, sendo seu principal objetivo tornar uma ideia socialmente reconhecível para que se possa ter entendimento dela (DIAS, 2011a, p. 1).

É fato aceito por vários segmentos acadêmicos que a sociedade se encontra em plena crise já que, inserida na pós-modernidade, ou, para além desta, na neo-modernidade (MARQUES, 1993,p.71). A relação entre conhecimento humano e ciência é absolutamente mutante, carente de parâmetros, com modificações das próprias noções de conhecimento. Há um consenso, neste caso, de que se faz necessário incluir o linguajar como ingrediente importante do conhecimento, já que “o conhecimento é uma questão de conversação e de prática social” (MARQUES, 1993, p. 74-75).

A observação da vida cotidiana do ator social faz-se necessária para o estudo da estrutura temporal e histórica da mesma. De acordo com Peter Berger (apud

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NASCIMENTO 2005, p. 4) e Thomas Luckmann (apud NASCIMENTO 2005, p. 4), os objetos funcionais da vida cotidiana, padronizados em “zonas de vida cotidianas”, direcionadas de acordo com os interesses, tornam possível a leitura histórico-social do conhecimento inserido na comunidade.

Jurgen Habermas (1929-), autor da Teoria da Ação Comunicativa, citado por Marques (1993, p. 80), afirma que “o conhecimento não se constrói na reflexão isolada, ou no interior de uma consciência, mas de forma dialógica, processual, tendo como referências básicas o grupo e a linguagem usual”. Assim, a presente monografia, ao comparar dados originados pelos próprios atores sociais com as informações bibliográficas e acadêmicas, pretende inserir-se na área do conhecimento social que interprete a cultura própria e integração social do grupo formado pelas empregadas domésticas, associado aos agentes de transmissão destes conhecimentos, a linguagem comunicativa, produtora do saber, também regra de vida e intérprete das necessidades e modos de pensar.

Dentro da perspectiva teórica da relação entre conhecimento e sociedade hoje, torna-se também necessário considerar a vida cotidiana como realidade interpretada pelo ser humano social, que passa a ter sentido no objetivo de formar um mundo coerente que o cerque (NASCIMENTO, 2005, p. 4). Este pensamento fornece subsídio para que se considere o dia a dia do ator social como formador de um entorno pessoal que faça sentido, em atividades interligadas com hábitos, com conceitos e com relações interpessoais em suas próprias estruturas sociais, e que delimitem a sua própria forma de vida. Esta é a razão principal para o estudo do conhecimento baseado na realidade de cada um.

Também a cultura está relacionada ao equipamento cognitivo (idiomas, sistemas, conceitos, imagens) fornecido pela sociedade ao indivíduo. Este equipamento é interpretado e tipificado pela sociedade através da linguagem. Ao mesmo tempo em que se rotulam e se classificam as experiências, há também o seu posicionamento quanto ao que já é conhecido. Daí origina-se a sedimentação, feita de acordo com regras pré-estabelecidas, alojadas na linguagem e na língua. Não há conhecimento sem sedimentação, pois é ela que dá sentido ao indivíduo e ao seu mundo (DIAS, 2011a, p. 3-4).

Outro importante pilar para o conhecimento é as interações humanas. Sem dúvida, há conhecimentos diferenciados, de acordo com o ambiente social em que o

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indivíduo nasceu, foi educado e teve sua formação profissional. Não se sabe exatamente o quanto isto será definitivo no mundo em transformação em que se vive hoje, e o quanto a mecanização e a informatização globalizada interfere na formação deste conhecimento associado à relação interpessoal. Marques (1993, p. 90) chama a atenção para a importância do “ouvir a palavra falada”, e que “a aparência que o olhar percebe” deve ser acrescida de fundamento em um mundo que necessita que as pessoas ouçam umas às outras. Esta interpretação ou reinterpretação de relações baseadas na experiência pessoal de convívio certamente é a mais humana de todas: só o homem escreve, com perfeição, suas mais complexas ideias, e só o homem demonstra, através de múltiplos sentidos e palavras faladas, sua forma de interpretar o mundo e de se relacionar com ele.

Não se poderá, no presente trabalho, deixar de considerar a importante e crescente informação vinda das telas virtuais. O conhecimento já não é mais o mesmo, e o conceito eletrônico, vindo de meios de comunicação virtual, é notoriamente imprescindível no mundo atual, embora também traga insegurança em relação ao que é definitivo e relevante. A velocidade em que ocorrem as mudanças de perfis e conceitos é enorme, e rapidamente transmitida através de redes de comunicação extremamente velozes. O filósofo francês Pierre Lévy (1956-) se refere ao fenômeno como “inteligência coletiva”, como se houvesse um grande cérebro gigante, que partilha funções cognitivas como memórias, percepção e aprendizado, aumentadas e transformadas por sistemas técnicos externos ao homem, como a internet e outros meios de comunicação (PERRET, 2002). Certamente, no estudo de grupos sociais específicos, o conhecimento vindo de redes eletrônicas de informação também é muito relevante.

É importante ressaltar, neste ponto, a necessidade do conhecimento das teorias da Sociologia do Conhecimento para o profissional sociólogo, a fim de legitimar e vigiar suas pesquisas, conhecendo os potenciais desta na construção do próprio saber científico, distinguindo o saber popular do saber científico. Certamente o conhecimento deve estar relacionado aos fatos sociais, que não se manifestam de forma igual nos diferentes períodos de tempo. Aliás, cada período da história manifesta seu conhecimento relacionado às trajetórias culturais e inserções nas relações de poder, sendo ainda necessárias as devidas contextualizações, a fim de inserção do resultado no mundo a ser pesquisado. Há ainda o “senso comum”,

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resultado prático, espontâneo, contemporâneo e complementar do viver diário, formado pelas necessidades cotidianas e pelas experiências dos atores nele inseridos (SILVA, 2011).

O sociólogo judeu Karl Mannheim (1893-1947) é considerado o inaugurador da sociologia do conhecimento, e afirma que os pensamentos humanos são moldados pela economia e cultura que os cercam (NASCIMENTO, 2005, p. 2). Assim, pode-se afirmar que ambas, economia e cultura, estão presentes no “fazer” social, baseadas no conhecimento do grupo social, determinando e selecionando as atividades de sobrevivência, do progresso material, de continuidade das convicções e preservação de modelos familiares.

A questão também é abordada por Jurgen Habermas no que é chamado por Marques de “teoria da interação” (MARQUES, 1993, p. 79). Nela, o conhecimento não é uma reflexão isolada, mas dialógica, processual, referenciada no grupo e na linguagem usual. Pressupõe uma relação íntima entre pensamento e sociedade ao redor, em constante interação. Trata-se de buscas as “dimensões sociais do saber” (SILVA, 2011). Ou seja: é necessário que a reflexão sociológica se apoie na Sociologia do Conhecimento, na investigação de interligações, de pontes entre vários tipos de realidade sociais. A complexidade deste tipo de conhecimento ainda se aprofunda ao se considerar a influência do “conhecimento de segunda ordem”, formado pela lógica, pela gnosiologia, filosofia e outras ciências não exatas. Estes saberes se entrelaçam em redes, necessitando serem acrescentados à razão e à ciência modernas. Só assim será realmente relevante.

Dentro do quadro da Sociologia do Conhecimento, a educação deve ser imprescindível. Há muitas idealizações a respeito do assunto no que se refere ao futuro. Mas uma das mais importantes é a do filósofo Edgar Morin (2006) expressas na obra “Os sete saberes necessários à educação no futuro”. Segundo o autor, há urgente necessidade em se expor problemas importantes, fundamentais, que permanecem ignorados, cuja consciência deverá acompanhar a educação do século 21, expressos pelos referidos sete saberes.

O primeiro saber são as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão. Já que o conhecimento é reflexo da realidade que cerca cada um, permeado de percepções e crenças, é necessário preparar-se para a possibilidade do erro e do risco da ilusão (MORIN, 2006, p. 31). O segundo saber trata dos princípios do conhecimento, e

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aborda a fragmentação das disciplinas e sua falta de contextualização. A compartimentalização de saberes deverá ser evitada, e acompanhar o contexto global para não se tornar inadequado (MORIN, 2006, p. 36). Já o terceiro saber é ensinar a condição humana como parte do pressuposto de que o homem é um ser físico, biológico e social, sendo necessário situá-lo no universo para que possa se identificar, utilizando a cultura como limite. Sem ela, o “homem seria um primata do mais baixo nível” (MORIN, 2006, p. 52). Depois, o quarto saber necessário será ensinar a identidade terrena que mostra o ser humano como planetário, contando com a dimensão humana para todas as raças, incluindo a herança de morte e, na contramão, da esperança e da modernidade (MORIN, 2006, p. 63-78). Expõe ainda o saber enfrentar as incertezas e como lidar com elas, vivendo a vida como uma grande aventura (MORIN, 2006, p. 79-89), o saber compreender e aceitar como “condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade” (MORIN, 2006, p. 93) e, finalmente, a ética do gênero humano, na busca de uma cidadania planetária, global (MORIN, 2006, p.105-106).

A breve síntese desta obra admirável de Morin, bem como dos demais autores tratados, são oportunos e pertinentes à Sociologia do Conhecimento. No final, todos se perguntam o que vale a pena construir, manter, incentivar, dentro do campo minado e inconstante do conhecimento humano. Toda a sua dimensão social hoje deve respeitar as diferenças, as particularidades, os relativismos. Mas, ao mesmo tempo, há lugares sagrados dentro do conhecimento, que tratam do amor, do respeito, da busca pela paz, pela fraternidade, pela consciência e pela ação solidária, muito mais do que conhecimento acadêmico. Este servirá de base, de visão, de análise de dados, mas a prática deverá segui-lo para que realmente seja frutífero. É nesta perspectiva que se pretende abordar e descortinar o universo das empregadas domésticas pesquisadas.

A empregada doméstica é uma figura importante dentro da sociedade atual, assim como o é também na cidade de Ijuí. Seu trabalho, embora não seja alvo reconhecimento público e seja uma atividade geralmente considerada humilde, sem atrativos para a mídia, torna possível a inserção no mercado de trabalho de muitas outras mulheres. Há também boa quantidade de trabalhadoras domésticas que ajudam a cuidar de crianças pequenas, de doentes, de idosos, e todas se encontram na mesma categoria.

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Este assunto é abordado por Sorj (2008, p. 77), quando se refere às atividades dentro do lar brasileiro:

No Brasil, todavia, prevalece a concepção de que as responsabilidades familiares são um assunto a ser resolvido privadamente pelas famílias, na medida em que as políticas públicas e as instituições voltadas, entre outras, à provisão e cuidados das crianças, idosos, doentes e portadores de necessidades especiais, são precárias e insuficientemente desenvolvidas. [...]. Mas geralmente este trabalho de cuidados é feito pelas mulheres, dificultando sua participação na vida pública.

Como normalmente o homem da casa é o principal provedor da família, cabe à mulher decidir quem vai cumprir as tarefas dentro de casa, ainda mais quando ela mesma exerce funções de trabalho fora do lar. Ao mesmo tempo, o exercício profissional da esposa e mãe só é possível caso haja alguém que cumpra as tarefas tipicamente consideradas femininas, como limpeza da casa, preparo de refeições, cuidado de filhos e outros membros da família que o necessitem.

O trabalho realizado pela empregada doméstica, porém, é um trabalho de abnegação e sacrifício. Geralmente, elas mesmas são mães e donas de casa, deslocam-se da periferia para o centro da cidade, e suas famílias se ressentem do cansaço, do excesso de trabalho, do fato de terem de compartilhar as tarefas domésticas. Ao mesmo tempo, a remuneração ainda é das mais baixas, fazendo com que a maior parte não deseje a mesma atividade para suas filhas. Assim, o problema principal desta pesquisa é: quais os efeitos do trabalho da empregada doméstica no seu ambiente familiar?

Ao lado desta questão principal, formam-se outras periféricas, que tratam das modificações emocionais trazidas pela falta de tempo, da distribuição de tarefas, do destino dos seus próprios salários, das providências tomadas para o cuidado de filhos menores, dos novos arranjos familiares e das perspectivas para o futuro.

Para responder a estas questões, foram realizados vários tipos de pesquisa. A parte bibliográfica da mesma se refere ao Capítulo 02, que trata do panorama histórico e social da empregada doméstica no Brasil. Nele, se descreve a maneira como a sociedade brasileira viu o trabalho doméstico através dos anos, como o mesmo tem se desenvolvido, quais as perspectivas atuais bem como as principais projeções para o futuro.

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O conteúdo do capítulo 03 é baseado nas respostas obtidas para as entrevistas semiestruturadas (RUBERT, 2009, p. 64) que foram realizadas com dez empregadas domésticas moradoras na periferia de Ijuí, e que trabalham em residências diversas do centro da cidade. Todas são ou foram casadas, e tem filhos residindo com elas. As respostas foram selecionadas em destaque, de acordo com a característica a ser ressaltada dentro da argumentação do capítulo. Esta parte da monografia é importante para que se possa detectar problemas, ansiedades, alegrias e expectativas do grupo selecionado.

A partir destas informações, o capítulo 03 tentará caracterizar as perspectivas futuras do emprego doméstico. Considerando sua situação histórica e sua situação atual, é possível encontrar alguns caminhos que deverão ser seguidos para maior valorização desta categoria, bem com a sobrevivência da profissão dentro da rede social. Assim, trata-se primeiramente do perfil da futura empregada doméstica, seguido do estudo das exigências de qualificação apresentadas pelo mercado de trabalho. Para que se possa dar continuidade à profissão, serão analisados arranjos familiares necessários ao equilíbrio doméstico no caso da mulher inserida em atividade remunerada externa, e a necessidade de instituições de apoio para que a classe trabalhadora mais pobre possa exercer suas funções com mais dignidade e tranquilidade, preservando a estabilidade e saúde familiar.

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1 EMPREGADA DOMÉSTICA NO BRASIL

Para delimitar e caracterizar o trabalho da empregada doméstica no Brasil, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, como parte dos procedimentos metodológicos em etapas consecutivas como identificação, localização e obtenção de documentos a respeito de determinado tema (MACEDO, 1996, p. 13). O valor da referida forma de pesquisa se evidencia neste caso, já que se ordena na busca de soluções, obrigando o pesquisador a estar atento ao objeto de estudo, sem se desviar por caminhos aleatórios (LIMA; MIOTO, 2007, p. 38).

Dentro do tema do presente estudo, a pesquisa bibliográfica buscou revelar a origem do trabalho doméstico feminino no Brasil, seu desenvolvimento como profissão, a incidência atual do trabalho, bem como a situação socioeconômica da classe na atualidade. Neste caso,foi imprescindível na obtenção de dados diretamente relacionados com o assunto, sendo esta uma das características deste procedimento metodológico. Segundo Lima e Mioto (2007, p. 43),

Reafirma-se a pesquisa bibliográfica como um procedimento metodológico importante na produção do conhecimento científico capaz de gerar, especialmente em temas pouco explorados, a postulação de hipóteses ou interpretações que servirão de pontos de partida para outras pesquisas.

Assim, a presente pesquisa bibliográfica se transforma no início da pesquisa deste importante grupo social, cujo trabalho dentro das residências se constitui em parte importante do dia a dia de famílias brasileiras, como organizadoras, cuidadoras, provedoras em seus locais de trabalho. Sua origem humilde não descaracteriza sua dedicação em duas direções: a casa onde trabalha e a sua própria casa e família.

1.1 Panorama histórico

O conceito para “empregado doméstico” é relacionado ao termo “domus”, que significa “lar”, “família”. Como “lar” se considerava anteriormente o lugar da cozinha

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onde se acendia o fogo. Mais tarde, foi associado ao “domus”, do latim “domesticum”, relacionado à “casa” e família”. O empregado doméstico será, então, independente de gênero sexual, aquele que trabalha com a família, dentro da habitação desta (NASCENTE JÚNIOR, 2009, p. 17).

No caso da empregada doméstica mulher, a problematização da profissão é mais complexa, já que ela sempre teve um papel subalterno na família brasileira, em modelo que foi copiado de tantas outras culturas. E quando se pensa em empregadas domésticas, sabe-se que o papel é duplamente desprezado: por ser trabalho feminino e por ser trabalho doméstico. No decorrer da história, sua designação passou por vários termos predecessores, como mucama, criada, serva. Todos simbolizam íntima e velada relação simbólica com mediocridade funcional e remuneratória (PEIXOTO, 2011).

O trabalho doméstico feminino guarda fortes vínculos funcionais com o trabalho escravo. Embora fossem vigiadas mais de perto e estivessem, tantas vezes, à mercê dos caprichos de seus patrões, as escravas da casa guardavam certa superioridade em relação aos escravos do campo, causada pela proximidade com a família. Após a abolição da escravatura, enquanto muitos dos escravos tentavam colocar-se no mercado de trabalho, no qual se preferiam os brancos europeus, muitas das ex-escravas se conservaram na residência dos ex-donos, como empregadas domésticas remuneradas, agregadas de família ou criadas (NUNES, 2007, p. 242). Durante certo tempo, isto fez com que permanecessem fazendo parte do imaginário escravista familiar, como se ainda fossem escravas (p. 244).

Na realidade, a história da empregada doméstica confunde-se com a história do escravismo, já que aos escravos era determinada a execução dos trabalhos desprestigiados, que nem sempre mereciam algum tipo de remuneração, que estavam designados geralmente às pessoas de cor. Anúncios de jornais de época retratam bem a realidade das condições de trabalho relacionadas à cor e mulheres sem qualificação profissional, como adolescentes ou idosas.

Precisa-se de uma criada de cor preta. Rua Visconde de Sapucahy, no.169ª”. “Precisa-se de uma negrinha para arranjos da casa e para cuidar das crianças. Paga-se 15 $. Rua do Ouvidor no. 20, Centro.” “Precisa-se de uma preta de meia idade que saiba cozinhar.” “Precisa-se de uma preta velha que saiba cozinhar e lavar, que durma na casa, na Rua General Polydoro n. 24.” “Precisa-se de uma crioulinha de 12 ou 13 anos para andar

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com crianças de ano e meio, Rua da Passagem 67, Botafogo”. “Precisa-se de uma senhora de idade ou de uma preta velha para serviços leves,na Rua da Ajuda, 67, 1º. Andar” (BIBLIOTECA NACIONAL, 1888 apud PEIXOTO, 2011).

A palavra mais relacionada ao emprego doméstico nos primeiros séculos da história do Brasil é a palavra “mucama”. Intimamente relacionada à escravidão, remonta ainda à própria origem africana. A palavra tem origem na língua quimbundo, e se refere a escravos domésticos de ambos os sexos, cativos do próprio povo nas aldeias nativas da Angola. Na sociedade patriarcal, colonial e imperial brasileira, surgem as escravas de porta afora e as escravas de portas adentro, estas cativas do trabalho doméstico e do aleitamento dos filhos dos senhores. Custavam caro, e representavam status social (SILVA, 2004).

No Brasil, bem como em outros países como os Estados Unidos, todo o trabalho doméstico era realizado por escravos. Durante o século 19 havia ainda a possibilidade de “ajuda contratada”, feita por mocinhas. Depois da abolição da escravatura, elas é que foram a maior fonte de trabalho doméstico feminino. Muitas vezes eram enviadas pelos próprios pais, como um passo intermediário entre sua própria casa e um casamento que deveria acontecer. Geralmente eram do campo, e seu trabalho era realizado em troca de casa e comida (MELO, 1998, p. 1).

Até o século XIX, na cidade de São Paulo, por exemplo, havia uma estreita relação do trabalho doméstico feminino com atividades que envolviam as pobres e as negras, envolvendo também a venda de alimentos na rua. As histórias de crimes e discussões podem ser recuperadas através de registros judiciais, mas se associava ao “trabalho invisível”, sem registros, sem documentos oficiais (TILLY; SCOTT apud BURKE, 2000, p.77).

No início do século 20 o trabalho doméstico das famílias que não eram pobres ainda era realizado por empregadas domésticas, inclusive o cuidado com idosos, com crianças recém-nascidas ( incluindo a amamentação), a companhia à viúvas. Estas situações trouxeram outras, ambíguas, envolvendo uniões ilegítimas e prostituição (NASCENTE JÚNIOR, 2009, p.11).

É bem verdade que as mulheres, desde o século 19, já exerciam atividades extras, trabalhando fora de suas residências ao vender produtos em mercados,

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mantendo pequenos negócios, realizando trabalhos como costuras e lavagem de roupas. Estas eram consideradas atividades de rua (FREITAS, 2008, p. 27).

Entretanto, o trabalho doméstico nas residências era realizado por aquelas que faziam parte do ideal de “servir”, relacionado ao elemento feminino. É a mulher que deveria, como dona de casa, mãe, esposa, prestar serviço à família. Assim, o trabalho doméstico pode ser visto como uma extensão desta ideia, já que “é um serviço pessoal para o qual cada mulher internaliza a ideologia de servir aos outros, ao marido e aos filhos” (MELO, 1998, p. 2).

No decorrer da história da empregada doméstica no Brasil, a legislação começou a se referir ao seu trabalho com mais detalhes. No Código de Postura do Município de São Paulo, a partir de 1886 as amas de leite e criadas deveriam ter direito a aviso prévio de oito dias, no caso de demissão. Esta se justificava em caso de doença, incapacidade, mau procedimento, imperícia, ofensa à honra do empregador ou sua família. O empregado também poderia ser despedido sem justa causa se saísse de casa a passeio ou negócios sem licença do patrão (NASCENTE JÚNIOR, 2009, p.15).

No Distrito Federal, na época Rio de Janeiro, em 1923 foi regulamentada a locação dos serviços domésticos, através do Decreto 16.107/23. Foram incluídos na classificação arrumadeiras, engomadeiras, copeiros, cozinheiros, jardineiros, amas-secas ou de leite, costureiras e damas de companhia. Todos deveriam apresentar carteira de trabalho expedida pelo Gabinete de Identificação e Estatística. Caso o empregado deixasse o emprego, deveria apresentar sua carteira à Delegacia de seu respectivo Distrito Policial, e, num prazo de 48 horas, obter um visto (NASCENTE JÚNIOR, 2009, p.15). Em 1949, através da Lei 605/49, houve a previsão e obrigatoriedade do repouso semanal a todos os trabalhadores, deixando, entretanto, de fora os trabalhadores domésticos. Somente na Constituição de 1988, este direito foi estendido a eles também.

No âmbito geral da história das mulheres do mundo, a década de 1960 foi muito importante. Nesta época, as mulheres em geral, incluindo as empregadas domésticas, movimentaram-se em torno de uma tomada de consciência em busca da autonomia feminina, da individualidade, da emancipação (GONZALES, 2010, p. 22). Esta nova postura trouxe novas indagações, já que o trabalho doméstico era visto até então como dentro do lar, gratuito e geralmente ligado à relação de

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serviços prestados. Começa-se então a cobrar do Estado: qual é o seu papel? Quem ajuda a quem e por que? (ROLLAS-SCHWEBEL, 1999, p. 62-63). Neste ponto, a pressão pela regulamentação de mais direitos em relação ao trabalho doméstico feminino também aumentou.

Todos os registros, carteiras e vistos tinham como objetivo principal não a proteção ao empregado, mas sim a identificação e fiscalização do trabalho doméstico. Em 1960, através da Lei 3.807/60,estabelece-se que o empregado doméstico pode filiar-se à Previdência Social, como segurado facultativo (CARNEIRO JÚNIOR, 2009, p.15).

O movimento feminista das décadas de 60 e 70 contribuiu para a denúncia contra a desvalorização do trabalho doméstico dentro do conceito de produção capitalista. O debate incluiu a necessidade da ampliação do conceito de trabalho, incluindo o trabalho doméstico. De acordo com Maria Cristina Bruschini (apud SILVEIRA; TITO, 2008, p. 30), “houve a necessidade de inovar, ao incluir o trabalho doméstico como atividade”. Obviamente, o trabalho doméstico começou a ser visto, desta forma, em dois âmbitos: por um lado, surgiam as profissionais femininas com trabalho fora do lar, e por outro lado, a presença requisitada de empregadas domésticas que realizassem os afazeres da casa, relacionados à limpeza, alimentação e cuidado com os filhos. Como ambas passaram a ser necessárias, a luta das mulheres contribuiu para o reconhecimento destas profissões dentro do mercado.

Dentro da perspectiva histórica do trabalho doméstico brasileiro, sabe-se ainda que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) excluiu o trabalho doméstico, colocando-o sob legislação especial. Ele se divide em “trabalhadoras mensalistas” que trabalham todos os dias e recebem salário, casa (opcional) e comida, e “diaristas”, que atendem à várias residências, recebendo pagamento semanal ou diário (MELO, 1998, p. 2).

1.2 As conquistas trabalhistas

Em 2006 havia no Brasil 6,6 milhões de trabalhadores domésticos, dos quais 93,2% eram mulheres. Os serviços domésticos domiciliares são o principal mercado

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de trabalho para as mulheres negras e pobres. Trata-se de ocupação geralmente precária dentro do contexto geral, apresentando os menores índices de rendimento. É também um dos mais altos índices de informalidade dentro dos trabalhadores urbanos do país (SORJ, 2008, p. 84).

A equiparação do trabalho das empregadas domésticas a outras categorias profissionais é assunto discutido pela Organização Social do Trabalho (OIT) há mais de 50 anos. Segundo a Organização, em 2010 existiam 52,6 milhões de empregados domésticos no mundo, sendo 19,6 apenas na América Latina. No Brasil, este número chega a 7,2 milhões, sendo que destes, somente 2 milhões possuem carteira assinada, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, relativo a 2009. O projeto da OIT, que deverá ser ratificado pelo governo brasileiro, prevê acréscimos importantes como pagamento de horas extras, adicionais noturnos, adicional por insalubridade, seguro desemprego e jornada de 44 horas semanais. Também o trabalho doméstico terá direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), cujo recolhimento é opcional até o momento (BANDEIRA, 2011, p.14).

Se as mulheres correspondem a 93% do total dos empregados domésticos do Brasil, pode-se ainda informar que destas, 61,6% são negras. 72,38 % do total ainda trabalham sem carteira assinada, em regime informal de trabalho, conforme os dados do IBGE, realizados no ano de 2009 (AVELINO, 2011, p. 29). O problema do trabalho escravo e semiescravo persiste em proporções menores, mas ainda representa 29,51%. Avelino (2011) considera trabalho semiescravo o que representa um ganho de até meio salário mínimo, mas não se refere à quantidade de horas trabalhadas.

Nos dias atuais, por lei, a empregada doméstica conta com os seguintes direitos, previstos em lei: carteira de trabalho anotada, com salário mínimo fixado, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos, feriados civis e religiosos, férias remuneradas de trinta dias, auxílio-doença pago pelo INSS, aposentadoria, vale-transporte. Além disto, pode contar com a irredutibilidade salarial, ou seja, seu salário não pode ser reduzido a não ser por acordo coletivo. Tem direito a férias proporcionais no término do contrato de trabalho, estabilidade no emprego em razão de gravidez, licença à gestante sem prejuízo de emprego e salário, aviso prévio de, no mínimo, trinta dias. O Fundo de

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Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) ainda é opcional. No caso de inclusão, tem também direito a seguro-desemprego (AVELINO, 2011, p.44).

1.3 Contexto socioeconômico atual

O trabalho doméstico feminino tem sido relacionado a mulheres que moram na periferia das cidades. No caso de Ijuí, esta também é uma realidade, e considerando-se as capitais maiores, o fato é ainda mais evidente. O próprio processo de periferização, como estudo histórico, é recente. Refere-se a países, línguas e regiões centralizadas e também à marginalização. A palavra “centro” é usada geograficamente, no sentido literal, ou metaforicamente, inclusive no sentido socioeconômico (BURKE, 2000, p.116). Desta forma, pode-se considerar os trabalhadores que exercem funções domésticas e pessoais como parte da categoria social denominada “baixa urbana”, juntamente com serviços gerais, ambulantes e outros. Mas, é sempre parte do grupo considerado como pouco exigente em termos de qualificação (ITABORAÍ, 2003, p. 159).

A baixa escolaridade ainda é uma das características principais da categoria no Brasil. Segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), em 2005, 17 % das empregadas domésticas do Brasil eram analfabetas, e 64,3% não completaram o segundo grau. No caso, um emprego doméstico parece representar certa “autonomia relativa” em termos sociais e culturais diferentes de seu próprio meio. Boa parte delas vê o emprego como temporário, preterindo o registro em carteira de trabalho para não “sujá-la” (CORRÊA, 2005, p. 23).

Outras opções de trabalho são certamente dificultadas pelo contexto socioeconômico aliado à baixa escolaridade. Há relação com a pobreza e precariedade dos primeiros anos de vida, especialmente no que se refere à educação e qualificação profissional, que favorece a formação do círculo vicioso: a origem adversa proporciona um mercado de trabalho desfavorável, que provavelmente não facilitará um futuro tranquilo e seguro (CORRÊA, 2005, p. 23).

Avelino chama a atenção para a pobreza, exclusão e discriminação como relacionadas ao emprego doméstico no Brasil (AVELINO, 2011, p.29). Realmente,

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até pouco tempo, “cozinhar, passar e cuidar da casa e dos filhos dos outros era uma das poucas opções disponíveis para a mulher pobre e com baixa escolaridade” (CARELLI, 2011, p. 111). Mas, no caso das empregadas domésticas com menor escolaridade e sem experiência profissional no mercado, ainda é considerado como porta de entrada para o trabalho urbano (MELO, 1998, p.6). Ou seja, há disposição para melhorar a condição geral de vida usando o emprego doméstico como ponte.

Por outro lado, pesquisa do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) (2011) aponta para o fato de que em 2009 apenas 26,3% das empregadas trabalhou com carteira assinada. Isto demonstra que, em dez anos, o percentual só cresceu menos de 3%, já que pesquisa semelhante feita em 1999 aponta para quase 24 % de trabalhadoras nesta condição. A renda média ainda permanece abaixo do salário mínimo, graças à informalidade.

Entretanto, o quadro parece estar mudando. E o principal fator é o aumento dos anos de estudo. Se em 1960 o brasileiro adulto tinha, em média, 1,8 anos de estudo, hoje ele conta com 7,2 anos. Metade dos trabalhadores com mais de 18 anos tem mais de onze anos de estudo. Este percentual ficava abaixo dos 30 % há dez anos. Com mais estudo, as jovens que, anos atrás, pensariam em trabalhar em casas de família como empregadas, hoje podem pensar em outras opções que as livrem do estigma social que cerca este tipo de trabalho (CARELI, 2011, p. 112).

Em Porto Alegre, a pesquisa do IBGE aponta para dois fatores interessantes que comprovam esta realidade. O primeiro é o aumento da escolaridade entre a categoria: no ano 2000, 74,8% das domésticas eram analfabetas ou com ensino fundamental incompleto. Em 2009 este percentual decresceu para 59,3%. Em 2000 apenas 18,5% cursou o Ensino Fundamental completo ou o Médio incompleto, sendo que em 2009 se apontava que 25,4 % estava neste patamar . Além disto, a pesquisa descobriu que 15,2% das domésticas tinham completado o Ensino Médio, com curso superior incompleto (CHAVES, 2011, p.13).

O segundo fator apontado pelo IBGE é que as empregadas domésticas atuais estão buscando novas oportunidades de trabalho. Há o fenômeno social do aumento da idade média, pois as mais jovens estão mudando para outros setores profissionais. Há 10 anos, a idade média das trabalhadoras domésticas de Porto Alegre ficava entre 25 e 39 anos. Na estatística de 2009 a parcela maior se encontra

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entre 40 e 49 anos, o que significa a migração das mais jovens para outros setores de trabalho (ROCHA, 2001, p. 9).

A busca por melhorias na área socioeconômica é uma luta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD). A presidente da organização afirma que a categoria lutará por equiparação dos direitos sociais com os demais trabalhadores que são regidos pela CLT. A reinvindicação não é a obtenção dos direitos “a conta-gotas”. Amparadas pela OIT( Organização Internacional do Trabalho), a exigência é que todos os direitos sejam concedidos já, embora possa também diminuir a oferta de trabalho, pelo peso dos novos custos de mão de obra (ILHA, 2011, p. 24).

Nas últimas décadas a participação da mulher nos mercados de trabalho tem aumentado consideravelmente, independente das flutuações do mercado econômico (LAVINAS, 1999, p. 38). Ao se considerar a empregabilidade como capacidade para o trabalho e para a obtenção de um emprego, a mulher oferece requisitos e adequações importantes que fazem parte de sua capacitação. Ela é capaz de habilidades específicas, utilizando-se de aspectos subjetivos como o trabalho doméstico, reproduzindo sua capacidade de comunicação e atuação coletiva. Isto fortalece redes em lugar de hierarquias (LAVINAS, 1999, p. 40-41).

Mas também é evidente o decréscimo do número de trabalhadores domésticos nos últimos quatro anos. A população ocupada com a profissão nas seis maiores regiões metropolitanas do Brasil diminuiu 19%. Isto significa que, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho, 1,1 milhão de babás e domésticas sumiram dos lares brasileiros, o que caracteriza um novo fenômeno social. Mas ainda permanece a multidão de 6 milhões de brasileiras dentro da força de trabalho que envolve panelas, esfregões e bebês. Ou seja: sete em cada cem trabalhadoras permanecem nos seus empregos dentro de residências (CARELLI, 2011, p. 110).

Neste aspecto, o trabalho da empregada doméstica é admirável: além de sacrificial em relação à sua própria vida, ela se encaixa no formato que se lhe oferece no ambiente de trabalho, e normalmente consegue adaptar-se sem problemas, sabendo que aí está para trabalhar dentro do contexto familiar de outro núcleo social. Apenas nos últimos tempos, com a migração jovem para outros setores de trabalho, é que a escassez de profissionais da área trouxe mais exigências pessoais, depois de anos de trabalho silencioso e cordato.

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1.4 Contexto familiar

A constituição da família é um dos assuntos que mais se relacionam ao trabalho da empregada doméstica. E este assunto é englobado pelas ciências sociais há muito tempo, inclusive dentro da linha marxista, relacionando-o a trabalho escravo. Engels (apud GONZÁLES, 2010, p. 49), em “A Origem da família, da propriedade privada e do estado” afirma que “a família individual moderna se funda na escravidão doméstica explícita ou mais ou menos dissimulada da mulher. [...]. O homem é na família o burguês, a mulher representa nela o proletariado”.

Tanto Marx como Engels não consideraram a presença da mulher como um grupo social diferenciado dentro da classe trabalhadora, mas sim como vítima de dupla opressão: casamento e marido de um lado e a opressão sobre o proletariado (GONZÁLES, 2010, p. 51-52). Ambos também reconheceram a mulher trabalhadora e assalariada do capitalismo com possibilidade de independência financeira, mas não de emancipação. Mulheres, neste contexto, só trocam de opressor: ou o trabalho ou o marido (GONZÁLES, 2010, p. 61).

Dentro do atual contexto social, há muitas mudanças à vista: casais não coabitantes, lares mono-parentais, redução das relações de dependência conjugal (ALBARRACIN, 1999, p. 65). Isto significa que novos arranjos familiares deverão surgir, a partir do trabalho feminino. Isto poderá significar a libertação da opressão pensada por Marx, mas também pode significar acúmulo de trabalho.

Este acúmulo de trabalho, em parte, vem do crescente número de mulheres que chefiam suas próprias casas. Entre as empregadas domésticas este número parece bem significativo, e tem crescido: de 11,7% nos anos 80 foi para 18,2% em 2006. Há também redução da presença de avós e outros familiares (SORJ, 2008, p. 78). Mas, mesmo que a família esteja completa, não importa se a mulher é a principal provedora da casa, ela continua sendo a responsável pelos serviços domésticos (IPEA INVESTIGA A CHEFIA FEMINNA DAS FAMÍLIAS, 2010, p. 15).

A chefia das casas feita pelas mulheres apontou através do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2009) (2011) um aumento de 27% para 35%. É um fenômeno tipicamente urbano, mas ocorrente em todo o país. O aumento da participação no mercado de trabalho pela mulher é um dos fatores. Clara Zetkin

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(apud GONZALES, 2010, p. 60-62), estudiosa marxista alemã, afirmou que a mulher só se realiza plenamente, como ser humano completo, através da maternidade e do trabalho externo remunerado. Assim, também poderá abrir seus horizontes.

Visto desta forma, percebe-se que o relacionamento familiar da mulher não precisa ser sua única fonte de realização pessoal. Mas parece evidente que a emancipação feminina contribuiu para a maior incidência de mulheres sozinhas. Ao mesmo tempo em que se fortalecem os mercados externos do trabalho feminino, parecem enfraquecer os laços com os maridos ou companheiros. Talvez estes estejam menos preparados para dividir a esposa e mãe de seus filhos com o mercado externo de trabalho.

Considera-se que a mulher deve assumir o seu papel social na família, considerando o termo como definidor da função que as pessoas exercem na sociedade. O que se espera das pessoas é o cumprimento de sua função, através das relações funcionais, o que as definem dentro do mundo anônimo e funcional (TOURNIER, 2005, p. 68). Pode-se ainda pensar que o papel social é definido a partir de padrões de comportamento esperados em aqueles que ocupam determinado lugar na estrutura social (BURKE, 2000, p.71).

Neste caso, percebe-se que quando a mulher exerce uma profissão como a de empregada doméstica e ainda deseja exercer o seu papel social familiar, a carga se torna bastante pesada. Há ainda o fato inegável de que na família da época atual evidencia-se o grande aumento de famílias com um só dos pais. Há muitos divórcios, separações e rompimentos. Este dado é inclusivo de países mais desenvolvidos como os Estados Unidos, onde uma em cada quatro crianças mora com um só dos pais (TOFFLER, 1980, p. 217).

Historicamente, a vida pública era do homem e a privada ou familiar ficava a cargo da mulher. Era ela que cuidava dos filhos e das questões da casa, enquanto o homem tinha funções jurídicas e sociais. Mulheres e crianças iam à missa, homens se encontravam no bar. E as mulheres nem mesmo eram consultadas em questões que envolvessem os bens comuns (LUDOVICO, 2010, p.34). Pode-se perceber, desta forma, a luta feminina em busca do cumprimento de papeis sociais duplos: dentro e fora de casa. O esperado social histórico é que a mulher cuide bem de sua casa e filhos, e isto não inclui cuidar de outra casa e dos filhos de outra família. Por

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isto, nem sempre o resultado obtido é seguido de compreensão ou apoio de todos os seus membros.

De fato, é inegável que é o trabalho doméstico que exerce um papel-chave na produção dos meios de vida da humanidade. É necessário para a sobrevivência da sociedade, já que provê alimentação, vestimentas e outros meios de subsistência, todos fundamentais (ALBARRACIN, 1999, p. 46). É ele também que, embora não produza mercadoria de troca, é considerado socialmente necessário, produzindo uma parte dos valores necessários para reproduzir a força de trabalho fora dos circuitos do mercado (ALBARRACIN, 1999, p. 55).

Ao se considerar o trabalho doméstico dentro e fora da família, é notável o fato de que as mulheres trabalham muito mais. Aliás, mesmo trabalhando horas fora do próprio lar, as horas trabalhadas dentro de casa não diminuem. Assim, verifica-se uma intensificação das jornadas de trabalho, ainda influenciadas pela chegada dos filhos. Geralmente, quando há filhos pequenos, reduzem-se as horas trabalhadas pelas mulheres, mas elas são retomadas a partir da idade escolar. Esta oscilação não acontece na jornada de trabalho masculina (FREITAS, 2008, p.33). Ao mesmo tempo, quando os ganhos não compensam os custos de substituição da mãe no cuidado com a criança, há índices significativos de desistência do trabalho externo.. Na realidade, a permanência do emprego da mãe depende frequentemente de arranjos familiares, ou seja, a ajuda de parentes ou creches populares (ITABORAÍ, 2003, p.168).

Ao se considerar a presença dos filhos, a sobrecarga em relação à família é ainda maior. A criança nasce prematura na espécie humana, e só consegue procurar comida após o primeiro ano. A mãe sabe que é ela que deve providenciar e suprir as principais necessidades do filho pequeno. O trabalho sempre traz crise interior à mulher (TOURIER, 2005, p. 77). Assim, acumula funções em relação à casa e aos filhos, junto com a carga profissional, neste caso, braçal, gerando sobrecarga, estresse e mau humor (LUDOVICO, 2010, p. 41-42).

Tais mudanças geram alterações na própria instituição do casamento, e, muitas vezes, luta contra o próprio parceiro. Pode haver certa “luta espiral de poder”, já que muitos homens se sentem inseguros com a perda do poder e prestígio, considerando a esposa envolvida no trabalho doméstico. Ao mesmo tempo, é

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evidente que eles mesmos se alegram com o aporte econômico gerado (LUDOVICO, 2010, p. 105).

A participação masculina nos trabalhos domésticos ocorre mais nos extratos inferiores de renda, embora não seja muito marcante. Isto faz com que as mulheres trabalhem, em média, 60 horas semanais, considerando atividades remuneradas e não remuneradas. Os homens, no mesmo caso, trabalham apenas 53,7 horas, de acordo com as pesquisas do PNAD 2005. A mesma pesquisa ainda demonstra que 51,1 % dos homens realizam tarefas domésticas, contra 90,6 % das mulheres (SORJ, 2008, p. 82-83). Assim, pode-se demonstrar a insuficiente participação masculina nos lares em que as mulheres trabalham fora, causando cansaço e estresse nas relações familiares.

As características das famílias das empregadas domésticas certamente são afetadas pelo trabalho das mesmas. Elas dificilmente, ao contrário do exercício de outras profissões femininas, poderão contar com auxílio pago de outra auxiliar para suas tarefas domésticas. Assim, são empregadas domésticas em seus empregos e empregadas domésticas dentro de suas próprias casas. A análise da pesquisa de campo, obtida através de entrevistas semiestruturadas, demonstra esta realidade.

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2 A EMPREGADA DOMÉSTICA DA PERIFERIA DE IJUÍ E SUA FAMÍLIA

Dentro da pesquisa social, a entrevista semiestruturada ou semipadronizada é uma das formas mais utilizadas. Como o universo a ser analisado é a família da empregada doméstica, este tipo de entrevista foi considerado mais apropriado justamente por “não impor ao entrevistado uma completa estruturação da fala, considerando-o um portador de cultura independentemente de sua classe social” (RUBERT, 2009, p.64). Além disto, cada vez que uma pesquisa busca atributos, qualidades ou características, a variável é considerada qualitativa, sendo a estatística possível, mas secundária em sua aplicabilidade (MONTARDO, 2010, p. 18). Este é o caso da presente pesquisa, onde a estatística numérica não foi considerada necessária para a obtenção dos resultados, já que o número das participantes era limitado a dez, tendo todas elas a mesma profissão, trabalhando na mesma cidade, vindas da periferia.

Justifica-se ainda a entrevista semiestruturada nesta pesquisa por considerar-se que na mesma deverão considerar-ser focalizados determinados assuntos, com um roteiro de perguntas principais, que possam ser ampliadas ou complementadas por outras questões que vierem à tona, interessantes às circunstâncias do relato momentâneo, sem o condicionamento de um padrão pré-estabelecido (MANZINI, 1990-1991, p. 154). A aplicabilidade destas características foi necessária, já que as informações recebidas eram pessoais e diferentes em cada caso.

Em vários casos, houve também abertura para a abordagem de tópicos diferentes, não previstos, o que também “possibilita ao pesquisador enxergar um tema ou trajetória de vida sob ângulos inusitados, podendo resultar na alteração prévia de suas hipóteses” (RUBERT, 2009, p. 66). O desenrolar das conversas durante as entrevistas mostrou, praticamente em todos os casos, esta característica, o que pode ser comprovado no Anexo 01. O nome das entrevistadas é fictício, sendo documentadas na ordem em que foram realizadas, obedecendo à ordem alfabética. Assim, “Amália” foi a primeira entrevistada e “Joana” a décima.

As entrevistas com as empregadas domésticas foram realizadas no seu local de trabalho, com o consentimento prévio de suas empregadoras. De maneira geral, todas aparentaram interesse pelas perguntas, e algumas se sentiram importantes

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por estarem participando de um trabalho acadêmico. Foram utilizadas dez perguntas, que foram respondidas por elas, e gravadas através de gravador de voz, sendo posteriormente transcritas. Nestas, foram obtidas informações de áreas importantes de seu cotidiano, como fatores determinantes da forma como se relacionam com sua vida familiar. As perguntas básicas foram:

a) Informações gerais a respeito do tipo de trabalho, horário a ser cumprido, estado civil, filhos, bairro em que reside.

b) Como é sua família?

c) Em que consiste o seu dia a dia? d) Qual o destino do seu salário?

e) Sente-se feliz ou realizada com seu trabalho? f) Possui carteira assinada?

g) Quem cuida dos filhos enquanto trabalha?

h) Quem ajuda nas tarefas domesticas de sua casa? i) Como é o rendimento escolar de seus filhos? j) Você sente algum sintoma de estresse?

Nas respostas, algumas vezes foi necessário abordar temas paralelos, como doenças de familiares, auxílios de avós, relacionamento com os filhos. Entretanto, o tema básico de cada pergunta foi mantido.

Não foi abordado o tema do pertencimento étnico das entrevistadas, já que todas são brancas ou mestiças com a raça índia ou cabocla, típica do norte do Rio Grande do Sul. É fato notório que no município de Ijuí a raça negra ou mestiça de negro com branco é minoria absoluta. Nesta entrevista, não foi considerado importante relacionar o tipo de trabalho e o tipo de relação familiar com o grupo étnico.

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Quadro 1: Pesquisa de campo

Tema/Caso 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10

Família completa

Sim Sim Sim Não Sim Sim Não Sim Sim Não

Horário integral

¾ Sim Sim Sim ½ 3/4 ¾ Sim ½ ½

Destino salário

Casa Casa Casa Casa Ajuda Ajuda Casa Ajuda Casa Casa

Grau de

satisfação

Mais ou menos

Mais Mais Mais Mais ou

menos

Mais Mais Mais Mais Mais ou

menos Carteira

assinada

Sim Sim Sim Sim Não Não Sim Sim Sim Não

Assistência filhos

Sim Não Não Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim

Auxílio nas

tarefas

Sim Não Não Pouco Não Não Pouco Sim Não Não

Sinais de

estresse

Sim Sim Sim Sim Pouco Sim Sim Não Sim Sim

Fonte: Kruger, 2011.

2.1 Características socioeconômicas das famílias

2.1.1 Estrutura familiar

Ao analisar a estrutura familiar das empregadas domésticas entrevistadas, visa-se configurar o seu estado civil, quantidade de filhos, a idade dos mesmos e sua relação residencial (se moram ou não com a mãe), se há a presença de outros familiares no lar, qual o motivo de sua presença. Brevemente também foi abordado o tema da divisão de tarefas domésticas em cada caso.

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Dois dos casos estudados envolvem casais separados recentemente. Em um dos casos, a empregada é viúva, porém tem um relacionamento de “namoro sério”. Portanto, em sete dos dez casos as mulheres estão casadas. Metade casou-se cedo, ou seja, antes dos vinte anos. Todas elas tem filhos, e a maioria deles são menores. É o caso de Eloá, a mais jovem das entrevistadas, de 25 anos, com um filho de 5 anos. Casou-se antes dos 18 anos, e, apesar da pouca idade, assume funções duplas de trabalho, em casa e no emprego. O mesmo acontece com as outras, cuja carga de trabalho já dura muito tempo.

Eloá: [...] Tem muitos anos que eu trabalho direto, assim. Hariet: Desde os treze, sempre nas casas.

Eloá: É...sempre nas casas. Depois de casada também, sempre direto. Tenho 9 anos de casada e não sei o que é tirar um...é que um tanto é por opção minha também. (Justificando o fato de ser doméstica) Claro que, por ele, assim, ganhando pouco ou bastante tu se mantém porque tu leva assim como tu ganha. Mas...(interrompe a conversa).

Uma das empregadas entrevistadas, Gládis, apresenta uma vida familiar conturbada, com seguidas tragédias em relação aos maridos. O primeiro, alcoólatra, pai de seus cinco filhos, morreu depois da separação. Casou-se novamente, e o segundo marido foi assassinado. O terceiro marido veio a falecer em um acidente de trabalho. É ela a chefe da família, constante de dois filhos que ainda moram com ela e o pai, inválido. Também Dirce, divorciada, assume sozinha o comando da casa, e se ressente do fato de o ex-marido não se importar com a família.

Hariet: Ele (ex-marido) tem emprego?

Dirce: Ele trabalha de caminhoneiro. [...] Eu até entrei na justiça e daí ele até tava dando uma pensão. [...] Daí uma época ele paga um mês, fica dois três sem pagar, aquela coisa toda.

Hariet: E agora ele não está ajudando nada....

Dirce: Não, agora não. Melhor não se incomodar. Já me incomodei tanto com esta função. E digo, olha, Deus vai me dar condição, e a gente vai levando como pode....

Esta característica de assumir a casa foi demonstrada por todas as entrevistadas que não contam com marido ou companheiro. Embora a situação não seja ideal, sua coragem e determinação são evidentes. Nota-se que elas preferem

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assumir as responsabilidades sozinhas a ter de se incomodar com processos judiciais.

Nas que são casadas ou mantém uma relação estável existe, pelo menos aparentemente, uma relação de companheirismo e cooperação nas tarefas domésticas. Nestes casos, nenhuma informação negativa foi prestada. Nenhuma informou alguma oposição por parte dos maridos, em relação ao seu serviço externo. Mas constata-se nas entrevistas o fato de assumirem as tarefas domésticas sozinhas, com praticamente nenhuma ajuda dos maridos.

Outra característica das estruturas familiares é a presença de pais ou sogros na mesma casa, no mesmo pátio ou na mesma rua. É o caso de Amália, de Beatriz, de Eloá, de Fernanda, de Gládis, de Hortência, de Íris e de Joana. No caso de Beatriz, Gládis e Joana, os pais ou sogros são doentes e precisam de ajuda. Nos outros, há o evidente interesse na ajuda mútua e na economia de aluguel, luz e água. Várias descreveram suas residências como “no mesmo pátio” ou “puxadinho”.

2.1.2 Estrutura econômica

Esta parte das entrevistas teve como objetivo analisar quais os membros da família que possuem renda, e quem é responsável pelas despesas usuais. Brevemente também foi analisado o tipo de moradia (própria, alugada, cedida ou compartilhada). O assunto mais detalhado, inclusive por preferência das entrevistadas, foi o destino do salário e a forma como é administrado.

Nos três casos em que a empregada doméstica é sozinha, ela também assume todas as despesas da família. Das que são casadas (sete pessoas), apenas uma afirma poder gastar o dinheiro naquilo que ela quiser. Todas as entrevistadas contribuem com seu salário para as despesas gerais da casa. Duas delas (Beatriz e Claudete) assumiram com seus salários os financiamentos das próprias casas.

Beatriz: Ah, eu ajudo em casa. Pago a casa que nós financiamos. O material de construção foi financiado, é. Então, eu pago a casa, trezentos e dez por mês, e pago as contas ainda.

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É evidente também a aplicação do salário recebido como doméstica na compra de móveis e utensílios, o que, sem sua contribuição, não seria possível. O depoimento de Amália é um dos exemplos desta constatação:

Com meu dinheiro consegui comprar umas coisinhas dentro de casa. Comprei um roupeiro, um armário de louças que não tinha desde que eu casei. A gente passou muito aperto, daí que meu marido às vezes fica sem serviço. Daí é o meu emprego que acode, pra comprar as coisinhas de dentro de casa.

Desta forma, percebe-se que a posição socioeconômica familiar é melhorada através do salário da empregada doméstica. E ela valoriza este fato, sabendo que, sem a sua contribuição, não seria possível manter o mesmo nível de vida. Ao mesmo tempo, a preocupação sempre presente é a aquisição de roupas e calçados para os filhos. Em todas as entrevistas, ficou claro que o salário do marido é insuficiente para suprir a necessidade da compra de bens menores, inclusive material escolar. E há também a necessidade de remédios que muitas vezes precisam ser adquiridos.

Hariet: E o teu salário, vai pra ti ou é tudo para a família?

Fernanda: Tudo pra família. Mais é pras meninas, né. Pago o rancho, compro as coisas pra elas, precisa roupa, calçado, né...

Hariet: Nada fica pra ti mesma...

Fernanda: Pra mim... quando sobra, né. Daí a mãe tira pra mãe, Mas é meio raro. Lá de vez em quando a gente dá uma desviada [...] Vai pra casa, pro rancho, comida, tudo...E tem a pequena que usa medicamento que eu tenho de comprar que é caro...

Hariet: Ah, ela tem problema?

Fernanda: Ela usa bombinha. E é caro aquilo...No inverno ela tem bronquite tipo “broncolite” que deu nela quando bebê. [...] Tem de fazer fisioterapia e usar bombinha pra ela poder respirar. E eu ainda pago plano de saúde pra ela, que ela tem imunidade baixa....

Há dois casos em que a empregada doméstica é completamente responsável pela situação financeira e social da família. É o caso de Dirce:

Hariet: E o teu salário, para onde vai?

Dirce.: Ah, o meu salário é todo pra família, né, porque eu sou sozinha. Pra mim nada.

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Hariet: Você não tem pensão, nada?

Dirce: Não. Ele dava até pensão que é do meu filho, né, e ele ajuda no aluguel, porque não tenho casa própria. Fora isto não. Roupa, calçado, tem de sair tudo do meu. Água, luz, gás, alimento, tudo. Tudo é do meu salário. Uma das características mais presentes em todas as entrevistadas é a dedicação à família. O salário (geralmente em torno de um salário mínimo) é gasto totalmente com os filhos e a manutenção geral da casa. Mas não se ouve tom de reclamação: parece que todas acham esta atitude natural, fruto de uma situação de necessidade. E existe a preocupação em não deixar faltar nada, principalmente às meninas (roupas e calçados). O material escolar é outra preocupação, junto com a compra de alimentos. O caso de Joana é ainda mais tocante: separada há quatro anos, tem uma filha com 25 anos portadora de nanismo (mede apenas 1,26 metros) e escoliose, cuida do pai com 83 anos, se recuperando de um grave acidente vascular cerebral, e assumiu a guarda de um menino de 11 anos, cuidado desde bebê por ela, abandonado pela mãe e pelo pai. A casa é dividida com a filha casada, que mora no porão. Mas, na conversa, fica evidente que todos dependem dela e de suas decisões.

Os arranjos familiares na área econômica também estão presentes, nos casos em que a casa ou o terreno é compartilhado.

Hortência: A minha sogra paga a luz, e paga o telefone, porque está no nome dela. Daí ela compra as coisas de comida. Ela sempre recebe primeiro, ela é aposentada. Daí ela compra primeiro, daí quando chega a minha vez, eu tenho convênio no supermercado, quando vira, eu vou lá e compro também. A gente vai se dividindo. Às vezes eu tô meio apertada, daí peço pro meu marido emprestar também. Empresta mas eu não devolvo, né (risadas).

Fica evidente que há certo orgulho no relato de quantas coisas puderam ser feitas com o acréscimo do salário como doméstica. Embora a maioria afirme ter autonomia, fica claro que o destino do dinheiro ganho é o pagamento de contas relativas à própria casa. Iris, cujo marido está doente no hospital (não quis especificar que tipo de doença), afirma pagar roupas e calçados dos filhos, além da “van” que transporta o mais velho para a escola. Mas, como o marido era caminhoneiro, sempre administrou tudo.

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Neste ponto cabe a constatação de que a empregada doméstica é também uma boa administradora. Impressiona o quanto o parco salário consegue adquirir e modificar as condições econômicas da família. Geralmente, as roupas são de boa qualidade, e há preocupação com o a qualidade dos alimentos servidos para a família. Várias citam o “ir ao centro” e “pagar umas contas” como parte de suas tarefas costumeiras. Já que o salário é pequeno, as prestações também o são, e não podem ser atrasadas. O atraso significaria perda de crédito, e perda da capacidade de pagamento.

2.1.3 Condições de horário e trabalho

Ao estudar as condições de trabalho da empregada doméstica, objetiva-se observar sua carga horária, as condições do ambiente em relação às tarefas que devem ser realizadas, seu relacionamento com as patroas e famílias em que trabalham e sua situação quanto ao tipo de emprego, neste caso, com a carteira de trabalho assinada ou não.

Com referência a este assunto, o índice de carteiras assinadas, 70 %, é bem acima do resto do Brasil. Nos casos em que a carteira não é assinada, ocorre o trabalho de faxineira, geralmente de duas vezes por semana, em várias casas. Já que a atual legislação trabalhista não obriga o vínculo empregatício neste caso, as empregadas não o solicitam. No caso da entrevistada Eloá, o emprego é de pouco tempo, mas pareceu não haver interesse no assunto, já que a carteira nunca havia sido assinada. Quanto à Joana, ela já entregou a carteira ao patrão, e está aguardando seu registro. Fernanda, que trabalha em várias casas como faxineira, afirma que está pensando no assunto, mas “nunca sobra” (tempo e dinheiro) para que se dedique ao assunto. Mas em todos os casos onde o emprego é de mais tempo e especialmente em tempo integral, a carteira e todos os direitos trabalhistas estavam sendo respeitados.

Todas as entrevistadas apresentam uma carga de trabalho pesada, que começa muito cedo e termina tarde da noite, após a realização das tarefas de sua própria casa. Beatriz, por exemplo, começa a trabalhar muito cedo, antes do horário comercial, para atender à filha menor da casa em que está empregada, enquanto a

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mãe, médica, vai trabalhar e a irmã mais velha vai à escola. E há vários casos em que elas ajudam a tomar conta de familiares doentes.

Beatriz: Eu levanto 10 pras 6, daí eu venho pro serviço seis e meia, que 7 e 15 já estou ali, no serviço, até as duas mais ou menos.

Hariet: Vem de ônibus...

Beatriz: Não, venho à pé, de manhã. Daí... vou pra casa, faço o meu serviço, ainda cuido da minha sogra, que tem Alzheimer. [...]Tá louco! Tem que atender ela, tem dias que ela come normal, tem dias que tem de dar na boca dela.

Claudete reside perto da Usina Velha, e tem um horário ainda mais apertado, graças à dificuldade com os horários de ônibus, pouco disponíveis.

Claudete: Ah! Nem vejo passar o meu dia! Eu trabalho das 8 da manhã até 4 e meia. Aí passo no comércio, pago minhas contas, pego o bebê na escolinha até as 6 horas. Aí chego em casa, tem a louça, casa pra limpar, janta pra fazer, roupa pra lavar e tudo. Aí, sempre vou dormir onze e meia, meia noite, pra deixar a casa mais ou menos organizada. No outro dia de novo, levanto às seis da manhã...

[...]

Claudete: Venho de ônibus. Até os horários dos ônibus são ruins. Tem só dois ônibus por dia. Tem de vir à pé um pedaço. Eu levo uma meia hora, com o nenê, da minha casa até a escolinha, Isso em dia bom. Dia de chuva eu levo mais....

O quadro de horário apertado está presente em nove dos casos. Apenas uma das entrevistadas, Hortência, não considera sua carga horária excessiva. Mas é evidente que todas as outras trabalham, na realidade, nos três turnos do dia, manhã, tarde e noite, reservando a parte do dia em que não estão nos empregos para realizar as suas próprias tarefas.

Em geral, todas as entrevistadas gostam dos seus empregos, e se consideram praticamente parte da família. A relação entre patroas e empregadas parece mais ser de parceria, onde uma complementa o trabalho da outra. Mesmo nos casos em que o emprego é recente, não houve nenhum tom de crítica ou descontentamento na forma de tratamento que recebem. Pelo contrário, algumas consideram relação de amizade e apreço pelos empregadores e, em especial por seus filhos.

Referências

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