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Na Região Sudeste do Brasil, considerada a mais desenvolvida, a demanda por empregadas domésticas era alimentada pela migração interna. Enquanto o país foi considerado como rural, “o campo fornecia um inesgotável fluxo de mão de obra barata” (CARELLI, 2011, p. 116). Com o desenvolvimento de regiões antigamente consideradas pobres como o Nordeste, este perfil está mudando drasticamente. Se o Nordeste provia São Paulo com empregadas domésticas e babás baratas, hoje, considerando-se a região a que mais cresce no Brasil, o quadro de ofertas de mão de obra mudou drasticamente. Entre 2001 e 2009 o PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) registrou 340.000 nordestinos migrando para o Sudeste, bem menos do que os 507.000 registrados nos cinco anos anteriores (CARELLI, 2011, p. 114).

Principalmente entre este grupo, ou como resquício do antigo escravismo, acontece ainda o problema da empregada que fica morando com a família empregadora, sendo oficialmente considerada “quase da família”, implicando em trabalho como troca de favores. Os empregadores fornecem cama, comida roupas e ajuda de custo, mas não providenciam carteira de trabalho assinada, não há limites

de horário de trabalho e nem inserção nos direitos sociais (DULTRA; MORI, 2008, p. 67). Este perfil de trabalho doméstico, bem mais raro atualmente, será inadmissível, e à curto prazo.

Atualmente, o percentual de empregadas domésticas está caindo. Só em Porto Alegre, o índice passou de 6,8% em 2003 para 6,3% em 2009, considerando- se o total das mulheres que trabalham em empregos formais (CHAVES, 2011, p.9). Há ainda a informação de que a idade média das empregadas aumentou, situando- se na faixa entre 40 e 49 anos, em 2009. As jovens, com mais opções de emprego, preferem procurar outro tipo de trabalho (CHAVES, 2011, p. 11).

Como forma de chamar a atenção sobre o futuro do emprego doméstico e corrigir suas distorções em relação a outras profissões, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) o escolheu como tema da conferência realizada em junho na Suíça. O objetivo principal é assegurar os direitos trabalhistas da profissão que ainda não estão inseridos. Segundo Márcia Vasconcelos (apud ROCHA, 2011, p. 11), coordenadora do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero e Raça no Mercado de Trabalho da OIT no Brasil, será necessário prestar atenção às mudanças.

Vêm ocorrendo mudanças no perfil da empregada e na configuração do mercado, mas ainda é uma ocupação que sofre déficit de regulamentação e a não observância de direitos. É um trabalho invisibilizado na sociedade, mas que sustenta a esfera produtiva (VASCONCELOS apud ROCHA, 2011, p.11).

Com mais oportunidades de trabalho e maior escolaridade, as mulheres só vão optar por este mercado de trabalho caso valer a pena: em busca de uma boa remuneração, carteira assinada e benefícios iguais os dos outros trabalhadores (ROCHA, 2011, p. 11). Pode-se concluir daí que, se antigamente o emprego doméstico era considerado como na época da escravidão, quando se trabalhava por comida, há mudanças importantes à vista: o emprego doméstico busca novos perfis que incluem piso salarial que ultrapassam o salário mínimo. Em São Paulo, este piso costuma ser de R$ 700,00 a R$1.500,00, com todos os direitos incluídos. As diaristas chegam a ganhar R$ 2.000,00, mas ainda sem direitos trabalhistas (MENEZES, 2011).

Se até a década de 70 as trabalhadoras domésticas eram desconsideradas como grupo produtor de trabalho e objeto de direitos trabalhistas e sociais, atualmente o quadro muda completamente, e tende a mudar mais ainda nos próximos anos. Entretanto, ainda será necessário incrementar sua sindicalização, já que somente 2 % das empregadas são filiadas a algum sindicato reconhecido pelo Ministério do Trabalho. O principal motivo deste pequeno percentual é que a maior parte da profissão é feita por mulheres, sendo ainda desvalorizado e precário (IPEA, 2011).

Outra mudança drástica é o final próximo da incidência de empregadas que residem no local de trabalho. Em apartamentos construídos até uma década atrás, é possível visualizar na chamada “área de serviço” um quarto anexo, muito pequeno, geralmente à beira do tanque e de máquinas de lavar roupa, junto às prateleiras de material de higiene e limpeza. Não possui janelas, e a única fonte de ventilação é a própria porta, direto para a área, onde também está acrescentado um banheiro, muito pequeno e de material inferior ao do restante da habitação, o que evidencia a discriminação da profissão. Mas, em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, se já é difícil arranjar uma empregada doméstica com salário abaixo de R$ 1.000,00 por mês, achar uma empregada disposta a dormir no emprego “já parece ter, para as patroas, grau de dificuldade similar ao de acertar na loteria” (CARELLI, 2011, p. 116).

Os novos apartamentos e casas não contam com o quarto, ou departamento de empregada geralmente (SCARPIN, 2011). Atualmente, a empregada residente no local do emprego nem parece mais ser opção de trabalho. Em 2009 apenas 2,7% das trabalhadoras domésticas mantinham este tipo de vínculo (IPEA, 2011). No Brasil, o caminho desta profissão parece direcionar-se ao dos países do Hemisfério Norte (Estados Unidos, Canada, Europa Ocidental), onde o hábito é que cada família cuide de sua própria casa. A faxineira, quando contratada, trabalha apenas uma vez por semana, e é de custo altíssimo. Empregadas “full time” só são possíveis em residências do tipo AAA, ou seja, pertencentes às camadas mais ricas da sociedade (SCARPIN, 2011).

Esta tendência já está chegando ao Brasil. É possível perceber, mesmo na busca por atores para este trabalho acadêmico, o aumento do número de diaristas em relação ao de empregadas domésticas de tempo integral. A tendência para o

futuro é mesmo a queda do número de profissionais mensalistas, ganhando força, além das diaristas, as profissionais contratadas para determinadas ocasiões (JABLOSNSKI; PASTORE; VASCONCELOS, 2011, p. 15). O número de diaristas tem crescido na proporção em que tem diminuído o número das que desejam trabalhar em tempo integral nas famílias. Há agências especializadas em percorrer cidades de interior em busca de interessadas, que, depois de selecionadas, são colocadas como destaque no site das mesmas. Mas nunca há candidatas suficientes para todos os clientes. (ROCHA, 2011, p. 11).

O assunto em relação ao trabalho doméstico da diarista está longe de ser um consenso. Há discussões a respeito da especificação do artigo 3º. da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que considera prestação de serviços “não eventual” como necessária para que se reconheça o vínculo empregatício. Vê ainda o emprego doméstico como prestação de serviços (PANTALEÃO, 2011). Na realidade, o termo usado na lei é “natureza contínua”, e trabalhar em alguns dias certos da semana pode ser considerado assim. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, locada em São Paulo, já deu ganho de causa a uma diarista que trabalhava nestas condições. De fato, há confusão entre “continuidade” e “eventualidade” (MAMEDE, 2006).

Por economia e para evitar o vínculo empregatício gerador de várias outras despesas ao empregador, a tendência para os próximos anos é o aumento do trabalho doméstico autônomo, como o da diarista. Entretanto, há outras questões ainda a resolver, já que o trabalhador autônomo, por definição, é aquele que exerce atividade profissional sem vínculo empregatício, por conta própria, assumindo seus próprios riscos, organizando, dirigindo e executando sua atividade sem subordinação. Como enquadrar a empregada doméstica como autônoma nestes casos? Uma das definições mais completas poderá ser a do Ministro Ives Gandra Martins Filho (apud PANTALEÃO, 2011), do Tribunal Superior do Trabalho:

O diarista presta serviços e recebe no mesmo dia a remuneração, geralmente superior àquilo que receberia se trabalhasse continuamente para o mesmo empregador, pois nela estão englobados e pagos diretamente ao trabalhador os encargos sociais que seriam recolhidos a terceiros. [...] Se não quiser mais prestar serviços para este ou aquele tomador, não precisará avisá-lo com antecedência ou submeter-se a nenhuma formalidade, já que é de sua conveniência, pela flexibilidade que goza, não manter um vínculo estável e permanente com um único

empregador, pois mantém várias fontes de renda provenientes de vários postos de serviço que mantém.

Parece certo, desta forma, afirmar que, apesar das classes média e alta das cidades principais terem organizado sua vida em torno das trabalhadoras domésticas, todos terão de se preparar para pagar mais caro por elas ou a viver sem seus serviços. “A ascensão social das empregadas domésticas é uma espécie de revolução doméstica, que impõe novos hábitos aos lares brasileiros” (CARELLI, 2011, p. 116), caracterizando um novo fenômeno social.