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2.1 Características socioeconômicas das famílias

2.1.2 Estrutura econômica

Esta parte das entrevistas teve como objetivo analisar quais os membros da família que possuem renda, e quem é responsável pelas despesas usuais. Brevemente também foi analisado o tipo de moradia (própria, alugada, cedida ou compartilhada). O assunto mais detalhado, inclusive por preferência das entrevistadas, foi o destino do salário e a forma como é administrado.

Nos três casos em que a empregada doméstica é sozinha, ela também assume todas as despesas da família. Das que são casadas (sete pessoas), apenas uma afirma poder gastar o dinheiro naquilo que ela quiser. Todas as entrevistadas contribuem com seu salário para as despesas gerais da casa. Duas delas (Beatriz e Claudete) assumiram com seus salários os financiamentos das próprias casas.

Beatriz: Ah, eu ajudo em casa. Pago a casa que nós financiamos. O material de construção foi financiado, é. Então, eu pago a casa, trezentos e dez por mês, e pago as contas ainda.

É evidente também a aplicação do salário recebido como doméstica na compra de móveis e utensílios, o que, sem sua contribuição, não seria possível. O depoimento de Amália é um dos exemplos desta constatação:

Com meu dinheiro consegui comprar umas coisinhas dentro de casa. Comprei um roupeiro, um armário de louças que não tinha desde que eu casei. A gente passou muito aperto, daí que meu marido às vezes fica sem serviço. Daí é o meu emprego que acode, pra comprar as coisinhas de dentro de casa.

Desta forma, percebe-se que a posição socioeconômica familiar é melhorada através do salário da empregada doméstica. E ela valoriza este fato, sabendo que, sem a sua contribuição, não seria possível manter o mesmo nível de vida. Ao mesmo tempo, a preocupação sempre presente é a aquisição de roupas e calçados para os filhos. Em todas as entrevistas, ficou claro que o salário do marido é insuficiente para suprir a necessidade da compra de bens menores, inclusive material escolar. E há também a necessidade de remédios que muitas vezes precisam ser adquiridos.

Hariet: E o teu salário, vai pra ti ou é tudo para a família?

Fernanda: Tudo pra família. Mais é pras meninas, né. Pago o rancho, compro as coisas pra elas, precisa roupa, calçado, né...

Hariet: Nada fica pra ti mesma...

Fernanda: Pra mim... quando sobra, né. Daí a mãe tira pra mãe, Mas é meio raro. Lá de vez em quando a gente dá uma desviada [...] Vai pra casa, pro rancho, comida, tudo...E tem a pequena que usa medicamento que eu tenho de comprar que é caro...

Hariet: Ah, ela tem problema?

Fernanda: Ela usa bombinha. E é caro aquilo...No inverno ela tem bronquite tipo “broncolite” que deu nela quando bebê. [...] Tem de fazer fisioterapia e usar bombinha pra ela poder respirar. E eu ainda pago plano de saúde pra ela, que ela tem imunidade baixa....

Há dois casos em que a empregada doméstica é completamente responsável pela situação financeira e social da família. É o caso de Dirce:

Hariet: E o teu salário, para onde vai?

Dirce.: Ah, o meu salário é todo pra família, né, porque eu sou sozinha. Pra mim nada.

Hariet: Você não tem pensão, nada?

Dirce: Não. Ele dava até pensão que é do meu filho, né, e ele ajuda no aluguel, porque não tenho casa própria. Fora isto não. Roupa, calçado, tem de sair tudo do meu. Água, luz, gás, alimento, tudo. Tudo é do meu salário. Uma das características mais presentes em todas as entrevistadas é a dedicação à família. O salário (geralmente em torno de um salário mínimo) é gasto totalmente com os filhos e a manutenção geral da casa. Mas não se ouve tom de reclamação: parece que todas acham esta atitude natural, fruto de uma situação de necessidade. E existe a preocupação em não deixar faltar nada, principalmente às meninas (roupas e calçados). O material escolar é outra preocupação, junto com a compra de alimentos. O caso de Joana é ainda mais tocante: separada há quatro anos, tem uma filha com 25 anos portadora de nanismo (mede apenas 1,26 metros) e escoliose, cuida do pai com 83 anos, se recuperando de um grave acidente vascular cerebral, e assumiu a guarda de um menino de 11 anos, cuidado desde bebê por ela, abandonado pela mãe e pelo pai. A casa é dividida com a filha casada, que mora no porão. Mas, na conversa, fica evidente que todos dependem dela e de suas decisões.

Os arranjos familiares na área econômica também estão presentes, nos casos em que a casa ou o terreno é compartilhado.

Hortência: A minha sogra paga a luz, e paga o telefone, porque está no nome dela. Daí ela compra as coisas de comida. Ela sempre recebe primeiro, ela é aposentada. Daí ela compra primeiro, daí quando chega a minha vez, eu tenho convênio no supermercado, quando vira, eu vou lá e compro também. A gente vai se dividindo. Às vezes eu tô meio apertada, daí peço pro meu marido emprestar também. Empresta mas eu não devolvo, né (risadas).

Fica evidente que há certo orgulho no relato de quantas coisas puderam ser feitas com o acréscimo do salário como doméstica. Embora a maioria afirme ter autonomia, fica claro que o destino do dinheiro ganho é o pagamento de contas relativas à própria casa. Iris, cujo marido está doente no hospital (não quis especificar que tipo de doença), afirma pagar roupas e calçados dos filhos, além da “van” que transporta o mais velho para a escola. Mas, como o marido era caminhoneiro, sempre administrou tudo.

Neste ponto cabe a constatação de que a empregada doméstica é também uma boa administradora. Impressiona o quanto o parco salário consegue adquirir e modificar as condições econômicas da família. Geralmente, as roupas são de boa qualidade, e há preocupação com o a qualidade dos alimentos servidos para a família. Várias citam o “ir ao centro” e “pagar umas contas” como parte de suas tarefas costumeiras. Já que o salário é pequeno, as prestações também o são, e não podem ser atrasadas. O atraso significaria perda de crédito, e perda da capacidade de pagamento.