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As exigências em torno de qualificação e especialização

Ao se imaginar o emprego doméstico como institucionalizado e sindicalizado, que é o rumo mais provável à médio prazo, é certo que a qualificação será uma das exigências cada vez maiores. Há que se pensar em no termo atrelado à noção de competência, ou seja, “dar conta das características subjetivas valorizadas e requeridas pelo mercado de trabalho em geral” (TARTUCE, 2004, p. 355).

Nas profissões atuais, para que haja perspectiva de sucesso são necessárias noções claras a respeito do “saber” e do “saber-fazer”. Assim, competência não significa apenas informação, mas a tradução de capacidades em tomadas de iniciativa que são necessárias no cumprimento da função. Ainda há demanda para o “assumir” e “cumprir” responsabilidades perante os eventos, acompanhados de capacidade para mobilizar saberes e atitudes necessários a fim de que, de forma autônoma, se possa resolver problemas inerentes a cada situação (TARTUCE, 2004, p. 358-360).

O trabalho doméstico qualificado deverá responder a estas demandas também. As situações diárias a serem vividas abrangem várias áreas, desde faxina, limpeza delicada, ajuda a pessoas idosas, cuidado com crianças, trato de animais domésticos, atendimento ao telefone ou à porta, presteza e exatidão nas informações dadas. Assim, várias empregadas domésticas, no intuito de qualificar

seu trabalho, permanecer no mercado e melhorar seu piso salarial, buscam cursos de qualificação.

É senso comum que a falta de treinamento específico para cada profissão é entrave para a sua valorização. No caso do emprego doméstico, que de acordo com todos os prognósticos, tende a ascender socialmente, a falta de qualificação reduziria a chance de melhoria na qualidade do emprego, piso salarial mais alto e estabilidade. Assim, já existem projetos sociais como o do Instituto Roberto Sampaio Ferreira, em parceria com o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial). Junto com a Casa Bombril, neste caso, visa elevar a profissionalização do serviço das empregadas domésticas em cursos que englobam módulos como qualidade de vida, ética e cidadania, execução de tarefas de limpeza e organização, cuidado com o vestuário, trato de plantas e animais domésticos e planejamento de refeições com qualidade e criatividade (DIAS, 2011b).

Atualmente, há um número razoável de cursos específicos para empregadas domésticas, que visam qualificá-las, o que demonstra o interesse pelo assunto. Elas mesmas buscam revitalização e recolocação no trabalho, percebendo a relação entre qualidade profissional e vantagens no trabalho. A tendência maior é que os patrões também procurem cada vez mais as domésticas que realizem seus afazeres com qualidade técnica (CAMPOS, 2009).

Outra tendência dentro do processo de qualificação, é a de especificação de tarefas. Dentro do ramo do serviço de babás, muitas já fazem questão de colocar a função específica na carteira de trabalho, não se envolvendo com as demais tarefas da casa. As empregadas do tipo “dois em um”, que cuidam da casa e das crianças, não devem sobreviver nos próximos anos. O trabalho é tão valorizado, que há pedagogas preferindo trabalhar nas casas como babás do que em escolas, recebendo salário mais alto e vivendo situações de menos estresse no trabalho residencial (CHAVES, 2011, p. 10).

No caso do serviço de babá, a busca por qualificação é grande e bastante vantajosa em termos de salário. Em Porto Alegre, há casos de especialista em crianças prematuras ou especiais que cobram R$ 140,00 por cada turno de 12 horas. Assim, o salário passa de R$ 3.000,00, garantindo a compra de carro novo, apartamento, filhos em escola particular e faculdade. Há aquelas com formação em enfermagem que deixam de trabalhar em hospital para trabalhar em casa. Cobram

bastante, mas a mãe sabe que a qualificação faz a diferença. No pensamento de uma delas, “as duas coisas andam juntas, qualidade e questão financeira” (ROCHA, 2011, p. 9).

Em novembro de 2005 o Ministério do Trabalho e Emprego desenvolveu um programa chamado “Trabalho Doméstico Cidadão”. O primeiro item dos três sugeridos trata exatamente da necessidade de qualificação. O programa sugere a busca pela elevação da escolaridade, com o objetivo de formar profissionais qualificadas a partir de programas específicos de qualificação social e profissional associado à elevação de escolaridade no ensino fundamental. Os outros dois itens se referem à ampliação da proteção social e à melhoria das condições de trabalho (DULTRA; MORI, 2008, p. 41).

A grande quantidade de eletrodomésticos presentes nas residências atuais traz a necessidade de qualificação em dois lados antagônicos. Considerando-se as classes sociais brasileiras como A, B, C, D e E, sendo “A” a mais alta e “E” a mais necessitada, entende-se a classe “A” como saturada, e a “B” como variável em relação à presença dos seguintes aparelhos elétricos: geladeira, freezer, chuveiro elétrico, ar condicionado, televisão, ventilador, micro-ondas, ferro elétrico, lava- roupas, microcomputador e impressora. Nos onze itens avaliados, a classe “C” é a que mantém índices com variáveis positivas, com uma média de dez aparelhos presentes na residência (FALCO, 2010, p. 143). Certamente, tão grande quantidade de eletrodomésticos favorece a busca por empregados domésticos que os saibam manusear, ler e interpretar manuais de fabricantes, mantendo-se atualizados em relação a novos aparelhos que poderão ser adquiridos pela família, considerando as três classes sociais como as possíveis empregadoras do setor de serviços domésticos.

Por outro lado, a referida presença de máquinas nas residências pode trazer o chamado “desemprego tecnológico”, ocorrendo a dispensa da empregada doméstica, que deverá ser substituída por aparelhos eletroeletrônicos, como já ocorre nos países mais desenvolvidos. Dados do IBGE, segundo Monteclaro (2010) confirmam esta suposição.

É interessante notar que em todas as regiões do país, o número de eletrodomésticos presentes nas residências, como geladeira, freezer, máquinas de lavar roupa, rádio e televisão... tiveram aumentos razoáveis de

1993 a 2003. Como a renda por domicílio caiu 8 % de 2002 para 2003, a explicação só pode estar no fato de que estes equipamentos deixaram de ser luxo e passaram a ser necessidade vital. Geladeira, freezer e máquina de lavar liberam o trabalho feminino do domicílio para o mercado (MONTECLARO, 2010).

Nesta perspectiva, deve-se notar que, ao mesmo tempo em que a mulher é liberada para o trabalho formal, pode-se supor a dispensa da empregada doméstica de tempo integral, já que suas funções podem ser parcialmente substituídas pelos eletrodomésticos. Assim, novamente vem à tona a necessidade de qualificação, já que as detentoras de habilidades específicas como cozinhar, congelar, organizar, cuidar de crianças ou idosos, deverão manter-se no mercado de trabalho. As que não se especializarem poderão facilmente ser colocadas à margem, perdendo seus postos de trabalho.

De qualquer forma, sabe-se que a especialização é uma das características da época atual. Assim, é bem provável que sua demanda aconteça também no emprego doméstico remunerado. Assim, como já acontece em vários lares, há a busca por profissionais diferentes para áreas diferentes: uma babá especializada para a idade dos filhos menores, uma cozinheira especializada na preparação de alimentos de acordo com o gosto da família, uma organizadora/faxineira que deixe a residência em condições ideais de uso. A babá trabalha por turnos, a cozinheira vem duas vezes ao mês, passa o dia inteiro preparando alimentos, os embala e congela, a organizadora vem duas vezes por semana para limpar e organizar roupas, móveis, limpar e desinfetar. Esta já é uma realidade nos países desenvolvidos, e acontece normalmente nas famílias de classe média e alta das capitais. Não demorará a ser modelo, e exigirá especialização no trabalho doméstico remunerado, como já acontece em todas as outras profissões.