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2.1 Características socioeconômicas das famílias

2.1.3 Condições de horário e trabalho

Ao estudar as condições de trabalho da empregada doméstica, objetiva-se observar sua carga horária, as condições do ambiente em relação às tarefas que devem ser realizadas, seu relacionamento com as patroas e famílias em que trabalham e sua situação quanto ao tipo de emprego, neste caso, com a carteira de trabalho assinada ou não.

Com referência a este assunto, o índice de carteiras assinadas, 70 %, é bem acima do resto do Brasil. Nos casos em que a carteira não é assinada, ocorre o trabalho de faxineira, geralmente de duas vezes por semana, em várias casas. Já que a atual legislação trabalhista não obriga o vínculo empregatício neste caso, as empregadas não o solicitam. No caso da entrevistada Eloá, o emprego é de pouco tempo, mas pareceu não haver interesse no assunto, já que a carteira nunca havia sido assinada. Quanto à Joana, ela já entregou a carteira ao patrão, e está aguardando seu registro. Fernanda, que trabalha em várias casas como faxineira, afirma que está pensando no assunto, mas “nunca sobra” (tempo e dinheiro) para que se dedique ao assunto. Mas em todos os casos onde o emprego é de mais tempo e especialmente em tempo integral, a carteira e todos os direitos trabalhistas estavam sendo respeitados.

Todas as entrevistadas apresentam uma carga de trabalho pesada, que começa muito cedo e termina tarde da noite, após a realização das tarefas de sua própria casa. Beatriz, por exemplo, começa a trabalhar muito cedo, antes do horário comercial, para atender à filha menor da casa em que está empregada, enquanto a

mãe, médica, vai trabalhar e a irmã mais velha vai à escola. E há vários casos em que elas ajudam a tomar conta de familiares doentes.

Beatriz: Eu levanto 10 pras 6, daí eu venho pro serviço seis e meia, que 7 e 15 já estou ali, no serviço, até as duas mais ou menos.

Hariet: Vem de ônibus...

Beatriz: Não, venho à pé, de manhã. Daí... vou pra casa, faço o meu serviço, ainda cuido da minha sogra, que tem Alzheimer. [...]Tá louco! Tem que atender ela, tem dias que ela come normal, tem dias que tem de dar na boca dela.

Claudete reside perto da Usina Velha, e tem um horário ainda mais apertado, graças à dificuldade com os horários de ônibus, pouco disponíveis.

Claudete: Ah! Nem vejo passar o meu dia! Eu trabalho das 8 da manhã até 4 e meia. Aí passo no comércio, pago minhas contas, pego o bebê na escolinha até as 6 horas. Aí chego em casa, tem a louça, casa pra limpar, janta pra fazer, roupa pra lavar e tudo. Aí, sempre vou dormir onze e meia, meia noite, pra deixar a casa mais ou menos organizada. No outro dia de novo, levanto às seis da manhã...

[...]

Claudete: Venho de ônibus. Até os horários dos ônibus são ruins. Tem só dois ônibus por dia. Tem de vir à pé um pedaço. Eu levo uma meia hora, com o nenê, da minha casa até a escolinha, Isso em dia bom. Dia de chuva eu levo mais....

O quadro de horário apertado está presente em nove dos casos. Apenas uma das entrevistadas, Hortência, não considera sua carga horária excessiva. Mas é evidente que todas as outras trabalham, na realidade, nos três turnos do dia, manhã, tarde e noite, reservando a parte do dia em que não estão nos empregos para realizar as suas próprias tarefas.

Em geral, todas as entrevistadas gostam dos seus empregos, e se consideram praticamente parte da família. A relação entre patroas e empregadas parece mais ser de parceria, onde uma complementa o trabalho da outra. Mesmo nos casos em que o emprego é recente, não houve nenhum tom de crítica ou descontentamento na forma de tratamento que recebem. Pelo contrário, algumas consideram relação de amizade e apreço pelos empregadores e, em especial por seus filhos.

Claudete: Ah! Aqui eu estou muito feliz. Ela (a patroa) eu adoro ela. É trabalho normal de dentro de casa, e eu não me considero uma empregada. Eu me considero uma pessoa da família, Vejo os problemas e ajudo a resolver. É da mesma forma que ela me trata também.

Beatriz ainda elogia a patroa por, além de pagar seu salário, não descontar sua parte na contribuição ao INSS. E sente-se muito ligada à filha menor.

Hariet: mas você gosta de trabalhar....

Beatriz: Ah! Gosto mesmo. Adoro este toquinho (a filha menor da patroa, de 8 anos). E é um serviço bom mesmo. Sempre gostei de trabalhar.

Hariet: E você tem carteira assinada...

Beatriz: Tenho. Pago INSS e tudo. A patroa não me desconta nada, é ela mesma que paga tudo.

O tempo de serviço conta como intensificador deste tipo de relacionamento. Há o convívio com situações compartilhadas que fazem com que o vínculo entre a família empregadora e a empregada ultrapasse o simples vínculo empregatício. É o caso de Gládis, com muitos problemas familiares, três vezes viúva, mas considerando-se parte da família em que trabalha.

Gládis: Eu gosto de trabalhar aqui. Faz anos que eu tô aqui. Hariet: E se começasse de novo...

Gládis: Ia fazer tudo de novo. Algumas coisas eu ia tirar fora, né, que são aquelas desgraças que aconteceram. Mas o resto... eu ia persistir... trabalhar. [...] Eu gosto de trabalhar aqui. O menino era pequeno quando comecei (filho da casa). Faz uns 10 anos que trabalho aqui. Eu me acho parte da família aqui.

Em todos os casos observados tem-se a impressão de que existe satisfação de ambos os lados. Embora os trabalhos domésticos sejam pesados, nenhuma das empregadas pretende deixar de trabalhar. Apenas uma, Iris, está fazendo curso profissionalizante para mudar de emprego futuramente, mas sem deixar de elogiar sua própria profissão. Há certo interesse, do lado das patroas, na preservação de sua intimidade, mas nenhuma delas abre mão de contar com auxílio para os trabalhos mais pesados, devido às limitações físicas, e, principalmente, pelo fato de terem, elas mesmas, horários de trabalho a cumprir. Este fato demonstra o que as

empregadas percebem: seu trabalho é realmente importante para o equilíbrio familiar e para a inserção da mulher no mercado de trabalho.