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2.2.1 O cansaço físico

Ao observar o grau de cansaço físico, leva-se em conta as múltiplas jornadas de trabalho que a empregada doméstica geralmente enfrenta. Percebe-se que nunca há descanso verdadeiro. Os finais de semana são tomados para colocar em ordem o trabalho da sua própria casa, as roupas, algumas compras e a inserção de um ou outro mimo especial para a família. Nenhuma das entrevistadas citou alguma atividade diferente em dias de férias ou feriados.

Amália: No sábado a gente ergue tudo ( os móveis). Isto é serviço do meu marido. Eu fico fora, com as roupas. Bato elas na máquina, e depois torço e estendo. Faço pão no sábado e no domingo alguma coisa para eles comer, um bolo, coisa assim. E ainda tem a construção, que nós estamos fazendo um aumento, que nossa casa é muito pequena. Com nossos filhos crescendo, tem que ter mais um quarto. E é tudo nós mesmos que fazemos. O trabalho extra em reformas ou melhoramentos da casa é realizado sempre nos finais de semana. Há casos em que a família apoia uma atividade externa, para gerar mais uma renda extra. É o caso de Amália, Beatriz, Claudete e Gládis. Claudete conta alguns detalhes:

Hariet: Mas no fim de semana você descansa...

Claudete: Não... eu trabalho, passo cuidando da minha casa. Meu esposo, além de trabalhar no sábado até o meio dia, ainda pega serviço extra de pedreiro...Mas estamos conseguindo comprar um carro, tem que pagar. O financiamento da casa, tem que pagar. [...] Eu, sábado de tarde, ele colocando um forro numa casa, foi a única hora pra gente tomar um chimarrão. Daí eu fui junto, pra gente tomar um chimarrão, né. Aí, viemos pra casa, fomos no mercado, e eu com a cadeira “virada” de roupa para passar...E a máquina cheia, precisa ver...

Tais situações exigem muita força física e muita perseverança. Algumas suspiraram enquanto falavam de sua falta de descanso. Iris, cujo marido está hospitalizado (não quis falar do assunto), afirma que o desgaste físico é ainda maior na ausência do marido (ele era caminhoneiro) e no caso dos filhos serem pequenos.

Hariet: Teu marido está doente, né...

Iris: Sim, ele era caminhoneiro e nunca ficava em casa. E aí era sempre eu mesma. [...] às vezes fico cansada. Mais assim, quando eles não dormem direito. Ou quando tem de dar mais atenção, ficar até mais tarde.

Ao serem indagadas a respeito de ajuda nas tarefas por parte do marido e/ou filhos, todas admitem receber pouca ajuda, o que ainda aumenta mais o cansaço físico. Algumas não quiseram falar no assunto, e, mesmo percebendo-se que o marido teria tempo para ajudar nas tarefas, não chegam a culpá-lo pela sua ausência. É o caso de Eloá:

Hariet: E quem te ajuda no serviço? Eloá: (silêncio)

Hariet: Teu marido te ajuda, ou você faz tudo sozinha?

Eloá: É, quando dá, mas ele chega praticamente só à tardinha. E de noite nem tem tempo.

Hariet: Então você é sozinha....

Eloá: Sozinha mesmo. De noite ainda faço um pouco do meu serviço. (...) Sobra tudo pra mim. Lá eu tenho de contar comigo. Eu e eu.

Mesmo nos casos de os filhos serem adultos, ainda existe a justificativa para a falta de auxílio nas tarefas domésticas. Nenhuma aponta alguma culpa ou omissão, e acha normal que ela mesma assuma todo o trabalho. Um dos exemplos desta atitude é o de Dirce:

Dirce: Quando ela pode (a filha adulta) ela me ajuda. Mas é muito difícil. É melhor tudo eu fazendo. Eu chego em casa, assim, tipo 6 horas, Até minhas colegas falam pra mim: mas quando é que a gente vai tomar um chimarrão? E aí eu falo pra elas que eu tô sempre funcionando. [...] Eu não tenho aquele “hoje vou tirar pra mim”, sabe? Não tem como. Porque eu chego em casa, de sábado de tarde eu vou fazer o meu serviço. No domingo eu vou acabar o que eu comecei no sábado.

A expressão “me ajuda” está presente em todas as respostas. O enunciado da pergunta no questionário usava a mesma expressão intencionalmente, evidenciando o conceito básico de que o trabalho doméstico é função feminina. Nenhuma delas contestou a pergunta. E não parece haver nenhuma busca em torno de mudanças, sendo reconhecido que quando as tarefas são realizadas pelas mulheres, são cumpridas de forma melhor, com mais capricho, e de acordo com a sua vontade.

2.2.2 O estresse emocional

O cansaço físico vindo do ritmo forte ou até mesmo “alucinante” do cotidiano da pessoa pode levar ao cansaço crônico. Muitos sintomas fazem parte da doença, dentre os quais nervosismo, irritação, falta de apetite, falta de concentração, estado de constante fraqueza. As principais causas são a falta de sono, a rotina estressante e o excesso de atividades físicas. Contribuem ainda as rápidas mudanças na sociedade, a competição,a pressão diária e a predisposição genética (LIPP, 2002).

Várias das entrevistadas passaram ou passam por situações difíceis, causadas por doenças de familiares, desemprego, mortes, problemas com filhos e/ou maridos. Das dez entrevistadas, nove se declararam estressadas, embora não tenha sido feita uma análise mais profunda do que a palavra “estresse” significa para elas. Mas é evidente que o excesso de trabalho é agravado por outros fatores, que não só o trabalho.

No relato das entrevistadas, Amália menciona o emprego instável do marido, Beatriz o cuidado com a sogra, que mora no mesmo pátio, portadora de Alzheimer. Claudete mora muito longe, tem pouco tempo com o marido, e se preocupa com o filho maior, de onze anos, que fica em casa sozinho até o meio dia. Dirce é ressente- se do marido caminhoneiro que não ajuda nada, e se sente explorada.

Dirce: Então, é assim, ó: eu me sinto “sugada”, sabe, bem “sugada”. Meu físico, sabe... é muito corrido. [...] Báh...Tem dia que é brabo. É que eu não tenho tempo pra mim. [...] Porque, na verdade, Hariet, desde pequeno (filho), somos só nós três (ela, a filha e o filho menor). Eu tinha um marido,

mas nunca pude contar com ele. E eu vejo Deus me abençoando mais agora do que antes, quando vivia com ele. Eu com ele tinha mais problema que solução. Ele não era presente, era uma pessoa assim que, sabe...(não termina a frase).

Eloá não explica porque o marido não a ajuda nas tarefas, sendo jovem e tendo um filho de cinco anos, e deixa claro que não quer falar no assunto. Fernanda ama seu trabalho, mas reconhece que está estressada por excesso de atividades, e tem uma filha com bronquiolite crônica e insuficiência respiratória que exige constantes cuidados. Gládis tem cinco filhos, dos quais três moram em São Paulo, de onde ela mesma veio. Além das três vezes em que perdeu o marido, cuida do pai, acamado, totalmente dependente, apoiada por um namorado, e se preocupa com o filho de 21 anos que não quer estudar, mas trabalha, embora não ajude em casa. Ela mesma reconhece sintomas de estresse:

Hariet: E em algum momento você acha que tem algum sintoma de estresse?

Gládis: Tenho. Às vezes penso que vou pirar, mas daí eu já mudo o meu pensamento. Muitas vezes me dá vontade de chutar o balde, sabe? Chutar o balde e sumir, porque é muita coisa para uma pessoa só. Muito compromisso, de muitos anos.

[...]

Hariet: E você consegue manter tudo sob controle?

Gládis: Tem um tempo aí que eu tenho perdido o sono, falta vontade de comer, não sei. Me dá um tipo de ansiedade. Eu até fui no médico. Ele disse que eu tô com “estresse hormonal”. [...] Acho que é cansaço, mente, corpo, tudo, né. Mas eu tenho muita força assim, por isto eu nunca caí em nada assim. Sempre cabeça erguida. Eu mesma cuido de mim, mesmo quando fico doente.

Iris é a entrevistada que está com o marido hospitalizado. Casada há doze anos, sempre se considerou sozinha. Embora more no mesmo pátio da sogra, esta não chega a ajudar consideravelmente. Se preocupa por tirar a filha de 3 anos da cama tão cedo de manhã, para levá-la à creche. E Joana é separada do marido há quatro anos, tem a filha com nanismo e adotou um menino desde bebê, que agora tem onze anos. Cuida do pai, com movimentos limitados.

Hariet: Você acha que tem algum sintoma de estresse?

Joana: Ah, eu tenho. Às vezes eu sou braba, às vezes não. Eu já tomei remédio pra depressão, estas coisas. A doutora me deu porque era muita

coisa pra minha cabeça. Foi a separação, foram os filhos pequenos, a gente não sabia pra que lado pegar, né. E daí, eu não tava trabalhando, meu Deus, levei um...daí quis me dar um...

Hariet: O que aconteceu?

Joana: Ele (o marido) tinha outra, já fazia 5 anos! E eu passei por boba, né, no caminho. Daí fiquei estressada mesmo. Mas depois deu pra ir levando. A gente tem de levantar a cabeça.

Com exceção de Hortência, que não se considera estressada, embora reconheça que se cansa, a sombra do estresse emocional está em todas as outras entrevistadas. Mas é bem perceptível, também, sua força de vontade, sua vontade de vencer e, principalmente, seu senso de responsabilidade diante da família. Na realidade, é esta que parece manter todas as empregadas domésticas ativas e em trabalho contínuo, sem descanso.