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Consubstancialidade de gênero, classe e raça no trabalho coletivo/associativo

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Academic year: 2021

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CAROLINA ORQUIZA CHERFEM

CONSUBSTANCIALIDADE DE GÊNERO, CLASSE E RAÇA NO

TRABALHO COLETIVO/ASSOCIATIVO

CAMPINAS

2014

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RESUMO

Esta pesquisa se desenvolveu no âmbito das práticas cooperativas e associativistas de grupos sociais que se organizam em busca de geração de renda e são reunidos pela chamada Economia Solidária (ES). Essas práticas sociais, por sua vez, agrupam grande quantidade de mulheres e de negros e negras, o que não vem sendo tratado com a relevância social e política que este fato suscita. Neste contexto, algumas estudiosas que se dedicam à divisão sexual do trabalho buscam compreender os motivos da grande quantidade de mulheres encontradas nessas organizações, bem como identificar o lugar que elas ocupam nas mesmas. Contudo, os estudos em torno das questões raciais na ES não vêm apresentando a mesma amplitude: Qual a cor/raça dos participantes da Economia Solidária? Será que estas práticas sociais podem mudar o contexto de exclusão da população negra? Com o intuito de compreender este cenário, a tese defendida nesta investigação é a de que os projetos associativos e de trabalho coletivo, agrupados pelas políticas de Economia Solidária, apresentam a prioridade de enfrentamento das relações de classe, focados, sobretudo, no desemprego, oportunidades de geração de renda e superação da fome e miséria de parte da população brasileira. Porém, não priorizam as questões de gênero e raça com a mesma relevância, não considerando a coextensividade dessas relações sociais como estruturantes da sociedade, tanto como a classe. O referencial teórico-metodológico que a embasou, portanto, compreende as relações sociais por meio do cruzamento das categorias de dominação que lhes configuram, a saber: a classe, a raça e o gênero, sintetizado pelo conceito de consubstancialidade. A pesquisa foi realizada em três Organizações Sociais Produtivas (OSPs) distintas que apresentam relações com diferentes movimentos sociais e que priorizam a qualificação de seus trabalhadores e trabalhadoras. As iniciativas pesquisadas foram: Empresa Recuperada Catende-Harmonia – Recife/ Pernambuco (inserida num setor predominantemente masculino); Rede de Mulheres Produtoras do Recife e Região Metropolitana (inserida no setor de artesanato, prioritariamente feminino); Cooperativa de Triagem de Resíduos Sólidos “Bom Sucesso” – Campinas/São Paulo (representa um setor misto, com grande presença da população negra). Os resultados identificaram que a ênfase dada à classe social está presente pela própria existência das OSPs que se desenvolvem no enfrentamento com estruturas e grupos de poder que mantém as desigualdades sociais. Contudo, essa luta de classes tem cor e sexo que as deixam cada vez mais complexas, o que nem sempre é considerado nas práticas de ES. Tal comprovação se deu pela identificação da divisão sexual do trabalho no interior das iniciativas pesquisadas e pelas oportunidades diferenciadas para homens e mulheres em algumas experiências. Também se deu pelo silenciamento das questões raciais e pela tendência ao enegrecimento da população no âmbito das iniciativas pesquisadas. Por outro lado, os resultados apontaram avanços significativos: Homens e mulheres, negros e negras, de baixa escolaridade e renda, tiveram oportunidades de ampliar suas qualificações técnica, política e de gestão coletiva e, a partir disso, tornarem-se sujeitos políticos ao ocupar novos espaços sociais. Nessa direção, a pesquisa indicou nuances importantes para que as políticas públicas de ES sejam compreendidas de modo consubstancial, bem como contribuiu para que outras pesquisas desenvolvidas neste campo de estudo e de ação prática possam ser analisadas a partir da coextensividade das relações sociais de gênero, raça e classe.

Palavras-chave: Gênero, Raça, Classe, Trabalho Coletivo/Associativo, Qualificação.

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RÈSUME

Cette recherche a été développée dans le cadre des pratiques coopératives et associatives des groupes sociaux qui s’organisent dans le but de la génération de revenus, dans le contexte de l’Economie Solidaire. Ces pratiques sociales, à leur tour, réunissent un grand nombre de femmes, de noirs et noires, l’aspect n’ayant pas été traité jusqu’à présent avec la relevance sociale et politique qu’il soulève. Dans ce contexte, quelques études consacrées à la division sexuelle du travail interrogent les raisons par lesquelles ces femmes ce retrouvent dans ces organisation, et cherchent aussi à identifier les postes qu’elles occupent. Néanmoins, les études autour des questions raciales dans l’ES ne présentent pas la même ampleur: quelle est la couleur de peau et/ou la race des participants de l’Économie Solidaire? Ces pratiques peuvent-t-elles transformer le contexte d’exclusion de la population noire? Dans le but de comprendre ce scénario, la thèse soutenue par cette recherche affirme que les projets associatifs de travail collectif, agroupés par les politiques de l’Economie Solidaire, priorisent le combat aux rapports de classe, en focalisant surtout dans des aspects tels que le chômage, la génération de revenus, la famine et la misère subie par une partie de la population brésilienne. Cependant, bien qu’elles aient la même relevance, les questions de genre et race ne sont pas mises en avant. La coextensivité de ces rapports sociaux en tant que structurants de la société, autant que les relations de classe, n’est pas pris en compte. Le cadre théorique et méthodologique sur lequel s’est appuyé cette recherche considère, au contraire, les rapports sociaux à partir du croisement des différentes catégories de domination, à savoir: la classe, la race et le genre - synthétisées dans le concept de consubstantialité. La recherche a été mené en trois Organisations Sociales Productives (OSPs) distinctes qui dialoguent avec divers mouvements sociaux. Les projets suivants ont été analysés: Empresa Recuperada Catende-Harmonia – Recife/ Pernambuco (qui s’insère dans un secteur de prédominance masculine); Rede de Mulheres Produtoras do Recife e Região Metropolitana (du domaine de l’artisanat, prioritairement féminin); Cooperativa de Triagem de Resíduos Sólidos “Bom Sucesso” – Campinas/São Paulo (qui s’insère dans un secteur mixte, avec une forte présence de la population noire). Les résultats obtenus indiquent que les OSPs existent pour faire face aux structures et groupes de pouvoir producteurs d’inégalités sociales, mettent l’accent sur les rapports de classe. En revanche, cette lutte de classe il y a couleur et sexe ce qui la laisse de plus en plus complexe. Mais ce fait n’est pas toujours pris en compte au sein même des pratiques de l’ES. On remarque, par exemple, la division sexuelle du travail à l’intérieur des projets analysés ainsi que, dans certain entre eux, une inégalité de chances entre hommes et femmes. A également donné pour le silence à propos des questions raciales et pour la tendance à « noircir » de population dans les initiatives étudiées. D’autre part, les résultats de appontent des progrès significatifs obtenus par les projets en question : hommes et femmes, noirs et noires, d’un faible niveau scolaire et social, ont eu l’opportunité de pousser leurs qualifications techniques, politiques et de gestion collective, ce qui a rendu possible pour eux devenus des sujets politiques et occuper de nouveaux espaces sociaux. Dans ce sens, la recherche a indiqué des nuances importantes afin que les politiques publiques de l’ÉS soient conçues d’une façon consubstantielle. Elle a aussi contribué pour que d’autres recherches développées dans ce domaine d’étude et d’action pratique puissent être analysées à partir de la coextensivité des rapports sociaux de genre, race et classe.

Mots-clés: Genre, Race, Classe, Travail Collectif / associatif, Qualification.

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ABSTRACT

This research was developed within the framework of cooperative and associative practices of social groups self-organized in search of income generation, gathered by the so-called Solidarity Economy (SE). These social practices, in turn, comprise large amount of women and black men and women, which has not been treated with the social and political relevance that this fact raises. In this context, some scholars engaged in the sexual division of work seek to understand the reasons for the large number of women found in these organizations, as well as identify the place that they occupy in the same. However, the studies around the racial issues in SE don't come with the same amplitude: what is the color of participants of Solidarity Economy? Can these social practices change the context of exclusion of black population? In order to understand this scenario, the thesis defended in this investigation is that associative projects and collective work, grouped by public policies of solidarity-based economy, represent the priority of confronting class relationships, focused especially on unemployment, income generating opportunities and overcoming hunger and poverty of part of the Brazilian population. However, it does not prioritize issues of gender and race with the same relevance as class is, not considering the intersection of these social relationships as society structuring. The theoretical and methodological framework adopted, therefore, understands the social relations through the coextensivity of categories of domination that constitute them, namely: class, race and gender, synthesized by the concept of consubstantialité, translated in Brazil as consubstantiality. The results showed that the emphasis on social class is present by the own existence of OSPs developed in the process of coping with structures and power groups that maintains social inequalities. However, this class struggle has color and gender that leave them increasingly complex, which is not always considered in SE practices. This evidence was given by the identification of the sexual division of labor within the surveyed initiatives and differential of opportunities for men and women in some experiments. Also gave the silencing of racial issues and the trend of blackening population in the scope of the surveyed initiatives. On the other hand, the results showed significant progress as the possibility of expanding the skills and learning experiences provided by surveyed. Men and women, black men and women, low education and income, have significant opportunities to expand their technical policy and collective management skills, and, from that, become political subjects to occupy new social spaces. In this way, the research has indicated important nuances in order to make public policy in Solidarity Economy understood in the consubstantiality way, as well as contributed to other researches carried on this field of study, and also provides a possibility that practical action can be analyzed from coextensivity perspective in terms of class, race and gender social relations.

Keywords: Gender, Race, Class, Collective Work, Qualification.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... ... ... 1

O caminhar da pesquisa, a pesquisadora e a tese ... ... ... 6

Metodologia e percurso da pesquisa ... ... ... 10

A composição da tese ... ... ... 13

CAPÍTULO 1 – O PANO DE FUNDO DA TESE: A ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUA TRAJETÓRIA ... ... 15

1.1. FASE 1 – O início das experiências práticas de Economia Solidária e do seu campo teórico ... ... 16

1.2. FASE 2 – Do velho ao Novo Cooperativismo ... ... 23

1.3. FASE 3 – A ampliação da Economia Solidária: aproximando-se de uma definição ... 29

1.3.1. A SENAES: avanços e contradições da institucionalização ... ... 33

1.3.2. O mapeamento de Economia Solidária e a crítica feminista ... ... 35

1.4 – FASE 4 – Novos olhares refazendo a Economia Solidária: a participação das mulheres ... 41

1.4.1 Outras críticas relevantes: Economia Solidária e Autogestão ... ... 47

CAPÍTULO 2 - GÊNERO, RAÇA E CLASSE NO MUNDO DO TRABALHO: UM CAPÍTULO TEÓRICO-METODOLÓGICO EM TORNO DA CONSUBSTANCIALIDADE DAS RELAÇÕES SOCIAIS ... ... 51

2.1. A dimensão de gênero e a divisão sexual do trabalho ... ... 56

2.1.1. As relações de Gênero ... ... 57

2.1.2. Divisão sexual do trabalho e a des-qualificação das mulheres ... ... 60

2.1.3. Novas configurações e o processo de bipolarização do trabalho das mulheres ... 66

2.2. A dimensão de raça e a divisão racial do trabalho ... ... 68

2.2.1 A construção social da raça ... ... 69

2.2.2. Da abolição ao trabalhador e trabalhadora “livres” ... ... 70

2.2.3. A industrialização e os novos contornos do racismo ... ... 74

2.2.4. Divisão racial do trabalho e a des-qualificação dos negros na atualidade ... ... 78

2.3. A consubstancialidade na pesquisa: classificação analítica orientadora da tese .. ... 82

CAPÍTULO 3 – DISPUTA, RESISTÊNCIAS E CONTRADIÇÕES DE UM PROJETO COLETIVO PREDOMINANTEMENTE MASCULINO ... ... 85

3.1. Histórico: cana, escravidão e a construção de uma sociedade patriarcal racializada ... 90

3.1.1. As trabalhadoras demitidas e a reestruturação produtiva ... ... 98

3.1.2. Resistência dos trabalhadores até o pedido de falência ... ... 100

3.2. A falência e a construção do projeto coletivo Catende-Harmonia... ... 102

3.2.1. Donos? Nós? Donos do que? ... ... 105 xiii

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3.2.2. Qualificação dos trabalhadores e as Mulheres no projeto Catende-Harmonia ... 108

3.2.3. O eixo Educação/Trabalho nas atividades de qualificação ... ... 115

3.2.4 Cana de Morador: o significado dos créditos sociais ... ... 121

3.3. O auge do Projeto Coletivo Catende-Harmonia ... ... 124

3.3.1. Projetos específicos para as mulheres ... ... 125

3.3.2. Raça: silenciamento da questão ... ... 127

3.3.3. As principais conquistas X os conflitos internos e externos ... ... 131

3.4. O fim do sonho ... ... 137

Considerações do capítulo ... ... 142

CAPÍTULO 4 - CONTRIBUIÇÕES FEMINISTAS À ECONOMIA SOLIDÁRIA ... 147

4.1. Composição dos Grupos de Mulheres na Economia Solidária... ... 151

4.2. Mulheres X Artesanato: reprodução ou re-significação? ... ... 156

4.3. Economia Solidária e Feminismo: um diálogo necessário e contraditório ... ... 159

4.3.1 Direitos do trabalho e créditos para mulheres pobres: um luxo à parte ... ... 163

4.4. Qualificação de mulheres trabalhadoras ... ... 169

4.4.1. Qualificação Técnica: o valor dos cursos profissionalizantes e dos diplomas ... 170

4.4.2 Qualificação para a Gestão coletiva: outro desafio constante ... ... 176

4.4.3 Qualificação política: questões de gênero, raça e classe ... ... 179

4.4.4. Participação Política X Trabalho Reprodutivo ... ... 189

Considerações do capítulo ... ... 194

CAPÍTULO 5. RELAÇÕES ENTRE A PRECARIEDADE DO TRABALHO E A PARTICIPAÇÃO DE MULHERES (NEGRAS) ... ... 201

5.1. O material recebido e a precariedade do setor ... ... 206

5.1.1. A cadeia da Reciclagem: outro exemplo da luta de classes no país ... ... 207

5.1.2. A Resistência do Movimento Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis ... ... 212

5.1.3. Quem manda é a prefeitura! ... ... 215

5.2. Motivações para o trabalho: trajetória de trabalhadoras com baixa escolaridade ... 217

5.2.1. Trajetória de homens X trajetória de mulheres ... ... 222

5.3. Cooperativas de Resíduos Sólidos: feminização do setor? ... ... 226

5.4. Qual é a cor das cooperadas? ... ... 236

Considerações do capítulo ... ... 241

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A CONSUBSTANCIALIDADE NO TRABALHO ASSOCIATIVO/COLETIVO ... ... 244

Referências ... ... 261

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Dedico esta investigação a todas as mulheres e homens que buscam combater as desigualdades sociais participando de organizações coletivas populares. Às mulheres que incansavelmente se constroem como sujeitas sociais em meio a uma sociedade machista, classista e racista. Aos que não se cansam de acreditar na possibilidade de um mundo melhor!

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AGRADECIMENTOS

Escrever uma tese de doutorado é um desafio aparentemente solitário, mas que é só possível ser enfrentado pela rede de apoio que vamos construindo nesse processo. E é a essa rede que eu gostaria de agradecer imensamente nesse meu caminhar.

Primeiramente agradeço às mulheres guerreiras de minha vida, que me educaram, entendem que o meu lugar é no mundo, seguram as barras para isso e apoiam todas as minhas ações, indistintamente: minha mãe Acácia, a sábia e abençoada Vó Maria, minhas irmãs Luciana e Juliana. Também agradeço ao meu pai Valter que, apesar de nosso curto período de convivência, muito incentivou os meus estudos. À nova geração familiar, Pedro e Elisa, crianças que me alegram e que me ajudam a lembrar que a vida pode ser mais simples, pelo menos em alguns momentos.

Também agradeço imensamente aos grupos que me acolheram para a realização desta pesquisa: Às lideranças, trabalhadores e trabalhadoras de Catende, sobretudo à Arnaldo, Lenivaldo, Luciene, Isabel, Etiene, Joel e Dona Helena, que re-abriram as portas da história e da memória da Catende-Harmonia. Às mulheres da Casa da Mulher do Nordeste, que gentilmente me acompanharam e confiaram em mim, em especial à Manu, Silvana e Graciete. Também às mulheres da Rede de Mulheres Produtoras do Recife e Região Metropolitana, que me receberam em suas casas, coletivos e comunidades para compartilhar sobre suas lutas. Às trabalhadoras e trabalhadores da Cooperativa Bom Sucesso, primeiramente quando me permitiram desenvolver um projeto conjunto de EJA, em que muito aprendi; e num segundo momento por me receberem novamente para as entrevistas. Em especial à Dona Cecília, Anelita, Dona Neusa, Dona Eurides e Cícera. Espero ter sido fiel às práticas desses grupos e ter contribuído de alguma forma com cada uma dessas experiências.

Agradeço à Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP/UNICAMP pela confiança e parceria.

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Ao Coletivo Universidade Popular que, junto ao Assentamento Elisabeth Teixeira, me permitiu seguir na militância em todo o tempo do doutorado em Campinas. Agradeço em especial à antiga geração Tessy, Ana Paula, Tira, Fabinho, Taufic, Theo, Willon, entre outros, bem como à nova geração com a esperança e os questionamentos de quem começa na militância.

No Elisabeth Teixeira agradeço à equipe do EJA: Mineira, Lenira, Melissa, Bruna, Seu Élsio, Geferson, Clarice e tantos outros assentados e assentadas que trocaram muitas aprendizagens comigo. Também agradeço ao coletivo de mulheres do Assentamento, em especial à Rosa, Dona Cida, Dilma, Vó, Soraia, Marieta, além das já citadas acima.

Agradeço às grandes mulheres e excelentes pesquisadoras da Unicamp que me permitiram amadurecer academicamente ao me apresentarem novos aportes teóricos e caminhos profissionais, sobretudo às Professoras Neri Aparecida de Souza e Ângela Araújo que estiveram na banca de qualificação deste trabalho.

Em especial agradeço à minha Orientadora, Márcia de Paula Leite. Ela me permitiu a liberdade sem jamais deixar de acompanhar a minha trajetória e de se comprometer com a minha formação teórica. À Márcia meus profundos agradecimentos pela parceria e por me permitir acreditar que o ato de pesquisar pode contribuir para prover dias melhores à população brasileira.

À banca final de doutoramento, Magda Neves, Betânia Ávila, Liliana Segnini e Jacob Lima, a qual gentilmente contribuiu para a qualidade acadêmica desta pesquisa por meio de reflexões que me acompanharão ao longo de minha trajetória profissional.

Ao grupo de pesquisa que me acolheu durante o doutorado sanduíche na França (GTM/CRESPPA). Em especial à Danièle Linhart com a sua alegria; Helena Hirata pela grandiosa generosidade e Danièle Kergoat pelos diálogos e oportunidades. Também agradeço às amigas e amigos feitos na França: Monize, Jane, Raíssa, Mariana, Michelle, Mari Cestari, Marcílio e Ana Cláudia.

Às amigas de Rio Claro que me fazem recordar o prazer que é estar entre velhas amigas: Letícia, Adriana, Taninha, Paula, Garcia e Serra.

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À grande amiga do coração, da alma, da vida, da academia, dos escritos e das lutas, das já travadas e das que se seguirão: Kelci Anne Pereira, com profunda admiração e alegria pelo compartilhar.

Às amigas e amigos do caminho de São Carlos: Renato, Marcelo, Vanessa, Sara, Claudinha, Carol Lins e, em especial, à Graziela, que me incentivou a prestar o doutorado na Unicamp e que me mostra como é possível ser doce e forte ao mesmo tempo, mesmo quando nem sabemos disso.

A todos os colegas e colegas do Niase/UFSCar que fizeram parte de minha formação: Paulo Bento, Vanessa Gabassa, Piu, Ju Franzi, Dri Marigo, Fá, Frã, Raquel e tantas outras. Em especial à Profa. Roseli Rodrigues de Mello, mulher sábia, admirada e que me despertou para o difícil caminho dialógico de investigar e de viver.

Às amigas e amigos conquistados em Campinas, em diferentes momentos de minha trajetória: Camila, Anita, Marcos, Ju e Allan; Broke, Fer, Theo, Sandrinha, Chico, Tiago e Ioli; além de Gabi Furlan, Gabi Murua, Lívia, Sidélia, Danilo, Simone, Pilar e todas as outras pessoas queridas que cruzaram o meu caminho e me apoiaram em Campinas.

Por fim, agradeço à Faculdade de Educação da Unicamp e ao Departamento de Ciências Sociais na Educação – DECISE.

À Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, que viabilizou financeiramente a realização desta pesquisa no Brasil; e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, que viabilizou minha ida para a França.

Tudo o que vivi nesses anos de doutorado não couberam nas páginas que seguem, mas certamente sintetizam anos de vida e luta na construção de minha trajetória acadêmica e de mulher neste mundo. A todas e todos que passaram pela minha vida e me ensinaram nesses anos de doutorado, meus sinceros agradecimentos e sorrisos!

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LISTA DE SIGLAS

ANTEAG - Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas Autogestionárias e de

Participação Acionária

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEMPRE – Compromisso Empresarial para a Reciclagem

CIISC - Comitê Interministerial de Inclusão Social dos Catadores CMN – Casa da Mulher do Nordeste

CNRS – Centre National de la Recherche Scientifique

CRESPPA – Centre de recherche sociologiques et politiques de Paris CONAES – Conferência Nacional de Economia Solidária

CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CUT - Central Única dos Trabalhadores

EJA – Educação de Jovens e Adultos EF – Economia Feminista

ES – Economia Solidária

FBES – Fórum Brasileiro de Economia Solidária

FETAP - Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco GT – Grupo de Trabalho

GTM – Genre, Travail, Mobilités IAA - Instituto do Açúcar e do Álcool

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ITCP – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

MNCR - Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável ONG – Organização não governamental

OSP – Organização Social Produtiva

PAA – Programa de Aquisição de Alimentos PNRS - Política Nacional de Resíduos Sólidos PPA – Plano Pluri Anual

PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONAREP - Programa Nacional de Investimento na Reciclagem Popular - SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAES – Secretaria Nacional de Economia Solidária SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SPM – Secretaria de Políticas para as Mulheres

UBM – União Brasileira de Mulheres

UFSCar – Universidade Federal de São Carlos

UNESP – Universidade Estadual Júlio de Mesquista Filho UNICAMP – Universidade Estadual Paulista

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Introdução

Esta pesquisa se desenvolveu no âmbito das práticas coletivas, cooperativas e associativistas de grupos sociais que se organizam em busca de geração de renda e são reunidos pela chamada Economia Solidária (ES). Estas práticas, por sua vez, agrupam um grande número de mulheres e de negros e negras, o que nem sempre é tratado com a relevância social e política que este fato suscita.

A Economia Solidária surge na tentativa de agrupar a reação já existente e organizada de uma série de movimentos sociais e religiosos, bem como de sindicatos e ONGs, diante da deterioração do emprego, acompanhada por uma grande taxa de desemprego e por uma onda de flexibilização dos direitos trabalhistas, além do esfacelamento do setor público e de grande quantidade de privatizações. Tal cenário é consequência da reestruturação produtiva e das políticas neoliberais que ganharam expressividade no Brasil na década de 90 e inauguraram um momento de inovações na organização do trabalho, incentivando a busca de alternativas para parte de alguns grupos sociais.

O cooperativismo é uma das consequências desse processo de flexibilização, em que as empresas passaram a estimular a formação de cooperativas para se livrar dos encargos trabalhistas dos funcionários. A Economia Solidária, por sua vez, vem marcar e iniciar um novo cooperativismo, ao lado de outras estratégias para a geração de renda (bancos comunitários, clubes de trocas, associações, etc.), a fim de construir alternativas advindas da organização social para lidar com o cenário que desestruturou o mercado de trabalho. Essas alternativas, no entanto, pautam-se em alguns princípios cunhados pela organização de trabalhadores em distintos momentos históricos, como os de democracia, autogestão, solidariedade, gestão coletiva, entre outros que serão revistos e aprofundados nesta pesquisa.

Cabe destacar que muitas das iniciativas nas quais a Economia Solidária se pauta já existiam anteriormente a ela. Trata-se da organização de trabalhadores e trabalhadoras na tentativa de recuperar fábricas em processo de falência; da experiência de movimentos sociais, como o MST, em formar cooperativas; da tentativa de união de catadoras e catadores de materiais recicláveis após o fechamento dos lixões; da organização de uma série de grupos de mulheres que se juntavam para produzir e gerar renda de maneira informal; entre outras iniciativas que a ES buscou agrupar a fim de construir uma unidade para a construção de políticas públicas. Nesse processo, alguns teóricos

elaboraram uma teoria de Economia Solidária definindo os seus princípios e propondo que essas iniciativas se relacionam a experiências históricas de autogestão e transformação da organização social do trabalho.

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Social e com a criação das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, inseridas nas Universidades. Sindicatos organizados pela Central Única dos Trabalhadores - CUT, além de diversas ONGs e grupos religiosos também começam a incentivar a formação de associações e cooperativas e a ampliar o âmbito de ocorrência desse fenômeno.

Paralelamente, uma série de pesquisas passou a ser desenvolvidas a fim de compreender se a ES é uma proposta de emancipação social e de autogestão, como apontavam os seus precursores (SINGER, 2000, 2002, 2003; ARRUDA, 2003, 2005; CORAGGIO, 2000, 2003; LAVILLE, 2006), ou se ela era uma estratégia de reprodução das desigualdades sociais e de trabalho precário que ganharam novos contornos com a reestruturação produtiva (QUIJANO, 1998; CASTEL, 2005, ZIBECHI, 2010). Internamente a essas duas vertentes, no entanto, existe uma série de divergências e dissensos, assim como consensos, os quais são necessários aprofundar para melhor compreender a que fenômeno social ela corresponde.

Atualmente a Economia Solidária foi inserida no plano de governo “Brasil Sem Miséria”. Trata-se de uma proposta direcionada aos brasileiros e brasileiras que vivem em lares cuja renda familiar é de até R$ 70 por pessoa, o que corresponde a cerca de 16,2 milhões de pessoas. Segundo o site1 que o explica, o objetivo do Plano é “elevar a renda e as condições de bem-estar da população extremamente pobre”. Para tal, o plano prevê as seguintes estratégias: a) transferência de renda, b) acesso a serviços públicos, nas áreas de educação, saúde, assistência social, saneamento e energia elétrica, c) inclusão produtiva.

Diante disto, conclui-se que a Economia Solidária atualmente faz parte de um programa de governo para que os pobres brasileiros consigam sair da miséria, o que a coloca num patamar relevante como estratégia de organização e inclusão social. Contudo, é ainda necessário questionar: da forma como a ES vem sendo pensada e praticada, ela pode ser de fato uma alternativa de inserção social dos excluídos? Em que medida é possível vivenciar os seus princípios? Quais são as contribuições da ES para o avanço das políticas públicas de inclusão social?

Na tentativa de refletir sobre questões como estas, as pesquisas que estudam a ES numa perspectiva das relações de gênero e da divisão sexual do trabalho, no âmbito da economia feminista, vêm ganhando destaque na explicação deste fenômeno social, principalmente ao questionarem e buscar compreender os motivos da grande quantidade de mulheres encontradas nessas organizações, bem como o lugar que elas ocupam nas mesmas (QUINTELA, 2006; NOBRE, 2003; BUTTO, 2009; GUERRÍN, 2005; SANTOS, 2009). Tais pesquisas começaram a demonstrar

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que a necessidade de compreender a realidade social em termos de relações de gênero deveria se estender a Economia Solidária, a fim de melhor compreendê-la e ampliar os seus potenciais.

As relações de gênero explicam as desigualdades existentes entre homens e mulheres no mundo do trabalho como consequência de uma construção social do masculino e do feminino, pautada em relações de poder, e não de um produto biológico (SAFFIOTI, 2004; SCOTT, 1985). Tais desigualdades estruturam lugares sociais ocupados pelas mulheres e pelos homens no mercado de trabalho, e, consequentemente, também nas iniciativas organizadas pela Economia Solidária, que não está isenta da divisão sexual do trabalho.

O conceito de divisão sexual do trabalho (KERGOAT, 2012; HIRATA, 2003), por sua vez, é composto em termos de trabalho reprodutivo, desqualificado e menos valorizado, reservado às mulheres, e trabalho produtivo, no outro extremo, reservado aos homens. Nessa forma de divisão do trabalho, são dois os principais elementos organizativos: o da separação – existem trabalhos de homem e outros de mulher – e o da hierarquização – o trabalho de homem vale mais do que o de mulher.

Desse modo, esta pesquisa vem questionar em que medida é possível pensar em autogestão 2 se as experiências de trabalho associativo/coletivo3 reproduzem a divisão sexual do trabalho. Ao mesmo tempo, um de seus objetivos é o de compreender se essas organizações coletivas apresentam novas possibilidades para a superação desta divisão sexual do trabalho e para a construção de uma consciência de gênero4, bem como quais são as estratégias criadas pelas mulheres ao se organizarem

2 O conceito de autogestão social está relacionado à proposta de que a economia tenha como ponto de partida a noção do

que é necessário produzir para a vida de uma comunidade, sem a divisão hierárquica das atividades e do trabalho, com ênfase em uma organização política que represente todos os interesses coletivos de uma dada comunidade (FARIA, 2009). Ao longo desta pesquisa, tal conceito será aprofundado e compreendido em termos de autogestão parcial e não social, seguindo as elaborações teóricas de Henrique de Faria (2009). Para o autor, o termo autogestão social, em seu sentido pleno, implica refletir sobre uma nova divisão social do trabalho a partir de uma proposta histórica de transformação socialista e social. Faria (2009) compreende que nas iniciativas de Economia Solidária não é possível falar nesses termos, mas sim em autogestão parcial. Esta, por sua vez, ganha espaço nas próprias brechas do capitalismo e propõe mudanças cruciais na organização do trabalho, mas não propõe a revolução socialista presente na autogestão social. Trata-se de uma possibilidade encontrada em experiências que o autor denomina de “Organizações Sociais Produtivas” – OSPs, apresentadas como o enfrentamento com o modo de produção capitalista, mas não a sua superação. O termo auto-organização também será utilizado para representar a proposta de organização coletiva utilizada pelos atores e atoras que fazem parte das iniciativas de trabalho pesquisadas.

3 Embora seja desenvolvida no âmbito da Economia Solidária, devido a sua ambiguidade e dificuldade de definição

conceitual, tal como será explorado no primeiro capítulo da pesquisa, prioriza-se o termo trabalho associativo/coletivo, bem como Organização Social Produtiva para se referir às iniciativas de trabalho pesquisadas.

4 O termo consciência de gênero (e também de raça) será utilizado guardando semelhanças ao conceito marxista de

consciência de classe, em que os indivíduos conscientizam-se quanto ao pertencimento a uma determinada classe social numa estrutura desigual, e, a partir disto, orientam ações coletivas. Conforme explicam Sardenberg e Costa (1994, p. 84), nem todos os movimentos de mulheres (ou de identidade racial) necessariamente refletem sobre o papel estrutural das mulheres (e dos negros) na sociedade. Ou seja, embora haja um condição estrutural de gênero que une as mulheres, o “reconhecimento e questionamento de sua situação na sociedade” não acontece de forma automática.

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nas mesmas. Além disso, a pesquisa tenta compreender se existe uma relação entre a precariedade das condições de trabalho de algumas experiências e a predominância da força de trabalho feminina.

No caso do Brasil, os motivos que confluíram para a inserção das mulheres nas iniciativas de trabalho associativo/coletivo foram, principalmente, as altas taxas de desemprego entre elas nos anos 90 e início dos 2000, ao lado do movimento de incentivo à criação de cooperativas nestes anos. A isso se soma o fato de ser um campo de trabalho que não exige altas categorias de formação profissional, atraindo uma gama de mulheres desempregadas, principalmente aquelas com mais de 40 anos e de baixa escolaridade. Uma série de ONGs e outras organizações feministas passaram a se vincular à ES entendendo-a como possibilidade de um campo de trabalho para as mulheres.

A fim de aprofundar nesse debate, alguns grupos feministas começaram a participar ativamente das instancias de organização da Economia Solidária. Trata-se de grupos que buscavam estratégias para a conquista de autonomia financeira para mulheres e viram nas propostas de ES algumas possibilidades. Contudo, ao participar desses espaços, as feministas se indagavam: onde estão as mulheres nesta ES? Porque elas não aparecem com a mesma relevância nos debates prioritários da mesma?

Junto às questões de gênero questionadas por estes movimentos, estavam as questões raciais, que os estudos de ES acabam não priorizando em suas análises. Como indaga Giaccirino (2006, p. 8) na única pesquisa encontrada sobre o tema, “Qual a cor dos participantes da Economia Solidária? Porque esta ausência recorrente da população negra seja na academia, seja nas esferas de governo? Será que estas práticas de ES podem mudar o contexto de exclusão social destes grupos?”

Segundo Giaccirino (ibid., p. 8), o reconhecimento da diversidade racial na Economia Solidária restringe-se a cartas de intenções e não foram encontrados estudos acadêmicos para aprofundar “a composição étnico-racial dos empreendimentos econômicos solidários ou construir uma agenda conjunta de pesquisa entre as temáticas relativas à Economia Solidária e às desigualdades raciais”.

Dessa forma, os conceitos de raça e de divisão racial do trabalho também se tornaram fundamentais para a compreensão mais ampla do fenômeno social estudado. Tais conceitos foram aprofundados a partir de autores que se dedicam a pensar a construção social da ideia da raça a partir da colonização do Brasil e da América Latina como um todo5 (QUIJANO, 2005; MUNANGA,

5 Para a compreensão do conceito de raça, parte-se da compreensão de que quando os europeus chegaram às Américas,

criaram uma ideia de dualidade “colonizados/colonizadores” cuja superioridade ou inferioridade era explicada de acordo com características biológicas inatas, pertencentes a distintas raças humanas. Dessa forma, a raça branca, européia, definida pela cor da pele branca, foi compreendida como superior a raça negra, não-européia e de cor não-branca

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2004, CARNEIRO, 1985), até a compreensão de como se deu a inserção da população negra no mercado de trabalho (IANNI, 1972; GUIMARÃES, 2001, FERNANDES, 1978); chegando aos contornos da divisão racial do trabalho a partir da reestruturação produtiva na atualidade (HASENBALG, VALLE SILVA, 1999; CASTRO E BARRETO, 1998).

Importante destacar que as categorias de gênero e raça muitas vezes não são consideradas com a mesma relevância social que a categoria classe social, não somente nas pesquisas em torno do trabalho associativo/coletivo. Nos eventos de ES e nas políticas públicas em torno do tema, tais categorias também não apresentam a mesma importância. Assim, esta pesquisa vem mostrar a relevância de compreender que a realidade não é estruturada somente em termos de classe, mas também em termos de raça e gênero, ou seja, em termos consubstanciais.

Trata-se de compreender as relações sociais que estruturam a sociedade por meio da coextensividade das categorias de dominação que lhes configuram, a saber, classe, raça e gênero, por meio do conceito de consubstantialité, elaborado por Danièle Kergoat (2010, 2012). Nesta tese o conceito foi traduzido como consubstancialidade e compôs o referencial teórico-metodológico que orientou as análises elaboradas.

A consubstancialidade pode ser sintetizada pelo nó existente entre classe, raça e gênero, na tentativa de afirmar que as relações sociais não são compostas apenas pela classe, pela raça ou pelo gênero. Pelo contrário, essas três categorias se relacionam mutuamente na estrutura social e imprimem conteúdos concretos às relações sociais. Em outras palavras, uma mulher não é somente uma mulher. Ela é uma mulher branca e rica, ou branca e pobre, ou negra e rica, ou negra e pobre e, dependendo da forma como essas categorias se relacionam, a sua experiência social se dará de maneira diferente numa estrutura societária machista, classista e racista. Na consubstancialidade, o gênero, ou a classe ou a raça não são somente unificadores, visto que nenhuma relação social vem primeira ou é secundária.

Segundo Kergoat (2012), a melhor metáfora para explicar a consubstancialidade é a da espiral, pois não se trata de uma relação circular. Para a autora, relacionar essas três categorias de análise que compõem as relações sociais, não significa “fazer uma volta em todas as relações sociais, uma a uma”, mas analisar as “intersecções e interpenetrações que formam esse nó no seio de uma individualidade ou de um grupo" (KERGOAT, 2012, p.120).

(QUIJANO, 2005). A pesquisa utilizará o conceito de raça a fim de reforçar a presença do racismo em nossa sociedade, o qual não se trata apenas de cor da pele, mas de todo um contexto social que aloca negros em negras em posições inferiores na sociedade, numa relação de poder e dominação de superioridade da raça branca, definida pela cor da pele clara e traços fenotípicos relacionados aos europeus (nariz fino, cabelo liso, etc.) (MUNANGA, 2004).

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Um episódio que vivi em um dos projetos de extensão de que faço parte também contribui para esta compreesão. Ao discutir sobre caminhos a serem construídos para uma sociedade mais justa, uma estudante em sala de alfabetização de adultos me perguntou o que era o socialismo. Retornei a questão aos estudantes e iniciamos um debate em torno do assunto.

Ao longo de nossos diálogos, destaco três reflexões: uma das estudantes concluiu que o socialismo só seria alcançado quando todas as pessoas do mundo tivessem o que comer e onde trabalhar. Outra disse que o caminho de uma sociedade mais justa não seria alcançado apenas quando acabasse a fome, mas também quando as mulheres não sofressem mais de violência dos maridos. Nessa direção, outra estudante salientou que, numa sociedade socialista, ela não mais veria o seu filho negro sendo abordado pela polícia quase todos os dias ao voltar da escola.

Em síntese, cada pessoa compreendeu de modo diferenciado o que poderia ser uma sociedade mais justa, a partir de suas experiências cotidianas, desejos de mudança e a partir do cruzamento das relações sociais de dominação em suas vidas. Contudo, observa-se que houve uma noção de classe, outra de gênero e ainda de raça que indicaram para aquele grupo que uma sociedade mais justa não poderia ser composta com a exclusão de nenhuma dessas relações sociais.

Dessa forma, esta pesquisa, compreendendo que as relações sociais se dão em termos consubstanciais, buscou compreender o trabalho associativo e coletivo também de forma consubstancial. Ou seja, buscou compreender as intersecções entre a classe, a raça e o gênero existente nas diferentes iniciativas de trabalho coletivo/associativo pesquisadas.

Cabe destacar que o meu envolvimento com esta temática não corresponde a um trabalho que se iniciou no doutorado, no curso de 2010, mas faz parte de um projeto que veio se desenvolvendo ao longo de minha formação acadêmica e política.

O caminhar da pesquisa, a pesquisadora e a tese

Iniciei primeiramente minha militância na Economia Solidária durante a graduação, entre os anos de 2001 e 2005, no curso de comunicação social, na Unesp/Bauru. Naquele momento vivenciávamos o auge da Economia Solidária com a formação das Incubadoras de Cooperativas Populares, campo de ação do qual passei a fazer parte. O tema da ES foi se tornando também objeto de estudo, na medida em que a minha prática demandava tal necessidade. Dessa forma, desenvolvi o trabalho de conclusão de curso intitulado “Comunicação Popular e Economia Solidária na Construção do Sujeito Histórico: da fragmentação à totalidade”.

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UFSCar) e a ampliar minha formação acadêmica e de militante em torno da Economia Solidária. Já naquele momento duas principais questões foram se tornando relevantes: a) a dificuldade e as contradições que afloravam da tentativa de vivenciar os princípios da ES na prática; b) a quantidade de mulheres nos grupos associativos e a repetição das atividades por elas desenvolvidas (artesanato, culinária, etc.).

Naquele momento, comecei a aprofundar a discussão em torno das relações de gênero. Assim, este conceito foi aos poucos se revelando em minha trajetória de pesquisa e me ajudando a compreender analiticamente alguns desafios observados nos grupos de Economia Solidária.

Comecei, então, a trabalhar com um grupo de mulheres marceneiras, onde pude aprofundar essas questões e elaborar o mestrado em educação na Universidade Federal de São Carlos - UFSCar6. A pesquisa foi desenvolvida com um grupo de mulheres do Assentamento Pirituba II – Itapeva/SP, as quais participaram de um projeto de habitação social e aprenderam o ofício de marcenaria. O projeto consistia na construção em etapas de mutirão. Parte do grupo dos assentados trabalhava no canteiro de obras e a outra parte na marcenaria, desenvolvendo o sistema de cobertura, portas e janelas em madeira das habitações.

Contrariando a história masculina deste ofício, a marcenaria foi assumida por um grupo de mulheres que continuaram o projeto tentando trabalhar seguindo os ideais da Economia Solidária em uma marcenaria coletiva. Uma das principais questões ao finalizar o mestrado referia-se às contradições entre as teorias e as práticas possíveis na construção de um projeto com orientações para a autogestão, em contraposição a uma série de aprendizados conquistados que esta mesma orientação proporcionava.

A pesquisa apontou a necessidade de maior aproximação entre as políticas de Economia Solidária com as relações de gênero, na medida em que mesmo diante de uma proposta de divisão igualitária de tarefas, buscando superar a dicotomia entre trabalho manual e intelectual, manteve-se a divisão sexual do trabalho nas atividades desenvolvidas7. Também apontou os esforços das marceneiras para serem reconhecidas como capazes e donas da marcenaria, já que em geral as pessoas sempre se remetiam ao dono da mesma: “onde está o dono daqui?”. Essa era uma questão constante ao chegarem à marcenaria e se depararem com as mulheres trabalhando.

Observou-se ainda, a necessidade de escolarização e formação técnica das trabalhadoras,

6 Neste momento e durante todo o mestrado fiz parte do Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa

NIASE/UFSCAR, no qual também aprofundei minha ação e pesquisas com grupos de mulheres a partir da perspectiva dialógica de compreensão do feminismo e da metodologia comunicativa crítica de pesquisa.

7 Embora tenha sido assumida por quatro mulheres, com a ampliação das atividades desenvolvidas, a Marcenaria

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advindas de uma história de desigualdades, em que foram impedidas de estudar e de se qualificarem para o trabalho, no âmbito do espaço público. Foram identificados alguns obstáculos no cotidiano do trabalho e na incubação pela ausência de escolaridade e qualificação necessária à compreensão de algumas etapas do processo produtivo de uma marcenaria coletiva.

Dessa forma, a pesquisa de mestrado por mim desenvolvida suscitou outras questões a serem enfrentadas, trazendo-me, no ano de 2010, ao doutorado com o objetivo inicial de compreender melhor a questão da qualificação e formação de trabalhadores e trabalhadoras na ES.

Paralelamente, e diante dessa demanda, comecei a direcionar minha militância para as iniciativas que relacionavam à qualificação de trabalhadores/as, por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA), à Economia Solidária. Iniciei um projeto de extensão junto ao Coletivo “Universidade Popular”, da Unicamp e à ITCP UNICAMP, na Cooperativa de Triagem de Resíduos Sólidos “Bom Sucesso” (Campinas/SP) e no Assentamento Elisabeth Teixeira (Limeira/SP).

Já no âmbito da pesquisa, passei a compreender com maior profundidade o conceito de Qualificação como construção social, o qual se relaciona diretamente às questões de gênero e raça. Essa relação se dá em termos de divisão sexual e racial do trabalho, em que as ocupações e atividades de homens e de mulheres, brancas/os e negras/os acabam sendo definidas segundo critérios do trabalho produtivo ou reprodutivo atrelado a cada sexo, ou em torno de espaços sociais que ocupam brancos e negros, o que se refletia nas iniciativas de trabalho associativo agrupados pela Economia Solidária. Nessa direção, o trabalho da mulher ou da população negra acaba sendo aquele classificado como desqualificado em relação ao trabalho qualificado desenvolvido pelos homens e pela população branca.

No caso das mulheres que participavam dos grupos de ES que eu acompanhava, a maior parte negras, observei que eram altamente qualificadas para algumas atividades, mesmo sem terem passado pela escola e pelas vias formais do conhecimento, porém, o trabalho delas não era valorizado e considerado qualificado por essas características compreendidas como naturais. Elas apresentavam, por exemplo, características como polivalência, destreza e capacidade de comunicação e organização das necessidades das comunidades em que moravam, além de serem altamente qualificadas para o trabalho reprodutivo, doméstico e de cuidado, o que não era contabilizado e valorizado na cooperativa formada.

Dessa forma, esta pesquisa também apresenta uma preocupação em compreender as trajetórias de qualificação dos homens e mulheres participantes dos espaços de trabalho pesquisados, bem como a ampliação de suas qualificações no cotidiano do trabalho coletivo.

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Ao longo de minha trajetória no doutorado tive ainda a oportunidade de realizar um doutorado sanduíche na França, por meio do projeto de pesquisa intitulado “Relações de Trabalho em Cooperativas: análise da Formação e Qualificação de homens e mulheres em empreendimentos solidários”, no âmbito do acordo CAPES-COFECUB.

O estágio de doutoramento foi realizado no período de julho de 2012 a agosto de 2013, no laboratório de pesquisa CRESPPA/GTM – Genre, Travail, Mobilités (CNRS - Université Paris 10 e Paris 8), sob a orientação da Professora Dra. Danièle Linhart, com apoio das Professoras Dras. Helena Hirata e Danièle Kergoat.

Dentre todas as atividades realizadas nesse período (participação em seminários, congressos, aulas do mestrado e doutorado como ouvinte, etc.), faz-se necessário ressaltar a oportunidade de debater a pesquisa em distintos contextos e com diferentes pesquisadoras e pesquisadores franceses.

Destaca-se nesse percurso a minha participação no seminário intitulado Comment penser le travail au croisement des catégories?8, organizado pelo grupo de estudos coordenado por Danièle Kergoat no CRESPA/GTM. O seminário foi composto por seis diferentes seções, com distintas pesquisadoras, as quais discutiram o cruzamento das categorias de dominação que configuram as relações sociais, a saber, classe, raça e gênero, por meio do conceito de consubstantialité, onde pude aprofundá-lo.

Nesse seminário, apresentei o texto intitulado Rapports sociaux de genre et de classe dans les expériences de travail collectif au Brésil9, no qual comecei a articular as diferentes categorias de classe, raça e gênero nas análises dos meus dados, bem como relacioná-las ao conceito de qualificação. Foi a partir dessa análise que ampliei minhas indagações em torno do conceito de raça relacionado à Economia Solidária e observei a ausência de pesquisas nessa direção.

Dessa forma, o doutorado sanduíche me proporcionou novas provocações teóricas que me levaram ao desafio de construir uma investigação que contribuísse para pensar a sociedade e o campo teórico a partir dos diferentes tipos de relações de dominação que configuram a sociedade, o que significa colocar as relações sociais em cheque a partir da imbricação entre as formas de dominação de classe, raça e gênero. Foi a partir desta trajetória, durante o doutorado, que esta pesquisa se configurou e foi ampliada, ganhando as proporções aqui apresentadas10.

8 Como pensar o trabalho pelo cruzamento das categorias? (categorias de classe, raça e gênero). 9 Relações Sociais de gênero e de classe em experiências de trabalho coletivo no Brasil.

10 Cabe destacar que ao longo desta minha trajetória como pesquisadora, a Economia Solidária propriamente dita deixou

de ser o foco principal da pesquisa. Ela continua sendo o campo em que a investigação se desenvolveu, bem como um campo importante de militância e luta política. Contudo, minha trajetória acadêmica voltou-se para a compreensão das relações de classe, raça e gênero no mundo do trabalho associativista e cooperativista, o que será o foco desta tese.

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Nesse contexto, esta pesquisa pauta-se na tese de que os projetos associativos e de trabalho coletivo, agrupados pelas políticas de Economia Solidária, apresentam a prioridade de enfrentamento das relações de classe, focados, sobretudo, no desemprego, oportunidades de geração de renda e superação da fome e miséria de parte da população brasileira. Contudo, não prioriza as questões de gênero e raça com a mesma relevância, não considerando, portanto, a coextensividade dessas relações sociais como estruturantes da sociedade, tanto como a classe. Dessa forma, esta tese buscará responder como as iniciativas estudadas, em diferentes setores da Economia Solidária, incorporam a coextensividade das questões de classe, raça e gênero que estruturam a sociedade, em suas iniciativas, propostas e políticas.

Nessa direção, o objetivo geral da pesquisa é o de compreender e analisar os avanços e limites de três Organizações Produtivas de Trabalho Associativo/coletivo a partir do cruzamento das categorias de classe, gênero e raça presentes nas iniciativas pesquisadas e nas trajetórias de Qualificação de homens e mulheres, brancas/os e negras/os, participantes dessas Organizações.

Já os objetivos específicos, sintetizam-se em: a) Identificar e compreender os aspectos da coextensividade das categorias de classe, gênero e raça presentes nas organizações de trabalho associativo pesquisadas; b) Analisar e refletir sobre quais trabalhos as mulheres brancas e negras realizam e quais lugares elas ocupam nas organizações de trabalho pesquisadas, a partir das qualificações que lhes foram reservadas e que são vinculadas ao trabalho produtivo e reprodutivo e à trajetória de trabalho delas; c) Da mesma forma, analisar e refletir qual é o lugar que os homens brancos e negros ocupam também a partir de suas trajetórias de trabalho produtivo e qualificação; d) Identificar as diferentes possibilidades de qualificação de homens e mulheres presentes nos trabalhos das Organizações Sociais Produtivas pesquisadas, com ênfase para a qualificação técnica específica a cada empreendimento, qualificação para a gestão do trabalho cooperativo e solidário, bem como, qualificação para a participação política e militante; e) Identificar quais são os limites/contradições e os avanços/contribuições que as organizações pesquisadas podem conferir à divisão social, sexual e racial do trabalho e às outras experiências de trabalho coletivo/associativo.

Para elucidar esta tese e responder a esses objetivos, esta investigação foi elaborada a partir de um caminho metodológico que será descrito nas linhas que seguem.

Metodologia e percurso da pesquisa

Esta investigação foi elaborada seguindo Metodologia Qualitativa coerente com o desenvolvimento de pesquisas realizadas no âmbito de movimentos sociais, priorizando o diálogo

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com as pessoas participantes sobre o tema investigado, além de permitir o meu comprometimento com os grupos e comunidades pesquisadas. Trata-se da proposta de escrever sobre práticas realizadas em diferentes movimentos sociais, nas quais me insiro, com o compromisso de realizar uma análise dessa prática (SARDENBERG; COSTA, 1994).

Cabe destacar que eu não realizo um trabalho militante diretamente nos grupos pesquisados, mas esta investigação faz parte de inquietações que a prática junto a iniciativas de trabalho associativo/coletivo me despertaram durante minha trajetória de extensão em projetos neste campo teórico e de ação.

Conforme descreve Bezerra (2006, p.1), muitas das questões a serem estudadas no campo da Economia Solidária começaram a se revelar a partir das experiências econômicas vivenciadas. Aos pesquisadores do tema, apresentou-se o desafio de “uma contribuição educativa a esse campo de intervenção social”. Deste modo, como intelectual militante, apresento a preocupação de que a pesquisa possa contribuir praticamente com as iniciativas que se lançam ao desafio de organizar o trabalho de forma coletiva e associativa, numa relação em que a prática observada e vivenciada indica questões para a pesquisa, e a pesquisa revela contradições e novos caminhos para a prática. Tal relação tenta ainda ser coerente com os pilares que orientam as Universidades Públicas, a saber: ensino, pesquisa e extensão, mesmo podendo afirmar que a extensão não apresenta a mesma relevância para a Universidade, quando comparada aos outros pilares.

Tendo em vista estas orientações, o caminho metodológico percorrido envolveu a adoção de procedimentos qualitativos, os quais abarcaram: a) aprofundamento do marco teórico sobre os temas e setores pesquisados no âmbito nacional e internacional; b) pesquisa de campo, envolvendo observação participante e elaboração de diário de campo; c) entrevistas em profundidade com trabalhadoras e trabalhadores das organizações coletivas e associativas pesquisadas; d) retorno dos resultados da pesquisa para a Incubadora, agências de fomento e lideranças que trabalham nos grupos pesquisados.

Seguindo este percurso metodológico, três iniciativas foram pesquisadas, as quais definiram-se a partir dos definiram-seguintes critérios: a) iniciativas que possibilitasdefiniram-sem maior visibilidade da divisão sexual e racial do trabalho, o que foi possível pelos setores em que elas se inserem; b) iniciativas que fossem consolidadas e que tivessem mais de dois anos de experiência; c) que buscam seguir os princípios do trabalho coletivo/associativo explicitados nas teorias de Economia Solidária; d) que se preocupassem com a qualificação de seus trabalhadores, seja pela educação de adultos ou pela realização de cursos técnicos e formação política proporcionadas por diferentes agências de

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fomento; ou ainda pelo estímulo à capacidade de ação11 dos membros das iniciativas pesquisadas; e) iniciativas desenvolvidas no Estado de São Paulo, onde resido e tenho maior acesso às mesmas, mas também selecionei duas iniciativas em Pernambuco, tentando ampliar a pesquisa para além da realidade privilegiada do Sudeste do país.

Assim, defini as três Organizações Sociais Produtivas descritas abaixo:

1) Empresa Recuperada Catende-Harmonia – Recife/ Pernambuco (Trata-se de uma

cooperativa do setor sucro-alcooleiro, predominantemente masculino. Poucas pesquisas tratam da divisão sexual ou racial do trabalho nas empresas recuperadas. A maior parte desenvolve pesquisas quantitativas que descrevem a existência de poucas mulheres no setor).

2) Rede de Mulheres Produtoras do Recife e Região Metropolitana – Recife/Pernambuco

(A Rede é composta por mulheres, negras em sua maioria, trabalhadoras urbanas, que desenvolvem atividades predominantemente femininas, como de artesanato. Essa Rede é assessorada pela ONG Casa da Mulher do Nordeste, responsável pela formação dos grupos das mulheres que a compõe).

3) Cooperativa de Resíduos Sólidos Bom Sucesso – Campinas/São Paulo. (Cooperativa

mista, cujo setor vem observando uma tendência de feminização. É um dos setores mais organizados devido ao Movimento Nacional de Catadores de Reciclagem – MNCR, mas ao mesmo tempo é um dos mais precários pelas condições de trabalho. É um setor composto por uma significativa parcela de trabalhadoras/es negras/os. A Bom Sucesso é acompanhada pela Incubadora de Cooperativas Populares ITCP/UNICAMP).

Cabe destacar que a escolha de trabalhar com três experiências inseridas em setores diferentes refere-se ao objetivo principal desta tese em compreender a consubstancialidade das relações sociais no trabalho coletivo/associativo de uma forma ampla e não apenas em uma única experiência. Dessa forma, optou-se pela escolha de Organizações Produtivas que compõem setores que se destacam quantitativa e qualitativamente no âmbito da denominada Economia Solidária. Tal desafio, no entanto, levou-me a compor este trabalho de modo a compreender a especificidade de

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Segundo Zimmermann (2011), o termo capacidade de agir é utilizado em contraposição ao de empowerment, traduzido como empoderamento no Brasil. Este último surgiu nos EUA e ganhou certa notoriedade nos movimentos feministas na década de 1990. Tal noção se tornou forte pela luta de autonomia das mulheres. A ideia era a de empoderar para dar poder aos oprimidos. Tratava-se de uma visão ideológica de luta contra as desigualdades que fazia sentido no âmbito dos movimentos de mulheres negras dos EUA. Porém, nos anos 2000 o Banco Mundial se apropriou do conceito e retirou do mesmo a noção de coletivo, transmitindo a ideia de que as instituições (Estado e empresas privadas) devem dar o poder e a capacidade de as pessoas refletirem. Assim a responsabilidade de “dar o poder” passou para as instituições que influenciam as políticas. Nesse contexto, Zimmermann (2011) defende que o termo virou um lobbing de grupos de interesse. Dessa forma, a autora adotou o termo capacidade de agir representando a capacidade de ação e reflexão das pessoas e o sentido que a noção de empoderamento havia construído quando surgiu.

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13 cada experiência de maneira separada analiticamente.

Essa opção, por sua vez, permitiu-me compreender grandes temas em torno da consubstancialidade das relações sociais que só foram possíveis diante da análise de cada iniciativa com as suas particularidades, tendo em vista que cada uma delas representa: a) um setor reconhecido nas experiências de trabalho coletivo/associativo, predominantemente masculino e com marcada divisão social e racial do trabalho; b) um setor predominantemente feminino e com grande participação na construção da própria Economia Solidária; c) um setor misto, com um movimento social organizado, mas que a precariedade do trabalho indica uma relação estrita com a grande participação de mulheres, sobretudo negras.

Diante desta exposição, esta pesquisa foi composta em cinco capítulos.

A composição da tese

O primeiro capítulo apresenta o que estou denominando como “pano de fundo da tese”, ou

seja, o contexto e fenômeno social que a sustenta, a Economia Solidária. O tema foi abordado a partir de uma concepção histórica e considerando a sua diversidade prática e teórica, capaz de elucidar a sua evolução e contradições ao longo do tempo. O capítulo dividiu-se em quatro fases consideradas como diferentes momentos do percurso da ES no país.

O segundo capítulo apresenta um capítulo teórico-metodológico, em que descrevi o

conceito de consubstancialidade, referente à compreensão da coextensividade das categorias de classe, raça e gênero que juntas estruturam a sociedade. Nessa direção, foram abordados teoricamente os conceitos de classe, raça e gênero e de divisão sexual e racial do trabalho na atualidade. Por fim, elaborei uma classificação analítica capaz de caracterizar e indicar os grupos de homens e mulheres, brancas/os e negras/as presentes nas inciativas pesquisadas. Tal classificação me ajudou a ilustrar a construção dos sujeitos sociais ao ocuparem novos espaços políticos a partir de suas vivências nos grupos pesquisados.

Depois de descritas as compreensões necessárias para maior entendimento desta tese, o

terceiro capítulo buscou analisar a consubstancialidade das relações sociais numa iniciativa

predominantemente masculina, por meio da experiência do projeto coletivo e desafiador da Fábrica Recuperada Catende Harmonia. Neste capítulo, destacou-se a discussão da formação de uma sociedade escravocrata e patriarcal conferindo especificidades à experiência analisada. Foi revelado ainda o lugar que a mulher e o negro ocuparam nessa história e como esses lugares foram se ampliando a partir do trabalho coletivo vivenciado. Trata-se de um capítulo em que foram abordadas

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as contribuições e os desafios da Usina Recuperada Catende-Harmonia para o desenvolvimento de ações coletivas e associativas no Brasil, em meio à resistência e luta de classes entre grupos de poder e trabalhadores na região da Zona da Mata.

Já o quarto capítulo, foi composto com destaque para a amplitude das temáticas de gênero, sobretudo, mas também de raça, na Economia Solidária a partir da descrição das experiências da Rede de Mulheres Produtoras do Recife e Região Metropolitana. A experiência da Rede, assessorada pela Casa da Mulher do Nordeste, elucidou o significado da ampliação da qualificação técnica e política das mulheres na busca de superação da divisão social, sexual e racial do trabalho, tanto nos âmbitos de suas Organizações Sociais Produtivas, como também em suas relações familiares e nos diferentes movimentos sociais do qual fazem parte. Tal tentativa apresenta uma série de limites e contradições específicas do trabalho realizado por mulheres de baixa renda, sobretudo negras, inseridas em comunidades pobres, como também os avanços importantes conquistados por elas de modo coletivo.

O quinto capítulo, por sua vez, preocupou-se em analisar uma possível relação entre a precariedade de algumas iniciativas de trabalho coletivo/associativo e a feminização e a racialização das mesmas, por meio da experiência da Cooperativa de Triagem de Resíduos Sólidos “Bom Sucesso”. Tal cooperativa iniciou-se mista e atualmente é formada por cerca de 14 trabalhadoras e apenas 2 trabalhadores, a maior parte negras/os. O capítulo também buscou identificar os aspectos quantitativos e qualitativos desta feminização, além das especificidades das questões raciais e da divisão racial do trabalho na cooperativa pesquisada, bem como da luta de classes entre catadores e grupos de poder que mantém o domínio da cadeia da reciclagem no país. Foi analisada a precariedade e os desafios do setor, os quais refletem diretamente no lugar que as cooperativas ocupam na cadeia produtiva da reciclagem, ficando, na maior parte das vezes, a mercê de empresas privadas, atravessadores e prefeituras. De outro lado, foi identificado uma série de avanços conquistados no setor, consequência da resistência de trabalhadoras/es organizadas/es coletivamente pelo Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável – MNCR.

Ao final desses capítulos foram elaboradas as Considerações Finais, que relacionam todas essas experiências e fazem uma síntese sobre a consubstancialidade no trabalho coletivo/associativo, resgatando o potencial analítico desta tese ao relacionar as diferentes organizações pesquisadas.

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Capítulo 1 – O pano de fundo da tese: A Economia Solidária e sua trajetória

Para falar de Economia Solidária (ES), optou-se neste capítulo por recorrer ao seu histórico e à sua diversidade prática e teórica, visto que é uma tarefa bastante complicada tentar caracterizá-la diante da imensidade de interpretações, possibilidades e usos práticos que ela abarca.

Para tal, assume-se como referência a tese de doutorado de Lechat (2004). A autora realizou um estudo que identificou os diferentes momentos da ES a partir de seus principais eventos. Assim, ela definiu três principais fases da Economia Solidária.

Contudo, buscou-se avançar nestes estudos a partir da relação dos acontecimentos de cada uma dessas fases com os principais pensadores teóricos da Economia Solidária, tentando mostrar como eles influenciaram cada uma dessas etapas. Será incluída ainda uma nova fase, com destaque para as pesquisas críticas contemporâneas da ES, principalmente por meio da perspectiva dos estudos de gênero e raça que apresentaram novas questões e problemáticas para este campo teórico e de ação.

A primeira fase abordada se inicia no final da década de 1980 e vai até início de 1995. Ela é marcada pela formação de empresas de autogestão, cooperativas e associações diante de um contexto neoliberal de reestruturação produtiva. Destacam-se nessa fase os estudos de Paul Singer (2000, 2002, 2003) na tentativa de elaborar uma teoria da ES com ênfase no conceito de autogestão social e das experiências históricas que influenciaram a sua compreensão e proposta de ES.

Na segunda fase, que vai de meados de 1995 até o ano de 2001, destaca-se a ampliação das iniciativas de Economia Solidária pela difusão das Incubadoras Universitárias e públicas e pela organização de uma série de eventos sobre o tema. Do ponto de vista teórico, esta fase constituiu o campo da pesquisa em ES com grande quantidade de investigações empíricas. De um lado, destacam-se autores como Gaiger (2000, 2004, 2007) e Coraggio (2000, 2003), e de outro se iniciam as primeiras críticas à ES, com autores como Castel (2005) e Quijano (1998).

Já a terceira fase iniciou-se mais precisamente no ano de 2001, a partir do I Fórum Social

Mundial. Nesse período de efervescência, destacam-se os principais eventos como as plenárias e conferências de ES, até o lançamento da Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES. Também serão descritas diferentes abordagens que tratam sobre os limites e avanços da institucionalização da ES.

Por fim, a quarta fase não representa um período específico datado, ela é marcada por autoras e autores contemporâneos (FARIA, 2009; GEORGES, LEITE, 2012; ZIBECHI, 2010) que vêm questionando o conceito de autogestão e analisando criticamente o que a ES vem conseguindo

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