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A consubstancialidade na pesquisa: classificação analítica orientadora da tese

CAPÍTULO 2 GÊNERO, RAÇA E CLASSE NO MUNDO DO TRABALHO: UM

2.3. A consubstancialidade na pesquisa: classificação analítica orientadora da tese

Após compreender as principais nuances a serem analisadas nesta pesquisa, retomo aqui o seu objetivo principal: Compreender e analisar os avanços e limites de quatro Organizações Produtivas de Trabalho Associativo/coletivo a partir do cruzamento das categorias de classe, gênero e raça, presentes nas iniciativas pesquisadas e nas trajetórias de Qualificação de homens e mulheres, brancas/os e negras/os participantes dessas Organizações.

A fim de atingir este objetivo, relembro quais são as três Organizações Sociais Produtivas (OSP) pesquisadas:

1. Empresa Recuperada Catende-Harmonia – Recife/ Pernambuco.

2. Rede de Mulheres Produtoras do Recife e Região Metropolitana –

Recife/Pernambuco.

3. Cooperativa de Resíduos Sólidos Bom Sucesso – Campinas/São Paulo.

A partir deste campo de pesquisa e das reflexões que o desenvolvimento deste capítulo teórico-metodológico possibilitou, apresentam-se as principais questões a serem analisadas nessas OSPs:

a) Como as diferentes categorias das relações de dominação de classe, raça e gênero aparecem nas iniciativas pesquisadas e como elas são consideradas tendo em vista a hierarquia presente na divisão social, sexual e racial do trabalho?

b) Quais são as bases ideológicas e materiais de cada sistema de opressão/exclusão (raça, sexo e classe) que estão presentes no interior dessas iniciativas? Esses sistemas aparecem com a mesma força explicativa de análise? Se não, alguns deles se sobressaem? Por quê?

c) O que acontece quando existe o deslocamento de uma das linhas de tensão? Ou seja, se a questão de classe é superada pela geração de renda, as relações de gênero e raça permanecem intactas? E se o deslocamento se dá no nível das relações de gênero? O que acontecem com as relações de raça e de classe? Essas linhas de tensões operam juntas o tempo todo?

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serão analisados segundo quatro agrupamentos que articulam classe, gênero e raça. Além do conceito de consubstancialidade, alguns aspectos relevantes foram escolhidos para este agrupamento: a escolaridade, devido a sua importância na inserção das pessoas no trabalho associativo, nos diferentes casos pesquisados; esse aspecto (escolaridade) será associado à trajetória de trabalho produtivo e reprodutivo; ao sexo, à cor, à idade e à situação familiar dos homens e mulheres que compõem as OSP pesquisadas.

Classificação Analítica:

- Homens do primeiro grupo: aqueles que apresentam mais anos de estudos (ensino médio completo ou incompleto e alguns cursando faculdade) e que já tiveram formação anterior no espaço público de trabalho, passagem por outros movimentos sociais, partido político, ou ainda passagem por outros trabalhos em empresas e com grandes chances de se tornarem lideranças. Este grupo de homens foi encontrado, sobretudo, na empresa recuperada do Nordeste e há um equilíbrio entre brancos e negros (pretos e pardos), embora a maior parte seja identificada como branca. Maior parte numa faixa etária de 40 anos ou mais. Geralmente casados e com filhos.

- Homens do segundo grupo: com menos anos de estudos (ensino fundamental e médio

incompleto), com dificuldades de conseguir emprego no mercado formal de trabalho produtivo. Maior parte acima de 45 anos e outros já aposentados. Experiências de trabalhos bastante variadas com ou sem carteira assinada (agricultura, construção civil, serviços gerais, etc.), mas todos já tiveram carteira assinada. Maior parte negra (pretos e pardos) e nordestina. Maior parte casados e com filhos. Homens encontrados no setor de reciclagem e nas atividades gerais na empresa recuperada (sobretudo plantação e na cooperativa, mas não como lideranças).

- Homens do terceiro grupo: baixa escolaridade (analfabetos ou analfabetos funcionais com

ensino fundamental incompleto), com ou sem experiências de emprego formal. Trajetória de trabalhos pesados, como carregador e na construção civil ou na agricultura familiar e no corte da cana. Geralmente negros, com mais de 45 anos. Maior parte casado e/ou com filhos. Homens encontrados no setor de reciclagem e na empresa recuperada, sobretudo na agricultura familiar e no corte da cana.

- Mulheres do primeiro grupo: mulheres com mais anos de estudos (ensino médio

completo ou incompleto e algumas com faculdade) e que já obtiveram formação anterior no espaço produtivo, além de muitos anos dedicados ao trabalho reprodutivo. Provavelmente mulheres que

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conseguiriam outros empregos fora da cooperativa por terem certa experiência profissional (agricultoras, secretárias, professoras, trabalhadoras da área da saúde). Mulheres que ocupam lideranças ou costumam representar as iniciativas nos espaços públicos. Equilíbrio entre mulheres brancas e negras, encontradas na Rede de mulheres produtoras do Nordeste e na empresa Recuperada. Mulheres de diferentes faixas etárias, a partir de 25 anos. Algumas são mulheres chefes de família, outras são casadas com filhos.

- Mulheres do segundo grupo: mulheres com menos anos de estudos, mas que são

alfabetizadas (ensino fundamental completo ou incompleto e médio incompleto). Trajetória de emprego doméstico, trabalhos na cozinha, de cuidadoras, costureiras e outras atividades que reproduzem o lugar da mulher no trabalho reprodutivo, ou seja, que não são valorizadas socialmente. Trajetórias de trabalho com ou sem carteira assinada. Algumas nunca trabalharam no âmbito produtivo. Na maior parte mulheres chefes de família, brancas e negras. Também de diferentes faixas etárias entre 30 e 60 anos. Mulheres encontradas em todas as iniciativas pesquisadas.

- Mulheres do terceiro grupo: baixa escolaridade (analfabetas ou analfabetas funcionais

com ensino fundamental incompleto), sem experiências de emprego formal. Trajetória de trabalhos domésticos e de cuidadora, além de grande dedicação ao trabalho reprodutivo, mas sempre trabalharam fora de casa também. Mulheres que trabalharam no lixão e com reciclagem, ou no corte de cana e na agricultura familiar. Maior parte negra ou parda. Grande quantidade de mulheres chefes de família. A partir de 25 anos até 73 anos. Mulheres encontradas em todas as iniciativas pesquisadas.

Observa-se que as questões da qualificação, das possibilidades de estudo e trajetória profissional são também relevantes para compor estes grupos, as quais, por sua vez, estão relacionadas às categorias de classe, raça e sexo e ao cruzamento das mesmas na vida dos sujeitos que formam cada um dos grupos identificados. Nota-se ainda que as características que separam homens e mulheres, referentes às suas ocupações e qualificações correspondem nitidamente ao trabalho produtivo e reprodutivo discutidos no âmbito da divisão sexual do trabalho, somado à construção social da raça que separa ainda mais a condição destes homens e mulheres.

As análises que seguem buscarão relacionar os dados identificados a essa classificação, na

tentativa de compreender se há mobilidade entre esses grupos e como eles aparecem no trabalho coletivo/associativo.

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Capítulo 3. Disputa, Resistências e Contradições de um Projeto Coletivo predominantemente