• Nenhum resultado encontrado

Divisão racial do trabalho e a des-qualificação dos negros na atualidade

CAPÍTULO 2 GÊNERO, RAÇA E CLASSE NO MUNDO DO TRABALHO: UM

2.2. A dimensão de raça e a divisão racial do trabalho

2.2.4. Divisão racial do trabalho e a des-qualificação dos negros na atualidade

A desigualdade racial no mercado de trabalho vem sendo objeto de investigação sociológica desde a década de 60, revelando, como acima descrito, primeiramente, a história de inserção do negro no trabalho assalariado, e depois, no processo de industrialização do país. Nos anos 70 e 80, autores como Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva (1999), demonstraram que, mesmo após o período da industrialização, o racismo ainda persistia no mercado de trabalho, embora com contornos diferentes dos períodos anteriores.

Já no início dos anos 90, a pesquisa realizada por Castro e Barreto na região metropolitana de Salvador, publicada em livro no ano de 1998, comprovou a hipótese de Hasenbalg e Valle Silva. As autoras observaram que mesmo na indústria baiana, onde havia uma predominância numérica expressiva de trabalhadores e uma mobilização político-cultural de negros, persistia uma forte divisão do trabalho de acordo com as marcas físicas da cor, privilegiando os brancos, sobretudo nos cargos de prestígios, como nas chefias e cargos administrativos das empresas (CASTRO E BARRETO, 1998).

Outra contribuição importante de Castro e Barreto (1998) foi a de demonstrar como o cenário de precariedade, após a reestruturação produtiva, foi responsável por aumentar as desigualdades raciais no mercado de trabalho. As autoras observaram que trabalhadores brancos e negros foram afetados com o desemprego, mas, de maneira geral, o emprego estável que restou foi reservado aos brancos. Enquanto, no outro extremo, os negros, ao lado das mulheres, foram relegados aos trabalhos precários e de forte fragilidade do vínculo empregatício. Observa-se que a flexibilização possibilitou um aumento de postos de trabalhos para os negros, mas estes espaços foram os mais atingidas pela precarização, o que não significou uma melhoria em seu trabalho.

Dessa forma, o que houve foi, de um lado, uma piora das condições de trabalho dos brancos, e, de outro, um aumento de atividades precárias que passaram a ser destinadas aos negros. Nas palavras das autoras “a aparente atenuação da desigualdade resulta antes do empobrecimento de

79

brancos que da melhoria na inserção ocupacional de negros. Longe estamos de vê-los conquistando a dignidade que o emprego estável e bem remunerado pode propiciar” (CASTRO e BARRETO, 1998, p. 20).

Em outro texto, presente no livro que relata o mesmo estudo em questão 52, Bairros, Castro e Barreto (1998) destacaram principalmente a maior instabilidade no trabalho entre os negros quando comparados aos brancos, além das alternativas ocupacionais serem mais transitórias para os primeiros. Elas observaram, por exemplo, grandes oscilações nas taxas de ocupação dos negros, o que revelou que eles entram e saem com grande frequência da condição de ocupados no mercado de trabalho para o desemprego.

Foi identificado também que uma parcela dos trabalhadores negros de Salvador apresenta ocupações tão precárias que os aproxima dos trabalhadores negros desempregados, os quais vivem de bico e à espera de um trabalho regular (BAIRROS, CASTRO E BARRETO, 1998). Na ausência de um emprego formal, a população negra desenvolve uma série de atividades no mercado informal, a maior parte precários, o que muitas vezes os livra das estatísticas de desempregados, mas não significa que eles estão bem colocados no mercado de trabalho.

Incluindo aqui mais uma variável, o gênero, nesse mesmo estudo, as autoras observaram que entre os brancos, existem mais mulheres desempregadas do que homens. Já entre os negros esse número se equilibra. Contudo, as mulheres negras estão mais susceptíveis ao desemprego por desalento, ou seja, muitas delas deixaram de procurar emprego por não conseguirem e, desalentadas, desistem de seguir procurando.

Já no que tange aos lugares ocupados pelos brancos e negros na região metropolitana de Salvador, Dos Santos (1998), identificou que o trabalho com título universitário era quase exclusivamente um trabalho de branco, enquanto o setor primário, a construção civil e o trabalho doméstico eram predominantemente negros. No trabalho doméstico, por sua vez, de cada 100 trabalhadores, somente 7 eram brancos.

Dessa forma, ao longo desses anos, as pesquisas mostraram que a explicação de que existe uma divisão racial do trabalho porque os negros são menos qualificados ou apresentam menos anos de estudo não são suficientes para compreender a divisão racial do trabalho. Embora isso seja um

fato, diante das menores chances que os negros possuem para se qualificarem e se escolarizar, a

52 Abordarei algumas discussões presentes nos diferentes textos que compõem o livro de Castro e Barreto referente ao

estudo sobre as questões raciais no mercado de trabalho na década de 90. CASTRO, Nadya Araujo. BARRETO, Vanda Sá (orgs.). Trabalho e Desigualdades Raciais. Negros e Brancos no mercado de trabalho em Salvador. São Paulo: Annablume, A cor da Bahia, 1998.

80

divisão racial do trabalho é um todo histórico e complexo que não se restringe a esta explicação. Nas palavras de Mello (2013, p. 8), “a noção de divisão racial do trabalho remete à ideia de que existe uma divisão social do trabalho que decorre do modo como se relacionam os indivíduos

negros e brancos na sociedade como um todo. Tal divisão pode ser pensada em analogia com o conceito de divisão sexual do trabalho”.

As pesquisas atuais que se dedicam ao tema vêm observando alguns aspectos que se repetem quando o assunto são as desigualdades raciais no mundo do trabalho (CARNEIRO, 2003; MELLO, 2013, 2005; COELHO Jr., 2011; LIMA et al, 2013), a saber: a) reprodução da história de exclusão da população negra no mercado de trabalho que se perpetua pelas ocupações de menor prestígio, remuneração e poder, sendo que o acesso à educação é um dos principais fatores de reprodução dessa desigualdade; b) ausência da população negra principalmente nos cargos de nível de direção e gerência, seja em virtude da baixa escolarização, seja em virtude da discriminação racial; c) processos seletivos das empresas que priorizam “boa aparência”, na qual a população negra não se inclui, sobretudo as mulheres negras; d) diferenças significativas entre negros e brancos no que tange aos rendimentos e salários no mercado de trabalho; e) desigualdades raciais observadas nas poucas chances de mobilidade social, e na maior desigualdade racial entre mais escolarizados, em posições ocupacionais de maior status; f) lugar que as mulheres negras ocupam no mercado de trabalho e o trabalho doméstico a elas destinado; g) a questão racial a partir das novas configurações do trabalho e flexibilização dos direitos trabalhistas, o que leva à continuação da exploração histórica da mão-de-obra negra no trabalho precário e destituído de direitos no Brasil.

Segundo Mello (2013), as desigualdades raciais vêm diminuindo no país, principalmente após uma série de políticas de ações afirmativas incorporadas pelos últimos governos brasileiros. Contudo, ainda se nota um importante hiato entre brancos e negros no mercado de trabalho. A renda dos indivíduos pretos e pardos, por exemplo, teve um ganho de 66,3% e 85,5%, respectivamente, enquanto que a renda dos brasileiros que se auto-classificam como branco cresceu 47,6%, no período entre 2001 e 201253. Todavia, faz-se necessário considerar que o ponto de partida da renda dos negros era significativamente inferior, logo tais dados não significam que os primeiros estão ultrapassando a renda dos brancos.

Em relação à educação, dados do IBGE (2012) indicam que o país tem experimentado também importantes avanços nessa área em termos quantitativos, embora ainda encontremos a

53

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012) divulgados pelo relatório intitulado "Síntese de indicadores sociais”.

81

permanência da desigualdade que limita as chances de acesso, progressão e oportunidades, sobretudo, da população negra, nordestina e rural, que começa a trabalhar mais cedo do que os brancos, prejudicando seus rendimentos escolares.

Sobre a média de anos de estudo, apesar de a população negra ter aumentado em 2,4 anos a sua média, em 2012 os negros tinham 6,7 anos de estudos, contra 8,4 anos da população branca. Já a taxa de escolarização líquida no ensino superior – que mede a proporção de pessoas matriculadas no nível adequado para sua idade – em 2012, era de 22,3% entre a população branca, contra 9,3% da população negra.

Os dados também revelam que a participação dos negros na pobreza é sempre maior que a dos brancos. Entre os mais pobres da população (10% mais pobres), os negros correspondiam a 72% em 2012.

No que tange às ocupações no mercado de trabalho atual, a pesquisa de Coelho Jr (2011) sobre os negros nos cargos de nível executivo, apresenta outras informações importantes. Segundo o pesquisador, ao analisar dados do Instituto Ethos entre 2001 e 2010, visando mapear o perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas que atuam no Brasil, no nível executivo, os negros representavam apenas 1,8% em 2003, passando para 5,3% em 2010. Já nas posições gerenciais, a

participação teve uma elevação maior, saltando de 8,8% em 2003 para 13,2% em 2010. Dessa forma, a pesquisa de Coelho Jr. (ibid.) evidencia uma sub-representação dos negros nos postos de maior poder, prestígio e remuneração das empresas.

Outro aspecto observado é que, no geral, as mulheres brancas ocupam uma situação um pouco melhor que os homens negros e que as mulheres negras nos cargos de alto nível das empresas. Segundo o autor, as mulheres totalizam 22,1% dos indivíduos que ocupam cargos de gerência e 13,7% daqueles situados em postos de direção. Já os negros e negras correspondem a 13,2% dos que estão posicionados no nível gerencial e apenas 5,3% do total de diretores. Na realidade, as mulheres negras somam menos de 1% nos cargos de gerência e direção das empresas.

Segundo Carneiro (2003), as mulheres negras, de modo geral, não conseguem reconverter suas aquisições educacionais em melhores rendimentos e posicionamentos no mercado de trabalho. Contudo, em estratos ocupacionais com baixo prestígio e menor remuneração, elas apresentam maior participação, como no caso dos empregos domésticos.

Dessa forma, embora os dados atuais venham melhorando relativamente e aos poucos, é preciso notar que a população negra vinha acumulando desvantagens em relação aos brancos no mercado de trabalho até muito recentemente. Desafio bastante relevante ainda nos dias atuais e que

82

demonstram a importância de considerar a categoria raça nesta pesquisa, na tentativa de analisar como as propostas de trabalho coletivo e associativo vêm contribuindo ou reforçando este cenário de desqualificação da população negra no mercado de trabalho.