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Transição agroecológica na perspectiva do consumo : um olhar etnográfico em um grupo de CSA (Community Supported Agriculture) = Agroecological transition from the consumption: an etnographic look at a CSA group (Community Supported Agriculture)

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE

CIÊNCIAS APLICADAS

MARIA LUIZA DE ANDRADE BENINI

TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA NA PERSPECTIVA DO CONSUMO: UM OLHAR ETNOGRÁFICO EM UM GRUPO DE CSA (COMMUNITY

SUPPORTED AGRICULTURE)

AGROECOLOGICAL TRANSITION FROM THE CONSUMPTION: AN ETHNOGRAPHIC LOOK AT A CSA GROUP (COMMUNITY

SUPPORTED AGRICULTURE)

Limeira/SP 2018

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MARIA LUIZA DE ANDRADE BENINI

Transição Agroecológica na perspectiva do consumo: um olhar etnográfico em um grupo de CSA (Community Supported Agriculture)

Agroecological Transition from the consumption: an ethnographic look at a CSA group (Community Supported Agriculture)

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas, como requisito para a obtenção do título de Mestra em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

Master's Dissertation presented to the Interdisciplinary Program in Human and Applied Social Sciences of the College of Applied Sciences of the State University of Campinas, as a requisite for obtaining a Master Degree in Applied Humanities and Social Sciences.

Orientador: Roberto Donato da Silva Júnior Coorientador: Álvaro de Oliveira D’Antona

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA MARIA LUIZA DE ANDRADE BENINI, E ORIENTADA PELO PROR. DR. ROBERTO DONATO DA SILVA JÚNIOR

Limeira/SP 2018

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Folha de aprovação

A comissão julgadora dos trabalhos de defesa de Dissertação de Mestrado composta pelos professors doutores a seguir descritas, em sessão pública realizada em 22 de fevereiro de 2018, considerou a candidata Maria Luiza de Andrade Benini aprovada.

Prof. Dr. Roberto Donato da Silva Júnior (Orientador/Presidente) Prof. Dra. Julicristie Machado de Oliveira (UNICAMP/SP)

Prof. Dra. Maria de Fátima Ferreira Portilho (UFRRJ/RJ)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo da vida acadêmica da aluna.

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Agradecimentos

A vida se faz em entremeios de conexões. Em cada encontro, as conexões nos levam para algo desconhecido, formando uma bela rede da vida, permeada de vivências. Há dois anos, durante o período do mestrado, parte da minha rede da vida se complexificou. Entraram mais agentes que me proporcionaram surpresas, me exigiram esforços, me ensinaram novos caminhos. Começo esses agradecimentos contando uma história de como essa rede começou a se configurar. Certo dia, enquanto fazia parte de um projeto da Rede de Agroecologia da Unicamp, conversava sobre a vida acadêmica com uma amiga. Comentei com ela sobre o meu desejo e insegurança de fazer pesquisa. Então ela me sugere olhar o currículo de vários professores, entre eles, o do Roberto Donato, professor da Faculdade de Ciências Aplicadas. Essa informação fica em minha mente e após um ano e meio inicio o processo de seleção do programa Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, concorrendo uma vaga para ser orientada pelo prof. Roberto. Assim, inicio agradeço a minha amiga Giovanna Garcia Fagundes que ao me indicar professores, estava me incentivando a começar essa trajetória.

Assim, agradeço também uma ponta dessa rede, meu orientador, Roberto Donato da Silva Júnior, que com muito esforço, dedicação e carinho me acolheu nessa nova caminhada em uma área totalmente desconhecida para mim. Também, ao meu co-orientador, Álvaro de Oliveira D`Antona, agente que compôs essa rede no meio do percurso e que a cada momento de conversa me colocava muitas dúvidas sobre minha própria pesquisa. O apoio, questionamentos e orientação de ambos, sempre presentes, foi essencial para que esse trabalho pudesse ser concluído. Ainda, agradeço à professora Fátima Portilho e Julicristie Oliveira, que participaram da minha banca de qualificação e defesa. A leitura e o olhar de ambas foram importantes a finalização deste documento.

Agradeço também a todos os meus colegas de sala. Juntos passamos pelas crises da desconstrução dos nossos projetos, aprendemos sobre novas bibliografias e métodos, discutimos nossa dúvidas e acolhemos nossas inseguranças. A leveza e o bom humor dessa turma fez com que essa caminhada toda fosse mais tranquila e alegre. Também aos amigos que faziam parte do grupo de estudos CAI (Ciências, Ambiente e Interdisciplinaridade), juntos trilhamos por entre discussões relativas a

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aos nossos projetos e nos aprofundamos nos debates sobre ambiente e sociedade. Assim, muito obrigada à Bárbara Frizo, Sayne Maria, Francisco Martellini, Dilan Carli, Daiane Mardegan, Raissa Salgado, Priscila Morgon e em especial ao Bruno Hayata e a Isabela Noronha por compartilharem, também, viagens para encontros e congressos.

Não poderia deixar de agradecer também aos membros do grupo de CSA de São Carlos, que me acolheram e aceitaram fazer parte dessa pesquisa. Foi muito significante poder vivenciar cada um dos momentos dentro desse grupo e aprender sobre essa comunidade. Em especial, agradeço a Flávia Torunsky, amiga que me recebeu em sua casa durante o período da pesquisa de campo.

Também agradeço aos meus amigos e irmãos que já faziam parte da minha rede, e que me apoiaram durante todo esse percurso. Cada conversa, café e acolhimento foram muito importantes.

Por fim, e não menos importante agradeço a minha família. Aos meu pais, por cada ensinamento de vida e apoio neste novo percurso; ao meu irmão, por todas as conversas sobre a vida, pelo apoio e pelas correções de formatação deste trabalho (essencial!!!); ao meu companheiro por me incentivar nessa caminhada acadêmica, questionar minhas “certezas” e me acolher nas dificuldades. Sem vocês, esse trabalho possivelmente não seria realizado, e se fosse, com certeza seria uma caminhada mais difícil e entediante!

Ainda, agradeço à CAPES por financiar essa pesquisa.

Que essa rede se torne cada vez mais complexa, afinal, esse é um caminho sem volta!

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Resumo

Esta dissertação tem por objetivo analisar o termo “transição agroecológica” a partir da relação entre produção e consumo, em uma experiência de CSA (Community Supported Agriculture) no município de São Carlos/SP. Parte-se da hipótese de que essas experiências podem contribuir para se repensar os pressupostos básicos da transição agroecológica, principalmente no que se refere às relações entre produção e consumo. Parte- se, também, do observado na literatura, de uma secundarização dada aos debates relativos ao consumo, inclusive, dentro do contexto agroecológico. Assim, o trabalho deriva dos seguintes questionamentos: será que a transição agroecológica, nos moldes teóriocos em que é discutida e consolidada dentro do contexto agroecológico, é suficiente e coerente para incorporar as experiências agroecológicas existentes? Como a relação entre produção e consumo observada dentro de um grupo de CSA pode contribuir para o debate da transição agroecológica? Nesse sentido, três objetivos específicos se alinham dentro desse texto: (1) problematizar o conceito de transição agroecológica; (2) reconstruir a história do grupo a partir de suas redes relacionais (3) analisar aspectos da relação entre produção e consumo dentro da CSA (4) apresentar as implicações dos resultados para a “ transição agroecológica”. Para responder aos objetivos propostos, alguns campos disciplinares foram sendo, ao longo da escrita, elencados como necessários ao desenvolvimento do trabalho. Nesse sentido, a partir do problema proposto, as contribuições da agroecologia, da economia, da sociologia do consumo e da antropologia, tornam-se essenciais. A metodologia de pesquisa utilizada para a análise de um grupo de CSA, localizado no município de São Carlos/SP, durante agosto e outubro de 2017, teve como fundamento um olhar etnográfico. Nesse sentido, foi realizada pesquisa de campo onde observação participante e entrevistas abertas foram as ferramentas metodológicas. Também foi realizada a análise de documentos históricos do grupo, como forma de perceber as mudanças ocorridas que influenciaram a comunidade em sua configuração atual. Ao final, apresento uma análise sobre a relação entre produção e consumo, bem como percepções sobre as práticas de consumo para os membros desse grupo de CSA. E sugiro pontos a serem aprofundados, como forma de contribuir com o debate sobre o alimento, o consumo e o consumidor, no contexto agroecológico; além de outras abordagens para o termo transição agroecológica na perspectiva do consumo.

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Abstract

The present dissertation aims to analyze the "agroecological transition" concept in the relations between production and consumptions, from the experiences of a CSA (Community Supported Agriculture) group in the city of São Carlos/SP. The hypothesis is that empirical experiences shared by the group may contribute to reevaluate the basic assumptions of the agroecological transition, especially regarding the relations between production and consumption. As observed in the literature, the debates about consumption are considered a secondary theme, including within the agroecological context. Therefore, the work address two questions: Is the state of the art of the agroecological transition theory, sufficient and coherent to incorporate existing agroecological experiences? How can the relationship between production and consumption, within a CSA group, contribute to the debate on the agroecological transition? In this regards, were developed three specific objectives to address this study: (1) the problematization of the concept “agroecological transition”; (2) reconstruct the history of the CSA group from their relational networks, (3) analyze the aspects of the relationship between production and consumption within the CSA, and (4) present the implications of the results for the "agroecological transition". In order to achieve the proposed objectives, some disciplinary fields were elected as key to develop the study. Based on the research problem, the contributions from the agroecology, economy, sociology of consumption and anthropology, became essential. The methodology used to analyze the CSA group, during August and October of 2017, was based on an ethnographic approach. Fieldwork was conducted using participant observation and open interviews as the methods to data gathering. It was also conducted historic analysis of documents of the group, as a method perceive the changes that occurred along its existence, which influenced the group’s current configuration. In the final section, I presents an analysis of the relationship between production and consumption, as well as perceptions about consumption for the members of this CSA group. I also do recommendations about specific subjects to more explored as a way to contribute to the debate on food, consumption and consumers in the agroecological context; as well as other approaches to the concept of agroecological transition from a consumption perspective.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1:Distribuição das CSA no Brasil ... 100

Figura 2:Distribuição das CSA no Estado de São Paulo ... 100

Figura 3: Rede de relações da CSA São Carlos em 2015 ... 115

Figura 4:Rede de relações da CSA São Carlos em 2016 ... 120

Figura 5:Rede de relações no primeiro semestre de 2017 ... 124

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1:Objetivos, estratégias, metas, iniciativas e recursos por eixos - PLANAPO ... 58 Quadro 2:PLANAPO resumido por eixo ... 59 Quadro 3: Tensão, Estratégias de gestão e transformações decorrentes na CSA . 126

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABA – Associação Brasileira de Agroecologia ANA – Articulação Nacional de Agroecologia

ANC – Associação de Agricultura Natural de Campinas e Região ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural

CAI – Ciências, Ambiente e Interdisciplinaridade

CHS – Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas CSA – Community Supported Agriculture

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário PAA – Programa de Aquisição de Alimentos PANC – Planta Alimentícia Não Convencional

PLANAPO – Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNAPO – Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica SOCLA – Sociedad Cientifica Latinoamericana de Agroecología.

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SUMÁRIO

Apresentação ... 13

Introdução ... 19

Capítulo 1 – A Transição agroecológica ... 35

1.1 - Aspectos iniciais ... 35

1.2 - O processo de transição agroecológica ... 37

1.3 – Transição agroecológica e instrumentos normativos ... 55

1.4 - Apontamentos finais ... 61

Capítulo 2 – Múltiplos aspectos sobre mercados e consumo ... 65

2.1 – Aspectos iniciais ... 65

2.2 –Múltiplos aspectos dos mercados ... 66

2.2.1 – Mercado sob a ótica da economia ... 66

2.2.2– Mercado sob a ótica da sociologia e antropologia ... 71

2.2.2.1 - Sociologia Econômica ... 71

2.2.2.2 - Nova Sociologia Econômica ... 76

2.3– Consumo e perspectivas ... 82

2.4 – Manifestando o consumo político: as Redes Alimentares Alternativas ... 94

2.5 – Apontamentos finais ... 101

Capítulo 3 - A CSA São Carlos ... 105

3.1 – Aspectos iniciais ... 105

Primeiras percepções e um pequeno parêntese ... 106

3.2 - A História ... 110 3.3- Os dias de entrega ... 129 3.4 – O Sítio ... 139 3.5 – A CSA ... 150 4 –Apontamentos finais ... 157 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 167 Anexo 1 ... 178

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Apresentação

Início esse trabalho com a reconstrução de como ele se deu e como se configurou enquanto uma proposta interdisciplinar. O objetivo dessa dissertação, em linhas gerais, é analisar a transição agroecológica a partir da relação entre produção e consumo, em uma experiência de CSA (Community Supported Agriculture) no município de São Carlos/SP, partindo da hipótese de que tal experiência pode contribuir para se repensar os pressupostos básicos incorporados à discussão da transição agroecológica, principalmente no que se refere às relações entre produção e consumo.

Mas porque discutir tal temática dentro de um programa interdisciplinar? Não encontraria mais pares para essa discussão em um programa de agroecologia ou que lidasse com as questões do consumo mais especificamente? Para responder tais questões, retomo a construção desse trabalho e como este foi se modificando em cada momento desses dois últimos anos. Retorno, ainda um pouco da caminhada que fiz para chegar até aqui, pois acredito que se essa dissertação se forma dessa maneira, é porque tem uma pesquisadora por trás dela, que lhe dá voz.

Essa trabalho formou-se, não somente a partir das disciplinas que cursei e das literaturas que consultei, mas também das conversas e debates no âmbito do Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (CHS) e da sala de estudos da pós graduação, nas discussões realizadas no grupo de estudos Ciências, Ambientes e Interdisciplinaridades (CAI), em conversas informais, nas reflexões realizadas enquanto cozinhava, lia, ou cuidava da minha horta.

Sou uma engenheira ambiental que já na graduação senti as barreiras disciplinares. Não entendia como poderia lidar com questões ambientais tão complexas e multivariadas por meio de tabelas, fórmulas, normas e legislações, que não enfatizavam a influência e particularidades das relações sociais. Por mais que ouvia, durante toda a graduação que sempre trabalharíamos com uma equipe multidisciplinar, pensava “como este diálogo se dará? Por meio de legislações?” Ao me formar, tentei pertencer a esta disciplina, mas sentia-me desconfortável.

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Conheci a agroecologia e os debates sobre o consumo, de maneira mais aprofundada, a partir de um movimento social vinculado ao consumo responsável: o Coletivo de Consumo Responsável Trocas Verdes. A partir dessa experiência, ao mesmo tempo que me envolvia com o consumo responsável e com a agroecologia começava a vivenciar uma outra proposta de agir e resolver questões, a qual se distanciava da disciplinaridade.

Esse coletivo articula agricultores e consumidores por meio de compras antecipadas semanais de produtos orgânicos e agroecológicos direto do produtor rural. É um grupo heterogêneo, formado por diversos atores com expectativas e motivações diferentes. Participei diretamente da gestão desse grupo por três intensos anos e aprendi que teorias explicativas formuladas pela literatura funcionam muito bem, delimitando, inclusive planos de ação que pautam o funcionamento de grupos de consumo, mas os problemas e dificuldades cotidianas, nem sempre estão incorporados dentro de tais teorias, tornando os planos de ação, muitas vezes, desconectado do contexto empírico. Ou seja, não era suficiente a nós, do coletivo Trocas Verdes, somente buscarmos nas teorias uma proposta de plano de ação, mas muitas vezes, a partir do delineamento do próprio grupo e das dificuldades que deveríamos enfrentar é que definíamos o nosso plano de ação. Assim, nesse contexto aprendi como era lidar com uma equipe multidisciplinar. Também, experenciava, como era sair de uma barreira disciplinar, de onde observava os problemas a partir de uma única ótica, e ocupar as bordas. Era uma necessidade para o grupo gestor, ocupávamos as bordas e permeávamos entre as disciplinas alheias, trazidas por cada um dos atores, para definir ações e solucionar questões que enfrentávamos no cotidiano. Discutíamos sobre formas de gestão e administração, autogestão, logística, microeconomia, planejamento da produção rural, propagandas e até mesmo sobre softwares. Nossa demanda de discussão e pesquisas se davam a partir dos problemas que apareciam.

Contudo, ao observar e vivenciar aquele contexto, diversas questões me intrigavam. Por que os consumidores ainda reproduziam, dentro do contexto do grupo, práticas baseadas nos estilos de comercialização de grandes mercados, mesmo acessando informações e participando de vivências que

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possibilitam uma nova forma de consumo e comercialização? Por que boa parte dos grupos de consumo eram instáveis, sendo que muitos deixavam de existir depois de um tempo? Ainda, como eu ocupava o lugar de consumidora e gestora, consequentemente, as questões se ampliavam para o âmbito do consumo e de como ele era sentido pelos consumidores. Me perguntava “Por que consumidores concordavam em começar a participar de um grupo de consumo? Quais os valores inerentes a um grupo de consumo? Os consumidores conseguem perceber esses valores? O quanto a vivência em um grupo de consumo transformava os hábitos de consumo e alimentação dos consumidores? Foi neste contexto, anos atrás, que começou a formulação desse trabalho.

Achei que poderia enfrentar essas dúvidas por meio da participação em outros espaços, onde o consumo era, também, o principal debate. Comecei a participar da Rede Nacional de Grupos de Consumo Responsável, onde pude conhecer de perto diversos modelos de grupos de consumo e seus articuladores, e diferentes metodologias de trabalho. Também era um espaço de compartilhar inseguranças e dificuldades enfrentadas, assim como soluções e ideias para superar os desafios. Nesse ambiente aprendi sobre feiras, grupos de consumo responsáveis, grupos de CSA. Entretanto, quanto mais dialogava com esses atores, maiores ficavam minhas dúvidas. Fui percebendo que as questões que tinha em minha mente, eram semelhantes para boa parte dos grupos. Foi nesse contexto, da Rede Nacional, há aproximadamente quatro anos atrás, que conheci o grupo de CSA que me propus a acompanhar nessa pesquisa, a CSA de São Carlos/SP. A escolha desse grupo não foi aleatória, nem por proximidade geográfica, mas por especificidades que somente esse grupo apresenta, conforme será descrito posteriormente.

Nesse período, também comecei a participar da Rede de Agroecologia da Unicamp, mais diretamente como bolsista do projeto da Feira Pé na Roça onde acompanhei uma forma de comercialização direta da qual ainda não tinha tido muito contato. Assim como trabalhei na Associação de Agricultura Natural de Campinas e Região (ANC) com a questão das feiras orgânicas no município de Campinas. Todas essas experiências me deram

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uma confiança e uma coragem. Confiança essa, de que a comercialização e o consumo, dentro do contexto da agroecologia e da agricultura orgânica, são temáticas complexas e secundarizadas pela literatura e debates, conforme será apresentado posteriormente nesse texto. Pensar e propor novos circuitos, formas de abastecimento e de consumo alimentar, além de pesquisas relativas ao assunto, era necessário. E para isso, rever o que já estava consolidado, como feiras e grupos de consumo responsáveis, literaturas e discussões, a partir de um olhar curioso e autocrítico, e buscar entendimentos para todas as questões que me acompanhavam era essencial. A partir disso, estava a coragem para desenvolver esta pesquisa.

Mas qual abordagem poderia me ajudar a compreender tais dúvidas? Não gostaria de observar tais questões a partir de uma única variável. Necessitava entender as especificidades da produção agroecológica e como a agroecologia se relacionava com as questões do consumo, compreender aspectos da microeconomia, perceber concepções da sociologia econômica e da sociologia do consumo, recorrer a métodos que me despertassem um olhar curioso sobre o meu objeto de estudo. Assim, não seria um programa disciplinar onde eu poderia desenvolver minha pesquisa.

Ao entrar no programa Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, imaginava que a interdisciplinaridade se faria por juntar métodos ou temas. Logo descobri que não necessariamente. Foram diversas disciplinas que desconstruíram meu problema, apresentando-me outras abordagens e apoiaram-me na reconstrução dessa dissertação. Adentrei nas ciências humanas e sociais por meio de Foucault, Deleuze e Guattari e Boaventura de Sousas Santos e debati sobre as implicações da fragmentação da ciência para a resolução de problemas. Discuti as estruturas de poder que permeiam nosso contexto contemporâneo e políticas públicas, desmontando percepções e algumas certezas que tinha. Fui inserida na Teoria da Sociedade de Riscos de Beck (2010), comecei a desconstruir as certezas de militante que tinha devido ao envolvimento com o movimento de grupos de consumo, teci a proposta de redes com a abordagem de Latour e me desafiei a fazer uma primeira experiência de campo com olhar etnográfico, com uma temática relacionada ao meu objeto de pesquisa.

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Entendi a importância de reconhecer o pesquisador em sua própria pesquisa, abandonando a impressão de ciência neutra e discuti métodos e metodologias advindos de diversas disciplinas. Debati sobre os modelos de desenvolvimento, sistemas produtivos agrícolas, economia feminista, saúde, agroecologia e divisão sexual do trabalho, o que me reaproximou do meu objeto de estudo após tantas desconstruções. No âmbito do grupo de estudos Ciência, Ambiente e Interdisciplinaridade (CAI) fui apresentada para os clássicos da sociologia, estudei as propostas etnográficas, entendi a importância de afastar-me do meu objeto de estudo, para que pudesse observá-lo com olhos desconfiados e curiosos, discuti sobre diversas metodologias, apresentei e reapresentei minha proposta de pesquisa aos colegas. Conversas com orientador, co-orientador e diversos outros professores de distintas áreas traziam diferentes pontos de vista e possíveis caminhos para o estudo que começava a desenvolver.

Mesmo com todos esses conhecimentos e perspectivas, uma dúvida ainda ressoava: como esta pesquisa poderia ser interdisciplinar? Bem, ela é composta por cada informação de distintos professores e alunos de diversas áreas que fui colecionando durante este período de mestrado. Ela também é formada por informações prévias de agricultores, consumidores, gestores, feirantes, técnicos extensionistas, pesquisadores e professores com quem conversei antes mesmo de ingressar no programa. Ela surgiu a partir de questionamentos e olhando para tais questões, traçamos quais diálogos com áreas disciplinares deveriam ser feitos e que trariam elementos para compreender meu objeto e embasar-me para a pesquisa de campo. Assim, busquei contribuições do campo da agroecologia para entender as diversas facetas da transição agroecológica a partir da relação produção e consumo. Os aportes teóricos da sociologia econômica foram incorporados para que eu pudesse aproximar-me das multiplicidades do mercado. Também com o subsídios da sociologia e antropologia, investiguei perspectivas sobre o consumo. Após deparar-me com as questões que me acompanhavam, refleti sobre o método. E neste momento, as contribuições da antropologia se fizeram essenciais, já que toda esta pesquisa foi realizada com um olhar etnográfico. Nesse trabalho teço o grupo de CSA enquanto uma rede, onde

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atores humanos e não humanos agem e todas essas interações também ganham agência. A observação participante e as entrevistas etnográficas também foram utilizadas como técnica, para me aproximar do entendimento da minha principal questão.

Sendo assim, essa pesquisa não tem um capítulo teórico sobre como realizar uma pesquisa interdisciplinar, entretanto, essa interdisciplinaridade é feita pensando sobre si mesma, durante toda construção do meu problema, pelos entremeios das escolhas que fiz para olhar para esta questão, pelos diversos métodos empregados e principalmente, pelo esforço de diálogo entre todos esses elementos no desenvolvimento desse trabalho. Ainda, surge por meio de uma outra perspectiva gerada pela conexão de todos esses elementos em mim, possibilitando que eu, pesquisadora, por meio dessa experiência, me envolvesse e desenvolvesse esse trabalho com um olhar não compartimentado.

Desejo, leitor, que este trabalho amplie tanto os seus horizontes, quanto ampliou os meus.

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Introdução

Esse trabalho tem o intuito de analisar a transição agroecológica a partir da relação entre produção e consumo, em uma experiência de CSA (Community Supported Agriculture) no município de São Carlos/SP, partindo da hipótese de que tal experiência pode contribuir para se repensar os seus pressupostos básicos, principalmente, no que se refere às relações entre produção e consumo.

A CSA surgiu nos Estados Unidos, no ano de 1986, com o objetivo de estreitar as relações entre consumidor e agricultor, onde os primeiros compartilham os riscos e benefícios da produção agrícola. A proposta é de compartilhar os custos da produção de um alimento de qualidade por meio de cotas financeiras mensais, entre os membros da comunidade de consumidores (TORUNSKY, FERREIRA NETO e AMORIM, 2015).

A transição agroecológica é um termo consolidado dentro do contexto da agroecologia, e é comumente utilizado por diversos autores (GLIESSMAN, et al. 2007; GLIESSMAN e ROSEMERYER, 2010; PETERSEN, 2013; CAPORAL e COSTABEBER, 2009; COSTABEBER, 1998; ALTIERI, 1994, entre outros). Entretanto, em sua maioria partindo das perspectivas de produção de alimentos, conforme observa-se na literatura. A ampliação desse termo para outras áreas, como para o consumo, já sugerida por alguns pesquisadores (GLIESSMAN et al., 2007 e GLIESSMAN e ROSEMEYER 2010) após o entendimento de que para haver uma transformação no ambiente agrícola com a incorporação de práticas sustentáveis, seria necessário a participação de consumidores. Contudo, tal proposta é pouco incorporada e analisada em pesquisas acadêmicas. Apesar dessa proposta de ampliação, ao aproximar-me da transição agroecológica deparo-me com uma proposta hierárquica em sua concepção. Ou seja, as discussões, referentes a tal assunto, privilegiam certo aspecto frente a outro. Tal situação ocorre, por exemplo, no contexto da relação entre produção e consumo, tema de interesse para esse estudo.

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relação entre produção e consumo, onde a primeira é evidênciada frente a segunda, ao invés de compreender ambas como parte da mesma cadeia de abastecimento alimentar. Tal situação torna-se evidente quando, na literatura, o consumo, quando incorporado e debatido em trabalhos, surge como uma consequência do processo de produção agrícola. Entretanto, será que essa perspectiva consolidada da transição agroecológica não exclui algumas experiências em agroecologia, as quais podem se organizar por meio de outros moldes de relações? Como seria, a partir da observação de um grupo de CSA, deparar-me com outras relações de produção e consumo, e o como, a partir destas relações, contribuir com o debate da transição agroecológica?

A discussão da relação entre produção e consumo faz-se necessária, dentro de uma CSA, já que tais grupos propõem a criação de uma comunidade vinculada à propriedade rural, com o objetivo de compartilhar benefícios e prejuízos do campo entre agricultores e consumidores (TORUNSKY, et al., 2015). Sendo assim, tendem a desordenar a relação comumente observada entre produção e consumo.

O grupo de CSA São Carlos/SP está em funcionamento desde 2013 e tem como seu centro a propriedade rural Sítio Centenário. O grupo se organiza a partir de duas categorias: os co-produtores, termo utilizado para referir-se aos membros da comunidade em geral; e agricultores. No caso da CSA de São Carlos, há em média 48 co-produtores, sendo que desses, 20 são “cotistas”, termo utilizado para denominar os membros do grupo que pagam a cota mensal. Os 28 restantes são “bolsistas” e correspondem aos membros que trocam seu trabalho pelo pagamento da cota mensal. Todos os membros, a partir dessas trocas, monetárias ou não, têm o direito a uma cesta semanal de produtos do sítio. Há também dois gestores (que estão contabilizados no grupo de bolsistas) e uma agricultora.

O estímulo para a realização dessa discussão em torno da transição agroecológica, parte da percepção de que há uma abordagem hierárquica por de trás desse termo, onde as discussões sobre a produção agrícola prevalecem, sendo o consumo uma consequência dessa. Tal aspecto evidencia o pouco tratamento dado às abordagens sobre o consumo no contexto agroecológico. Nesse sentido, a observação de um grupo de CSA pode contribuir para outros entendimentos sobre a relação entre produção e consumo, já que nesse contexto, tal relação ocorre a partir de outros moldes.

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A transição agroecológica refere-se a um processo, que começou a ser descrito no ambiente de produção agrícola, onde agricultores convencionais incorporam em suas práticas, manejos e técnicas sustentáveis, visando uma agricultura orgânica e agroecológica. Contudo, anterior a essa problematização, há uma outra questão. O que seria a transição agroecológica? Um termo? Debate? Conceito? Proposta de ação? Apesar de relevante e recorrente, a transição agroecológica é ainda pouco analisada de forma aprofundada e a partir de uma discussão conceitual. Poucas são as pesquisas que exploram e incorporam as contribuições do campo do consumo. Sendo assim, intenciono que esse estudo possa contribuir no desenvolvimento e fortalecimento da agroecologia partindo do olhar de questões já consolidadas, que se reproduzem dentro do campo. Assim também, intenciono fomentar reflexões e proposições de novas perspectivas, inclusive por meio dos debates do consumo.

Dentro desse contexto, alguns questionamentos fundamentais se tornam estímulo para a realização desse estudo: como se dá a relação entre produção e consumo dentro desse grupo de CSA? E a relação entre produção e consumo associado à transição agroecológica? Quais as contribuições dessas discussões no campo da agroecologia? Na tentativa de lidar com tais questões, quatro são os objetivos específicos desse estudo: (1) problematizar o conceito de transição agroecológica; (2) reconstruir a história do grupo de CSA de São Carlos a partir de redes relacionais (3) buscar, na CSA de São Carlos, aspectos da relação entre produção e consumo (4) apresentar as implicações dos resultados dessas para a “transição agroecológica”.

Fundamentos da Agroecologia

A agroecologia surge em um contexto de questionamentos à agricultura praticada de forma convencional, estabelecendo um processo de cientifização da própria ciência agrícola onde não mais suficiente, é questionada em sua prática. Com relação a isso, Beck (2010) explica que há dois processos relativos à ciência: cientifização simples e reflexiva. O primeiro deles ocorreria em um contexto em que a ciência e a produção do conhecimento não seriam questionados por si próprias. A ciência, nesse cenário seria considerada uma verdade absoluta e sua dinâmica seria

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decorrente do “confronto entre tradição e modernidade, entre leigos e especialistas” (BECK, 2010, p.236). Conforme a cientifização começa a tornar-se reflexiva, passaria a ser confrontada consigo mesma, onde, ao mesmo tempo em que se tornaria solucionadora de problemas, também se transformaria em criadora desses. Nesse âmbito1, a ciência torna-se crítica sobre si mesma, gerando uma situação de incertezas e inseguranças (BECK, 2010).

Assim, as práticas agrícolas convencionais, imersas em um cenário de cientifização simples, não seriam questionadas em suas práticas. Esse cenário pode ser exemplificado no ambiente agrícola quando um “pacote” tecnológico, baseado na larga utilização de insumos químicos, maquinário e organismos geneticamente modificados, foi implementado no campo (ALMEIDA, 1997), tendo como justificativa superar a possibilidade de uma crise no sistema de abastecimento alimentar. Entretanto, juntamente com os benefícios do aumento da produtividade agrícola, surgiram riscos não previstos, principalmente relacionados à utilização de insumos químicos, gerando, como afirma Altieri (2012), a contaminação da população rural, do recursos hídricos, o empobrecimento dos solos e a perda de biodiversidade de espécies agricultáveis. A partir do momento em que a ciência questiona-se, revelando dúvidas e incertezas quanto à técnicas e manejos, novas propostas são incorporadas à agricultura convencional, na tentativa de torná-la sustentável. Ao nos confrontarmos com tais questões, nos deparamos e refletimos sobre tal contexto e propomos novas formas de pensar e fazer agricultura, onde a produção agrícola deveria se conciliar com a preservação ambiental e saúde humana, como na agroecologia.

Diversos são os autores que se dedicaram ao entendimento das vertentes agroecológicas (ALTIERI, 2012; SEVILLA GUZMÁN, 2001; GLIESSMAN, 2001, PRIMAVESI, 1997; CAPORAL e COSTABEBER, 2004, entre outros), os quais, nem sempre convergem para uma visão homogênea do conceito. Destacam-se três fundamentais pesquisadores para o desenvolvimento das bases agroecológicas: Miguel Altieri, Eduardo Sevilla Guzmán e Stephen R. Gliessman.

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Embora de forma diferente, Giddens (1991) e Giddens, Lash e Beck (2012) descrevem a modernização reflexiva como um processo de possível criação de um novo contexto a partir da autoconfrontação com antigas circunstâncias. A proposta destes autores, juntamente com as concepções desenvolvidas por Beck (2010) é que ao deparar-se com situações complexas de grandes indefinições, os indivíduos estariam aptos a refletir sobre a sua própria realidade e a assim propor novas possibilidades de atuação política como forma de enfrentamento aos risco.

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Altieri (2012) faz questão de reforçar o contexto de riscos em que a agroecologia surgiria e se estabeleceria. Nesse sentido, destaca e problematiza as consequências ambientais e sociais como a perda da produtividade do solo e as doenças decorrentes do uso de insumos agrícolas, o que proporcionaria um cenário de inseguranças, fazendo emergir propostas sustentáveis dentro do contexto agrícola, como a agroecologia. O autor, apesar de compreender a agroecologia enquanto um campo científico, reconheceria a relevância do movimento social agroecológico, ao destacar que a consolidação da agroecologia somente iria ocorrer com o apoio desses movimentos e que assim uma real transformação poderia acontecer dentro das arenas sociais, políticas econômicas e culturais (ALTIERI, 2010). Altieri (2012) afirma que a agroecologia surgiria com a proposta de aprofundar questões referentes ao estudo, implantação e manejo de agroecossistemas2 que ensejariam tanto a produção agrícola quanto a conservação de sistemas naturais, por meio de técnicas e princípios multidisciplinares que incorporariam aspectos da agronomia, ecologia, ciências sociais, objetivando sustentabilidade econômica de agroecossistemas. Nesse conjunto, cada realidade seria compreendida dentro de suas especificidades ecossistêmicas, socioeconômicas e culturais (ALTIERI, 2012). A proposta agroecológica também se atentaria para a viabilidade econômica e social dos agricultores, sendo que o autor, incentiva a criação de novos mercados e o acesso aos mercados tradicionais, priorizando as redes locais. Contudo, essas formas de comercialização deveriam ter como base os princípios do comércio justo e instrumentos que promovam a aproximação de consumidores e agricultores (ALTIERI, 2009).

Segundo Sevilla Guzmán (2001), a agroecologia surge como uma possibilidade de contraposição à lógica neoliberalista e de globalização, sendo responsável pela criação de uma nova epistemologia particularmente política. Assim, despontaria como alternativa para o desenvolvimento rural sustentável, já que perceberia a importância da diversidade tanto ecológica quanto sociocultural. Sevilla Guzmán (2001) propõe a conexão entre teoria e prática para o entendimento dos agroecossistemas como sendo uma construção ecológico-cultural abordando

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Conforme Altieri (2012), agroecossistemas são: “comunidades de plantas e animais interagindo com seu ambiente físico e químico que foi modificado para produzir alimentos, fibras, combustíveis e outros produtos para consumo e utilização humana.” (p.105).

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estratégias ecológicas, agronômicas e socioantropológicas. O mesmo autor, em parceria com Alonso Mielgo (1994), acredita que o agricultor deveria ser o sujeito ativo de seu desenvolvimento, tendo controle de toda sua cadeia produtiva, desde a produção, passando por aspectos tecnológicos e finalizando nos canais de comercialização. Nesse sentido, compreenderia a relevância dos circuitos curtos de comercialização3 afirmando que o agricultor, após entender a dinâmica local, estaria pronto para comercializar dentro de circuitos mais longos e, assim, poderiam surgir novas alternativas de comercialização local e até mesmo uma reflexão sobre mercados de exportação baseados em princípios solidários (SEVILLA GUZMÁN, 2001). O autor propõe a criação de mercados alternativos solidários como os grupos associativos ou cooperativos entre produtores agroecológicos e consumidores, que fortaleceria os laços de confiança e a troca de conhecimento entre ambos (SEVILLA GUZMÁN e ALONSO MIELGO, 1994).

Para Gliessman e Méndez (2002), a agroecologia seria uma ciência que objetiva a produção de alimentos que supram a necessidade global, de maneira sustentável. Dessa forma, surgiria como enfrentamento aos problemas gerados pelo modelo de agricultura moderna e convencional. Os autores ainda destacam que o uso sustentável da terra deveria se dar pela integração de diversos saberes, como o conhecimento da interação entre fatores físicos, biológicos e culturais dos agroecossistemas4 incorporando os conhecimentos locais no processo produtivo agroecológico. Gliessman (2001) compreende que para a consolidação de sistemas produtivos sustentáveis seria necessário uma reestruturação dos processos de mercado. Para o autor, as bases estruturais em que a economia se sustentaria, como as regulamentações impostas pelos mercados, acordos de exportação, entre outras, não seriam compatíveis com uma agricultura saudável. Assim, proporia a criação de um sistema de distribuição e consumo sustentáveis, visando maior autonomia em relação aos mercados convencionais (GLIESSMAN, 2001).

Cada autor aponta particularidades ao abordar o assunto: Altieri apresentaria peculiaridades referente ao processo técnico produtivo agrícola, fortalecendo seu argumento em instrumentos e técnicas utilizadas pelo agricultor agroecológico.

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Sevilla Guzmán (2001) considera circuitos curtos de comercialização como sendo os mercados locais, representando para o autor uma referência tanto quanto à distâncias físicas como à relação de proximidade entre agricultores e consumidores.

4 Para Gliessman e Méndez, agroecossistema é um local determinado para a produção agrícola,

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Sevilla Guzmán incorporaria elementos relativos a um posicionamento político, no debate agroecológico, com o objetivo de fortalecer a autonomia do produtor rural, e introduz aspectos socioculturais. Gliessman realizaria uma leitura sobre a relevância da totalidade e diversidade ecossistêmica na formação de sistemas agroalimentares.

O consumo e a comercialização aparecem por meio da problematização quanto à necessidade de criação de novas redes baseadas em um comércio solidário, contudo, de forma desigual frente à abordagem da produção agrícola, principalmente devido a diversos outros desafios que deveriam ser enfrentados pelo discurso agroecológico no contexto de cada pesquisador. Sendo assim, a questão do consumo dentro das abordagens agroecológicas tornou-se um assunto para se aprofundar quanto a sua problemática e possíveis proposições. Nesse sentido, será que o consumo e o consumidor têm papel secundário dentro das experiências agroecológicas?

Diversos são os campos disciplinares que podem colaborar na construção dessa discussão sobre o consumo e comercialização no âmbito agroecológico, dentre outras, a sociologia e antropologia do consumo. Assim, compreender algumas abordagens sobre tal temática faz-se importante para esse estudo. Para isso, serão utilizadas perspectivas que desenvolvam um olhar antropológico sobre a mercadoria, por meio de outros entendimentos possíveis relativos a esse (APPADURAI, 2008), como para o consumo, inclusive quanto à sua desmistificação enquanto somente um ato fútil e utilitarista (DOUGLAS E ISHERWOOD, 2004; MILLER, 2002). Também a compreensão de outras abordagens sobre o consumo a partir do entendimento de sua possível politização (PORTILHO, 2005, 2009, PORTILHO et al. 2011), no campo do abastecimento alimentar. Bem como as mudanças históricas acontecidas no campo do consumo alimentar, que influenciaram as decisões e posicionamentos de consumidores, quanto ao consumo (CASTAÑEDA, 2012).

Após problematizar e apresentar as diretrizes para este trabalho, é necessário descrever como esse será realizado. A escolha e desenvolvimento de um método não é o resultado somente da melhor proposta para a pesquisa, mas também, da possibilidade mais coerente conforme o perfil do pesquisador. Nesse sentido, eu, uma pesquisadora com envolvimento prévio com grupos de consumo responsável, prezava por um método que possibilitasse a minha interação com os atores envolvidos no grupo de CSA, que permitisse minha participação na dinâmica

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do grupo e onde pudesse também descrever minhas percepções de forma fluida. Ao mesmo tempo, precisava duvidar e abandonar as minhas próprias certezas prévias, para que pudesse me aproximar do grupo sem respostas prontas, as quais desejava ouvir. A antropologia, tão acostumada a lidar com grande diversidade de atores sociais, teria muito a contribuir nessa empreitada, por meio da proposta etnográfica. Contudo, são muitas as possibilidades de abordagem quanto a este método. Assim, busco reconhecer algumas abordagens da etnografia, contudo, sem a pretensão de findar as possibilidades, no intuito de averiguar o modelo que seja apropriado à minha aproximação do grupo de CSA de São Carlos e que me proporcione instrumentos para o desenvolvimento desse trabalho a partir de um olhar etnográfico. Nesse sentido, abordarei as propostas: evolucionista de Edward B. Tylor, funcionalista de Bronislaw Malinowski, simbólica de Clifford Geertz e redes de Bruno Latour.

Percurso metodológico

Castro (2005) afirma que Tylor seria o responsável pela primeira definição de cultura, sendo considerado o mentor da antropologia cultural. Sendo assim, para Tylor,

“Cultura ou Civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade.”(TYLOR, 2005, p. 49)

Para esse pesquisador, a cultura seria um estado civilizacional e deveria ser compreendida a partir da ideia de um todo complexo, baseado em pensamentos que regiam todas as ações. Ele argumentava que todas as práticas, crenças, atividades e elementos seriam regidos pelo princípio da causalidade, ou seja, todo o fato seria dependente de ocorrências históricas, sendo vinculado à fatos anteriores (TYLOR, 2005).

Tylor (2005) propõe o entendimento de cultura a partir de um olhar etnográfico baseado em proposições evolucionistas. Para o autor, essa proposta possibilitaria a comparação de culturas conforme o seu “grau de civilização” (p.53). Assim, o etnógrafo deveria realizar seu estudo próximo ao processo de taxonomia,

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onde os aspectos, elementos, ritos, artefatos materiais deveriam ser esmiuçados e classificados.

“Um primeiro passo no estudo da civilização é dissecá-la em detalhes e, em seguida, classificá-los em seus grupos apropriados. [...] com vistas a estabelecer sua distribuição na geografia e na história e as relações existentes entre eles. Em que consiste essa tarefa é um ponto que pode ser quase perfeitamente ilustrado comparando esses detalhes de culturas com as espécies de plantas e animais tal como estudadas pelo naturalista. ” (TYLOR, 2005, p.53)

Para Tylor (2005), a perspectiva evolucionista das sociedades regeria todo seu desenvolvimento de pesquisa. Portanto, todo o intuito de sua proposta etnográfica estaria pautada na comparação e classificação de culturas mais e menos evoluídas.

Malinowski (1976) é um dos representantes da antropologia funcionalista, sendo que sua compreensão de cultura se relaciona à noção de sistemas. Os aspectos culturais seriam um conjunto particular e fundamental de cada cultura. Cada um destes elementos culturais teriam particularidades e finalidades específicas e corresponde ao etnógrafo, a tarefa de observar e participar das atividades diárias para compreender aquela cultura. O entendimento de cultura para Malinowski, também estaria vinculado ao aspecto da causalidade, entretanto diferentemente da proposta de Tylor, a concepção evolucionista seria abandonada. Nesse sentido, a descrição etnográfica não deveria ser permeada por julgamentos evolucionistas, mas, pautada por uma prática em que a compreensão das culturas estudadas fosse preponderante.

Malinowski (1976) incorpora, em sua proposta metodológica, os trabalhos de campo, ressaltando a importância do pesquisador aproximar-se da cultura a ser estudada, ao invés de confiar em relatos realizados por viajantes. Sendo assim, a pesquisa de campo deveria ser realizada por meio da imersão do pesquisador na cultura estudada, e com a utilização da técnica da observação participante.

O autor acredita em dois aspectos principais para esse trabalho, um de caráter explicativo (onde o pesquisador deveria levantar, a partir da observação, todas as informações possíveis para explicar aspectos culturais da população estudada) e outro de caráter compreensivo (no qual o etnógrafo deveria vivenciar as

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atividades da cultura pesquisada). Sendo que para ele, algumas etapas para realizar um trabalho etnográfico são:

“Os princípios metodológicos podem ser agrupados em três unidades: em primeiro lugar, é lógico, o pesquisador deve possuir objetivos genuinamente científicos e conhecer os valores e critérios da etnografia moderna. Em segundo lugar, deve o pesquisador assegurar boas condições de trabalho, o que significa basicamente, viver mesmo entre os nativos, sem depender de outros brancos. Finalmente deve ele aplicar certos métodos especiais de coleta, manipulação e registros das evidências.” (MALINOWSKI, 1976, p.24).

Geertz (1989) incorpora o simbolismo na antropologia, sendo que para o autor, a compreensão da cultura ocorreria por meio dos significados existentes por detrás de objetos e ações. Para expor sua proposta, o autor exemplificaria a ideia de uma piscadela e de todos os significados possíveis para ela:

“Vamos considerar, diz ele, dois garotos piscando rapidamente o olho direito. Num deles, esse é um tique involuntário; no outro, é uma piscadela conspiratória a um amigo. (...) embora não retratável, a diferença entre um tique nervoso e uma piscadela é grande, como bem sabe aquele que teve a infelicidade de ver o primeiro tomado pela segunda. O piscador está se comunicando e, de fato, comunicando de uma forma precisa e especial: (1) deliberadamente, (2) a alguém em particular, (3) transmitindo uma mensagem particular, (4) de acordo com um código socialmente estabelecido e (5) sem o conhecimento dos demais companheiros.” (GEERTZ, 1989, p.5).

Assim, Geertz (1989) abandonaria a ideia da cultura enquanto um todo complexo, conforme sugerida por Tylor (2005), compreendendo-a enquanto um emaranhado de significados e valores.

“O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios abaixo tentam demonstrar, é essencialmente semiótico. Acreditando, [...] que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado.”(GEERTZ, 1989, p.4)

O autor afirma que a técnica capaz de captar essa teia de significados seria uma etnografia realizada por meio de uma descrição densa, com objetivo de ampliar o “universo do discurso humano” (GEERTZ, 1989, p.10). Para ele, o texto etnográfico seria composto também por uma parte de interpretação do próprio

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etnógrafo ao descrever aquela cultura estudada, sendo ainda considerada uma interpretação secundária, ou até mesmo terciaria, já que somente o próprio nativo conseguiria realizar uma interpretação primária de sua própria cultura. Contudo, a pesquisa etnográfica não deveria ser considerada falsa, já que seria embasada em fatos e não em invenções fictícias (GEERTZ, 1989). A proposta do autor também se pauta na causalidade, contudo, relacionada com o pensamento, já que todas as ações seriam consequências das significâncias do mundo.

Todos esses autores propõem formas de realizar uma pesquisa etnográfica, cada qual com suas especificidades influenciadas por contextos e períodos vivenciados por cada pesquisador. Contudo, todos eles apresentam uma questão em comum, relacionada à cultura estudada. Todas essas perspectivas etnográficas apresentadas dedicam-se a pesquisar “o outro” distante do etnógrafo: indígenas, camponeses, nativos, entre outros. Entretanto, como realizar uma pesquisa etnográfica no atual contexto, onde “o outro” não encontra-se tão distante do pesquisador, como nas abordagens de Tylor, Malinowski e Geertz? Com realizar uma pesquisa de etnográfica em um grupo de CSA onde os agricultores, consumidores e gestores fazem parte de um ambiente tão semelhante ao meu?

Latour (2012), ao observar o contexto contemporâneo, propõe a Teoria Ator Rede, onde a cultura seria entendida enquanto redes de interações. Apesar de existir a percepção de que estaríamos imersos em mundos fragmentados, regidos por meio de uma lógica própria; a partir da leitura diária de um jornal, Latour (2013) demostra que na realidade estaríamos todos interligados, vivenciando um contexto de múltiplas causalidades.

“Nós também relacionamos o gesto ínfimo de pressionar um aerossol a interdições que envolvem o céu. Nós também devemos levar em conta as leis, o poder e a moral para compreender o que nossas ciências dizem sobre a química de alta atmosfera. ” (LATOUR, 2013, p.12).

A partir dessa perspectiva, Latour (2013) observa que as relações existentes não poderiam mais ser entendidas no viés de uma única causalidade, diferentemente dos entendimentos apresentados até então, mas muitas, que se fariam presentes e pautariam as configurações sociais.

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Nesse sentido, Latour (2012) compreende a cultura enquanto um tecido inteiriço, uma proposta de redes de interação onde seus “actantes” se articulariam. A etnografia seria uma proposta metodológica para observar tais conexões. Latour (2012) descreve um campo/teia de interação onde diversos elementos, além dos agentes humanos, como atores externos e elementos naturais, teriam a capacidade de atuar: uma rede. Conforme Law5 (1992), a heterogeneidade das redes é que as desenha assim como as vemos. E esse processo só se daria pela existência e agência que os objetos realizam sobre os seres humanos. Nesse sentido, as interações poderiam ser mediadas tanto por humanos, como por não humanos, sendo que ambos estabeleceriam vínculos sociais. A proposta desses autores seria, ao reconhecer a agência de não humanos, admitir o papel das “coisas” dentro de um contexto de interações, o que possibilita uma outra perspectiva para estudos relativos ao consumo.

Para que isso seja realizado, Latour (2013) afirma ser necessário três abandonos dicotômicos, o de erros e verdades, tradição e modernidade, natureza e cultura, e a abordagem de tais termos a partir do princípio da simetria generalizada, sem hierarquizações ou julgamentos.

Latour e Woolgar (1997), por meio de uma etnografia de um laboratório6 na Califórnia, tecem as interações entre seres humanos e não humanos a partir da constatação dos princípios de simetria. Com isso, os autores possibilitariam estudos onde não somente humanos seriam considerados, mas também os não humanos e a interação entre ambos.

Apesar de Tylor, Malinowski e Geertz sugerirem um modelo etnográfico a ser seguido, Latour (2013) propõe que não exista um roteiro específico para trabalhos de campo etnográfico, já que durante o próprio campo, diversas questões, não anteriormente previstas, poderiam surgir.

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John Law e Michel Callon contribuiram com o desenvolvimento da Teoria Ator Rede junto com Bruno Latour.

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Callon (20--) também propõe pesquisas sobre os ambientes laboratoriais, sendo que seu interesse é pautado na colaboração do próprio laboratório para o desenvolvimento do estudo. Assim, o autor não estaria interessado em observar o cientista e como ele desenvolve sua pesquisa, mas em compreender qual a importância do laboratório para a configuração do estudo, conforme seu desenvolvimento.

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Para a escolha da perspectiva etnográfica que utilizarei nessa dissertação, retorno ao meu objeto, o grupo de CSA. Esse ambiente é um campo de interações heterogêneas, formado por elementos humanos e não humanos. Há produtos agrícolas, ferramentas, dinheiro, computadores, textos e planilhas, entre outros elementos que agem sobre o grupo. Todos esses elementos em articulação configuram o grupo de CSA de São Carlos. Ao aproximar-me dos abandonos dicotômicos descritos acima e propostos por Latour, reflito sobre essa pesquisa, e sugiro um abandono dicotômico, o da produção e consumo. Minha proposta parte da inquietação provocada pela separação observada dentro de redes de abastecimento alimentar, entre produção e consumo. Além disso, proponho realizar uma pesquisa a partir de um olhar etnográfico, onde os aspectos culturais do campo de interação são muito próximos dos que vivencio. Assim, aproximo-me da Teoria Ator Rede, enquanto uma sugestão coerente para a percepção das diversas relações existentes em meu contexto de pesquisa.

O olhar etnográfico, dentro desse trabalho, tem como fundamento três princípios: a busca pelo entendimento articulado de elementos que compõem a rede estudada; a apreensão de diferentes concepções, conforme os agentes; o encontro entre diferentes diálogos, contribuindo para a construção do conhecimento, sendo, conforme sugere Wagner (2010), uma invenção. Assim, o olhar etnográfico será utilizado nesse texto não somente no trabalho como um todo, mas também enquanto método para toda a pesquisa de campo.

Guber (2001) descreve o trabalho de campo etnográfico como sendo a concepção e a prática do conhecimento que pretende compreender os fenômenos sociais da perspectiva dos membros que os vivenciam. Conforme comenta a autora, diversos seriam os pesquisadores que se dedicaram as pesquisas etnográficas, sendo que para sua realização, utilizam distintas ferramentas, como a observação participante e a entrevista etnográfica. Assim, para essa dissertação, durante o trabalho de campo, foram utilizadas a observação participante e entrevistas abertas (ou não dirigidas).

A observação participante pode ser compreendida como uma forma de obtenção de informações em campo, tanto a partir da perspectiva de observar quanto na vivência de atividades rotineiras do contexto em que se pesquisa. Essa

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atividade seria composta pela observação de tudo o que acontece no entorno do pesquisador e pela participação, que permitiria ao pesquisador vivenciar a própria sociedade estudada (GUBER, 2001).

Outra ferramenta metodológica relevante para pesquisas etnográficas é a entrevista, que permitem ao entrevistador ouvir diretamente as ideias, opiniões e sentimentos do entrevistado. Essas entrevistas podem ser de característica: dirigida, semiestruturada e por grupo focal (GUBER, 2001). A autora ressalta que independente do modelo escolhido, entrevistas deveriam ser dinâmicas, sendo necessário ao investigador um estudo prévio, como a realização de um pré-campo. Com isso o pesquisador poderia aproximar-se do contexto onde se daria o estudo e da forma para se comunicar com os indivíduos que seriam entrevistados. As entrevistas ainda dependeriam da flexibilidade do próprio entrevistador na coleta das informações desejadas.

Conforme Guber (2001), a entrevista aberta (ou não dirigida) pode ser útil por minimizar a complexa relação entre pesquisador e entrevistado, por meio do estabelecimento de um diálogo afetivo. A mesma autora comenta que para realizar este tipo de entrevista são necessários: um pesquisador atento, a articulação de informações livres e novamente uma categorização estabelecida pelo pesquisador. Nesse trabalho, foram realizadas entrevistas abertas com a agricultora, gestores e membros do grupo de CSA.

Caminhada pelo trabalho

A caminhada por essa dissertação foi realizada a fim de que cada capítulo possa contribuir com o debate sobre a relação entre produção e consumo dentro do processo de transição agroecológica. Assim, no capítulo 1 desenvolvo o debate sobre o processo de transição agroecológica. Inicio-o com o questionamento sobre o que é a “transição agroecológica”. Quais são os elementos fundamentais e como ela é tratada dentro do contexto agroecológico. Seria um termo? Um conceito? Uma proposta de ação? Após, realizo uma revisão bibliográfica do trabalho de alguns autores a fim de compreender como a transição agroecológica está consolidada dentro do contexto agroecológico, bem como a relação entre produção e consumo

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nos discursos de cada autor. Nesse sentido, também procuro compreender como o consumo é abordado em cada proposta. Apresento também as contribuições da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), por meio de uma carta divulgada no site do VI Congresso Latino Americano de Agroecologia, que ocorreu em setembro de 2017, bem como uma breve análise da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, a fim de compreender especificamente como são abordadas a transição agroecológica e a relação entre produção e consumo. Mediante essas contribuições, questiono: O que é a transição agroecológica? Como é apresentada a relação entre produção e consumo nas diferentes perspectivas? Como, cada autor aborda o consumo?

No capítulo 2, a partir das diversas possibilidades de entendimento sobre o consumo, o objetivo é trazer contribuições de outros campos do conhecimento para a agroecologia. Para isso, realizo uma revisão referente a alguns aportes teóricos das múltiplas vertentes conceituais sobre o tema, por meio da contribuição da sociologia e antropologia do consumo, principalmente. Início o texto com um breve debate sobre o entendimento de mercado no contexto da economia, da sociologia econômica e da nova sociologia econômica. Após, apresento com as contribuições de Appadurai (2008) e Koppytof (2008) no que se refere à compreensão sobre mercadoria. Em seguida, as discussões ocorrem com a contribuições da sociologia e antropologia do consumo, que nortearão os debates em torno do grupo de CSA. Ainda no mesmo capítulo, insiro-me no debate sobre a politização (PORTILHO, 2005; 2009; PORTILHO et al., 2011) do consumo e redes alimentares alternativas (GOODMAN e DUPUIS, 2002), na perspectiva do entendimento conceitual dentro do contexto agroecológico e as particularidades de grupos de CSA. E assim, questiono: quais seriam as contribuições desses outros entendimentos relativos ao consumo para a agroecologia? Que outras compreensões do consumo seriam interessantes para a discussão da transição agroecológica? Quais as características do consumo dentro de um grupo de CSA?

No capítulo 3 realizo a descrição empírica da experiência de campo, que ocorreu entre agosto e outubro de 2017, com o intuito de apresentar elementos que dialoguem com os questionamentos realizados nos capítulos anteriores. Início o capítulo com a descrição histórica do grupo, selecionando três momentos onde são evidenciadas a teia de relações, com base na proposta da teoria Ator-Rede

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(LATOUR, 2012). Após, apresento dados e impressões da observação participante e entrevistas referentes ao momento em que estive em campo. Também faço diálogo com as teorias e autores apresentados anteriormente.

E por fim, nos apontamentos finais, retorno para os questionamentos realizados no texto a fim de respondê-los. Contudo, sem a intenção de traçar respostas definitivas as quais encerrariam a discussão. A intenção, a partir desse debate, é que mais dúvidas possam surgir, contribuindo para o desenvolvimento autocrítico dentro do âmbito agroecológico. Nesse sentido, ao final, sugiro algumas linhas de pesquisa a serem aprofundadas.

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Capítulo 1 – A Transição agroecológica

1.1 - Aspectos iniciais

A transição agroecológica é um termo consolidado no contexto da agroecologia, referente ao início de uma transformação do ambiente agrícola, onde o agricultor convencional incorpora práticas sustentáveis, baseadas nos princípios agroecológicos. Diversos autores utilizam-no como ferramenta de pesquisa, perspectiva política ou etapas processuais. Entretanto, o que é a “transição agroecológica”? Um conceito? Uma proposta de ação? Ao realizar uma breve busca em revistas brasileiras sobre tal assunto, percebo haver uma grande quantidade7 de trabalhos que abordam esta temática (LIMA, PIRES e VARGAS, 2015; SOUSA et al., 2007; PACIFICO e SOGLIO, 2010; DA ROCHA BARROS, 2009; BORGES, 2009; JANTARA e ALMEIDA, 2009; CORRÊA et al, 2007; SA, 2016; MUNIZ, 2016; FONTENELE, 2011; PASQUALOTTO et al., 2016; BECKER et al, 2016; SILVA e BRANDENBURG, 2013; e outros). Contudo, boa parte desses trabalhos aborda essa temática enquanto uma proposta consolidada dentro do campo agroecológico. Uma discussão aprofundada, apesar de consolidada, e conceitual sobre o tema pode ser encontrada em Gliessman e Rosemeyer (2010); Costabeber (1998); Petersen (2013); Schmitt e Petersen (2009); Moreira (2007). Alguns (COSTABEBER e MOYANO, 2000; COSTABEBER, 1998) realizam uma discussão com o propósito de delimitar uma definição para o termo.

Outros autores (ALTIERI, 2012; ALTIERI, 1994) aprofundam-se em uma descrição histórica, problematizando o período da Revolução Verde, onde a transição agroecológica aparece enquanto um resultado desse contexto. Outros (SEVILLA GUZMÁN, 2001; SEVILLA GUZMÁN e MOLINA NAVARRO, 1990; PETERSEN, 2013; SCHMITT e PETERSEN, 2009), realizam uma discussão a partir de uma perspectiva política, onde compreendem a agroecologia e a transição a partir de uma abordagem de oposição e resistência ao contexto e modelo de desenvolvimento em que estamos inseridos. Outros, ainda, (GLIESSMAN e

7

Até o momento, na Revista Brasileira de Agroecologia foram encontrados 137 trabalhos sobre a temática da transição agroecológica. Foram encontrados também 227 trabalhos, entre artigos e relatos de experiências, na revista Cadernos de Agroecologia. Na revista Agriculturas, o volume 3, número 3 do ano de 2006 é uma edição somente para esta temática. Foram encontrados artigos também na revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável.

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