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(1)1. UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO. ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL. CARLOS HUMBERTO FERREIRA SILVA JÚNIOR. VESTÍGIOS DE JUNHO: O ETHOS DISCURSIVO COMPOSTO NAS MANIFESTAÇÕES DE 2013 EM SÃO PAULO. São Bernardo do Campo 2018.

(2) 2. 1. CARLOS HUMBERTO FERREIRA SILVA JÚNIOR. VESTÍGIOS DE JUNHO: O ETHOS DISCURSIVO COMPOSTO NAS MANIFESTAÇÕES DE 2013 EM SÃO PAULO. Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de PósGraduação em Comunicação Social, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), para obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. José Salvador Faro. São Bernardo do Campo 2018.

(3) 3. Si38v. Silva Júnior, Carlos Humberto Ferreira Vestígios de junho: o ethos discursivo composto nas manifestações de 2013 em São Paulo / Carlos Humberto Ferreira Silva Júnior. 2018. 162 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) --Escola de Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2018. Orientação de: José Salvador Faro. 1. Comunicação 2. Jornalismo 3. Análise do discurso 4. Manifestações públicas - Brasil I. Título. CDD 302.2.

(4) 4. A dissertação de mestrado intitulada: “VESTÍGIOS DE JUNHO: O ETHOS DISCURSIVO COMPOSTO NAS MANIFESTAÇÕES DE 2013 EM SÃO PAULO”, elaborada por CARLOS HUMBERTO FERREIRA SILVA JÚNIOR, foi apresentada e aprovada em 02 de abril de 2018, perante banca examinadora composta por Profa. Dra. Camila Escudero (Presidente/UMESP), Profa. Dra. Veronica Aravena Cortes (Titular/UMESP) e Profa. Dra. Jaqueline Lemos Martins (Titular/Universidade São Judas Tadeu). ________________________________________________________ Profa. Dra. Camila Escudero Presidente da Banca Examinadora. ________________________________________________________ Prof°. Dr. Luiz Alberto de Farias Coordenador do Programa de Pós-Graduação. Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social Área de Concentração: Processos Comunicacionais Linha de Pesquisa: Comunicação midiática, processos e práticas socioculturais.

(5) 25. Dedico este trabalho as professoras e ao professor que de fato contribuíram para sua construção: Dra. Marli dos Santos Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves Dra. Cicilia M. K. Peruzzo e meu orientador Dr. José Salvador Faro..

(6) 6. 3. AGRADECIMENTOS. A meu pai e minha mãe que, mesmo com inúmeras dificuldades, contribuíram para que eu chegasse a esse título.. À minha irmã Beatriz, que me ensina que a vida pode ser menos complicada se estivermos juntos.. À minha irmã Adriana e a meus sobrinhos Mariana e Enzo, por se manterem firmes e me mostrarem que a vida se renova.. Aos professores demitidos do Póscom: Dra. Cicilia M. K. Peruzzo, Dr. Daniel Galindo, Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves, Dr. José Salvador Faro, Dra. Magali Cunha do Nascimento, Dra. Marli dos Santos, Dr. Sebastião Squirra e Dr. Wilson da Costa Bueno que demonstraram que a união e dignidade, por mais que as vezes tenham um sabor amargo, valem a pena.. Aos amigos Alvaro, Michele, Eliria e Anelize que me ensinaram que a vida, antes de tudo, deve ser vivida e amada.. Aos novos amigos Izabel, Jonatas, Valmir e Jihad que nos momentos de dificuldade gentilmente me estenderam a mão, mostrando que a tranquilidade pode ser alcançada com pouco.. À Raquel, que enriqueceu essa caminhada e me deu coragem de seguir minhas vontades, mesmo eu não enxergando muito bem meu potencial.. Às professoras Dra. Camila Escudero, Dra. Jaqueline Lemos e Dra. Veronica Arantes, que aceitaram participar de minha banca.. Por fim, à Capes pelo financiamento da pesquisa..

(7) 7. 4. RESUMO Trata-se de um estudo que busca delimitar o ethos discursivo composto como uma modalidade particular da prática jornalística, tendo como momento de análise, a cobertura da imprensa paulista durante as manifestações públicas de 2013. O objetivo é analisar os discursos jornalísticos produzidos, buscando compreender a dinâmica adotada pela empresa jornalística e as possíveis consequências ideológicas propagadas por ela no espaço noticioso, a fim de compreender em quais momentos o tom discursivo das empresas jornalísticas aparecem na produção dos conteúdos noticiosos. Para isso, é realizada uma discussão teórica sobre o conceito de ethos e suas relações com o jornalismo e o campo da comunicação. O trabalho é composto por pesquisa bibliográfica sobre o tema, seguido de uma análise de discurso dos editoriais e capas que remeteram às manifestações durante o mês de junho de 2013, nos jornais Folha de S.Paulo e Valor Econômico. Como principais resultados obtivemos o próprio desenvolvimento do conceito ethos discursivo composto e a percepção de que durante as Manifestações de 2013, essa manifestação discursiva possuiu diversas facetas. Palavras-chave: Comunicação; Jornalismo; Análise do Discurso; Ethos discursivo; Manifestações 2013..

(8) 8. 5. ABSTRACT The study goals was to delimit the composite discursive ethos with a particular modality of journalistic practice. The moment of analyze was the journalistic cover in São Paulo during the public protests in 2013. The objective was to analyse the journalism speech produced, searching understand the dynamic adopted by the journalistic company and the possible ideological consequences released by them at their news space. All this contribute to understand in which moment the company's discursive tone appears at the news production. For this, was made a theoretical discussion about the concept of ethos relations with journalism and the field of communication science. The research is compound by the bibliographic research, after that a discursive analysis of editorials and first pages about the events in 2013 june in the newspapers: Folha de S.Paulo and Valor Econômico. As main results we obtained the own development of the concept composite discursive ethos and the perception that during the Manifestations of 2013, this discursive manifestation had several facets Key-words: Communication, Journalism, Analysis of discourse, Discursive ethos; 2013 protests in Brazil..

(9) 9. 6. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Estrutura do ethos segundo Dominique Maingueneau........................... 52 Figura 2 – Propaganda Upgrade Tam ..................................................................... 54 Figura 3 – Capa Folha de S.Paulo, 12 de março de 2013 ....................................... 94 Figura 4 – Capa Folha de S.Paulo, 13 de março de 2013 ....................................... 95 Figura 5 – Capa Folha de S.Paulo, 14 de março de 2013 ....................................... 97 Figura 6 – Capa Folha de S.Paulo, 19 de junho de 2013 ........................................ 99.

(10) 10. 7. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – O ethos reflexivo nas revistas científicas brasileiras Qualis A2 e B1..... 44 Tabela 2 – Categorias de ethos e número de artigos .............................................. 46 Tabela 3 – Elementos discursivos do editorial “Retomar a Paulista”........................ 91 Tabela 4 – Elementos discursivos do editorial “Vitória das ruas” ............................ 92 Tabela 5 – Elementos discursivos do editorial “Difusas insatisfações”.................. 107 Tabela 6 – Elementos discursivos do editorial “Protestos exigem”........................ 107.

(11) 8. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 9 CAPÍTULO 1 – O JORNALISMO ENQUANTO PRÁTICA DISCURSIVA................... 24 1.1 As diferentes realidades suas relações com o discurso jornalístico.................... 27 1.2 A Modernidade como primeiro contexto do discurso jornalístico........................ 33 1.3 Conceitos para uma análise do discurso interacional......................................... 38 CAPÍTULO 2 – CAMINHOS TEÓRICOS DO ETHOS: DA RETÓRICA ARISTOTÉLICA AO NOSSO PROBLEMA DE PESQUISA....................................... 42 2.1 Estado da arte: a utilização do conceito de ethos na área da comunicação.........43 2.2 A concepção retórica de ethos.......................................................................... 48 2.3 O ethos discursivo nos trabalhos de Maingueneau............................................. 51 2.4 Ethos institucional e estereótipos na visão de Ruth Amossy.............................. 56 2.5 Os diversos enunciadores e o ethos discursivo composto................................. 60 CAPÍTULO 3 – O CONTEXTO POLÍTICO E SOCIAL: ACONTECIMENTOS E HIPÓTESES SOBRE JUNHO DE 2013............................. 66 3.1 O momento político............................................................................................ 74 3.2. Uma proposta de organização das manifestações por meio das interações comunicacionais...................................................................... 79. CAPÍTULO 4: OS DISCURSOS DESVELADOS: A MANIFESTAÇÃO DAS EMPRESAS JORNALÍSTICAS DURANTE JUNHO DE 2013 ........................... 80 4.1 Os discursos da Folha de S.Paulo..................................................................... 82 4.1.1. Nos editoriais: “Retomar a Paulista” e “Vitória das ruas”....................... 82 4.1.2 Análise das capas da Folha de S.Paulo................................................ 92 4.1.3 O ethos discursivo composto da Folha de S.Paulo................................. 99 4.2 Os discursos do Valor Econômico.................................................................... 101 4.2.1 Nos editoriais: “Difusas insatisfações tomam as ruas do país” e “Protestos exigem definição da presidente da República”......................... 101 4.2.2 Análise das capas do Valor Econômico............................................... 108 4.2.3 O ethos discursivo composto do Valor Econômico.............................. 112 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 115 REFERÊNCIAS..................................................................................................... 120 ANEXOS................................................................................................................ 127.

(12) 9. INTRODUÇÃO A imprensa, apesar de estar institucionalmente ligada à esfera privada, exerce uma função pública. É por meio dela que os assuntos acabam sendo propagados em grande escala e interferem na sociedade como um todo. Para Habermas (2003), foi por meio da imprensa que os debates das obras literárias do século XVIII, grande frenesi da sociedade burguesa da época, tomaram proporções ainda maiores. Também foi por meio dela que os comerciantes passaram a controlar melhor o fluxo de informações e o próprio comércio internacional que surgiam na época, ainda mais, foi a imprensa a patrocinadora da burguesia como classe, pois, por meio dela abriu-se espaço para as discussões que acabaram criando uma espécie de espírito burguês, que pregava a igualdade, liberdade e fraternidade em um contexto de enfrentamento ao feudalismo. Essa imprensa, que até então se resumia ao jornal impresso, se desenvolveu dentro do espírito burguês, do qual fez parte e acabou por ajudar a criar. Um nascimento interessante e tão importante para o jornalismo e imprensa de modo geral, que o imaginário ligado a essas duas instituições é permeado até hoje por estes princípios e ideais. Afinal é o jornalismo - segundo esta visão - que relata os fatos, lida com a verdade e a realidade como elas são. Exercem uma atividade em nome do interesse público e com respeito para com o público. Porém, atualmente, talvez não sejam os valores ligados ao interesse público que imprensa vem exercendo. O caminho que a grande imprensa tomou, aliando-se ao modo de produção capitalista acabou levando-a para outro lugar, a concentração de renda e a formação de um monopólio dos meios de comunicação é por natureza um lugar de constantes contradições, luta de interesses e manipulação da opinião pública. Nesse contexto, o discurso produzido pelas grandes empresas fica com um desafio constante, como atender o interesse público sem que o interesse particular da empresa jornalística seja afetado e vice e versa. Como fazer com que as forças políticas e os interesses que envolvem a empresa jornalística (anunciantes, patrocinadores, empresas parceiras, entes queridos, políticos próximos etc.) não se utilizem deste privilégio a seu favor, deturpando os espaços midiatizados?.

(13) 10. O que temos visto, ao menos em parte da grande imprensa brasileira, é uma prevalência dos interesses da empresa jornalística frente o interesse público, essa posição das empresas jornalísticas acaba por suprimir, e por vezes, reprimir demandas sociais que, apesar de estarem latentes na sociedade, não possuem vez e voz na esfera pública como um todo. Mas como é possível esses processos acontecerem em uma instituição ligada ao interesse público? A resposta para essa pergunta é complexa, mas nossa pesquisa, por meio de reflexão e análise teórica, busca ajudar a compreender melhor as relações entre a empresa jornalística, os jornalistas e a prática jornalística. Um grande exemplo recente, no qual esses papéis se embaralharam, foram as Manifestações de Junho de 2013, que ocorreram em todo o país, e que apesar de terem sido inicialmente convocadas por um movimento social, até então pouco conhecido, o Movimento Passe Livre (MPL), ganharam apoio popular, em especial de jovens que reivindicavam uma maior atenção do Estado, e dos políticos em geral, com demandas ligadas à melhoria da mobilidade urbana, educação, saúde, contra a corrupção, dentre outras. Acreditamos que as Manifestações de Junho possuem particularidades importantes que a configuram como um bom exemplo de análise para o campo da comunicação. A princípio, foram apartidárias, não convocadas por organizações políticas tradicionais, atraindo jovens ligados ao MPL e as causas voltadas ao transporte público gratuito. Em seu decorrer ganharam fôlego após uma repressão truculenta da Polícia Militar de São Paulo, divulgada massivamente pela imprensa, que assim o fez, após jornalistas também terem sido alvo da repressão. As imagens estampadas em jornais, programas de televisão, na internet e em vários outros canais, geraram uma empatia da população em geral pela causa aumentando drasticamente o número de participantes, que passaram a se reunir em torno de diversas pautas, cada vez mais difusas. Apesar de se tratar de uma demanda social espontânea, a grande imprensa, custou a dar o devido reconhecimento às manifestações, em um primeiro momento as rechaçou desconsiderando sua legitimidade e ressaltando episódios de violência e em um segundo, após ser atingida direta e literalmente, precisou adaptar seu conteúdo jornalístico. Com isso, nossa pergunta de pesquisa é: A empresa jornalística consegue colocar seus interesses particulares frente ao interesse público, por meio de suas.

(14) 11. relações hierárquicas internas mesmo que os valores basilares do jornalismo estejam no âmbito do interesse público? Nossa hipótese é que a empresa jornalística, da sociação que realiza com os jornalistas no ato de sua enunciação, negocia - e por vezes impõe - sua participação no noticiário diário, moldando o tom discursivo da publicação. Com isso, acreditamos ser possível identificar os momentos em que durante as Manifestações de Junho, essa faceta da imprensa apareceu, dando uma configuração particular a seu discurso. Nosso objetivo geral é delimitar se existe e como se manifesta o ethos discursivo composto no ato de enunciação no jornalismo, demonstrando que a realidade repassada é produto de uma subjetividade construída por meio de uma negociação entre empresa e jornalistas. Tendo como objetivos específicos:. -. Compreender como o ethos discursivo das empresas jornalísticas interfere nas informações que são repassadas aos leitores.. -. Identificar se há e em quais momentos o jornalista demonstra certa autonomia frente à empresa jornalística. -. Estabelecer que a prática discursiva das empresas jornalísticas possui características próprias, não intrínsecas ao discurso jornalístico, que acabam a distanciando das problemáticas sociais.. Justificamos nosso projeto pelo fato de que apesar da prática comercial do jornalismo ter relações profundas com a constituição do discurso jornalístico, o ideário ligado ao interesse público tem tão grande importância nesta constituição quanto o primeiro, fazendo essa discussão necessária à área da comunicação já que, atualmente tratamos como sinônimos o jornalismo e a prática das empresas jornalísticas, compreendendo que o espírito liberal assimilado por elas é um uníssono da sociedade, que seus momentos de silêncio, posicionamentos e escolhas refletem a defesa de um real estado democrático das coisas. O que temos visto ultimamente em nossa imprensa é a apropriação de uma prática com reais potenciais democráticos pelos interesses do capital. Assim como os políticos brasileiros, de maneira geral, vem servindo as estruturas capitalistas frente o bem estar dos.

(15) 12. cidadãos, nossa imprensa travestida de promotora da democracia vem defendendo seus interesses, frente aos interesses públicos e coletivos, por essa razão é importante que desvelemos o que realmente se liga ao interesse público, em contrapartida ao que se configura nitidamente como interesse privado. Homogeneizar a prática jornalística, tendo como exemplo o que vem sendo apresentado pela grande imprensa brasileira, é desvalorizar uma prática social de suma importância para nossa sociedade. A comunicação foi parte fundamental das manifestações de junho de 2013. Direta e indiretamente, os meios de comunicação em massa, imprensa alternativa, redes sociais e outros canais ajudaram a dar forma a elas, influenciando inclusive seu desenrolar. Analisar as mensagens difundidas na grande imprensa faz com que haja uma maior compreensão dos significados que buscaram ser repassados durante o período. Com isso, será possível entender quais interesses que foram defendidos, ou rejeitados, por este grupo durante as manifestações. É importante para os estudos de comunicação se apropriar da análise deste fenômeno que muito diz sobre as práticas comunicacionais e suas influências na sociedade. As Manifestações de Junho se tornaram um retrato de como a imprensa brasileira se manifesta quando seus interesses estão em jogo e como suas decisões agem na esfera pública. Uma demanda social que insurge e faz com que estruturas estabelecidas sejam questionadas, inclusive o próprio fazer jornalístico, merece um estudo que busque contemplar a diversidade apresentada em nosso cotidiano, levando em conta as diversas realidades que o compõe, buscando compreender como jornalistas e empresas jornalísticas se comportam frente fenômenos de grande relevância e repercussão social. Nossa pesquisa é composta por quatro capítulos, sendo que no primeiro – O jornalismo enquanto prática discursiva – buscamos demonstrar quais nossos preceitos teóricos para essa pesquisa, dando ênfase a realidade como uma construção dos indivíduos por base da interação e não um todo externo aos indivíduos, além de uma discussão sobre como o jornalismo enxerga e se posiciona nesse espaço “real”, colocando a Modernidade como o primeiro contexto do discurso jornalístico. Nesse primeiro capítulo também apresentamos alguns conceitos essenciais da Análise de Discurso Francesa. No segundo capítulo: Caminhos teóricos do Ethos: da retórica ao nosso problema de pesquisa, trazemos uma pesquisa bibliográfica sobre o conceito de.

(16) 13. ethos passando por autores como Aristóteles, Maingueneau e Amossy. Realizamos um levantamento sobre o estado da arte do conceito e sua utilização na área da comunicação, além de propor um questionamento sobre a questão da figura do enunciador no processo de enunciação jornalística, propondo uma nova visão baseada na sociologia formal de Simmel, o que denominamos ethos discursivo composto. O contexto político e social: acontecimentos e hipóteses sobre junho de 2013 é nosso terceiro capítulo, com esse trecho da pesquisa buscamos uma aproximação maior com nosso objeto de pesquisa o ethos discursivo composto jornalístico, durante as manifestações de junho de 2013. O contexto político e a forma como se deram as manifestações são desenvolvidos nesse capítulo, demonstrando a cenografia na qual nossa pesquisa está inserida. No quarto e último capítulo - Os discursos desvelados: a manifestação das empresas jornalísticas durante junho de 2013 – trazemos por fim a análise de discurso do ethos discursivo composto das empresas. Esse capítulo é separado por tópicos ligados a cada uma das empresas selecionadas para análise, sendo realizada uma análise dos editoriais, seguida das capas de cada publicação. Junho de 2013 foi um momento ímpar na história recente da sociedade brasileira. O movimento que ficou conhecido por diversos nomes - Jornadas de Junho, Manifestações de Junho, Revolta dos “20 centavos”, entre outros - deixou a sociedade brasileira em um estado que há muito não se via. Alguns o denominaram como uma causa de “jovens predispostos à violência por uma ideologia pseudorrevolucionária” (RETOMAR, 2013); outros como “um momento de desencontros e esperanças” (O PT, 2013); há ainda quem dissesse que: “Qualquer observador pode concluir facilmente que esse enorme contingente é polissêmico, plural, mas dificilmente poderia ser desvinculado de causas e mobilizações que vêm acontecendo nos últimos anos” (LEHER, 2013). As interpretações são as mais diversas e os interesses em entendê-las conforme melhor convém a cada agente também, as próprias percepções criadas a partir da doxa gerada nas manifestações podem acabar sendo o centro de sua justificativa. Ao longo das manifestações papéis se inverteram e influenciaram o movimento que nasceu com os chamamentos públicos do Movimento Passe Livres (MPL), mas que se transfigurou em um fluxo social apartidário, multifacetado e que.

(17) 14. reivindicava demandas sociais muito além da revogação do aumento de vinte centavos no valor da passagem de ônibus, metrô e trens do estado de São Paulo. Percebe-se no discurso do jornal Folha S. Paulo, por exemplo, uma grande mudança no tratamento ao longo das manifestações. Conforme citado acima, em um primeiro momento diz que, temos jovens predispostos à violência, mas em um segundo vemos uma aclamada “Vitória das Ruas” (VITÓRIA, 2013). Milton José Pinto (2002) afirma que marcas como essas deixadas na superfície dos textos são reflexos dos processos sociais. De tal modo, é possível buscar formas de contextualizar estes discursos em seu tempo e espaço, sempre levando em conta os processos sociais dos quais fizeram parte. Michel Pêcheux, filósofo francês, é um dos primeiros autores que desenvolve uma concepção de análise de discurso. Dedica-se justamente ao estudo do que Saussure chamou de parole. Uma de suas concepções é a de antecipação das representações do receptor, na qual se pressupõe que o autor da mensagem, ao produzir seu discurso, responde ao menos duas perguntas: “Quem sou eu para lhe falar assim?” e “Quem é ele para que eu lhe fale assim?”. Nesta ideia, portanto, os lugares do sujeito A e do sujeito B, que aqui poderíamos substituir por empresa jornalística e leitor, ou jornalista e leitor, aparecem representados no texto, marcados por suas relações e projeções: Nossa hipótese é a de que esses lugares estão representados nos processos discursivos em que são colocados em jogo. Entretanto, seria ingênuo supor que o lugar como feixe de traços objetivos funciona como tal no interior do processo discursivo; ele se encontra aí representado, isto é, presente, mas transformado; em outros termos, o que funciona nos processos discursivos é uma série de formações imaginárias que designam o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles se fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro. Se assim ocorre, existem nos mecanismos de qualquer formação social regras de projeção, que estabelecem as relações entre as situações (objetivamente definíveis) e as posições (representações destas situações) (PÊCHEUX, 2010, p. 81-82, grifos do autor).. Esse argumento, realizado pelo autor no final da década de 1960, gera um grande deslocamento na perspectiva de compreensão da realidade e dos discursos, de acordo com Pêcheux, os indivíduos não são compostos pelas estruturas, mas sim as estruturas são moldadas para atender melhor os desejos desses indivíduos. Ou seja, ao produzir um discurso mais adequado ao sujeito a quem se destina. O sujeito A acaba de certa forma, ao moldar-se ao sujeito B..

(18) 15. Patrick Charaudeau (2006), também trata da construção discursiva com base no outro utilizando a ideia do contrato de comunicação. Segundo ele, para que haja comunicação, é necessário que os indivíduos construam uma base de significações na qual serão produzidos os sentidos necessários para a compreensão da mensagem. Um esquema complexo, porém, tido como algo naturalizado por cada um de nós. Cada vez que buscamos estabelecer comunicação com alguém realizamos um contrato, levando em conta dados externos e internos, nos quais, os dados externos são aqueles ligados a situação que o indivíduo se encontra e os internos mais ligados a forma de como dizer o que se quer. Os dados externos são divididos em quatro instâncias: a identidade (deduções ligadas a persona a qual o indivíduo se dirige); propósito e finalidade (os objetivos da fala); e dispositivo (relacionado ao local da fala, seja ele um meio ou espaço físico) (Charaudeau, 2006, p. 67). Apesar das quatro categorias estarem ligadas ao outro é a de identidade que mais se relaciona com essa imagem projetada, conforme confirma o autor: Ela [identidade] se define através das respostas às perguntas: “quem troca com quem?” ou “quem fala a quem?” ou “quem se dirige a quem?”, em termos de natureza social e psicológica, por uma convergência de traços personológicos de idade, sexo, etnia, etc., de traços que sinalizam o status social, econômico e cultural e que indicam a natureza ou o estado afetivo dos parceiros. [...] Não se trata aqui de fazer sociologia, mas de destacar os traços indenitários que interferem no ato de comunicação. O fato, para um locutor, de ser jornalista, será assimilado como traço pertinente numa situação de comunicação como a da entrevista radiofônica, mas não o será numa situação de pedido de informação no guichê de um banco. (CHARAUDEAU, 2006, p. 69). No exemplo dado pelo autor, podemos constatar exatamente que a formulação do contrato depende da imagem que os indivíduos possuem um do outro. Transformando o exemplo dado em uma situação hipotética: um jornalista prepara-se para entrevistar sua fonte de informação, neste caso um governante. Durante a entrevista, ele irá questionar seu entrevistado, possivelmente sobre algum problema do Governo, ou de sua gestão, os investimentos para alguma obra a ser inaugurada, etc., espera-se dele certa conduta. Assim como ao responder as perguntas de um jornalista, o governante adotará certo comportamento, temos aqui, portanto, estabelecido um contrato de comunicação. Assim que acaba a entrevista,.

(19) 16. esse mesmo jornalista, sem nenhuma caracterização de sua profissão, corre ao banco para pagar uma de suas contas. Ao entregar o boleto a atendente que não o conhece, ele não será tratado como um jornalista, mas sim, como um cliente qualquer, espera-se também outra conduta, a de um cliente e não a de um jornalista, neste caso, outro contrato de comunicação foi estabelecido. Para Charaudeau (2006), o discurso não é simples e puramente língua, mas sim, uma construção de sentidos dada em circunstâncias específicas. O discurso se compõe em questões que estão além do texto: O discurso não é língua [...] está sempre voltado para outra coisa além das regras de uso da língua. Resulta da combinação das circunstâncias em que se fala ou escreve (a identidade daquele que fala e daquele a quem este se dirige, a relação de intencionalidade que os liga e as condições físicas da troca) com a maneira pela qual se fala. É, pois, a imbricação das condições extradiscursivas e das realizações interdiscursivas que produz sentido. (CHARAUDEAU, 2006, p. 40). O discurso é o estabelecimento de uma série de relações complexas de construção e reconstrução de significados e sentidos de ambos interlocutores que estão num mesmo patamar de interação. Voltando a nosso objeto de estudo, é importante lembrarmos alguns fatos que aconteceram antes, durante e após as manifestações de 2013. A prefeitura de São Paulo em 2015, por exemplo, publicou um edital para a nova licitação de ônibus na cidade, que reduz o lucro das empresas responsáveis pelas linhas municipais, além de priorizar ônibus com acesso à internet móvel (wi-fi) e ar condicionado. As mudanças ocorreram depois de uma longa discussão sobre o transporte público, possivelmente fomentada pelas manifestações desde 2013 que também serviram de estímulo para a política de mobilidade urbana promovida pelo ex-prefeito, Fernando Haddad (PT). Foram realizadas: ampliação do sistema de corredores e faixas exclusivas para ônibus; criação de ciclovias e ciclofaixas para bicicletas; além da redução das velocidades máximas para carros nas principais vias da capital. Uma política, até então, pouco defendida e praticamente não realizada com afinco na capital paulista, passou a ser manifestada e implantada de forma clara. Esse é um dos reflexos das manifestações que pôde ser visto tanto no campo ideológico uma nova maneira de pensar a mobilidade no espaço urbano, sem que o carro (privado, individual) fosse o principal meio de locomoção - quanto estrutural mudanças efetivas nas políticas públicas relacionadas ao transporte público. Com a eleição de João Dória (PSDB) à prefeitura de São Paulo, em 2017, algumas dessas.

(20) 17. ações, como a redução de velocidade foram revistas, mas essa questão deve ser analisada em outras pesquisas ligadas ao tema. É importante lembrarmos que as manifestações de junho ocorreram após um crescimento econômico que elevou o poder de compra de uma camada mais pobre da sociedade, uma política que reforçou as identidades e de certo modo a valorizou o indivíduo por meio do consumo. Alguns teóricos chamaram este fenômeno de “a nova classe média brasileira” devido ao acesso dessa parcela da população a bens materiais, graças às políticas governamentais de distribuição de renda. Porém, como questiona Márcio Pochmann (2014), os benefícios adquiridos por essa classe não chegam a configurar os hábitos tradicionais das classes médias já estabelecidas no Brasil, o que deve nos levar a uma análise mais profunda do caso, (POCHMANN, 2014). Juntamente com as melhorias materiais, há também uma expansão da educação de nível superior no Brasil. Segundo dados do INEP (MANCEBO, D.; VALE A.; MARTINS, T., 2015), de 1995 a 2010 o ensino superior teve um crescimento de 262,52% no número de matrículas em especial em instituições privadas e este aumento de escolaridade deve ser levado em conta quando falamos das Jornadas de Junho de 2013. Segundo pesquisa IBOPE (VEJA PESQUISA, 2013), 49% dos manifestantes tinham ensino médio completo, ou ensino superior iniciado, e 43% já haviam concluído, ao menos, uma graduação superior. Outros dados importantes, que configuram o perfil dos participantes das manifestações, são que as pessoas não se sentiam representadas por nenhum político (83%) ou partido brasileiro (89%); não eram filiados a partidos (96%) ou sindicatos, entidades de classe ou estudantil (86%), possivelmente configurando uma crise de representação no âmbito político. Foi este contingente plural e sem partidos, mas não sem causa, que tomou as ruas de São Paulo, e do Brasil, reivindicando mais direitos e cobrando uma maior intervenção do Estado nas questões sociais. Essa indignação política e o sentimento de pouca representatividade no poder público são significativos para nossa análise e compreensão, pois, também constituem uma construção discursiva. Uma característica singular das manifestações foi a forma como as pessoas se engajaram. As plataformas digitais foram os meios mais importantes e de maior eficácia, para a convocação às ruas. Ainda citando a pesquisa do Ibope, 62% dos participantes souberam das manifestações por meio do Facebook, algo inédito em.

(21) 18. nosso país. Não houve, portanto, um partido, agremiação política ou veículo de comunicação que agregasse o contingente social e o padronizasse, o que existiu foi uma difusão de informações sem núcleo específico ou linearidade, que alcança padrões diversos de insatisfações individuais e coletivas. Segundo David Harvey (2013), as cidades urbanizadas, como estão configuradas atualmente, são espaços de disputa e interesse de seus integrantes, no qual se reproduz a luta de classes. Estas disputas desiguais fazem com que o direito de cada indivíduo de desfrutar o espaço urbano em toda sua potencialidade não seja respeitado. Com isso, o ambiente urbano se torna hostil e seus habitantes rebeldes, gerando assim as “Cidades Rebeldes” (HARVEY, 2014). Harvey afirma que a ocupação de espaços públicos e a utilização do corpo como forma de protesto, continuam sendo manifestações contundentes e vinham ocorrendo em diversas partes do mundo, como um meio de reivindicar direitos, incluindo uma participação igualitária na utilização do espaço urbano: Essa tática [ocupar espaços públicos] em curso na praça Tahrir, no Cairo, alastrou-se por todo o mundo (praça do Sol, em Madri, praça Syntagma, em Atenas, e agora as escadarias de Saint Paul, em Londres, além da própria Wall Street). Ela mostra como o poder coletivo de corpos no espaço público continua sendo o instrumento mais efetivo de oposição quando o acesso a todos os outros meios está bloqueado. A praça Tahrir mostrou ao mundo uma verdade óbvia: são os corpos nas ruas e praças, não o balbucio de sentimentos no Twitter e Facebook, que realmente importam (HARVEY et al, 2012, p. 60-61).. O autor ainda destaca o objetivo do movimento que ocupou Wall Street: “Nós, as pessoas, estamos determinadas a retomar nosso país dos poderes do dinheiro que atualmente o controlam” (HARVEY [et. al.], 2012). A falta de representação por meio da imprensa tradicional também pode ser acrescentada a essa discussão, como afirma Venício Lima, “Cartazes dispersos nas manifestações revelaram que os jovens manifestantes se consideram ‘sem voz pública’” (LIMA, 2013.). A ocupação dos espaços públicos, os discursos e as representações fizeram parte das manifestações de junho de 2013. Para entender e analisar o movimento, é necessário. compreender. a. complexidade. da. pós-modernidade. e. suas. consequências no espaço urbano. Em uma sociedade na qual as pessoas têm acesso a comunicação e informação, a dinâmica das demandas sociais acaba por.

(22) 19. envolver ainda mais as diversas formas de comunicação e consecutivamente seus discursos que são suas representações. É nesse contexto social e discursivo que se posiciona a empresa jornalística, objeto de pesquisa deste trabalho. As relações entre o jornalismo e a lógica capitalista são profundas, porém, não exclusivas, o lado ideológico também faz parte universo de significações e produções de sentido, portanto, além de sua aliança com o capital, a empresa jornalística deve atentar-se a sua apresentação ao público mais que as demais empresas, pois, sua principal característica é ser uma instituição de credibilidade, a “qualidade de seu produto” é justamente garantido pela credibilidade e necessariamente por suas qualidades individuais, como é o caso de um sabão em pó, que não depende exclusivamente da credibilidade da marca que o faz, mas sim, se lava bem ou não uma roupa. Segundo Leandro Marshall (2003), o surgimento da imprensa e do jornalismo está diretamente ligado ao comércio: Os jornais nascem arquitetados e vocacionados para a lógica empresarial do capitalismo e não, como apregoa a historiografia corrente, no sentido de emergir com uma posição ideológica, voltada para o exercício do poder político. O surgimento da imprensa e do jornalismo está associado iminentemente ao comércio. A atividade comercial, isto é, o interesse em desenvolver um negócio lucrativo, foi, sem dúvida, a mola que ativou o processo de criação dos jornais (MARSHALL, 2003, p. 71).. Compreendemos que faz parte do discurso jornalístico sua estruturação econômica, porém, deixar o lado ideológico que tanto configurou o jornalismo durante anos, como faz Marshall, também não faz jus a imagem que temos do jornalismo moderno. Se o comércio e a estrutura capitalista foram essenciais para o desenvolvimento dos jornais, as questões ideológicas, ligadas ao interesse público, foram pilares para a consolidação da prática jornalística como atividade socialmente relevante. Caso não fosse essa busca pela defesa do interesse público, dificilmente ele se estabeleceria como atividade relevante para a vida social urbana. Um exemplo histórico e brasileiro que podemos citar é o jornal Correio Braziliense. Por mais que se questionem as relações escusas que o jornalista Hipólito José da Costa teve com a Corte Portuguesa, não podemos dizer que as seguintes palavras estejam ligadas apenas a esse lado comercial do jornalismo: Uma multidão ajuntada pela força [...] não se pode dizer que está unida, nem tal povo constitui jamais um povo. É a liga social, a confederação, o mútuo consentimento, fundado em algum bem ou interesse comum, expresso pelas leis, que unem os membros da comunidade e fazem de qualquer povo um..

(23) 20. O poder absoluto aniquila o público, e onde não há público na realidade não há pátria nem nação (MOLINA, 2015, p. 127-128). O contexto era o de enfrentamento ao colonialismo, aquele no qual a burguesia se caracterizou como revolucionária, sem reconhecer em si uma classe, mas incorporando o desejo de liberdade presente no contexto da época, por isso, que nesse ponto não podemos entender que o jornalismo ao tratar do interesse público, não fala do interesse de seu público, mas sim de todo coletivo social do qual faz parte, incluindo nele suas contradições. Diversas outras modalidades jornalísticas são percebidas em nossa sociedade, Gramsci falou de um jornalismo integral que é “formativo, além de informativo, intrinsecamente político-educativo, mesmo quando parece não se ocupar de argumentos considerados políticos” (LIGUORI; VOZA, 2017, p.449); Peruzzo (2008) estuda e diferencia a comunicação comunitária, popular e alternativa no contexto contemporâneo; Alex Primo e Marcelo Träsel (2006) discutem um webjornalismo participativo e na construção coletiva de notícias. Discursos jornalísticos que divergem e por vezes refutam o que hoje serve de modelo como uma espécie de jornalismo verdadeiro, um jornalismo escrito com letra maiúscula. Nossa metodologia é constituída numa análise de discurso com dois momentos distintos, o primeiro é de uma pesquisa bibliográfica para a criação do arcabouço teórico a ser utilizado na análise propriamente dita, nela cunhamos o conceito de ethos discursivo composto; no segundo momento da pesquisa buscamos identificar esse ethos discursivo composto, primeiro analisando o tom discursivo de cada uma das empresas jornalísticas estudadas - Folha de S.Paulo, e Valor Econômico -, por meio de seus editoriais. Em seguida, verificamos as relações que esse tom tem com o noticiário apresentado nas capas dos jornais, demonstrando que sua presença também se faz nos conteúdos noticiosos das publicações. A análise de discurso propriamente dita foi um processo composto por diversas partes, sendo que na primeira delas realizamos as análises dos editoriais selecionados, neste primeiro processo buscamos compreender como os textos estavam ligados a três elementos: os estereótipos aos quais estavam ligados, os posicionamentos explícitos adotados pela empresa jornalística e, por fim, o tom dado a cada um dos editoriais..

(24) 21. Os estereótipos e os posicionamentos explícitos dizem respeito a visão que o veículo tem sobre aquele fato, sendo que no primeiro expressa esse posicionamento de maneira implícita e no segundo explicita. O tom consiste na forma como o autor escolheu apresentar a sua fala, para que seja captado pelo analista de discurso, necessita que seja realizada uma leitura geral do conteúdo, buscando simetrias e estabelecendo a forma mais preponderante desse ou daquele texto. Um tom preponderantemente agressivo, pode ter nuances de tranquilidade, assim como um tom de mais tranquilidade pode ter nuances violentas, portanto, nossa análise buscou como essas formas preponderantes se apresentaram em cada um dos conteúdos. Nessa análise é considerada o tipo de argumentação utilizada, assim como os termos, as figuras imagéticas desejadas ao contexto e a estrutura textual adotada, dando ênfase principalmente aos juízos de valores expressos pelos enunciadores. Por meio do tom, foi possível identificarmos a principal forma que os veículos de comunicação escolheram dar aos assuntos ligados as Manifestações de junho de 2013. O segundo momento na análise do discurso consistiu na análise das capas selecionadas, essas capas passaram por um processo semelhante aos editoriais, porém, destacando outros pontos do texto. Buscamos destacar como a cenografia, ou seja, aquilo que o jornal deseja tornar evidente se apresentou em cada um dos conteúdos, assim como o tom adotado por cada jornalista. Por fim, é realizada uma análise comparativa entre os resultados encontrados nos editoriais e nas capas, para que possa estabelecer como o ethos discursivo composto se manifestou em cada um dos veículos. Os jornais analisados foram Folha de S.Paulo e Valor Econômico. Os veículos foram selecionados por se destinarem a públicos distintos, algo que altera consideravelmente sua forma de se apresentar, já que essa imagem reflete diretamente a forma como a empresa deseja ser vista. Também foi um critério de seleção essas três publicações estarem localizadas no mesmo espaço geográfico que abarca nossa análise das manifestações, a cidade de São Paulo. A escolha dos jornais se deu por sua relevância de circulação comparada com veículos da mesma categoria e porte. A Folha de S.Paulo foi escolhida frente O Estado de S.Paulo, justamente por ter uma circulação superior. Segundo dados do Instituto Verificador de Circulação (ANJ, 2015, n.p.), no ano de 2015, a Folha de.

(25) 22. S.Paulo teve uma média de circulação de 189.254 jornais impressos, enquanto O Estado de S.Paulo circulou 157.761 exemplares. Com o Valor Econômico o mesmo critério foi utilizado, enquanto ele possui circulação média de 41.431 exemplares, seu principal concorrente o Jornal do Commercio, além de estar localizado em Pernambuco, fora de nosso raio de pesquisa, tem uma circulação média de 34.663 jornais. Faz parte de nossa metodologia compreender o jornalismo enquanto discurso. Nessa leitura o jornalismo é um espaço no que abriga diversas produções, tanto por quem efetivamente tem a intenção de produzir uma mensagem e difundi-la, quanto por quem a capta e ressignifica, um movimento pendular constante marcado pelo dialogismo, assim como explica Márcia Benetti Machado (2006):. Compreendemos o jornalismo como um lugar de circulação e produção de sentidos. De forma sucinta, vemos o jornalismo como um discurso: dialógico; polifônico; opaco; ao mesmo tempo efeito e produtor de sentidos; elaborado segundo condições de produção e rotinas particulares; com um contrato de leitura específico, amparado na credibilidade de jornalistas e fontes. (MACHADO, 2006, p. 3). É nesse lugar opaco que se dá o discurso jornalístico, realizado em um momento de enunciação e, portanto, possível de ser captado e analisado, apesar de sua complexidade. Seguindo a lógica da AD francesa, o discurso jornalístico é um tipo de discurso “(...) um setor de produção verbal de uma sociedade com um dispositivo de comunicação particular” (CHARAUDEAU, 2016, p. 468) O ethos é o que pode ser considerado a imagem e posição que o enunciador assume em seu discurso, no ato de enunciação. Em nossa pesquisa trata-se de um conceito fundamental, pois, é por meio desse ethos que poderemos captar a empresa jornalística no momento que aparece na cena enunciativa, por isso, dedicamos um capítulo apenas para essa discussão. Segundo verbete sobre ethos escrito por Maingueneau, no Dicionário de Análise de Discurso, “O enunciador deve legitimar seu dizer: em seu discurso, ele se atribui uma posição institucional e marca sua relação a um saber.” (CHARAUDEAU, 2016, p.220), é nessa marca que o ethos surge. Para compreender o ethos discursivo é necessário se atentar a toda cena enunciativa e o ato de enunciação, processos que irão contextualizar a fala do enunciador..

(26) 23. Para realizar uma análise de discurso é necessário construirmos um corpus de análise. A ideia de corpus é uma construção “que de fato define o objeto de pesquisa, pois ele não lhe preexiste. Mais precisamente, é o ponto de vista que constrói um corpus, que não é um conjunto pronto para ser transcrito” (CHARAUDEAU, 2016, p. 138) Nosso corpus é composto por dois editoriais de cada veículo e pelas reportagens de capa dos dias anteriores e posteriores a publicação destes editoriais. São analisadas apenas reportagens que têm relação direta com os acontecimentos. É por meio deste corpus que teremos condições de compreender os discursos de cada empresa, descobrindo a marca que cada uma delas faz frente ao jornalismo, por isso, buscamos uma composição heterogênea, para que essas diversas marcas no discurso das empresas jornalísticas sejam captadas. A escolha por dois gêneros, o editorial e a reportagem, se dá pelas diferenças que eles possuem, enquanto o editorial é um texto abertamente opinativo, as reportagens estão mais ligadas a ideologia basilar do jornalismo que tem como norte a objetividade, exemplos são a busca pela pluralidade de fontes de informação, afastamento do autor ao escrever em terceira pessoa, estrutura que obedece às regras da pirâmide invertida, entre outros..

(27) 24. CAPÍTULO 1 - O JORNALISMO ENQUANTO PRÁTICA DISCURSIVA. A fim de contextualizar da melhor maneira os caminhos que serão traçados por esta pesquisa, acreditamos ser de suma importância uma reflexão do ponto do qual partimos. É necessário explicitar qual a visão que possuímos sobre ciência e o que baliza nossa busca pelo conhecimento científico. Segundo nossa perspectiva, cabe neste estudo compreender os sujeitos como seres participantes dos processos sociais, capazes de construções próprias oriundas das estruturas sociais e cognitivas já existentes em nossa sociedade. Por conta disso, falaremos sobre as ideias de estruturalismo e pós-estruturalismo, pensamentos que nos servem para algumas reflexões iniciais. O pós-estruturalismo nasceu como questionamento ao estruturalismo. Como explica François Dosse, historiador e filósofo francês, a ideia de estrutura advém da arquitetura que aos poucos acabou adquirindo novos significados, até chegar as ciências humanas no século XIX: De onde vem o conceito de estruturalismo que suscitou tanta e tão exagerada admiração e tanto opróbrio? Derivado de estrutura (structura em latim, do verbo struere) teve no começo um sentido arquitetural. A estrutura designa “a maneira como um edifício é construído” (Dictionnaire de Trévoux, ed. de 1771). Nos séculos XVII-XVIII, o sentido do termo “estrutura” modifica- se e amplia-se por analogia aos seres vivos [...]. O termo assume então o sentido da descrição da maneira como as partes integrantes de um ser concreto organizam-se em uma totalidade. A postura estrutural só se apossou verdadeiramente do campo das ciências humanas num segundo tempo, recente, a partir do século XIX [...] (DOSSE, 1993, p.15).. Porém, foi no século XX que o estruturalismo acabou se desenvolvendo e ganhando mais força. Um dos fatores que podemos destacar foi o desencantamento presente em todo o pensamento científico durante a I e II Guerras Mundiais. Até então, a teoria dominante era o existencialismo, que tinha em Sartre, sua principal referência. Com os horrores provocados pelas duas guerras, essa filosofia perdeu um pouco de sua força, abrindo espaço para questionamentos. Como era possível acreditar na razão do homem, depois de tantas mortes e horrores provocados por ele? O mundo passou a se interrogar, e na ciência, essa dúvida se configurou na imagem do estruturalismo:.

(28) 25. O desmoronamento da figura tutelar de Sartre provocará uma crise, um momento de incerteza, de dúvida, dos filósofos que vão utilizar especialmente as ciências sociais ascendentes a fim de apurar seu questionamento crítico. Essa interrogação contesta o existencialismo enquanto filosofia da subjetividade, enquanto filosofia do sujeito. O homem sarteano só existe pela intencionalidade de sua consciência, condenado à liberdade porque “a existência precede a essência”. Somente a alienação e a má-fé obstruem os caminhos da liberdade. [...] O sujeito, a consciência, vão apagar-se em proveito da regra, do código e da estrutura. (DOSSE, 1993, p.24).. Podemos afirmar que os conceitos-chave da teoria estruturalista nascem no campo da linguística, com o pensamento de Ferdinand Saussure. Para o autor, era necessário que a linguística se apropriasse e definisse seu objeto de estudo, já que estudar a linguagem como todo poderia trazer o risco de o objeto vir a ser “um aglomerado de coisas heteróclitas, sem liame entre si” (SAUSSURE, 2006, p. 16). Por conta disso, o autor propõe uma divisão entre fala ( parole) e língua, criando o sentido de estrutura dentro da linguagem. Enquanto a fala se dá no campo das significações individuais, a língua é concreta, possui tangibilidade e se torna um objeto mais fácil de ser captado e estudado: A língua, não menos que a fala, é um objeto de natureza concreta, o que oferece grande vantagem para seu estudo. Os signos linguísticos, embora sendo essencialmente psíquicos, não são abstrações; as associações, ratificadas pelo consentimento coletivo e cujo conjunto constitui a língua, são realidades que têm sua sede no cérebro. Além disso, os signos da língua são, por assim dizer, tangíveis; a escrita pode fixá-los em imagens convencionais, ao passo que seria impossível fotografar em todos seus pormenores os atos da fala [...] (SAUSSURE, 2006, p.23).. O estudo de Saussure se deu nesta parte tangível da linguagem, sua estrutura. A difusão ampla de suas pesquisas, fez com que o pensamento do autor se deslocasse para outras áreas do conhecimento, como a literatura, representada por Roland Barthes; a filosofia de Althusser; psicanálise com Lacan; e a Antropologia Estruturalista de Lévi-Strauss. O trabalho de Claude Lévi-Strauss é um dos que mais se destacou no campo das ciências humanas e também o que mais tarde veio influenciar com mais veemência os trabalhos que tinham o estruturalismo como sua base de reflexão teórica. No pensamento do antropólogo belga, as estruturas são esquemas que servem para entender a sociedade, uma abstração da realidade:.

(29) 26. O princípio fundamental é que a noção de estrutura social não remete à realidade empírica, e sim aos modelos construídos a partir dela. Fica assim aparente a diferença entre duas noções tão próximas que muitas vezes foram confundidas, isto é, estrutura social e relações sociais. As relações sociais são a matéria-prima empregada para a construção de modelos que tornam manifesta a própria estrutura social, que jamais pode, portanto, ser reduzida ao conjunto das relações sociais observáveis em cada sociedade. (LEVISTRAUSS, 2008, p. 301-302). Para ele, é possível, por meio de esquemas inconscientes, explicar e prever as situações presenciadas na realidade, já que as estruturas sociais são sistemas e estão interligadas. Ao modificar uma característica, outras situações também sofrem o efeito desta mudança (LEVI-STRAUSS, 2008, p. 302). Porém, após seu apogeu na década de 1950, outro movimento histórico fez com que o esquema estruturalista também passasse a ser questionado. O afloramento das identidades a partir de 1968, fez com que a ciência passasse a encarar um novo paradigma que foi o renascimento do sujeito. Começava a surgir o que conhecemos hoje como pós-estruturalismo. O sujeito tinha desaparecido da problematização das ciências humanas, sob o impulso, entre outras causas, de um modelo linguístico que lhe retirara a pertinência para melhor fundamentar sua cientificidade. Ora, essa mesma linguística se orienta cada vez mais, ao longo dos anos 70, para uma reintrodução do recalcado do seu campo de investigação. Esse retorno para o próprio seio de uma disciplina que desfruta ainda de grande prestígio vai acelerar o processo ao término do qual o sujeito, o indivíduo, vão poder ser problematizados de novo. Recorde-se que muito cedo, já em 1966, Julia Kristeva tinha introduzido no seminário de Barthes a ideia de intertextualidade, de dialógica, ao expor a obra de Mikhail Bakhtin (DOSSE, 1994, p. 361).. A perspectiva de discurso que começou a se desenvolver, aquela que também adotaremos em nossa pesquisa, tem como princípio sua formulação levando em consideração o Outro. Quem fala - em nosso caso, escreve - o faz, pensando nesse outro. Como podemos perceber, entre estruturalismo e pós-estruturalismo existe uma discussão ainda mais profunda: a realidade como algo dado pelas estruturas, ou construída a partir da interação com elas. Aprofundemos um pouco mais nossa discussão..

(30) 27. 1.1 As diferentes realidades suas relações com o discurso jornalístico. A realidade pode ser entendida de diversas maneiras, a mais tradicional é aquela que a enxerga como algo externo aos indivíduos, nesse modelo, que podemos ter como uma boa representante a ciência positivista, a verdade e a integridade das coisas pertencem a um mundo externo, quase que puro em sua essência, que acontece independente da vontade dos indivíduos. Porém, podemos entender a realidade como algo que para além de estar estruturada, pode ser estruturável, ou seja, construída conforme é vivenciada. Nesse caso, uma construção dos indivíduos em estado de interação, uma trama de significações é o que acaba por ser o real. Jorge A. Gonzalez (2007), ao estudar a epistemologia do conhecimento, nos apresenta uma ideia que gira em torno deste tipo de realidade: Do ponto de vista epistemológico, podemos afirmar com toda clareza que a realidade não está estruturada, é estruturável; não está ordenada, é ordenável, mas não de qualquer forma, pois, não se deixa estruturar de qualquer modo. A “realidade” é teimosa, insistente, tem suas próprias determinações. Devido a elas, a “realidade” não é somente estruturável, também é estruturante. Nos faz coisas, nos marca, nos coloniza, nos delimita e, a sua maneira, nos força a interagir com e dentro de suas condições (GONZALEZ, 2007, p.15) (Tradução nossa).. No pensamento de González é possível ver traços de uma realidade exterior ao ser, porém, o autor nos mostra que dentro de cada conhecimento gerado, cada área científica criada, existe uma realidade, uma visão sobre um fato, por isso, a realidade pode ser uma estruturação por parte de quem a faz. Por exemplo, um biólogo ao olhar um ser humano vê nele toda uma realidade construída, uma percepção, na qual o funcionamento dos órgãos deve fazer sentido, ele buscará esse sentido; diferente da visão de um psicólogo, que analisa a relação que esse indivíduo tem com seu subconsciente e o meio social que o rodeia; que também será diferente de um sociólogo, que buscará interpretar a sociedade que esse indivíduo vive por meio das organizações e articulações que ela se propõe. Para além das ciências, podemos perceber essa visão de realidade em situações cotidianas: alguns professores, alunos e funcionários veem e vivem um prédio como sendo uma escola; para um encanador, esse mesmo lugar, pode ser apenas mais um prédio com problemas em sua tubulação hidráulica; enquanto para alguns governantes essa mesma escola pode ser mais um número com o qual não gostariam de lidar. Sobre.

(31) 28. um mesmo fato estarão presentes diferentes formas de enxergá-lo e diversas formas de vivê-lo. Diversas realidades são construídas conforme as significações e conhecimento que dela fazem parte. Frederico Tavares (2012), utilizando como base os pensamentos de Berger e Luckmann, nos apresenta justamente essas duas possíveis interpretações do que podemos chamar de realidade. Em um primeiro momento, podemos entendê-la como um universo anterior ao indivíduo. Essa realidade precederia os indivíduos como algo que possui uma essência em si, um lugar material, bruto, quase como tangível; já em uma segunda abordagem seria possível ater-se às representações realizadas pelos indivíduos, entendendo que a realidade é interpretada e passa a existir ao ser significada, em dado contexto, pelos agentes que nela se inserem. É a partir desta segunda visão que buscamos analisar a construção discursiva do jornalismo, na realidade que é significada cotidianamente. A antropologia foi uma ciência que bastante contribuiu com essa discussão, ao estabelecer uma ligação mais direta com seu objeto de estudo, a alteridade. A disciplina precisou rever com mais ênfase às relações que estabelecia com essas diferentes formas de ver o mundo. Marshall Sahlins (1997), antropólogo e professor emérito da Universidade de Chicago, foi um dos principais nomes que transformaram o conceito de cultura. Com sua contribuição, a cultura deixou de ser estática e adquiriu a noção de estar em constante transformação e ressignificação por meio da ação cotidiana dos indivíduos que dela fazem parte. Sahlins, ao analisar a morte, no Havaí, do capitão James Cook, famoso navegador britânico, mostrou como o povo havaiano adaptou à sua cultura e seu próprio sistema de significações, a chegada da tripulação inglesa em suas terras. O autor avaliou como os sentidos eram interpretados de maneira bastante diferente por cada um dos envolvidos no evento. Na abertura do livro Ilhas de História, nos faz compreender de maneira clara a dinâmica que adota em sua análise: A história é ordenada culturalmente de diferentes modos nas diversas sociedades, de acordo com os esquemas de significação das coisas. O contrário também é verdadeiro: esquemas culturais são ordenados historicamente porque, em maior ou menor grau, os significados são reavaliados quando realizados na prática. A síntese desses contrários desdobra-se nas ações criativas dos sujeitos históricos, ou seja, as pessoas envolvidas. Porque, por um lado, as pessoas organizam seus projetos e dão sentido aos objetos partindo das compreensões preexistentes da ordem cultural. Nesses termos, a cultura é historicamente reproduzida na ação. (SAHLINS, 1997, p. 7).

(32) 29. Para esse processo de significações o antropólogo americano dá o nome de reavaliação funcional das categorias. “(...) os nomes antigos, que estão na boca de todos, adquirem novas conotações, muito distantes de seus sentidos originais. Esse é um dos processos históricos que chamarei de ‘a reavaliação funcional de categorias’". (SAHLINS, 1997, p.10). É, portanto, por meio da vivência que as estruturas sociais são construídas, consecutivamente, a realidade particular de cada cultura também passa a existir por meio desse movimento. A também antropóloga, Lilia Schwarcz (2001), nos traduz o pensamento de Sahlins, deixando claro que por mais que novos significados sejam acrescentados a uma cultura, esses sempre levarão em conta os valores anteriores como ponto de referência para essa inclusão: As categorias alteram-se na ação, mas guardam um diálogo com estruturas culturais anteriores. Isto é, trata-se de selecionar um conjunto de relações históricas que, ao mesmo tempo, reproduzem velhas categorias culturais e lhes dão novos valores retirados de um contexto pragmático. (SCHWARCZ, 2001, p. 130). Essa noção não se expressa apenas quando colocamos em confronto culturas completamente diferentes umas das outras, mas também em nosso cotidiano. Agnes Heller (1970) nos oferece uma boa noção de como o dia a dia, vivido e (re)significado constantemente, cria a história. Essa visão faz com que indiretamente possamos compreender a realidade como sendo intrínseca às ações dos indivíduos, para a autora húngara, a história não se dá em um ambiente externo a nós, mas sim em nosso fazer cotidiano: A vida cotidiana não está “fora” da história, mas sim no “centro” do acontecer histórico: é a verdadeira “essência” da substância social. (...) As grandes ações não cotidianas que são contadas nos livros de história partem da vida cotidiana e a ela retornam. Toda grande façanha histórica concreta torna-se particular e histórica precisamente graças a seu posterior efeito na cotidianidade. O que assimila a cotidianidade de sua época assimila também, com isso, o passado da humanidade, embora tal assimilação possa não ser consciente, mas apenas “em-si”. (HELLER, 1970, p. 20). Podemos afirmar que é no viver do dia a dia que as estruturas sociais são refutadas ou reafirmadas. Os indivíduos possuem a capacidade de ressignificar o que lhe é oferecido, a ponto de transformá-lo, mesmo que minimamente, em outro novo, ao mesmo tempo em que retomam o passado por meio de suas ações. É realizando essa transformação que os indivíduos ganham sua significância,.

(33) 30. criam a história, como aponta Heller, mas também o que conhecemos com identidade; organizam seu próprio viver, ao mesmo tempo em que dão significado ao que lhes rodeia, atribuindo certo valor a um elemento e não atribuindo a outro. Seguindo essa linha de pensamento, Patrick Charaudeau (2006) afirma que toda significação de uma realidade é dada por meio de seus integrantes se configurando em um fragmento do real, e não de sua totalidade, sendo um erro buscar uma essência no que entendemos como realidade:. Não há captura da realidade empírica que não passe pelo filtro de um ponto de vista particular, o qual constrói um objeto particular que é dado como um fragmento do real. Sempre que tentamos dar conta da realidade empírica, estamos às voltas de um real construído, e não com a própria realidade. Defender a ideia de que existe uma realidade ontológica oculta e que, para desvelá-la, é necessário fazer explodir falsas aparências, seria reviver um positivismo de má qualidade (CHARAUDEAU, 2006, p.131). O autor continua mostrando que “o espaço social é uma realidade empírica compósita, não homogênea, que depende, para sua significação, do olhar lançado sobre ele pelos diferentes atores sociais, através dos discursos que produzem para tentar torná-lo inteligível” (CHARAUDEAU, 2006, p. 131). A objetividade jornalística depõe contra essas visões. Ao buscar e basear seu discurso legitimador em fontes de informação plurais, que presenciaram esse ou aquele acontecimento, o jornalismo busca recriar uma realidade existente. O jornalismo deseja reproduzir o fugaz momento do acontecimento, se propõe tirar uma fotografia, mas desconsidera que há uma câmera operando e direcionando seu olhar, tenta juntar os pedaços de um espelho esfacelado sem ver que nele existem fissuras e partes que não se encaixam mais. A práxis e os manuais editoriais, atualmente reconhecem essa falta de capacidade em reproduzir fielmente a realidade, porém, nosso argumento se ancora em um espaço mais profundo e subjetivo do discurso jornalístico, algo que o caracteriza como tal e que formata a visão epistemológica que a atividade lança ao mundo, já que segundo as bases desse discurso o mundo acontece, ao invés de ser construído cotidianamente pelos indivíduos que dele fazem parte. Buscando estabelecer uma lógica dentro das características contraditórias do jornalismo Muniz Sodré (2012) mostra que há na construção do discurso jornalístico “A busca de uma transparência discursiva ou ideológica, mas apoiadas nas.

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