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Conceitos para uma análise do discurso interacional

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CAPÍTULO 1 – O JORNALISMO ENQUANTO PRÁTICA DISCURSIVA

1.3 Conceitos para uma análise do discurso interacional

É por meio do ethos que será possível identificar os momentos em que a empresa jornalística se torna protagonista da cena de enunciação, deixando de lado os preceitos do interesse público, objetividade, e sua tecnicidade, para expressar mesmo em seus textos factuais, valores ligados aos interesses privados de cada veículo, porém esse conceito é envolto por diversos outros que compõem o universo da AD Francesa.

O ethos está ligado então ao discurso e ao enunciador, faz parte de todo e qualquer ato discursivo. Não diferente que dos demais discursos, no jornalismo este ethos também se faz presente. Sua presença possui tons diferentes conforme o modo como esse discurso jornalístico é feito.

Esse tom pode se apresentar de diversas formas, conforme o público a quem o jornal se destina. Para Maingueneau (2004) um autor de jornais mais populares pode adotar um tom mais didático frente a seu leitor, enquanto para um jornal destinado a classes mais intelectualizadas essa imagem pode ser até mesmo apagada:

Em geral a imprensa popular prefere o discurso direto ao DI [discurso indireto]. Essa divergência remete a dois tipos de encenação da fala relatada: para um público leitor popular, o jornalista privilegia a narração, uma relação mais imediata com o vivido, as palavras mesmas das pessoas, como se o leitor estivesse presente na situação; para um leitor instruído, o jornalista prepara um produto que fale à inteligência desse público e atrás do qual ele se apaga. (MAINGUENEAU, 2004, p. 150)

A enunciação é o funcionamento que permite todas as especificidades desse ethos discursivo se manifestarem. Para a análise de discurso trata-se de um momento, dado em certo contexto complexo (CHARAUDEAU, 2016, p. 193). Esse ato enunciativo se dá em uma cena de enunciação, definida em três tipos de análise:

cena englobante, que caracteriza o discurso em tal tipo ou gênero discursivo; cena genérica, aquela ligada ao gênero discursivo e as características que ele atribui ao

ato enunciativo; e a cenografia, que é a constituição da cena desejada em si. (CHARAUDEAU, 2016, p. 96).

Existe um jogo complexo entre enunciação e cenografia que se torna essencial em nossa análise. Enquanto a cenografia se faz evidente a partir do momento que o

discurso passa a existir a enunciação cria um contexto para que a fala em questão se justifique:

Um discurso impõe sua cenografia de imediato: mas, por outro lado, a enunciação, em seu desenvolvimento, esforça-se para justificar o próprio dispositivo de fala. Tem-se, portanto, um processo em espiral: na sua emergência, a fala implica uma certa cena de enunciação, que, de fato, se valida progressivamente por meio da própria enunciação. (CHARAUDEAU, 2016, p. 96)

É nesse jogo de cena que o jornalismo comercial se faz hegemônico, a cenografia da empresa e seus interesses se mostram no momento em que esta resolve fazer parte da atividade jornalística, porém, é sua enunciação como defensor do interesse público, envolto em tecnicidades, sua teórica ausência ideológica e busca pela objetividade que mantém sua credibilidade ligada à esfera dos interesses públicos.

Com objetivo justamente de capturar esse jogo de cena trabalharemos com dois gêneros jornalísticos distintos, já que faz parte da prática jornalística a ideia da separação entre opinião e informação. O estudo dos gêneros jornalísticos no Brasil remonta a criação da área cientifica da Comunicação, com a primeira classificação realizada por Luiz Beltrão, aperfeiçoada por José Marques de Melo

Os estudos dos gêneros jornalísticos feitos por Marques de Melo começam a ser publicados em 1985, neste ano o autor resgata a classificação inicial de Luiz Beltrão, fazendo algumas alterações tanto na quantidade de gêneros, quanto nos tipos de formatos que eles abrigavam. Nessa primeira classificação, Marques de Melo separa os gêneros jornalísticos em dois informativos e opinativos.

Para realizar essa classificação, Marques de Melo utiliza dois critérios fundamentais, que permeia todo seu pensamento comunicacional: a intencionalidade dos conteúdos e a estrutura dos relatos. Ou seja, para compreender os gêneros e formatos, segundo Marques de Melo, devemos olhar para a intenção do comunicador e realizar a pergunta “Com que finalidade esse conteúdo foi escrito?” e também observamos os elementos que compõem cada um desses relatos “Como está estruturado esse relato, para que eu possa considerá-lo esse ou aquele formato?”. Apesar das diversas mudanças que veremos na classificação de gêneros do autor, essas duas perguntas são mantidas como elementos centrais de toda a classificação.

Atualmente, Marques de Melo separa os gêneros jornalísticos em cinco categorias: informativo, opinativo, interpretativo, diversional e utilitário. Podemos perceber que em sua última classificação, além de retomar o gênero interpretativo, presente no pensamento de Luiz Beltrão, Marques de Melo acrescenta dois outros novos o diversional e o utilitário

Para o autor, cada um desses gêneros cumpre uma função específica. O gênero informativo tem como objetivo realizar a vigilância social; já o opinativo deve servir de um fórum de ideias, o interpretativo presta um papel educativo, esclarecedor; o diversional, como o nome sugere está ligado a diversão e ao lazer; e por fim o gênero utilitário tem como principal função, servir de auxílio nas tomadas de decisões cotidianas.

De acordo com a perspectiva adotada por esse estudo mais recente de Marques, é possível encontrarmos esses cinco gêneros cotidianamente nos veículos de comunicação, pois, eles são reflexos das necessidades dos indivíduos sociais, esses gêneros acabam sendo as bases para que possamos saber, conhecer e acompanhar o que ocorre ao nosso redor (MARQUES, 2016, p. 49).

Essas inovações, além de ampliar o escopo da análise dos gêneros, oferecem a possibilidade da descoberta e classificação de novos formatos, já que novas expressões comunicacionais passam a fazer parte do esquema proposto por Marques de Melo. Portanto, a tabela de gêneros proposta por Marques de Melo amplia consideravelmente, se comparada com a formulada em 1985.

Nossa análise se dá com base no que para Marques de Melo se estabelecem dois gêneros jornalísticos, o informativo e o opinativo. O gênero opinativo reúne textos jornalísticos nos quais a opinião do enunciador se dá de maneira clara e com a evidente intenção de oferecer a sua visão sobre aquele fato. Os gêneros opinativos funcionam como um fórum de debate de ideias, tem como principais formatos o editorial e o artigo.

Já o gênero informativo tem como principal característica a vigilância social, realiza-se um relato sobre um fato específico, tendo como norte a objetividade jornalística. São formatos do gênero informativo: nota, notícia, reportagem e entrevista.

É interessante destacarmos que Manuel Carlos Chaparro tem uma visão mais ligada a leitura discursiva do jornalismo. Existe uma concepção que permeia todo seu trabalho: a da ação comunicacional jornalística ser uma linguagem performativa. Isso significa que o jornalismo ao mesmo tempo transforma o mundo é transformada por ele. De acordo com esse pensamento, o ponto de vista do jornalista e da empresa jornalística não estariam apartados da atividade jornalística como um todo, pois, a partir do momento que se escolhe falar daquele assunto, daquela maneira e não de outra, se adota um posicionamento específico, logo, não há espaço para a imparcialidade ou neutralidade dos agentes comunicacionais em nenhum dos gêneros jornalísticos, sejam os que utilizam os esquemas narrativos ou argumentativos. Justamente por conta desse pensamento, para Chaparro não é possível separar a informação da opinião e por isso sua classificação de gêneros tem como principal critério os esquemas linguísticos aplicados aos conteúdos.

Para ele, no momento em que escreve o texto o jornalista pode escolher duas formas para apresentar um acontecimento, o relatando ou o comentando. Para Chaparro, esses são os dois gêneros jornalísticos que existem, pois, carregam características completamente distintas umas das outras. Enquanto o gênero relato tem como característica principal a narração dos fatos, reunindo textos que compõem narrativas sobre o que acontece na sociedade, retratando o que se passa ao redor dos indivíduos, o gênero comentário está mais ligado ao mundo das ideias, ao debate sobre as diferentes impressões que os acontecimentos que nos rodeiam oferecem. Trata-se, nesse segundo gênero, da abordagem argumentativa. Busca-se, por meio de explanações, expor um ponto de vista com base na clareza argumentativa, que não necessariamente precisa estar disposta em certo cotidiano.

Apesar de concordamos com a visão de Chaparro no que tange a falta de possibilidade de se separar completamente opinião de informação, partimos do princípio que a empresa jornalística e jornalista são dois diferentes, e por isso, podem manifestar diferentemente sua opinião. Utilizamos o critério de Marques de Melo, porém, acreditando ser a sociação entre empresa e jornalista o fator preponderante para esta escolha e não o paradigma da opinião se contrapondo a informação. Nossa leitura é a de que em alguns conteúdos jornalísticos a empresa desempenha maior influencia que em outros, fazendo com que se justifique assim a comparação entre ambos.

Capítulo 2 - Caminhos teóricos do ethos: da retórica aristotélica ao

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