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Análise das capas do Valor Econômico

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CAPÍTULO 4: OS DISCURSOS DESVELADOS: A MANIFESTAÇÃO

4.2 Os discursos do Valor Econômico

4.2.2 Análise das capas do Valor Econômico

O projeto editorial do jornal Valor Econômico oferece menor destaque aos acontecimentos em junho de 2013. Já que se propõem realizar uma cobertura mais ligada às questões econômicas acaba, como é de se esperar, por evidenciá-la.

Seguindo a lógica da composição de nosso corpus de análise, foram selecionados, os dias 18, 19, 20, 21, 24 e 253de junho para análise. A escolha do

dia 21, ao invés do dia 23 se justifica, pois, o veículo não possui edições aos finais de semana, portanto nossa análise se deu durante seis dias consecutivos da publicação, sem a necessidade de divisão, conforme os grupos aos quais os editoriais pertencem.

Apesar da maior evidência na pauta econômica, faz-se importante frisar que em todos os dias houve menção aos protestos, tendo sempre uma manchete em suas capas.

No dia 18, primeira vez que as manifestações tomam a capa do jornal, o destaque é dado apenas em uma foto-legenda, destacando uma multidão de pessoas ocupando o Largo da Batata, no bairro Pinheiros, em São Paulo. A foto contava com a seguinte legenda:

Milhares de manifestantes se reuniram no Largo da Batata e depois

percorreram várias avenidas em São Paulo. Alvo principal dos protestos em todo país, a tarifa de ônibus subiu acima da inflação em 12 das 16 cidades

com mais de um milhão de habitantes desde 2005 (VALOR, 2013, p. A1

grifo nosso).

A cenografia apresentada tem como base os números fazendo uma alusão a uma realidade quantificável, possível de ser explicada por meio deles, paradigma esse nitidamente ligado ao pensamento positivista. A explicação dada para os protestos, apesar de aparecer apenas como sugestão na foto-legenda, é a do aumento das passagens acima da inflação. A imagem da grande quantidade de manifestantes oferece o caráter democrático também presente em ambos editoriais analisados.

A capa do dia 19 (ANEXO XXII) não traz nenhuma imagem, porém, acrescenta muitos elementos e atores à cenografia, abordando mais as questões políticas do

3 O acesso as capas do Valor Econômico foram realizadas manualmente, por esse motivo não constam no corpo

que econômicas. A figura que toma o centro da cena é a do então prefeito Fernando Haddad pressionado pela revogação da tarifa de ônibus, mensagem apresentada no próprio título da manchete “Haddad sob pressão para reduzir a tarifa”. A pressão ao prefeito busca justificação em duas situações que acabam por compor a cenografia. A violência das manifestações é a primeira situação, por meio do ataque ao prédio da prefeitura de São Paulo, busca-se demonstrar que o prefeito possui uma situação de coerção externa. O elemento da violência chama atenção na capa do Valor, pois, em seus editoriais foi deixado de lado, como um fator secundário, porém, aqui se faz presente como elemento central para a realização de uma ação entre o prefeito da capital e a então presidente Dilma Rousseff.

No início da noite de ontem, enquanto a Prefeitura de São Paulo, no centro da cidade, estava sob ameaça de invasão por manifestantes contrários ao aumento da tarifa no transporte público, o prefeito Fernando Haddad (PT)

estava a cerca de 12 quilômetros dali, na base aérea de Congonhas, com

a presidente Dilma Rousseff (AGOSTINE; SOUZA, 2013. p. A1).

A imagem do prefeito afastado de seu posto, distante 12 quilômetros, além de nos oferecer novamente uma imagem do paradigma quantitativo, colocada em paralelo aos ataques violentos ao prédio da prefeitura conotam o sentido da necessidade de fuga. A imagem do improviso está presente no local escolhido para a reunião, a base aérea de um aeroporto.

A segunda situação diz respeito exatamente sobre o conteúdo da reunião em questão, a pressão da presidente, para que o aumento das passagens fosse revogado. “Antes de embarcar para São Paulo, a presidente sinalizara que

paralelamente à pressão sobre Haddad, a estratégia é se ‘irmanar’ às

manifestações” (AGOSTINE; SOUZA, 2013. p. A1).

A apresentação de outras figuras relevantes dentro do Partido dos Trabalhadores como o ex-presidente Lula, João Santana, Rui Falcão, Aloizio Mercadante e Gleisi Hoffmann, é utilizada para ampliar a ideia de pressão sofrida pelo então prefeito, pressão reforçada pela declaração da então Ministra da Casa Civil, Hoffmann, de que havia espaço para a revogação dos aumentos, pois, o governo federal já havia realizado desonerações ligadas ao transporte público. A ideia do atrito entre os integrantes de um mesmo partido é a tônica principal desta cenografia.

No dia seguinte, 20 de junho (ANEXO XXIII), novamente o prefeito é colocado como figura central dos acontecimentos, mesmo que dividindo espaço com o governador de São Paulo Geraldo Alckmin e o então prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Além disso, mantém-se a tônica do atrito entre os integrantes do governo. Apesar de a manchete ser “SP e Rio revogam aumento das passagens”, o restante do discurso se faz com relações aos bastidores, jogos políticos e consequências econômicas da medida adotada, como o corte dos investimentos e a possibilidade da redução de tributação para o transporte público. Como novo exemplo da cena do conflito, destacamos a abertura da chamada:

O desgaste provocado na imagem do governo federal - com a escalada

nacional de protestos - estremeceu a relação entre dirigentes do PT e o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (também petista), que finalmente

recuou e revogou ontem o reajuste da tarifa de transporte público na maior

cidade administrada pelo partido (SP E RIO, 2013, p. A1).

É interessante notar, que apesar das manifestações terem ocorrido em todo o país, governado por diferentes políticos, de diferentes partidos, o Valor Econômico tem como foco principal as discussões internas do PT, colocando em segundo plano, os demais. A evidência tanto do prefeito, quanto da presidente e do partido podem se justificar pelo fato de estarem à frente da cidade com maior orçamento do país e da federação de maneira geral, porém, também fica nítido o desejo de evidenciar os problemas específicos pelos quais passava o PT, demonstrando uma espécie de instabilidade política interna. O trecho “finalmente recuou”, deixa nítido o embate, colocando o prefeito de São Paulo como derrotado do processo, apesar de sua persistência. Fica explícito também o caráter de impaciência já que a expressão utilizada é o “finalmente”, ou seja, após um demasiado período, o prefeito recuou de sua decisão.

Fazendo um paralelo com o que vinha acontecendo nas ruas e a publicação desta capa, as manifestações já contavam com números expressivos de participantes e consecutivamente a ampliação de pautas, questão que não é abordada pelo veículo, até então.

No dia 21 (ANEXO XXIV), volta a ser a violência a protagonista da cenografia referente as manifestações nas capas do Valor Econômico, sob a manchete “Mais protestos, invasões e violência”, o jornal estampa uma foto-legenda de manifestantes no espelho d'água do Palácio do Itamaraty, em Brasília. Na descrição da imagem

“Manifestantes invadem o palácio do Itamaraty, em Brasília: protestos reuniram cerca de 1 milhão de pessoas em 20 capitais do país”. Nos trechos selecionados também chama atenção as cenas de violência “Manifestantes quebraram vidros de janelas,

arremessaram ao menos dois coquetéis molotovs e chegaram a invadir o prédio do Itamaraty ontem à noite em Brasília” ; “No Rio, que fez o maior protesto desde o início das manifestações, há quinze dias, com 300 mil pessoas, alguns manifestantes tentaram invadir a prefeitura e o Maracanã e foram impedidos por forças policiais”; e “Em Ribeirão Preto um estudante de 18 anos, atropelado, morreu. Foi a primeira morte dos protestos” (MAIS, 2013, p. A1). A composição dessa cenografia é bem

distinta das apresentadas em ambos editoriais que apresentavam as manifestações exaltando seu lado democrático, deixando como casos isolados as manifestações de violência.

O desdobramento político apresentado nessa capa do Valor Econômico também diz, de certa maneira, a respeito da violência. Afirma que a juventude do PT e alguns militantes de partido de esquerda foram hostilizados na rua, enquanto o PPS, partido da posição foi a cadeia nacional de televisão colocar culpa no governo federal pelas manifestações. O conflito, em composição com a violência, são os elementos desta cenografia. Por fim, novamente a ideia de pressão sobre os governantes é realizada, dessa vez, a figura pressionada é a então presidente Dilma Rousseff, que por conta dos protestos adiou viagem ao Japão.

Nos dias 24 e 25 (ANEXOS XXV e XXVI) a figura de Dilma Rousseff torna-se central nas capas do Valor Econômico, sendo que no dia 25 há uma foto-legenda em destaque da presidente em reunião com integrantes do MPL a fim de resolver as demandas que surgiram durante os protestos.

A imagem da urgência é apresentada na cenografia do dia 24, a manchete “Dilma apressa medidas para responder às ruas”, repassa essa conotação. Assim como os trechos: “Em uma sequencias de reuniões no final de semana” e “Essas

medidas já estavam em debate há mais de um ano, mas devem ser colocadas em prática agora”

Apesar dessa imagem inicial da urgência, todas as demais figuras demonstram a presidente em ação para a resolução de problemas, imagens semelhantes a do segundo editorial analisado, publicado na mesma edição. A abertura de um edital para médicos estrangeiros - mais tarde viria a se transformar no Programa Mais

Médicos - assim como a criação de um programa de mobilidade, anunciado em cadeia nacional de televisão, pela própria presidente, foram destacados pelo jornal.

Também no dia 24 a figura do ex-prefeito Fernando Haddad entra em evidência na capa do veículo, isso porque a manchete “SP muda regras para empresas de ônibus” também aparece no Valor. Utilizando-se novamente de diversos dados quantitativos, são apresentadas as alterações e possíveis investimentos que a prefeitura pretendia realizar à época com relação a licitação as empresas de ônibus. Por fim, no último dia de análise, 25 de junho, a manchete “Dilma propõe cinco pactos atender à voz das ruas”, além da foto-legenda já citada, a cenografia apresenta a então presidente do país movendo-se para a resolução dos problemas, imagens importantes a serem mencionadas são: a violência desaparece por completo da cenografia; o MPL apresentado como movimento social em reunião com a maior autoridade política do país; e Dilma como articuladora central das ações, nenhum outro político é citado nessa enunciação. As manifestações passam a ser apenas o pano de fundo para os desdobramentos políticos, em um cenário mais amplo. Essa imagem se aproxima da oferecida pelo último editorial analisado, publicado no dia 24 de junho, na qual a imagem de Dilma é central como articuladora das ações para resolução das demandas geradas pelas manifestações.

O tom utilizado nas capas do Valor Econômico é de caráter conflituoso. As imagens apresentadas acabam não deixando uma menção clara à forma como as figuras apresentadas, assim como as imagens são tratadas. Em alguns momentos a violência é apresentada de maneira acentuada, em outros ela desaparece; a figura do ex-prefeito de São Paulo é colocada em evidência, sendo que as manifestações tinham caráter nacional, vide que depois da revogação do aumento das passagens, a figura que mais esteve em evidência nas capas foi a da presidente Dilma Rousseff. Além disso, o conflito é o tema que mais aparece no pano de fundo das capas, colocando em evidência o conflito dos integrantes do PT; o conflito das ruas; o conflito entre os interesses sociais e as necessidades econômicas, dentre outros.

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