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O psicologo e a promoção de saude na educação

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Academic year: 2021

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(1)

MARIA DE LOURDES JEFFERY CONTINI

Este exemplar corresponde à redação

da Tese defendida por Maria de

Lourdes Jeffery Contini e

aprovada pela Comissão Julgadora.

Data___/___/___

PSICÓLOGO E A PROMOÇÃO DE SAÚDE

NA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO.

(2)

MARIA DE LOURDES JEFFERY CONTINI

O PSICÓLOGO E A PROMOÇÃO

DE SAÚDE NA EDUCAÇÃO.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO.

1998

(3)

Tese apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTORA EM EDUCAÇÃO nas áreas de concentração Psicologia Educacional à Comissão Julgadora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas sob a orientação do Prof. Dr

(4)

Comissão Julgadora ________________________________ ________________________________ ________________________________ ________________________________ ________________________________

(5)

DEDICATÓRIA

Em especial ao Contini, Larissa e Daniel pelo amor que nos une... Aos meus pais (in memorian) por terem me ensinado o sentido concreto da "ética dialógica" na relação com o outro.

(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Prof. Dr. Ségio Antônio da Silva Leite pela orientação competente e pela amizade, assumindo junto comigo a construção desse trabalho, ao longo dos últimos quatro anos.

Ao Prof. Dr. Álvaro Pacheco Duran e a Profª. Drª Acácia Aparecida Angeli dos Santos, pelas observações preciosas durante o Exame de Qualificação.

Ao Prof. Dr. Fernando Gonzales Rey e a Profª Drª Albertina Mitjans que me acolheram gentilmente, lendo parte desse trabalho e me instigando com suas contribuições.

Aos professores, colegas e funcionários da Faculdade de Educação da Unicamp.

À Universidade Federal de Mato Grosso do Sul que, através do seu programa de bolsas PICD/CAPES, propiciou o apoio finaceiro para a realização desse trabalho.

As minhas queridas amigas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Mônica e Regina, professoras do Departamento de Educação, Catarina, Jolise, Carminha, Sandra e Roselene, professoras do Departamento de Psicologia, pelo incentivo e apoio afetivo que me deram durante essa empreitada.

Finalmente, aos psicólogos, construtores da Psicologia no Brasil, que se dispuseram a participar dessa pesquisa, minha admiração e agradecimento especial.

(7)

RESUMO

O presente trabalho discute a atuação do psicólogo na Educação, na perspectiva da promoção de Saúde. Os dados foram obtidos através de uma pesquisa realizada com profissionais de Psicologia que estavam, na época, atuando na Educação, e que consideravam a sua atuação profissional como um trabalho de promoção de Saúde. Foi utilizado o procedimento das entrevistas recorrentes, com uma amostra intencional, composta por dez sujeitos escolhidos através de uma entrevista inicial. Posteriormente, foi realizada uma análise para identificar os conjuntos temáticos, a partir dos relatos verbais dos entrevistados, Observou-se um quadro que aponta para sujeitos em processo de mudança, cuja marca fundamental, implica numa nova conceituação de Saúde no trabalho do psicólogo na Educação. Tal conceito refere-se a uma visão de Saúde que se relaciona diretamente com o modo de vida da população, indo além do binômio saúde/doença, ou seja, a Saúde entendida como uma construção histórica do homem como resposta a sua inserção numa determinada organização social. Dessa forma as ações do psicólogo na Educação apontam para novos caminhos. Ao contrário das práticas profissionais que buscam, em sua maioria, as patologias no cotidiano educacional, ocasionando, como consequência, uma massa de excluídos do processo de escolarização, os trabalhos que os sujeitos dessa pesquisa apontam passam a privilegiar as práticas educacionais como atividades de promoção de Saúde, através do acesso e permanência da criança na escola, da mudança do quadro do fracasso escolar e da alteração na forma de realizar a avaliação psicológica na escola. Nessa perspectiva, enfatiza-se o compromisso ético e político com o acesso à Educação enquanto um bem cultural

(8)

RÉSUMÉ

Ce travail discute l'action du psychologue en Éducation, dans la perspective de la promotion de la Santé. Les donnés furent obtenues à travers une recherche réalise avec des professionnels de Psychologie qui étaient, à l'époque, en activité dans l'Éducation et qui considéraient son activié profissionnelle un travail de promotion de la Santé. On utilisa le procédé des entrevues récurrentes, avec un échantillon intentionnel, composé par dix sujets choisis parmi une entretien initial. Postérieurement, on réalisa une analyse pour identifier las ensembles thématiques, à partir des exposés verbaux des interviewiés. On observa un cadre qui indique des sujets en procés de changement dont la marque fondamentale implique une nouvelle conceptualisation de la Santé dans le métier du psychologue en Éducation. Tel concept se réfère à une vue de la Santé qui se rapporte directement avec la manière de vivre des gens. En dépassant le binôme santé/maladie, c'esta-à-dire, la Santé conçue comme une construction historique de résponse l'homme en o à son insertion dnas une répo déterminée organisation sociale. Ainsi les actions du psychologue en Éducation indiquent des nouvelles dérmaches. À l'inverse des procédés profissionnels qui envisagent, la plupart, les pathologies dans le quotidien éducationnel, occasionants en conséquence une fouled'exclus du processus de scolarisation, les travaux que les sujets de cette recherche indiquent vont privilégier le procédés éducationnels comme des actions de la promotion de la Santé, parmi l'accès et la permanence de l'enfant dans l'école, la modification du cadre d' insuccès scolaire et l'altération des formes de réaliser l'évaluation psychologique dans l'école. En cette perspective on rend saillant le compromis éthique et politique avec láccès à l''Education en tant bien culturel fondamental pour la construction de la citoyenneté des enfants et jeunes brésiliens.

(9)

I

ÍNDICE

INTRODUÇÃO

Apresentação 01 O Problema 02 A Saúde em questão 05 Psicologia e Saúde 12 A Ciência Psicológica 17

Psicologia e Educação no Brasil 27

Psicologia e Educação: Identidade e Persepctivas 59

MÉTODO

72

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 72

1.1.Sobre abordagem qualitativa 73

1.2. Sobre a entrevista recorrente 75

2. SUJEITOS 78

2.1.Critério para escolha dos sujeitos participantes 78

2.2.Caracterização dos sujeitos 80

3. COLETA DE DADOS 88

3.1. Procedimentos 89

3.2. Análise dos dados 93

RESULTADOS

95

1.O PAPEL DO PSICÓLOGO E DA PSICOLOGIA 97

1.1.Ciência Psicológica 97

1.1.1. A contribuição da Psicologia para a

(10)

II

1.2. Relevância do trabalho do profissional de Psicologia 98 1.2.1. A especificidade da intervenção psicológica 98 1.2.2. O profissional da Psicologia comprometido com

a sociedade 98

1.2.3. A atuação do psicólogo vista como um trabalho

de valorização do ser humano 99

1.2.4. Psicólogo visto como um profissional que deve

promover saúde 100

1.2.5. A profissionalização do psicólogo para atuar na

área comunitária 103

1.2.6. A importância da questão da ética no trabalho

do psicólogo 104

2. CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO DE PROMOÇÃO DE SAÚDE 106 2.1. Promoção de saúde no trabalho da Psicologia na Educação 106

2.1.1. O espaço de promoção humana entendido

como gerador de saúde 106 2.1.2. A promoção de saúde no trabalho do

psicólogo, na perspectiva da cultura de prevenção 107 2.1.3. A promoção de saúde desenvolvida através

do auto-conhecimento 108

2.1.4. Visão integrada da Educação no espaço institucional

e social 109

2.1.5. A promoção de saúde na atuação do psicólogo, realizada em instituições que trabalham com

populações “de risco” 109

2.1.6. A promoção de saúde através do processo de compreensão/conhecimento realizado no trabalho

educacional 110

2.1.7. A promoção de saúde vista como um espaço de

interlocução dentro da escola 112

(11)

III

3.1. Atividades Profissionais inseridas na perspectiva de

promoção de saúde 113

3.1.1. Trabalhos desenvolvidos em Psicologia da Educação, no consultório, nas instituições

e na comunidade 114

3.1.2. Atividades relativas ao desempenho da função

docente em cursos de Psicologia 119 3.1.3. Atividades de Supervisor de Estágio em Psicologia

Escolar, nos cursos de Formação de psicólogo 122 3.1.4. Atividades Administrativa/Institucional

desempenhando a função Direção 126 3.1.5. Aspectos relativos à importância de um

trabalho desenvolvido em parceria com

outros profissionais 127

3.1.6. Discussão sobre o espaço profissional existente hoje para o psicólogo que desenvolve

atividades em instituições educacionais 131 3.1.7. A inserção do psicólogo na escola 133

4. FORMAÇÃO PROFISSIONAL 134

4.1. A Formação do psicólogo no modelo tradicional de

promoção de saúde 135

4.1.1. A estruturação presente nos cursos atualmente 135 4.1.1.1. Predominância da face

conservadora de saúde/doença no

curso de Psicologia 136 4.1.1.2. Predominância do modelo

clínico/liberal na Formação do psicólogo 138 4.1.1.3. Predominância da parte informativa

nos cursos de Psicologia 139 4.1.2. Conhecimentos teóricos da Psicologia 140

(12)

IV

psicológicas em detrimentode outras, vista como um aspecto deformador

da formação profissional 140 4.1.3. Conhecimentos teóricos de outras áreas 141

4.1.3.1. Pouco conhecimento de outras áreas

que podem auxiliar o trabalho do psicólogo 142

4.1.4. Os estágios supervisionados 142

4.1.4.1. Os estágios constituídos com ênfase na

técnica, descolados da teoria 142 4.1.5. Habilidade do profissional de Psicologia 144

4.1.5.1. Modelo da Formação atual, visto como um aspecto que dificulta a instrumentalização técnica adequada a

um bom trabalho profissional 144 4.2. A formação do psicólogo que se contrapõe à promoção

de saúde no modelo tradicional 145

4.2.1. Perspectivas dadas pela Formação 146 4.2.1.1. A Formação entendida como um

tempo de aprendizagens

básicas na área da Psicologia 146 4.2.1.2. A importância de uma nova

concepção de homem na formação 148 4.2.1.3. Discussão na Formação de

novos espaços de atuação 149 4.2.2. Conhecimentos das principais correntes

teóricas da Psicologia 150 4.2.2.1. Conhecer as principais concepções

"de homem" presente nas diferentes

teorias psicológicas e seus desdobramentos práticos-profissionais 150

(13)

V

objetivando habilitar o psicólogo

para uma atuação interdisciplinar 155 4.2.3.1. Áreas das Ciências Humanas e Sociais 156

4.2.4. O estágio supervisionado 160

4.2.4.1. Estágio compreendido como espaço

de importante relfexão para o aluno 160 4.2.5. A importância da técnica instrumentalizada

pela teoria 162 4.2.6. Habilidades, vistas como apropriação de técnicas,

necessárias ao profissional de Psicologia 164 4.2.6.1. Técnicas de avaliação diagnóstica 164 4.2.6.2. Técnicas de trabalho em grupo 165

4.2.6.3. Técnicas de pesquisa 167

DISCUSSÃO

170

OS PONTOS COMUNS APRESENTADOS NOS RELATOS 175

1. O psicólogo e a sua função social 176

1.1. A ética da transformação social 176

1.2. Educação e trabalho preventivo na comunidade 181

2. Visão Institucional 186

2.1. A Instituição: espaço de conhecimento e atuação profissional 187 2.2. Educação/Sociedade/Sujeito e Instituição Escolar 190 3. Trabalhos coletivos e interdisciplinariedade 195 4. Os diferentes espaços de atuação, na Psicologia da Educação,

inseridos na perspectiva de promover saúde 200

4.1. Consultório/Escritório que desenvolvem serviços de

atendimento e consultorias 200

4.2. A docência e a supervisão de estágio em Psicologia

no 3º grau 205

(14)

VI

5.1. Críticas ao modelo atual de formação do psicólogo 209 5.2. O movimento dos sujeitos desta pesquisa: a formação

do psicólogo na direção da promoção de saúde 213

CONSIDERAÇÕES FINAIS

223

ALGUMAS SÍNTESES POSSÍVEIS 223

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

231

ANEXOS

252 Anexo I 253 Anexo II 255 Anexo III 256 Anexo IV 287

(15)

VII

ÍNDICE DE QUADROS

QUADRO I

91

QUADRO II

93

(16)

APRESENTAÇÃO.

O momento atual da Psicologia no Brasil pode ser caracterizado pelo "repensar", de forma abrangente e coletiva, os rumos da própria Ciência Psicológica, frente às novas demandas sociais e econômicas que acabam por exigir novas formas de atuação. Muitas das práticas disseminadas nas agências formadoras colocam o profissional recém-formado diante de um impasse: como fazer Psicologia hoje? Qual é o modelo teórico a ser seguido? Tornam-se, portanto, relevantes os estudos que possam mapear novos modelos e fornecer análises que contribuam para delineamento de uma nova realidade profissional. É nesta perspectiva que se insere este trabalho. A proposta da presente pesquisa é descrever e analisar novas formas de atuação que o psicólogo, enquanto um profissional de saúde, vem desenvolvendo na Educação, as quais podem ser consideradas como um avanço qualitativo na área, tanto nos aspectos teóricos quanto profissionais.

Tal avanço implica na modificação das práticas atuais, as quais refletem uma conceituação de saúde restrita, caracterizada pela ausência de doença. Algumas das consequências advindas dessa conceituação foram os alarmantes diagnósticos sobre o fracasso escolar que delinearam uma patologização do fenômeno da aprendizagem na âmbito educacional. A Psicologia veio fornecer o respaldo da cientificidade para uma situação ideologicamente definida. Um sistema que cria uma escola que exclui, necessita de um profissional que explique a exclusão dessas pessoas.

Para uma análise das vertentes que integram e formam o SABER e o FAZER do psicólogo na Educação, exige-se uma reflexão histórica sobre os caminhos e as intersecções ocorridas entre as disciplinas, buscando compreender o escopo epistemológico que direcionou e direciona as ações, posto que as mesmas apontarão não só para o tipo de profissional de Psicologia existente, como também para sua significação social.

(17)

Toda essa reflexão poderá revelar não só o que foi feito, mas também apontar para a necessidade de novos esquemas conceituais que poderão produzir práticas mais adequadas à realidade em função de um homem caracterizado pelo seu tempo e grupo social.

O PROBLEMA.

O papel do psicólogo que trabalha na Educação vem sofrendo, já há algum tempo, profundas críticas no que se refere à sua atuação marcadamente clínica. Essas críticas tomaram corpo, principalmente na década de oitenta, quando começaram a surgir trabalhos que discutiram a atuação do psicólogo na Educação: Patto(1982), fazendo uma relação entre Sociedade, Educação e Psicologia Escolar; Machado e outros(1982), apontando as dificuldades do psicólogo em desenvolver o seu trabalho na escola; Andaló(1984), que também discutiu a questão do papel do psicólogo escolar; e finalmente, os trabalhos mais recentes de Grandella(1990) e Maluf(1992), já delineando a crise de identidade do psicólogo escolar.

Esse movimento de críticas apontadas, não só na própria Educação como também no interior da Psicologia, propiciou reflexões entre esses profissionais. Tais reflexões buscaram verificar desde a relevância social da profissão até a revisão dos paradigmas teóricos que vinham sustentando essas "performances". Porém, seria ingênuo imaginar que todo esse movimento de idéias apareceu isoladamente; ele, na verdade, é parte de todo um questionamento atualmente presente na Psicologia enquanto Ciência, dentro de seus diferentes paradigmas, assim como nos contornos assumidos como uma profissão.

Um exemplo dos resultados que já aparecem dessas reflexões é a definição do psicólogo, hoje, enquanto um profissional de "saúde", entendida agora não como ausência de doença, mas no sentido de uma

(18)

"Psico-Higiene", sentido este dado por Bleger(1984), ou seja, a saúde passa a ser definida como bem estar geral. Nesta perspectiva caberia ao psicólogo ser um "promotor de saúde" da população.

Outra questão emergente é o reconhecimento que a Psicologia, por si só, não dá conta do complexo fenômeno humano, devendo portanto realizar intercâmbios com outras áreas do conhecimento, tanto na produção de novos saberes, como na atuação profissional. Começa dessa forma a surgir um profissional preocupado com buscar interlocutores que possibilitem uma visão mais ampla e completa do seu objeto de estudo.

Um exemplo dessa preocupação foi a participação da professora Bader B. Sawaia, discutindo o tema: " A falsa cisão retalhadora do homem", no "Forum de Debates: o uno e o múltiplo nas relações entre as áreas de

saber", promovido pela PUC de São Paulo, em 1993. Aquele Forum gerou a

publicação do livro organizado por Martinelli e outros(1995), onde foram publicados os posicionamentos dos diferentes debatedores sobre a temática proposta. Através da discussão inicial proposta por Gatti(1995), é possível observar o desafio apresentado naquele encontro. Para ela, o desafio

"parece ser o da integração do heterogêneo, não mais na perspectiva da unidade integral, nem de simples somatória, mas no sentido de transcodificado, com a manutenção das significações originárias embora transformadas em sínteses peculiares. Uno e múltiplo, interdisciplinariedade, transdisciplinariedade são códigos que estamos construindo, a ponte para acessar o desconhecido e o interminável"(p.14).

Atualmente, em vista dessa discussão, não é mais possível imaginar o objeto da Psicologia circunscrito ao homem-abstrato, ou ao homem-natural, a-histórico; atualmente alguns paradigmas teóricos, na Ciência Psicológica, já contemplam o homem-concreto, como sendo esse homem inserido na sua realidade histórico-social. Esta visão sugere outras maneiras de se estudar, conhecer e trabalhar esse novo sujeito social. É possível dizer que, mesmo

(19)

mantendo em grande parte a sua face conservadora, a Psicologia e os psicólogos já começam a avançar, delineando outros caminhos, tanto a nível teórico quanto de atuação profissional. Exemplos disso são as publicações do Conselho Federal de Psicologia: " Quem é o Psicólogo Brasileiro"(1988); " Psicólogo Brasileiro - a construção de novos espaços"(1992) ; " Psicólogo Brasileiro - práticas emergentes e desafios para a formação " (1994).

É nesta perspectiva que se propõe o eixo principal do presente trabalho: o psicólogo, hoje, buscando situar-se como profissional de saúde, procura atuar com o compromisso de promover a saúde da população, no seu sentido mais amplo, juntamente com outros profissionais também comprometidos com este objetivo. A promoção da saúde concretiza-se na atuação psicológica, através da socialização do saber produzido pela Psicologia, dentro de paradigmas teóricos que apontem para o homem concreto e, ao mesmo tempo, pelo aprender do psicólogo a ter uma atuação interdisciplinar junto a outros interlocutores do fenômeno humano.

Nesse contexto atual, a questão central no desenvolvimento do presente trabalho envolve a seguinte pergunta: quais são os

conhecimentos teóricos, habilidades técnicas, concepções, valores, etc. necessários para que o psicólogo , enquanto um profissional de saúde, atue na Educação, de forma a configurar "novas" formas de ação na área ?

Para entender o momento de reflexão, questionamentos e dúvidas por que passa a Psicologia e os psicólogos que atuam na Educação, é necessário reconstituir o quadro da Ciência Psicologia inserida no próprio nascimento das Ciências enquanto um produto humano, num determinado momento histórico, acrescentando a esse percurso as diferentes conceituações de "saúde" que, segundo Capra(1982), estiveram intimamente relacionadas com a existência material do próprio homem. A caminhada que será feita, neste primeiro momento, buscará apontar o surgimento das diferentes visões de "Saúde" emergentes em cada tempo histórico e, principalmente, descrever as transformações ocorridas até as suas

(20)

conceituações atuais e os desdobramentos que as mesmas vêm ocasionando à Ciência Psicológica.

A SAÚDE EM QUESTÃO.

Desde os tempos mais remotos, a saúde sempre esteve presente enquanto uma das principais preocupações do homem. Talvez pela própria busca da conservação da vida, ela foi e continua sendo uma questão importante a ser discutida. Muitos autores já tratam desta temática buscando esclarecer definições e ações que melhor retratem a saúde enquanto um bem comum desejável a todas as pessoas, em todas as épocas.

Pinheiro(1995) discute a falta de consenso existente entre os profissionais da saúde - entre eles o psicólogo - acerca da definição da própria saúde. Revendo essas definições desde a Antigüidade até o nosso Século, a autora demonstra que estudiosos nesse assunto classificaram definições de forma diferenciada no Ocidente e no Oriente. Porém, um aspecto importante descrito pela autora foi a verificação do percurso da conceituação da saúde, que teve, no seu início, uma ligação direta com a religião e a filosofia, para depois ir se aproximando cada vez mais das práticas da medicina hipocrática e conseqüentemente do desenvolvimento das ciências fisiológicas e biológicas. Essa trajetória demonstra as diferenças que foram ocorrendo nas próprias respostas dadas pelo homem ao fenômeno da doença e da cura.

Na Antigüidade, o homem buscou nas forças espirituais o processo da cura das doenças. Capra(1982) descreve, de forma muito interessante, os mitos pré-helênicos representados em deidades, que povoaram a antiga Grécia, enquanto respostas humanas em busca da cura. A mais importante deidade curativa, segundo o autor, era representada por Hygieia, considerada como uma das muitas manifestações da deusa Atena, simbolizada pela serpente que tinha em seu visco o poder curativo. Com as muitas invasões,

(21)

no final do segundo milênio antes de Cristo, a religião patriarcal foi imposta à Grécia; com isso, os mitos foram alterados, sendo que as deusas passaram a estar associadas a deuses mais poderosos.

Em função da religião patriarcal e de uma nova ordem social imposta à Grécia pelos invasores bárbaros, no final do segundo milênio antes de Cristo, o mito de Hygieia modifica-se. O antigo mito da deusa configurou-se dentro de um novo sistema, que a tornou parente de um deus mais poderoso, Asclépio, o deus dominante da cura. Desta forma Hygieia passa a ser filha deste novo deus, tendo ainda como irmã a deusa Panakeia. A etimologia do nome de Asclépio era associado ao visco e o da deusa às serpentes, símbolo este utilizado até os dias de hoje na medicina ocidental. Na nova versão do mito, as duas filhas do deus da cura representavam a prevenção e a saúde. Segundo Capra(1982) " Hygieia (saúde) velava pela manutenção da

saúde, personificando a sabedoria, segundo a qual as pessoas seriam saudáveis se vivessem sabiamente. Panakeia (panacéia) especializava-se no conhecimento dos remédios derivados das plantas ou da terra"

(p. 304).

A medicina grega desenvolveu-se através dos "filhos de asclépio", que eram os homens que praticavam a cura baseada no conhecimento empírico. Será desses asclepíadas laicos que irá surgir a tradição Hipocrática na medicina ocidental, culminando com a produção do Corpus hippocráticum, volumosos escritos deixados por diferentes corporações asclepsianas. Para Capra(1982), o livro " Ares, água e lugares" é um dos mais significativos do Corpus hippocraticum; "ele representa o que chamaríamos hoje de um

tratado sobre ecologia humana". A definição de saúde exposta nos

escritos hipocráticos aponta para a busca de um estado de equilíbrio entre

"influências ambientais, modos de vida e vários componentes da natureza humana"(p.305). Como é possível observar, há 2.500 anos atrás já

havia sido esboçada uma conceituação de saúde que demonstrava a inter-relação entre meio ambiente, corpo e mente. Para Dubos(apud Moura, 1989),

(22)

"a medicina moderna nada mais é do que uma série de comentários e elaborações sobre os escritos hipocráticos"(p.58).

No entanto, segundo Moura(1989), o desenvolvimento da fisiologia experimental, especialmente as descobertas realizadas por Galeano (131-201 d.C.) na dissecação de orgãos , obtendo análises comparativas de orgãos bons com os defeituosos, fez com que "predominasse o estudo das

patologias em detrimento da investigação sobre a higidez"(p.42). Dessa

forma, o percurso da estruturação da nosologia dos sintomas e natureza das patologias ganhou muitos adeptos, principalmente com os vários estudos realizados na Idade Média. Para Moura(1989), iniciou-se assim uma conceituação negativa da saúde, enquanto ausência de doença, visto que a medicina começou a acumular mais conhecimentos sobre a doença " do que

os indicadores e atributos da sanidade física e mental"(p. 43).

Somente em meados do século XX começaram a surgir definições de saúde não restritas aos aspectos orgânicos, mas procurando abarcar a totalidade do homem envolto com o seu meio ambiente, o que parece ser um retorno ao tratado ecológico de Hipócrátes, citado por Capra (1982). Mas será em 1946 que a conceituação de saúde começa oficialmente a mudar: a Organização Mundial de Saúde(1976), na publicação dos seus documentos básicos, coloca no preâmbulo da sua Constituição uma nova definição, reconhecendo que "a saúde é um completo estado de bem-estar físico,

mental e social, e não apenas a ausência de distúrbios ou doença"(p.1).

Mas apesar do avanço na definição de saúde da Organização Mundial de Saúde , Moura(1989) cita vários focos de insatisfação com essa definição, expressados por biólogos, médicos sanitaristas, sociólogos, entre outros. A maioria deles aponta para o fato de que a conceituação proposta pela OMS é ampla, subjetiva e estática. No Brasil, segundo o autor, aparece o médico sanitarista Carlos Gentile de Melo que considera a definição proposta como algo inatingível, utópico, pois não leva em conta as imperfeições humanas. Os professores de Medicina Oswaldo Paulo Forattini e Madel Terezinha Luz

(23)

também criticam a subjetividade contida na expressão "completo bem estar", visto que a mesma aproxima-se mais de uma expressão poética, impossível de ser traduzida em ações objetivas e efetivas para a população na melhoria da saúde .

Para superar tais impasse, Moura(1989) realiza uma interessante descrição de pesquisadores que buscaram em seus trabalhos elucidar os diferentes paradigmas que caracterizaram diferentes noções de saúde. Um dos pesquisadores citados é Steven Polgar, que investigou, até o final da década de 60, as diferentes idéias e noções sobre o conceito de saúde, presentes em diferentes países ocidentais e orientais.

Polgar conseguiu agrupar em três amplas categorias as conceituações encontradas sobre a saúde: a primeira é a assintótica, onde a saúde é vista como um ideal a ser perseguido, porém nunca conquistado totalmente; a segunda categoria é a elástica, em que a saúde representaria o acúmulo de resistência que o organismo vai adquirindo para enfrentar as adversidades ou agressões existentes no seu meio ambiente; a terceira categoria é a chamada aberta, que segundo o autor, refere-se ao momento em que o organismo conseguiu ter uma adaptação plena com o seu meio ambiente. Para Polgar, a definição da OMS se enquadaria na primeira categoria por ele proposta.

Os norte-americanos Guenter B. Risse, professor de História da Medicina na Universidade de Wisconsin , e Talcott Parsons, professor emérito de Sociologia da Universidade de Harvard, de Massachusetts, também estudaram as diferentes definições de saúde. Para eles, parece ser fundamental o enfoque ecológico, tendo em vista que este enfoque pode definir melhor as relações existentes entre saúde/doença das comunidades com os seus ambientes físicos e sociais.

Dubos(apud Moura,1989) reforçava com sua tese, a tendência da visão social da saúde. Ele citava que "sob o ponto de vista médico, o

(24)

dotes genéticos. A saúde do povo é determinada não por sua raça, mas por suas condições de vida"(p.7).

Outra importante contribuição foi dada pelo pesquisador Canguilhem(apud Moura,1989), em sua tese de doutoramento em Medicina, publicada em forma de livro em 1966, sob o título O Normal e o Patológico. Em suas conclusões ele descreveu que " a saúde é a margem de

tolerância às infidelidades do meio (...) Pelo fato do ser vivo qualificado viver no meio de um mundo de objetos qualificados, ele vive no meio de um mundo de acidentes possíveis. Nada acontece por acaso, mas tudo ocorre sob a forma de acontecimentos. È nisso que o meio é infiel. Sua infidelidade é exatamente o seu devir, sua história" (p.159-161). Fica

então claramente apontada a dimensão mais ampla de saúde, envolvida por questões sociais, políticas e econômicas, construídas e por se construir ao longo da história. Isto é, pelo seu devir.

Com relação a esse aspecto, segundo Moura(1989), "parece óbvio

que a saúde seja condicionada pela nutrição, moradia, vestuário, higiene de água e dos esgotos, salubridade no trabalho, remuneração e capacidade aquisitiva satisfatória, fruição de lazer, educação, cultura e por outros fatores relacionados com o ambiente físico e social onde vive o ser humano"(p.48). Desde a Antigüidade essa noção de saúde já

aparecia implicitamente em algumas definições, mas somente na década de 50 essas conceituações começaram a ser reforçadas como resultados de pesquisas, demonstrando o movimento que foi desencadeado pelo OMS ao caracterizar uma dimensão social da saúde.

É possível concluir, através dessa resumida trajetória sobre a questão da saúde, que as pesquisas passadas e recentes refletem a busca do conhecimento nos diferentes momentos vivenciados pelo homem, com relação ao fenômeno da saúde. Considera-se, no entanto, importante ressaltar que a trajetória da conceituação de saúde não esteve desvinculada

(25)

da construção da existência material do homem, onde diferentes momentos históricos propiciaram diferentes respostas à questão da saúde.

O livro organizado por Mendes(1995), sobre as patologias do trabalho, mostra, em sua parte introdutória, como as mudanças sociais e econômicas foram criando novas circunstâncias para o aparecimento da saúde e /ou doença. Resgatando essa questão desde a Antigüidade até os nosso dias, é possível observar claramente como as novas demandas produzidas por sistemas sociais e políticos, especialmente o da Revolução Industrial no final do século XIX, ocasionaram o aparecimento de novas patologias relacionadas com o trabalho.

Em relação a aspectos psicológicos, destacam-se as análises de Christophe Dejours, sobre a psicopatologia do trabalho, publicadas no Brasil em 1988, e o seu último livro divulgado em 1994, através do Centro de Estudos e Pesquisa do Trabalho. Neste, em conjunto com os pesquisadores Elisabeth Abdoucheli e Christian Jayet, são abordadas as principais contribuições da escola Dejouriana na relação trabalho, prazer e sofrimento psíquico ao longo da história da humanidade.

Atualmente, essas preocupações podem ser observadas nos movimentos reivindicativos, tanto a nível mundial como em nosso país, sobre a questão da saúde coletiva, e os cuidados primários da saúde, bem como a organização de eventos científicos para troca de experiências, propostas de políticas e avaliação de programas. Entre tais movimentos destaca-se o da Bioética, conceituação que vem sendo discutida principalmente por Berlinguer(1993), com a seguinte definição: "O termo bioética se refere,

freqüentemente, aos problemas éticos derivados das descobertas e das aplicações das ciências biológicas"(p.21). A preocupação dentro desse

enfoque é com as chamadas " zonas limítrofes" entre a ética e a ciência. Para o referido autor "Na fase em que a ciência proporciona mudanças mais

incisivas, mais amplas e , às vezes, menos reversíveis dos equilíbrios vitais, que permitem a evolução da espécie( e do homem) e na qual o

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Homo sapiens torna-se força genética e bioevolutiva, no sentido construtivo e também destrutivo, representa-se de modo mais agudo o tema da liberdade da ciência. Há vinte anos , discutiu-se muito sobre sua neutralidade; hoje fala-se sobre seus limites e seus fins"(p.23).

Todas essas questões mostram a evolução ocorrida no interior da comunidade científica, sobre as conceituações de saúde que se interligam com o ecossistema do homem. As reflexões demonstram preocupação e buscam propiciar, através dos conhecimentos científicos já produzidos, saúde para a humanidade.

No Brasil, trabalhos como os de Moraes(1985), sobre a "Medicina

Preventiva e a Saúde Coletiva" e, mais recentemente, os de Schraiber(1990), organizadora do livro "Programação em Saúde Hoje", já delineiam o caminho que os profissionais da área de saúde devem se confrontar: a busca de práticas, embasadas na Epidemologia, tornando possível resgatar tanto a eqüidade social quanto a cidadania dos sujeitos através do exercício de lutas e conquistas dos mesmos pelo direito à saúde, pois como enfaticamente Moura(1989) aponta no título do seu livro, "Saúde não se dá,

conquista-se".

PSICOLOGIA E SAÚDE.

E a Psicologia? Como se insere nessa questão? O que se pode dizer, é que a Psicologia tem sido, em grande parte, ancorada no estudo do desvio, do patológico, o que a coloca dentro de uma visão conservadora de saúde. No Brasil, só recentemente começaram a surgir pesquisadores preocupados como uma conceituação mais ampla. Esse movimento de idéias, segundo Pinheiro(1995), iniciou-se na década de 70, quando das muitas discussões que foram aparecendo sobre uma nova definição da saúde, questionando as

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políticas de saúde vigentes no país pós a ditadura militar. Essa mobilização envolveu diferentes profissionais que tinham como objetivo a democratização do Sistema de Saúde Brasileiro, reivindicando uma rede básica de serviços de saúde que todo cidadão brasileiro pudesse ter acesso e usufruto.

A partir da participação dos psicólogos nesse movimento, o espaço profissional cresceu dentro da área de saúde. Surgem também os trabalhos de pesquisa que começaram a questionar tanto a prática do atendimento da doença mental no Brasil, quanto o atendimento da saúde geral. O psicólogo inicia, então, tímidas ações preventivas e de promoção de saúde.

Em relação à questão da Saúde Mental, surge a luta anti-manicomial, encampada pela categoria, através da sua autarquia, o Conselho Federal de Psicologia, juntamente com outras categorias profissionais, através do Conselho Federal de Medicina e da Associação dos Usuários e Familiares. É atrvés do movimento Brasil sem manicómio no ano 2000, que esses profissionais vêm procurando uma maior conscientização, por parte de todos os envolvidos, com o problema das instituições psiquiátricas no Brasil, buscando alternativas que envolvam a própria comunidade na assistência ao doente mental.

Este movimento ganhou contribuições teóricas importantes como as de Miranda e Sanches(1990) que desenvolveram um trabalho junto às famílias de pacientes psiquiátricos, com o objetivo de verificar se um programa de apoio a essas famílias propiciaria melhor integração destes pacientes; e as contribuições de Vascocelos(1992) que discutiu, em sua tese de doutorado, o movimento "Psiquiatria Democrática" na Itália, que desencadeou o processo de fechamento dos hospitais psiquiátricos e o aparecimento de tratamentos alternativos realizados na comunidade. Ao final, o autor aponta as possibilidades de trabalhos nesta perspectiva, no Brasil. Começam a surgir também várias pesquisas, que buscaram questionar os paradigmas teóricos da doença mental e suas práticas, veiculados junto aos profissionais de Psicologia através da publicação , em

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1988, da revista "Ciência e Profissão" do Conselho Federal de Psicologia com o título: Como está a saúde mental do trabalhador?, onde diferentes artigos discutiram as condições de trabalho e as consequências que estas traziam à saúde mental do trabalhador. Estas questões apontavam para uma relação entre trabalho e sofrimento psíquico.

O trabalho, visto como atividade humana, aparece, nos estudos de Codo e outros(1993), como uma categoria de análise importante a ser investigada enquanto parte integrante da vida do homem, visto que o mesmo é produtor da sua própria existência e esta configura-se pelo trabalho. Codo e Sampaio(1995), na mais recente publicação, descrevem diversas pesquisas desenvolvidas pelo grupo sobre a temática do trabalho e sofrimento psíquico, organizando-as em diferentes categorias profissionais. Para eles " a

temática da saúde e da doença está, surpreendentemente e radicalmente, se renovando"(p.85); esta renovação acontece, na medida

em que "busca compreensão de um processo crítico entre saúde e

doença, assentado sobre o chão da história" (p.86).

Na questão da prevenção e promoção de saúde, já existem também publicações em número crescente, com discussões interessantes sobre essa nova perspectiva que se abre para o profissional de Psicologia. A mais recente, publicada em 1992, foi o livro " Psicologia e Saúde - repensando práticas", organizado por Florentina Coelho Braga Campos. Este livro apresenta as diferentes visões de saúde que estão permeando o atual tripé profissional - a clínica, a escolar e a organizacional em trabalhos multiprofissionais, sendo um testemunho claro da discussão que está acontecendo: como ser um profissional de saúde dentro de uma nova conceituação ecológica ou sistêmica da saúde?

Spink(1992) discutiu sobre a constituição de um novo campo de saber, o da Psicologia da Saúde. Embora a Psicologia estivesse relacionada com a definição da saúde dada pela Organização Mundial de Saúde, como disciplina, esta chega à área de saúde bem depois de outras disciplinas,

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como a Sociologia da Saúde, a Antropologia da Saúde, a Medicina Social e Preventiva.

O surgimento deste novo campo, no Brasil, está intimamente ligado à demanda da inserção do psicólogo na saúde já que, até então, a Psicologia restringia-se ao atendimento na área da saúde mental. Será em 1982, no Estado de São Paulo, o marco para esta nova configuração. A Secretaria de Saúde do Estado adotou uma política explícita de desospitalização estendendo os serviços de saúde mental à rede básica. Este fato determinou o presença dos psicólogos nos centros de saúde, que os colocou, segundo Spink(1992) diante de um impasse: " como atuar? onde atuar?: com a

comunidade, com os usuários, com os profissionais?"(p.14).

Para a autora, a Psicologia da Saúde encontra-se numa fase inicial de descoberta de novos campos de trabalho e abertura de novos horizontes, sendo necessário uma reflexão/revisão profunda das representações existentes no processo saúde/doença, a fim de que a Psicologia apropie-se de dimensões explicativas sobre este processo.

Spink1992) destacou três dimensões consideradas fundamentais: "l.

a compreensão da doença como um fenômeno coletivo, ou seja, privilegiando o discurso de uma dada sociedade sobre as enfermidades e os enfermos(...) 2. a construção do saber leigo , ou seja, os modelos explicativos que embasam as diferentes interpretações das doenças e a busca de alternativas terapêuticas(...) 3. a interface entre o saber oficial(...) e a representação da doença prevalecente em determinadas épocas e/ou grupos"(p.20). Estas dimensões, segundo a autora, permitirá à

Psicologia da Saúde construir marcos teóricos que possibilitem consolidar o trabalho do psicólogo na área.

Trabalhos, como os de Carvalho e Silva(1990), já apontavam para o desafio da atuação do psicólogo em instituições de saúde, discutindo a necessidade de aprofundar estudos a fim de que "os psicólogos

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dediquem-se à apropriação de sua ciência e que, ao mesmo tempo apropriem-dediquem-se da história dos homens para que possam perceber e entender os limites da psicologia" (p.23).

Pinheiro(1995), na discussão sobre o trabalho do psicólogo na saúde pública, retoma a definição dada pela OMS ao recurso humano na saúde, denominado como promotor de saúde . Este é visto como um "interlocutor

da população no desenvolvimento de atividades de promoção e educação para a saúde, cuidados primários e prevenção de doenças"(p.4) Isto, segundo a autora, demonstrou uma preocupação com a

saúde dos povos, especialmente os excluídos, havendo também um entendimento que esta promoção envolve profissionais e comunidade, o que significou uma participação das organizações populares e profissionais nas definições de políticas públicas de saúde. O psicólogo inserido nesta situação começa a promover discussões sobre as novas ações que envolveriam situações preventivas e de promoção de saúde.

A autora comenta sobre a ação dos profissionais de Psicologia nesta perspectiva, enfocando para o risco de dar poder excessivo a esta ação, questionando como se dá a ação que envolve a promoção de saúde. Se esta promoção for entendida como mais um 'serviço profissional', tem-se a idéia de alguém que necessita e recebe passivamente os serviços, dependendo da boa vontade dos que estão no poder. Se a promoção estiver vinculada à informação, corre-se o risco de surgir a ideologia da saúde, levando ao controle social e práticas disciplinadoras. Na definição de Pinheiro(1995)

"quem promove a saúde são as pessoas que têm o direito inalienável a ela. Este direito não é dado mas conquistado e dentro de uma sociedade cuja estrutura muitas vezes reconhece o direito em tese mas o nega de fato(...) a saúde da comunidade está contida no próprio movimento de conquistá-la"(p.6).

E os profissionais? A eles cabem criar condições para este movimento, esta conquista. As condições surgirão das ações educativas que estabeleçam

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cirsunstâncias de informação, troca, compreensão, buscando soluções dos problemas vividos pela própria comunidade. Para Pinheiro1995) " com esta

redução de poder concordo que o psicólogo pode contribuir para a promoção da saúde, principalmente quando trabalha em instituições (de saúde ou não) ou junto às populações em seu quotidiano"(p.7).

Destas discussões e indagações surge o interesse por este trabalho, porém com uma pergunta mais específica: como ser um profissional de Psicologia na Educação, inserido na proposta de promoção de saúde?

Para poder buscar responder a essa indagação, considera-se necessário aprofundar na trajetória da constituição da Ciência, especialmente a da Ciência Psicológica e suas relações com a Educação, para melhor poder compreender a relação entre a construção dos paradigmas teóricos e as ações profissionais deles derivadas. Concorda-se com Mendes(1995) sobre a importância de se resgatar a história do conhecimento da nossa área. Para ele "conhecer a saga do conhecimento na área em que trabalhamos, dá

mais sentido ao pedaço da caminhada que nos propomos fazer hoje(...) Portanto, resgatar a história ou conhecer a saga é antes de tudo, uma atitude(...)de dispormos nossas forças, a nossa inteligência e o nosso compromisso - temporais, limitado e finitos - na perspectiva do eterno, ilimitado e do infinito" (p.5).

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA.

Para falar em constituição da Ciência Psicológica, é necessário, e até mesmo imprescídivel, buscar compreender como os homens foram produzindo, ao longo da sua história, o conhecimento científico. Considera-se também fundamental esclarecer qual concepção de Homem está permeando essa trajetória. É o " homem concreto" que se caracteriza basicamente por : sua condição de pertencer à natureza ; sua condição de ser social, ou seja, é definido pelo conjunto dessas relações sociais; sua

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condição de ser histórico, onde o seu grau de desenvolvimento dependerá da estrutura social mais ampla em que ele se encontra inserido; finalmente, sua condição de pertencer à natureza mas poder se diferenciar dela, através das suas possibilidades de produzir os seus meios de sobrevivência, os quais, em última estância, serão as matrizes geradoras de todas as relações humanas estabelecidas e, conseqüentemente , da produção da cultura e do conhecimento.

Essas concepções são parte do escopo epistemológico da corrente teórica da Psicologia Sócio-Histórica que tem na base do seus pressupostos teórico o Materialismo Histórico. Marx e Engels(1980) afirmam que " A

produção de idéias, de representações e da consciência está a princípio diretamente entrelaçada com a atividade material e ao intercâmbio material dos homens, linguagem da vida real (...) Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência" ( p.

22-23).

O conhecimento referente ao mundo criado pelos homens possibilita conhecer o caminho por eles percorrido, até chegar à produção do saber científico e deste à constituição da Ciência Psicológica que, na história da sua constituição, não deixou de sofrer as influências do aparecimento da atividade científica. Considerada como um dos ramos da Filosofia até a segunda metade do século XIX, a Psicologia ganha o seu "status" científico, utilizando-se de técnicas de outras ciências, demarcada na sua origem pelas atividades desenvolvidas por Wilhelm Wundt, no Laboratório de Psicologia da Universidade de Leipzig.

Desde então, diferentes escolas foram surgindo ao longo dos cem anos de existência da Psicologia enquanto Ciência, como o funcionalismo, o estruturalismo, o behaviorismo, a Gestalt, todas com o intuito de garantir a sua versão científica para análise do fenômeno humano. As linhas filosóficas que deram sustentáculo aos diferentes sistemas teóricos que constituíram as "escolas" psicológicas foram: o idealismo, desenvolvido pelos 'mentalistas', e o materialismo mecanicista, desenvolvido pelos comportamentalistas. A

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divisão do corpo e mente, proposta por René Descartes que estabeleceu o dualismo psicofísico, acompanhou a constituição da Psicologia.

Segundo Figueiredo(1995), o projeto de Wundt (1832-1920) reconhecia uma causalidade física e também psíquica no homem, dividindo o estudo desta dualidade psicofísica em duas Psicologias separadas: a Psicologia fisiológica e experimental e a Psicologia social. O projeto de Titchener (1867-1927) dá uma ênfase à Psicologia fisiológica, não negando a existência da mente mas subjugando-a ao funcionamento do sistema nervoso.

Os psicólogos funcionalistas Dewey(1859-1952) e Angel(1869-1949) definiram a Psicologia como uma ciência que deveria estudar os processos, as operações (mentais), para compreender a adaptação existente nestas formas de interação, dentro de uma visão biológica do fenômenos. Estes projetos buscavam reforçar a definição inicial de Wundt, de diferentes formas e metodologias, da Psicologia como ciência da mente.

O comportamentalismo surge em oposição às conceituações anteriores. Watson (1878-1958) propõe que a Psicologia torne-se ciência do comportamento com o objetivo de estudar as relações do mesmo com o seu ambiente. Finalmente, outro grande projeto de Psicologia científica foi a escola psicológica denominada Gestalt, na Alemanha. Seus representantes Weitheimer (1880-1943), Koffka (1886-1941) e Kohler (1887-1967) não negavam a experiência subjetiva e buscaram estudá-la e explicá-la através do método fenomenológico. Na Psicologia da Gestalt havia o reconhecimento da experiência imediata , relacionando-a com a experiência física, biológica e sóciocultiural.

As correntes teóricas mais contemporâneas reúnem o Behaviorismo Radical de Skinner (1904-1990), a Psicologia Cognitivista de Piaget (1896- 1980), a Psicanálise de Freud (1856-1939) e a Psicologia Sócio-Histórica de Vygotsky (1986-1934). Estes teóricos tentaram superar, de forma

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diferenciada, o dualismo psicofísico, buscando uma visão mais integradora no estudo do homem.

Skinner desenvolveu um projeto marcante para a Psicologia contemporânea. A sua linha teórica era a do comportamentalismo, mas , no entanto, este projeto diferenciava do de Watson. O foco principal do behaviorismo radical é uma visão monista da questão mente-corpo. Para Skinner, a Psicologia deve estudar o comportamento dos organismos, que inclui tanto os eventos observáveis como os 'encobertos', incluindo o mundo privado das sensações, sentimentos, pensamentos, etc., desde que possam ser empiricamente detectados. No entanto, mesmo os comportamentos privados derivam-se da história de vida do sujeito, construída nas relações do mesmo com o seu ambiente. Para Skinner, a ação do homem em seu universo produz, de um lado, alterações nesse ambiente e, por outro, alterações em si próprio.

A Epistemologia Genética, teoria construída por Jean Piaget, foi um projeto importante para a Psicologia Científica. Estudando o sujeito epistêmico, ele sistematizou os grandes períodos de desenvolvimento do ser humano, no que se refere à construção do pensamento racional. Segundo Piaget(1969) "o desenvolvimento psíquico, que começa quando

nascemos e termina na idade adulta, é comparável ao crescimento orgânico: como este orienta-se essencialmente para o equilíbrio. (...) Da mesma maneira (...) a vida mental pode ser concebida como evoluindo na direção de uma forma de equilíbrio final (...) o desenvolvimento, portanto, é uma equilibração progressiva, uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior"

(p.11).

Os construtos da Psicanálise foram constituídos a partir dos dados obtidos por Freud, dos casos que ele acompanhou na clínica psiquiatria. Essas experiências fizeram com que ele entrasse em contato com vivências subjetivas de forma individual. Buscando compreender esses relatos,

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traduzidos como experiência imediata, Freud construiu uma teoria da 'psique' a nível do seu desenvolvimento e funcionamento. Segundo Figueiredo(1995)

" como esta teoria vai além do 'psicológico' e do 'vivido', esta parte de sua obra foi denominada metapsicologia"(p.60). O conceito fundamental

que a teoria psicanálitica trouxe à Psicologia foi a do inconsciente: parte integrante do sistema psíquico, onde as experiências subjetivas ficam armazenadas, desencadeando uma dinâmica constante de repressão-liberação ao consciente da pessoa.

A Psicologia Sócio-Histórica, proposta por Vygotsky, surge com propósito de dar uma nova configuração ao fenômeno psicológico, buscando na corrente filosófica do Marxismo, o paradigma básico de análise da conduta humana em seu contexto histórico, político e social. Oliveira(1995) sintetizou as idéias centrais que podem ser consideradas como pilares do pensamento de Vygotsky. São elas: "as funções psicológicas têm suporte biológico

pois são produtos da atividade cerebral ; o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais desenvolvem-se num processo histórico; a relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos" ( p.23).

Com esta breve retrospectiva dos principais projetos teóricos da

Psicologia, é possível observar que a Ciência Psicológica sempre esteve dividida em diferentes linhas de pensamento. Estas divisões não foram casuais e nem serão superadas brevemente, pois a sua constituição enquanto ciência se deu no bojo de momentos de crises, ora pendendo para uma visão biologizante, ora para uma influência ambientalista ou ainda com projetos que procuraram uma visão mais interativa dos fenômenos. Mas Figueiredo(1995) questiona: "há um lugar para uma psicologia como

ciência independente entre as demais ciências?"(p.61).

Vários psicólogos têm dado contribuições importantes sobre a constituição da Psicologia Cientifica e as suas 'crises', Todos têm procurado

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de alguma forma contribuir para novas análises sobre a Psicologia e seus desdobramentos teóricos e profissionais.

Gabbi(1986) apresenta uma discussão polêmica mas muito interessante. Ele apontou para as contradições existentes no projeto da constituição da Psicologia como ciência. Iniciando pelas diferentes definições atribuídos ao seu objeto, o autor mostra que essas diferenças dependem de fatores sócio-culturais, ou seja, a Psicologia norte-americana tem uma preocupação em defini-la como ciência, utilizando então o termo 'comportamento'; já na França, o termo referido é 'conduta' , ressaltando as interações do sujeito com o ambiente. Isto demonstra que cada teoria psicológica constitui seu objeto de forma diferente, existindo, na realidade, "Psicologias" e não uma Psicologia.

Para o autor, um obstáculo à cientificidade da Psicologia estaria na natureza histórica do seu objeto. A ciência exige busca da necessidade e da universalidade. Segundo GabbiI(1986) " para poderem fazer uma ciência

do homem, os psicólogos são levados a tomá-lo como algo a-histórico, como algo que possa ser descrito como categorias não-históricas"(p.494).

Para o autor, a Psicologia estaria dividida epistemológicamente em duas. Uma formula leis , com nível de abstração grande, onde as categorias encontradas são a-históricas e definem o domínio de aplicação; a outra formula regras, que não são falsas nem verdadeiras e referem-se ao domínio das interações simbólicas. Quando uma ocorrência contraria uma Lei, esta perde a sua legitimidade, o que não ocorre com as regras, pois " o seu

fundamento está sempre num ' dever ser' "(p.491). Gabbi(1986) considera

que muitos projetos da Psicologia, que se colocam no domínio das Leis, estariam no domínio das regras, como por exemplo, a teoria rogeriana. Conclui sugerindo que as Ciências ditas 'humanas' devem, na sua análise epistemológica, incorporar também uma análise sócio-política do fenômeno humano, para não correr o risco de inviabilizar o seu objeto de estudo.

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Iñesta(1982) discute questões ligadas ao surgimento de novas disciplinas científicas, entre elas a Psicologia e a demanda pela criação do campo social da profissão. Ao referir-se à constituição da Ciência Psicológica, o autor aponta o desnivelamento cada vez maior entre a pesquisa pura e a pesquisa aplicada, ocasionado pelo evento do capitalismo, que passou a exigir, cada vez mais rapidamente, respostas 'científicas' às questões sociais. Por isso, segundo o autor, " la psicologia irrumpió como profesión antes

de su consolidación como ciencia o ingeniería de alguna ciencia"(p.127).

Inserindo estas questões no contexto do fortalecimento do capitalismo após a segunda guerra, gerado pelo crescimento industrial, a Psicologia Diferencial ganha espaço. Assim, observa-se uma ênfase na tecnologia ou Psicologia Aplicada, através da Psicometria, que tinha por objetivo medir as aptidões e habilidades dos indivíduos, a fim de classificá-los e adequá-los às necessidades sociais emergentes. Tais aplicações, inicialmente realizadas na Educação e no exército, rapidamente se estenderam a outros setores da vida social. A expansão trouxe distorções ideológicas, visto que problemas levantados pelos instrumentos apontavam que estes problemas eram conseqüência das diferenças individuais, deixando de fora a análise das possíveis influências dos fatores sociais para estas questões.

Para Iñesta(1982), a conseqüência deste fato foi um desenvolvimento acelerado da pesquisa aplicada em detrimento da pesquisa pura, ocasionando as chamadas 'crises de identidade' na inserção profissional da Psicologia. O resgate da Psicologia, enquanto uma profissão, exigiria uma integração 'orgânica' da Psicologia aplicada com o corpo epistemológico da Psicologia numa perspectiva interdisciplinar, devido à natureza mediada da Psicologia profissional com outras áreas do conhecimento.

Outra discussão interessante foi a realizada por Figueiredo(1992) discutindo a invenção do fenômeno psicológico ou da subjetividade contemporânea. Para ele " de variadas maneiras, a história dos estudos

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psicológicos está entrelaçada com a história da modernidade e as suas vicissitudes. São múltiplas as relações das 'psicologias' com os movimentos em expansão e, principalmente, como veremos, de retraimento das virtudes morais, pois foi exatamente deste duplo movimento que nasceu o 'psicológico' "(p.26).

Segundo o autor, o contexto histórico- cultural do século XIX propiciou o desenvolvimento do projeto epistemológico da modernidade, em particular o da Ideologia Iluminista e o Romantismo, colocando o homem diante de um dilema: sentir-se protegido enquanto parte integrante da coletividade no sistema feudal, ou virar indivíduo, cidadão livre da nova sociedade burguesa e mercantil, mas solitário e desprotegido.

A economia mercantil criou as condições do aparecimento da individualização, na medida em que, segundo Figueiredo(1992), " para que

existam trabalhadores necessitados de garantir a própria sobrevivência, alugando sua força de trabalho, é preciso que eles tenham perdido suas condições mais antigas de vida e produção"(p.24).

Isso se concretiza com o rompimento das formas pré-capitalista de produção, onde a mesma era coletivizada, passando a existir a figura do trabalhador livre.

As Ideologias Liberal - Iluminista e Romântica dão sustentação a essa nova concepção de homem. A primeira destaca que os homens são livre e com direitos iguais; a segunda preconiza que essa liberdade dos homens garante também a diferença entre eles. A idéia de homem no projeto epistemológico da Modernidade é de um ser livre e com direitos, sendo um deles o de ser diferente.

O homem vê-se, então, diante do dilema anunciado anteriormente: protegido pela coletividade onde está integrado, na sociedade feudal, ou livre, no projeto da modernidade, mas desamparado e solitário. Desse dilema nasce a subjetividade privatizada, o fenômeno psicológico, criando o terreno

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adequado à constituição de uma Psicologia Científica. Através da subjetividade privatizada o homem foi construindo, ao longo do século, a consciência da sua própria existência, cristalizando uma imagem de seres autonômos e dotados de desejos e intenções. Mas com o tempo, segundo Figueiredo(1992), é possível verificar que " esta imagem é completamente

ilusória, e uma das tarefas da psicologia será talvez a de revelar esta ilusão"(p.20).

O aspecto ideológico que impregnou a Psicologia durante a Revolução Industrial foi apontado por Merani(1977), citando os grandes construtores teóricos da Ciência Psicológica. Para o autor, os projetos psicológicos de Bergson, Wundt, James, Watson, cada um embuído do espírito da sua época, acabaram alicerçando uma visão alienante do homem.

Merani(1977) considera que a Psicologia é uma das disciplinas fundamentais para o conhecimento do homem, mas ao se afastar " da sua

função histórica, concentrando-se na prática de especulações gerais, desvirtua o próprio princípio do saber, anula-se como conhecimento científico e filosófico para converter-se em máscara humanizadora da tecnocracia. Consciente ou inconscientemente, portanto, os psicólogos estão a serviço da alienação e fazem da psicologia um instrumento de poder"(.p1-2).

Ainda dentro do aspecto ideológico, Patto(1984) buscou esclarecer a unidade ideológica da Ciência Psicológica, para além das críticas feitas à Psicologia, sob a sua heterogeneidade teórico-metodológica. Para a autora, a heterogeneidade que aparenta uma falta de unidade no seu escopo teórico, acaba por definir a sua identidade; mas, subjacente a essa questão parece haver " uma homogeneidade mais definidora da sua natureza e do seu

papel social" (p.97), que é a sua unidade ideológica. Um exemplo disso é

que, tanto no Behaviorismo como no Humanismo, a ideologia adaptacionista se faz presente. Na primeira, a analogia do "campo natural" com o "campo social", traduzindo sua função racionalizadora e adaptadora às circunstâncias

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vigentes. Na segunda concepção, aparecem os traços adaptacionista revestidos dos conceitos de "solidariedade" e "participação".

O caso da Psicologia Escolar, para Patto(1984), confunde-se com a própria origem do advento da Psicologia Científica. O surgimento da sociedade industrial exige novas demandas de trabalho e mão de obra; para tanto torna-se necessário a criação de critérios objetivos que propiciem a seleção e o recrutamento da mesma. Segundo a autora , " (...) a Psicologia

nasce com a marca de uma demanda: a de prover conceitos e instrumentos 'científicos' de medida que garantam a adaptação dos indivíduos à nova ordem social"(p.96).

Os estudos desenvolvidos por Binet e Galton, sobre as diferenças individuais, já apontavam para uma resposta à demanda solicitada, na medida em que começava a aparecer um preocupação em direcionar o conjunto dos conhecimentos teóricos-práticos da Psicologia , para o aperfeiçoamento da seleção e orientação profissional. A partir daí os trabalhos vão cada vez mais se aperfeiçoando, surgindo, em 1905, a primeira escala métrica da inteligência infantil, desenvolvida por Binet e Simon, na França. Esse fato, para Patto(1984), é o passo para a " constituição do

primeiro método da Psicologia Escolar, do qual até hoje não se libertou: a psicometria" (p.97).

A versão americana dos testes tem em J.M. Catell o seu principal representante. Catell já realizava medidas desde 1889, o que para muitos o faz antecessor de Binet. Sua influência foi decisiva no movimento americano de seleção dos mais aptos, especialmente no ambiente escolar. Mas Binet havia avançado ao permitir o cálculo da 'idade mental', sendo este cálculo aperfeiçoado em 1912 pelo americano C.M. Terman, através do Quoeficiente de Inteligência - Q.I. , e a sua utilização tona-se logo revestida de noções ideológicas. O próprio Binet advertiu para o risco do pré-determinismo, mas os principais teóricos envolvidos nesses estudos, influenciados pela teoria

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evolucionista de Darwin , acabaram por dar fortes conotações deterministas à questão da inteligência.

A Psicologia Escolar estabeleceu sua função nos sistemas de ensino da Europa, Estados Unidos e mesmo no Brasil, baseada nesses estudos, o que a fez desempenhar o papel, segundo Patto(1984), "de medir

habilidades e classificar crianças quanto à capacidade de aprender e progredir pelos vários graus escolares"(p.99).

Nesta perspectiva, a Psicologia aplicada à Educação ajudou a mascarar as verdadeiras causas do fenômeno do fracasso escolar, visto que através da psicometria tornou-se possível dar respostas individuais à questões educacionais e sociais. Este modelo esteve impregnado da visão tradicional de saúde e doença e o fracasso escolar acabou sendo 'a doença' da escola, sendo o psicólogo o seu diagnosticador.

Segundo Maluf(1994), a Psicologia aplicada à Educacão começou a sofrer críticas sobre os resultados obtidos dos seus estudos sobre as teorias de aprendizagem, teorias do desenvolvimento da criança e teorias das diferenças individuais. A principal crítica foi a da fragmentação dos dados obtidos e das dificuldades em aplicá-los à realidade educacional.

"Começa-se a reconhecer, nas relações entre a psicologia e a Educação, o influxo unidirecional da primeira sobre a segunda: a Psicologia não está conhecendo suficientemente a ação educacional. "(p.159).

Para poder entender esse 'influxo unidirecional' entre Educação e Psicologia, é fundamental primeiro conhecer as diferentes etapas histórico-sociais que sedimentaram o campo de relações entre a Educação e a Psicologia no Brasil, para depois entender como essas intersecções foram criadas e quais foram as suas consequências. A partir desse mapeamento, poderá ser possível analisar criticamente as práticas e teorias revestidas do caráter ideológico.

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O aparecimento das idéias pedagógicas e psicológicas no Brasil, que deram sustentação aos diferentes sistemas de ensino, entrelaçam-se através das principais correntes teóricas que emergiram nos diferentes momentos educacionais, desde a época do Império. Esse percurso não pode ser entendido de forma linear, mas como produto das contradições presentes em cada período, tendo como foco o movimento histórico que estava ocorrendo na época em questão.

Os diferentes movimentos históricos envolvidos nesses

acontecimentos vão refletir as etapas para a consolidação de uma nova ordem: a da sociedade capitalista, sendo que esta concretiza a sua visão de mundo através do pensamento liberal. O liberalismo, segundo Cunha (1977), representa “um sistema de idéias elaboradas por pensadores

ingleses e franceses no contexto das lutas de classe da burguesia contra a aristocracia”(p.27). Os valores máximos da doutrina liberal,

assumidos a partir do século XVIII e fortalecidos com a Revolução Francesa, são: individualismo, liberdade, propriedade, igualdade e democracia.

Esses movimentos serão o pano de fundo para o entendimento da trajetória das correntes filosóficas que estiveram subjacentes aos diferentes momentos educacionais, tendo em vista que a escola passa a ter a sua existência concreta a partir desses momentos, como instrumento importante para a concretização da burguesia no poder, tornando-se não só a classe dominante, mas também classe hegemônica que busca a realização dos ideais do liberalismo.

Esta hegemonia vai concretizando-se através da ideologia burguesa, ou seja, a visão de mundo da classe dominante passa a ser compartilhada pelo conjunto da sociedade, enquanto valor universal. No entanto, tal fato não ocorre sem antagonismos e contradições numa sociedade marcada pela divisão de classes. Nessa perspectiva, os momentos históricos em que emergiram diferentes concepções educacionais e psicológicas, refletem os

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