• Nenhum resultado encontrado

"Redondo é sair do seu passado": leituras de gênero sobre a campanha publicitária Reposter da Skol

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share ""Redondo é sair do seu passado": leituras de gênero sobre a campanha publicitária Reposter da Skol"

Copied!
101
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – HAB: PUBLICIDADE E

PROPAGANDA

Giulia Coelho Fortes

"REDONDO É SAIR DO SEU PASSADO": LEITURAS DE GÊNERO

SOBRE A CAMPANHA PUBLICITÁRIA REPOSTER DA SKOL

Santa Maria - RS

2018

(2)

Giulia Coelho Fortes

"REDONDO É SAIR DO SEU PASSADO": LEITURAS DE GÊNERO SOBRE A CAMPANHA PUBLICITÁRIA

REPOSTER DA SKOL

Monografia apresentada à Comissão de Trabalho de Conclusão de Curso do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) como requisito básico para a obtenção do Grau de Bacharel em Comunicação Social – Hab: Publicidade e Propaganda.

Orientadora: Profª. Drª. Milena Carvalho Bezerra Freire de Oliveira-Cruz

Santa Maria – RS 2018

(3)

Giulia Coelho Fortes

"REDONDO É SAIR DO SEU PASSADO": LEITURAS DE GÊNERO SOBRE A CAMPANHA PUBLICITÁRIA REPOSTER DA SKOL

Monografia apresentada à Comissão de Trabalho de Conclusão de Curso do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) como requisito básico para a obtenção do Grau de Bacharel em Comunicação Social – Hab: Publicidade e Propaganda.

Aprovado em: 3 de dezembro de 2018.

__________________________________________

Profª. Drª. Milena Carvalho Bezerra Freire de Oliveira-Cruz (UFSM) (Presidenta/Orientadora)

__________________________________________ Profª. Drª. Laura Hastenpflug Wottrich (UFRGS)

__________________________________________ Profª. Drª. Pauline Neutzling Fraga (UFN)

(4)

AGRADECIMENTOS

De nada vale o destino se não considerar a trajetória. Chega ao fim uma fase que, mal sabia eu, havia começado muito antes de 2015. A convivência com a publicidade desde o âmbito familiar se estendeu até o ingresso em um curso marcado por pessoas e experiências incríveis.

Agradeço à minha família, em especial à minha mãe Ana Maria, exemplo de afeto e de zelo incondicionais, cuja essência batalhadora é inspiração diária; ao meu pai, Marcelo, não somente pelos conhecimentos compartilhados sobre publicidade, mas por ter, despropositadamente, despertado em mim a minha vocação profissional da forma mais amorosa possível. Ao meu primo, Kim, que mesmo vendo o mundo de formas tão diferentes, conseguimos conciliar nosso convívio com companheirismo e ótimas risadas. À minha tia, Regina, por sempre ter palavras e gestos de carinho prontos para serem oferecidos, não poupando na dose.

Ao meu namorado, Moisés, que decifra os meus passos como se fossem dele e ainda os compreende de uma maneira incomparável. Obrigada pela sintonia instantânea que dura até hoje e por me proporcionar amor de uma forma tão genuína. Aos meus amigos que, felizmente, são muitos e que permanecem comigo graças às forças que cruzaram nossos caminhos. Obrigada a todos pelas histórias compartilhadas, companheirismo e amizade que moldaram a mulher que sou hoje.

Aos meus amigos da faculdade que tornaram-se parte fundamental da minha construção e evolução pessoal: Bruna, Carolina, Cássio e Monalisa. Sem vocês, o caminho seria tortuoso e bem menos divertido. Obrigada por diariamente fazerem eu extrair uma versão de mim que busca oferecer sempre a melhor Giulia para vocês. Eu sou o que nós somos! Sou grata também à Bianca, Elena, Júlia, Paulo e Victória, pelas inúmeros bons momentos compartilhados e que completaram o círculo de amizades incríveis que fiz na minha graduação.

À minha orientadora e amiga, Milena, pela paciência em ensinar e pelo notável amor por colaborar na formação profissional e pessoal de seus alunos. Agradeço pela confiança, pelos delineamentos em busca de um trabalho que correspondesse às minhas expectativas e, é claro, pelos bons momentos. Você é inspiração para mim.

Às membras que compõem a banca avaliadora, agradeço a disponibilidade em fazer parte da minha transição profissional e à atenta leitura que culminou em importantes considerações para este trabalho.

(5)

Não se pode ter seletividade quando o assunto é combate ao machismo.

(6)

RESUMO

"REDONDO É SAIR DO SEU PASSADO": LEITURAS DE GÊNERO SOBRE A CAMPANHA PUBLICITÁRIA REPOSTER DA SKOL

AUTORA: Giulia Coelho Fortes

ORIENTADORA: Milena Carvalho Bezerra Freire de Oliveira-Cruz

Com a interação dos meios de comunicação com a sociedade, a publicidade está presente na experiência cotidiana vinculada à cultura do consumo, modelada de acordo com fatores econômicos, sociais e culturais. A publicidade enquanto prática comunicativa da cultura é observada de acordo com os Estudos Culturais, cuja análise é feita pelas práticas de recepção, que correspondem às leituras do conteúdo publicitário pelos receptores. As representações de gênero sociais, culturais e históricas são articuladas com a publicidade e comumente ilustradas pelo uso de estereótipos de gênero que inferiorizam a mulher perante o homem, tendo como exemplo as marcas de cerveja que carregam em seu histórico a sexualização e a objetificação feminina. A Skol é uma dessas marcas que fazia uso de representações sexistas, porém, reposicionou-se no mercado descontruindo a ideia de mulher como objeto, como mostra a campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado”, tema deste trabalho. Dessa forma, objetivo deste trabalho é compreender, sob a perspectiva das desigualdades de gênero, como se deu a apropriação dos sentidos da campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado” por parte de seu público consumidor. A metodologia utilizada foram técnicas projetivas associadas a dois grupos focais, compostos por jovens universitários consumidores de cerveja e separados por gênero (homens e mulheres). Como resultado, as representações da mulher na campanha foram interpretadas pelo público consumidor feminino e masculino, em sua maioria significativa, de forma favorável, pois as mensagens contidas no material são carregadas de significações que refletem o ideal da imagem feminina na publicidade de cerveja. Portanto, foi possível afirmar que as leituras feitas pelos participantes no que diz respeito à publicidade de cerveja e à campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado” proporcionaram a observação de desigualdades de gênero no contexto em que circula a publicidade.

Palavras-chave: Recepção publicitária. Representações de gênero. Publicidade de cerveja. Skol.

(7)

ABSTRACT

"REDONDO É SAIR DO SEU PASSADO”: GENDER READINGS ABOUT A SKOL ADVERTISING CAMPAIGN “REPOSTER”

AUTHOR: Giulia Coelho Fortes

SUPERVISOR: Milena Carvalho Bezerra Freire de Oliveira-Cruz

With the interaction of the media with society, advertising is present in daily experience linked to the culture of consumption, modeled according to economic, social and cultural factors. Advertising as a communicative practice of culture is observed according to the Cultural Studies, whose analysis is done by the reception practices, which correspond to the appropriation of the advertising content by the receivers. Social, cultural, and historical representations of gender are articulated with advertising and are commonly illustrated by the use of gender stereotypes that inferiorize women to men. Beer brands carry in their history the use of the sexualization and the objectification of women. Skol is a brand of beer that made use of these representations, but it has repositioned itself in the market, dismantling the idea of woman as object, as shown in the campaign "Reposter – Redondo é sair do seu passado", theme of this work. The objective of this work is to understand, from the perspective of gender inequalities, how the appropriation of the senses of the campaign Reposter – Redondo é sair do seu passado" by its consuming public. The methodology used was projective techniques associated with two focus groups (composed of university students who consumed beer) separated by gender (men and women). As a result, the representations of women in the campaign were interpreted by both female and male consumers, in a significant majority, in a favorable way. The messages contained in the material are full of meanings that reflect the ideal of the female image in beer advertising. Therefore, it was possible to affirm that the readings made by the participants provided the observation of gender inequalities in the context the publicity circulates.

(8)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Representações da mulher em anúncios publicitários...39

Figura 2 – Representações da mulher em anúncios publicitários...39

Figura 3 – Representações da mulher nos anúncios voltados ao público feminino...40

Figura 4 – Representações da mulher nos anúncios voltados ao público feminino...40

Figura 5 – Representações da mulher nos anúncios voltados ao público feminino...40

Figura 6 – Lata em folha de flandres e lata em alumínio da Skol...49

Figura 7 – Anúncio posicionado estabelecimentos de comercialização de cerveja....50

Figura 8 – Anúncio com a chamada “Se o cara que inventou a tarja de censura bebesse Skol, ela não seria assim. Seria assim”...51

Figura 9 – Anúncio com a chamada “Se o cara que inventou o bebedouro bebesse Skol, ele não seria assim. Seria assim”...52

Figura 10 – Repúdio de internautas a peças da campanha “Esqueci o ‘não’ em casa”... ..54

Figura 11 – Reformulação dos anúncios da campanha “Esqueci o ‘não’ em casa”...55

Figura 12 – Campanha #RespeitoIsON - Dia do Orgulho LGBT...57

Figura 13 – Ação “Skolors”...59

Figura 14 – Ação “Skolors”...59

Figura 15 – Campanha “Viva a diferença”...59

Figura 16 – Story board da campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado"...60

Figura 17 – Releitura da ilustradora Camila do Rosário para a campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado”...61

Figura 18 – Releitura da ilustradora Manuela Eichner para a campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado”...62

Figura 19 – Mapa de mediações proposto por Martín-Barbero (2006)...66

Figura 20 – Principais características de um grupo focal...70

Figura 21 – Eixo sobre cerveja aplicado nos grupos focais...72

Figura 22 – Eixo sobre publicidade de cerveja aplicado nos grupos focais...72

Figura 23 – Eixo sobre Skol aplicado nos grupos focais...74

Figura 24 – Técnicas projetivas sobre cerveja aplicadas nos participantes...76

Figura 25 – Técnicas projetivas sobre publicidade de cerveja aplicadas nos participantes...76

(9)

LISTA DE FIGURAS

Figura 26 – Técnicas projetivas sobre publicidade de cerveja aplicadas nos participantes...77 Figura 27 – Técnicas projetivas sobre Skol aplicadas nos participantes...77

(10)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Perfil do público do grupo focal feminino...71 Tabela 2 – Perfil do público do grupo focal masculino...71

(11)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 GÊNERO ... 14

2.1 GÊNERO: DO BIOLÓGICO AO SOCIAL ... 14

2.2 CONCEITUANDO GÊNERO ... 19

2.3 O GÊNERO E AS RELAÇÕES SOCIAIS ... 20

3 MÍDIA ... 25

3.1 O GÊNERO E A MÍDIA ... 25

3.2 DISCURSOS MIDIÁTICOS SOBRE A REPRESENTAÇÃO FEMININA ... 27

4 PUBLICIDADE ... 33

4.1 A PUBLICIDADE COMO ESPELHO DA CULTURA ... 33

4.2 A RELAÇÃO ENTRE PUBLICIDADE E GÊNERO ... 38

4.2.1 O movimento de empoderamento feminino ... 42

5 SKOL ... 47

5.1 A PUBLICIDADE DE CERVEJA ... 47

5.2 A MARCA SKOL: ANTES E DEPOIS DO SEU REPOSICIONAMENTO ... 49

5.2.1 Campanhas anteriores ... 51

5.2.2 O reposicionamento da marca skol e suas transformações publicitárias ... 57

6 RECEPÇÃO E METODOLOGIA ... 64

6.1 ESTUDOS DE RECEPÇÃO ... 64

6.2 SOCIALIDADE E RITUALIDADE ... 67

6.3 GRUPO FOCAL E TÉCNICAS PROJETIVAS ... 70

7 ANÁLISE DOS RESULTADOS ... 80

7.1 CONSUMO DE CERVEJA ... 80

7.2 RELAÇÃO COM A PUBLICIDADE ... 81

7.3 SKOL ... 86

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 89

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 93

(12)

1 INTRODUÇÃO

Diante de um cenário caracterizado pela interação e vinculação dos meios de comunicação com a sociedade, é importante entender a relevância da publicidade neste contexto, a qual compõe um sistema cultural e simbolicamente organizado de sentidos, sendo definida por forças e fluxos atuantes no mundo social (CORRÊA, 2011). O contato com a publicidade se dá de forma corriqueira, com anúncios presentes no dia a dia em diferentes espaços, plataformas e suportes. Isso colabora para que esta prática de comunicação ocupe um papel importante na constituição da experiência cotidiana vinculada inerentemente à cultura do consumo.

A publicidade é um importante processo comunicativo constitutivo de práticas culturais que compreendem um status social formado por fatores econômicos, sociais e culturais (PIEDRAS & JACKS, 2005a). Isso sugere que somente é possível entender as suas lógicas operantes quando ela é submetida a uma análise que considera tais fatores. Para tanto, a publicidade deve ser observada por meio dos Estudos Culturais, os quais abarcam uma perspectiva da comunicação como reflexo da cultura, tendo as práticas de recepção como um de seus processos de análise (ibidem). As práticas de recepção correspondem às leituras das mensagens publicitárias por parte dos receptores, podendo contar com múltiplas lógicas operantes em função das diversas leituras que os sujeitos podem realizar (idem, 2005b).

Assim, as construções simbólicas produzidas pelos canais midiáticos exploram as representações do imaginário refletidas na experiência cotidiana, formulando ideologias (ROCHA, 2001) e criando conexões entre as dimensões culturais, econômicas e sociais. É nesse contexto que as representações de gênero, construídas de maneira social, cultural e histórica, são articuladas com a publicidade. Uma observação importante é que, para este trabalho, utilizamos “gênero” de acordo com a classificação de Verbena (2004), que apontou o deslocamento do estudo empírico de “mulheres” para o objeto teórico “gênero”, sendo este considerado uma categoria de contribuição teórica relevante nos estudos atuais de feminismo. Assim, a articulação da publicidade com o gênero traz representações distintas sobre os homens e as mulheres, as quais indicam a naturalização de relações de poder e dominação entre os gêneros masculino e feminino. Os anúncios publicitários classificam a identidade feminina como contraposta e inferior à do homem, além de comumente serem ilustrados pelo uso de estereótipos de gênero, o que reforça o

(13)

androcentrismo dos papéis sociais (OLIVEIRA-CRUZ, 2017). Esse mecanismo perpetua-se há muito tempo na publicidade, e o segmento de publicidade de cerveja colabora com essa manutenção.

As marcas do ramo cervejeiro carregam em seu histórico constantes relações pejorativas entre seu produto e a imagem da mulher (WARMLING & BARRAGAN, 2012). Nelas, é reforçado o papel das mulheres como objetos sexuais e subordinadas às vontades masculinas, além da presença da forte sexualização como recurso atrativo para os homens heterossexuais, público majoritário dessas marcas (VISENTINI, FENNER & OLIVEIRA, 2017). Uma vez que a cerveja não é um produto erótico, é possível afirmar que as características fornecidas à mulher nessas representações deslocam-se para o produto, oferecendo-a como isca para o consumo. Assim, a recorrente objetificação da mulher nos comerciais de cerveja reflete o mecanismo da mídia em compor o imaginário sexualizado em torno do feminino.

A Skol, por sua vez, é uma marca de cerveja que fazia uso dessas representações. Campanhas com atenção voltada para o corpo feminino retratado de maneira objetificada, originário de um processo de criação com viés claramente machista. Em uma de suas campanhas de carnaval, a Skol veiculou uma peça que sugeria “esquecer o não em casa” na folia, o que foi considerado como apologia ao estupro. A campanha saiu do ar graças à enorme repercussão negativa, a maioria advinda de mulheres, e a marca se viu obrigada a mudar a maneira como se posicionava no mercado. Para isso, foi necessário pensar diferente para adequar-se à nova linguagem e às novas demandas da sociedade atual.

Dessa forma, a Skol foi a primeira marca brasileira a reposicionar-se no segmento de cervejas e suas campanhas atuais descontroem a ideia de mulher como objeto. Uma dessas campanhas foi a “Reposter – Redondo é sair do seu passado”, cuja repercussão é tema deste trabalho. Nela, seis ilustradoras são convidadas pela Skol a fazerem uma releitura própria de pôsteres antigos da marca, estes alinhados com o posicionamento anterior. O trabalho e o depoimento das artistas elucidam a importância de uma abordagem adequada da mulher em propagandas e a desconstrução de estereótipos deturpados.

O problema de pesquisa deste trabalho consiste em compreender de que forma as representações da mulher na campanha Reposter da Skol foram interpretadas pelo

(14)

público consumidor feminino e masculino? Essas leituras possibilitam observar desigualdades de gênero no contexto em que circula a publicidade?

O objetivo geral baseia-se em compreender, sob a perspectiva das desigualdades de gênero, como se deu a apropriação dos sentidos da campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado”, da Skol, por parte de seu público consumidor.

a. Analisar anúncios anteriores da Skol com a campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado” a fim de identificar mudanças do discurso publicitário por meio dos posicionamentos e conceitos abordados.

b. Mapear aspectos pertinentes sobre a representação da mulher em produtos midiáticos, principalmente no segmento de marcas de cerveja

c. Experimentar técnicas projetivas associadas ao grupo focal com o intuito de perceber as relações presentes entre as leituras das mensagens e as construções sociais e culturais de gênero dos receptores.

d. Realizar uma análise comparativa dos dados considerando as diferenças e semelhanças nas leituras conforme o gênero com os quais os entrevistados se identificam.

Para tanto, foi feita a contextualização sobre gênero, a elucidação dos discursos midiáticos sobre a representação feminina e a articulação da publicidade enquanto prática comunicacional cultural. O objeto de pesquisa é, então, apresentado e contextualizado e é feito o apontamento dos estudos de recepção pertinentes a este trabalho, finalizando o embasamento teórico. Por fim, a metodologia é apresentada, que consistiu em aplicar técnicas projetivas associadas a dois grupos focais, compostos por jovens universitários consumidores de cerveja e separados por gênero (homens e mulheres). Por fim, os resultados obtidos são discutidos.

A justificativa para o tema se deu graças a estudos prévios das pesquisadoras com a temática de gênero, encontrando na marca Skol uma oportunidade de explorar pontos congruentes entre tais estudos, conciliá-los com a publicidade e propaganda e analisá-los sob um viés mercadológico. A escolha pela Skol foi graças ao pioneirismo da marca no reposicionamento do segmento de cervejas. Assim sendo, foi possível articular o conhecimento prévio das pesquisadoras sobre gênero com a publicidade através da análise da campanha da Skol “Reposter - Redondo é sair do seu passado”.

(15)

2 GÊNERO

2.1 GÊNERO: DO BIOLÓGICO AO SOCIAL

São muitos os debates sobre a conceituação da palavra “gênero”. Estudiosas e estudiosos feministas têm se dedicado a explicar, sob diferentes perspectivas, as implicações de conceituar gênero para entender as questões sociais, políticas e econômicas que estão imbricadas na relação entre os sexos na sociedade.

Como princípio, é importante entender que essa construção funda uma oposição entre o feminino e o masculino. Os dois sexos assumem valores diferentes, nos quais o masculino aparece sempre como superior ao feminino (COLLING, 2004). As raízes dessa dicotomia sexual encontram-se no determinismo biológico, conceito que afirma que as diferenças genéticas são a causa das diferenças culturais. Simone de Beauvoir (2016) contextualiza a construção social da inferiorização da mulher a partir de fundamentos biológicos. A autora elucida dados biológicos oriundos da reprodução e embriologia e os projeta para a realidade social, assegurando dilemas entre o natural e o cultural. Ela ressalta que o termo “fêmea” é pejorativo por confinar a mulher a seu sexo, o que ocorre desde o momento em que o patriarcado foi posicionado no cerne da reprodução. Uma vez’ que o gameta masculino é o que faz a movimentação até o gameta feminino, criou-se a ideia de que a figura masculina é a de criador, a de provedor da “semente da vida”. Isso conferiu ao homem o princípio de força e à mulher o de passividade, pois o único papel feminino na reprodução seria carregar e gerar um princípio ativo já perfeitamente constituído (BEAUVOIR, 2016). Simone contrapõe tais ideias ao assegurar que ambos os gametas, masculino e feminino, possuem funções equivalentemente importantes. Prova disso é que estes geram organismos femininos e masculinos igualmente distribuídos em sua espécie, com profunda simetria e evolução discorrida de maneira análoga.

Devido a estes conceitos biológicos restringirem a mulher à sua natureza, ou seja, à maternidade e ao parto, pode-se entender como a reflexão sobre origens da subordinação feminina se voltaram para a sua capacidade reprodutiva (PISCITELLI, 2002). Desse modo, é possível afirmar que a fecundidade da mulher foi constituída como um empecilho à liberdade feminina. Por estarem condenadas à sua natureza biológica, a construção simbólica das mulheres foi moldada em situações submissas. As características inerentes dessa natureza da mulher também são as causas da do

(16)

título de “mais sensível do que racional” (COLLING, 2004, p. 22). Por isso, a mulher é a fêmea mais individualizada das espécies, a mais fora deste conjunto, pois possui implicações culturais, sociais e políticas na sua história.

Alguns dados fisiológicos (como menor massa muscular e transformações hormonais) revelam que o corpo da mulher se mostra inteiramente diferente do corpo do homem e não podem ser negados, porém, não têm sentido entre si. Por conta disso, nos animais superiores, a existência individual se afirma mais rigorosamente no macho. E, entretanto, em um contexto de humanidade, as possibilidades de cada indivíduo independem da biologia, mas sim de contextos sociais, culturais, históricos e econômicos. Tudo o que foi aqui elucidado são elementos que contextuam a conjuntura na qual a mulher está inserida e, portanto, fundamentais para compreender a subordinação da mulher à espécie. Na sociedade, portanto, não há diferença entre os sexos, o que existe é um grande esforço para dar sentido a todas essas diferenças apresentadas.

Assim, a sociedade construiu o papel feminino a partir do seu corpo e de sua condição natural, fechando-a na reprodução e na afetividade. Foi desse modo, segundo Colling (2004), que as mulheres se viram limitadas a seu papel maternal e doméstico. E, de acordo com Piscitelli (2002), é por isso que as funções reprodutivas femininas aparecem no cerne da produção e desigualdade social. O corpo feminino é o centro de onde emana e para onde converge a opressão e desigualdade sexuais.

A fisiologia, por si só, não é capaz criar valores. Contudo, quando inseridas em uma esfera social, econômica e política e submetidas a tabus e leis, as habilidades das mulheres são questionadas em função da formação biológica do seu corpo. Para Butler (1998), que destoa de diversos(as) estudiosos(as) da temática, o gênero possui um caráter in fluxo, pois assume um corpo ou um estilo ativo de viver este corpo no mundo, sendo este um ato de incorporação da realidade cultural carregada de sansões, tabus e prescrições. Sendo assim, para a autora, o gênero é um gesto performativo que produz significados, não podendo ser compreendido fora do constructo cultural, ou seja, desvinculado de ser construído como um objeto de percepção de construção puramente mental, o qual, neste caso, é imposto diretamente sobre a superfície matéria – corpo – sexo (BUTLER, 1998).

Simone de Beauvoir (2016), ciente destes desafios, formulou a antológica frase “Ninguém nasce mulher; torna-se mulher” a fim de elucidar o quanto a mulher é alienada pela sua condição histórica e é enclausurada em papéis que lhe são

(17)

designados, sendo obrigada a se submeter à condição de objeto e passividade. O fato de que alguém se torna uma mulher fez Beauvoir denunciar o caráter superficial da categoria “mulher”, e que esta encontra-se confinada à sua espécie e a seu papel maternal, “aprendendo a ser mulher” por meio do reforço de gestos, posturas e expressões que lhe são transmitidos ao longo da vida.

A frase também ensejou que algumas teóricas feministas como a historiadora Joan Scott (1995) dissertassem sobre o estabelecimento da diferença entre "sexo" e gênero ("diferença sexual socialmente construída"), desafiando e questionando a noção de que a biologia é determinante para os papéis atribuídos às mulheres e de que existe uma "essência feminina". Assim como Simone, Scott não nega que existem diferenças entre os corpos sexuados. Porém, ambas concordam que o que interessa são as formas como se constroem os significados culturais para tais diferenças, além de enfatizarem o já mencionado esforço para dar sentido a essas relações hierárquicas. A historiadora afirma que todo este processo de diferenciação sexual socialmente construído surgiu, inicialmente, porque a história das mulheres foi desenvolvida separada da dos homens, restrita ao sexo e à família e, portanto, desvinculada totalmente da história política e econômica, o que resultou em um leque de papéis e simbolismos de ambos os sexos nas diferentes sociedades e períodos (SCOTT, 1995). Tal qual afirmou Colling (2004), a história das mulheres é recente, sendo constituída às margens da dos homens e por eles escrita. Por ser uma ciência com caráter construtivo, ela abrange sujeitos diferentes em sexo, raça e classe, o que gera interpretações e reinterpretações baseadas em relações de poder.

Dessa maneira, fica evidente os valores diferentes assumidos pelos dois sexos, uma vez que o masculino foi historicamente moldado como superior ao feminino. Criou-se um universalismo o qual hierarquizou as diferenças entre os sexos, transformando-as em desigualdade e mascarando o privilégio masculino (COLLING, 2004). Isso torna praticamente impossível estudar a mulher sem estudar o homem. O estudo do feminino implica, inerentemente, o estudo do masculino, pois o mundo das mulheres está englobado no mundo dos homens pelo fato de ter sido por ele criado. Dessa forma,

Inscrever as mulheres na história implica necessariamente a redefinição e o alargamento das noções tradicionais para incluir tanto a experiência pessoal e subjetiva quanto as atividades públicas e políticas. [...] Uma tal metodologia implica não somente uma nova história de mulheres, mas também uma nova história (GORDON, BUHLE E SHROM apud SCOTT, 1995, p. 73).

(18)

Um fator de grande relevância que aparece como causa da opressão feminina foi a legitimação do patriarcado, um princípio global e unitário de poder no qual posiciona o homem de modo hierárquico e predominando poderes primários (social, político, econômico, etc), sendo considerado um sistema de dominação social. O patriarcado também pode ser concebido como um "sistema político quase místico, invisível, trans-histórico e transcultural, cujo propósito seria oprimir as mulheres" (PISCITELLI, 2002, p. 7), e o pensamento feminista procurou nele uma ideia de origem da opressão feminina. Piscitelli (2002) ainda faz uma analogia entre o capitalismo e o patriarcado, pois este está constantemente se desenvolvendo e mudando em função das relações de produção. O capitalismo, por sua vez, é um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção e de sua operação com fins lucrativos que se apoia na hierarquia patriarcal. Por conta disso, de acordo com Souza (2016), “as funções de reprodução social (vida privada) se tornam função exclusiva das mulheres, ao passo que as tarefas da produção da vida (vida pública) se tornam função dos homens”. Este processo simbiótico entre capital e patriarcado faz a cisão do local de trabalho e a casa. Assim, fica claro o quanto o corpo feminino tornou-se uma pré-condição necessária para a permanência da opressão patriarcal, pois, ainda relacionado a fatores naturais, a reprodução é uma forte causa da legitimação deste sistema social, bem como a “domesticação” da mulher. É possível vincular, portanto, estes fatores naturais à maneira como os seres humanos se reproduzem, resultando em uma significativa diferença entre os papéis sociais e econômicos e o poder político dos homens e das mulheres. Desse modo, para libertar as mulheres, é necessário que elas derrotem o patriarcado (e adquirissem o controle sobre a reprodução) para, assim, eliminar não apenas o privilégio do homem, mas a própria distinção sexual. Foi através de perspectivas assim que, em termos políticos, os lugares sociais das mulheres foram imbuídos em condições subalternas em relação aos mundos masculinos, o que indica uma subordinação feminina universal (PISCITELLI, 2002) e uma maneira androcêntrica de identificar a humanidade e fazer das mulheres seres inferiores. A história mostra-se claramente androcêntrica e patriarcal, legitimando a inferioridade da mulher e declarando que existem limites da feminilidade, sempre determinados pelos homens.

(19)

Um desses limites encontra-se no conceito de violência simbólica, de Pierre Bourdieu (2012), que determina uma violência exercida pelo corpo sem ação física, mas com danos morais e psicológicos:

A força simbólica é uma forma de poder que exerce sobre os corpos, diretamente, e como que por magia, sem qualquer coerção física; mas essa magia só atua com o apoio de predisposições colocadas. [...] Os atos de conhecimento e de reconhecimento práticos da fronteira mágica entre os dominantes e os dominados, que a magia do poder simbólico desencadeia, e pelos quais os dominados contribuem, muitas vezes é à sua revelia, ou até contra sua vontade, para sua própria dominação, aceitando tacitamente os limites impostos (BOURDIEU, 2012, p. 50-51).

Essa forma de violência age por meio da dominação masculina e cria uma imagem desvalorizadora da mulher, sendo instituída por intermediário da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação), fazendo essa relação ser vista como natural. Com isso, a mulher tem conhecimento e reconhecimento dos atos aos quais sofre, mas estes têm a sua adesão tida como dóxica, ou seja, natural. Como consequência dessa naturalização, a violência simbólica triunfa na medida em que aquele(a) que sofre contribui para sua eficácia (COLLING, 2004). Estes efeitos espontaneamente harmonizados que a ordem social exerce sobre as mulheres podem ser compreendidos através da lógica paradoxal da dominação masculina e da submissão feminina, os quais envolve pressão, consentimento, coerção mecânica, submissão voluntária, livre até mesmo calculada, e a prova de que esta violência está tão inserida em nossa sociedade é que, mesmo quando temos as liberdades formais adquiridas e as pressões externas abolidas, as mulheres ainda são submetidas, condenadas e inferiorizadas à pressão masculinizada do ambiente (BORDIEU, 1998).

Este conceito de violência simbólica também está relacionado com a objetificação da mulher. Para Beauvoir (2016), a fêmea possui uma “interioridade violentada”: o macho é quem a possui; ela é possuída; ele pega, ela é pegada; ele penetra, ela é penetrada; o macho é quem coloca-se sobre a fêmea, ele deposita o sêmen e ela recebe; ela sofre o coito. Assim, a mulher torna-se objeto. O homem (sujeito) possui, pega, penetra (verbo) a mulher (objeto). Estes fatos relacionam-se diretamente à violência simbólica por serem formas de o macho afirmar sua ação dominadora de seu poder perante a fêmea e com consentimento dóxico.

(20)

2.2 CONCEITUANDO GÊNERO

De acordo com Lamas (apud VERBENA, 2004), gênero é uma categoria de contribuição teórica com grande relevância no feminismo contemporâneo, pois houve um “deslocamento da categoria de análise de gênero, no qual o estudo ‘mulheres’ empírico se desloca para o objeto teórico ‘gênero’” (VERBENA, 2004, p. 177). Isso fez com o que este campo de estudos passasse a incluir outros sujeitos, tais como homens, gays, lésbicas, transexuais, etc. Foi a partir da década de 80 que o conceito de gênero começou a disseminar-se de maneira a apresentar uma nova interpretação sobre a realidade, situando distinções entre características ditas como femininas e masculinas, estabelecidas de acordo com hierarquias sociais (PISCITELLI, 2002).

Ao compreendermos os termos “sexo” e “gênero” de maneira dicotômica, entendemos que ambos contrastam entre um conjunto de fatores biológicos e um conjunto de fatores culturais. Segundo Shapiro (apud PISCITELLI, 2002), o termo “sexo” se restringe à diferença biológica entre as categorias macho e fêmea, enquanto “gênero” abrange as construções sociais, culturais e psicológicas que são impostas sobre essas diferenças biológicas. É importante salientar que essa distinção entre gênero e sexo rompe com a crença do determinismo biológico, rejeitando-o terminantemente, pois o termo “gênero” possui a finalidade de designar as relações estritamente sociais entre os sexos. Ou seja, o sexo é uma categoria biológica, sem relação com o social, e o gênero, por sua vez, é uma expressão cultural e radicalmente arbitrária da diferença sexual (VERBENA, 2004). Estes conceitos retiram a legitimidade conferida à provável semelhança entre diferenças biológicas e sociais, fazendo uma clara distinção dual entre natureza e cultura.

Essas conceitualizações são importantes para entender o gênero como um termo que teoriza a diferença sexual e que questiona os papéis sociais destinados às mulheres e aos homens. Entende-se, portanto, que a categoria de gênero não é concebida em uma diferença universal, sendo algo que viabiliza a compreensão da construção e da organização sociais da diferença sexual, e falar em “gênero” no lugar de “sexo” indica que a condição das mulheres não encontra-se determinada pela natureza ou pela biologia, mas é resultante de uma engenharia social (COLLING, 2004).

A contribuição de Scott (1995) foi fundamental pelo fato de a autora ter sido uma idealizadora do conceito de gênero como categoria útil diante de uma análise

(21)

histórica. Segundo ela, as feministas começaram a utilizar o termo “gênero” para se referir a uma organização social da relação entre os sexos, e classificá-lo gera separações e distinções de grupos (no caso, homens e mulheres). Dessa forma, é dado ao gênero o arbítrio de indicar construções culturais que norteiam ideias sobre papéis considerados adequados aos homens e às mulheres. Ou seja, ele oferece uma maneira de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais em si. Isso indica que o uso do gênero abrange um sistema de relações que pode incluir o sexo, porém, não é diretamente determinado por ele, tampouco determina diretamente a sexualidade.

Para Scott (1995), o gênero deve ser articulado como uma categoria analítica e sua definição tem duas partes e diversos subconjuntos, com inter-relação entre eles, porém, suas análises devem ser feitas de maneira distinta:

O núcleo da definição de gênero repousa numa conexão integral entre duas proposições: (1) gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder (SCOTT, 1995, p. 86).

Dessa forma, o intuito de Scott foi de identificar a maneira como se deve pensar o efeito do gênero tanto nas relações sociais quanto institucionais. Para ela, “o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder, sendo um campo primário no interior do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado” (SCOTT, 1995, p. 88).

Conclui-se que o gênero se intersecta com diversas categorias de identidades as quais são constituídas por meio de um discurso – seja ele racial, de classe, étnico, sexual, etc – o que torna impossível desvinculá-lo das intersecções políticas e culturais nas quais ele se mantém e é produzido (BUTLER apud PISCITELLI, 2002).

2.3 O GÊNERO E AS RELAÇÕES SOCIAIS

Correntes feministas afirmam que a subordinação feminina é decorrente da maneira que as mulheres são construídas socialmente, e mudar o espaço social por elas ocupado é imprescindível para alterar o modo como elas são vistas (PISCITELLI, 2002).

Além das questões já abordadas, a subordinação e todo um imaginário pejorativo sobre o feminino seriam um produto das relações por meio das quais sexo

(22)

e gênero são organizados e produzidos, além de terem se acentuado à medida em que, segundo Bourdieu (2012), a masculinidade passou a ser tratada como nobreza. O autor afirmou que essa eminência do masculino é reforçada pelas chamadas “expectativas coletivas” da sociedade perante o papel social tanto do homem quanto da mulher, as quais possuem uma estrutura fortemente sexuada que assegura a dicotomia sexual fundamental.

Existem alguns elementos que intensificam essas expectativas coletivas, como signos hierárquicos da divisão do trabalho, a exemplo do médico, chefe ou diretor ser idealizado como uma figura masculina enquanto a enfermeira, secretária ou funcionária são figuras femininas. Também existem manifestações visíveis das diferenças entre os sexos, como a atitude, as roupas, o penteado, considerados segregados em masculinas e femininas. Em relação a esta prática, por exemplo, podemos citar a construção e representação do papel feminino em programas televisivos e campanhas publicitárias, sempre destinado a papéis menores e que remetem ao “sexo frágil” e suas variantes, além da luta permanente para ter acesso à palavra em debates políticos e ter quaisquer de suas reivindicações reduzidas a meros caprichos. Todas essas situações reforçam a masculinidade tratada como algo elevado, com expectativas coletivas fundamentadas em uma lei universal masculinizada que não permite que as mulheres se sintam à vontade para realizar determinados atos e isso inclui questões relacionadas a oportunidades no mercado de trabalho.

É importante perceber que tal virilidade, relacionada à superioridade masculina, é construída desde a infância, dadas as divergências no desenvolvimento de meninos e meninas. Às meninas, são conferidas brincadeiras relacionadas às atividades domésticas, como cozinhar (kit cozinha) ou cuidar dos filhos (bonecas, casinha), normalmente realizadas em um ambiente mais restrito ao privado. Já para os meninos, as opções de recreação são muito mais interativas, como esconde-esconde e pega-pega (que exploram o ambiente público) ou monte e desmonte de objetos. Isso mostra o quanto, desde cedo, as mulheres não são estimuladas – ou são até mesmo desestimuladas – para certas carreiras, sobretudo técnicas e científicas, pois as brincadeiras às quais lhes eram destinadas eram mecanizadas e pouco estimulantes para desenvolver posteriormente os requisitos necessários para estas áreas.

Segundo Petermann (2015), isso é um dos indícios de que as mulheres podem sofrer restrições desde a infância quanto à sua própria segurança em desempenhar

(23)

determinadas funções no âmbito profissional. Essa é uma das questões de gênero que relaciona os signos hierárquicos da divisão do trabalho, pois fica implícito que as mulheres, desde a infância, não são estimuladas a determinadas atividades de mais interação e raciocínio por estas serem de “cunho masculino”. Graças a isso, a figura feminina é considerada frágil e despreparada para determinadas funções, o que, forçosamente, vira um senso comum e dá à mulher a noção de que existem atividades para as quais elas não foram feitas. Dado isso, Bourdieu (2012) afirma que a identidade social possui uma linguagem a qual assimila o homem como ser dominante e a mulher como ser dominado, o que significa que ela é condenada a se ver através das categorias dominantes, ou seja, masculinas.

Todos esses fatores colaboram para a incorporação da dominação por parte do homem. Com isso, de acordo com Bourdieu (2012), a definição de excelência está, em todos os aspectos, carregada de implicações masculinas, o que constrói os gêneros como duas essências sociais hierarquizadas. Para tanto, é importante ressaltar que a relação entre homem e mulher, antes mesmo de ser gerada por uma dinâmica social construída e remodelada constantemente (COLLING, 2004) é, também, uma relação política. Ou seja, “as relações entre homens e mulheres, que implicam desigualdades políticas, econômicas e sociais e que configuram papéis diferenciados segundo o sexo, estão intimamente ligadas ao princípio da hierarquia” (COLLING, 2004, p. 17), o qual declara que a sujeição da mulher é assentada tanto por homens quanto por mulheres. Dado isso, é possível afirmar que homem e mulher são produtos de relações de poder estruturadas sob um campo político, com as mulheres sendo excluídas deste e dos chamados “jogos de poder”, com participação apenas controlada e preparada por intermédio dos homens (BOURDIEU, 2012).

Nesse sentido, é válido retomar a construção de gênero segundo Scott (1995), que mapeou elementos básicos na tentativa de definir de que maneira as relações sociais entre os sexos são construídas, logo, percebidas pelo prisma da desigualdade. Para a autora, o gênero como elemento constitutivo dessas relações sociais compreende a inter-relação de quatro elementos. O primeiro refere-se a símbolos culturalmente disponíveis capazes de evocar representações simbólicas sobre o homem e a mulher. Muitas dessas representações são contraditórias como, por exemplo, Eva e Maria, onde ambas são consideradas, na tradição cristã ocidental, símbolos femininos com significados opostos compreendidos entre a luz e a escuridão, a purificação e a poluição. O segundo aspecto diz respeito a conceitos

(24)

normativos que manifestam diferentes interpretações acerca das representações simbólicas do homem e da mulher. Estes conceitos, por sua vez, estão presentes na religião, na educação, na ciência, na política e nas leis e limitam os significados do masculino e do feminino. Desse modo, a virilidade é considerada uma característica associada ao masculino e a fragilidade ao feminino, de forma que um homem não pode apresentar um comportamento mais emotivo que será diretamente rotulado de “afeminado” (GUEDES, 1995).

Em terceiro lugar, temos as instituições e organizações sociais, que contribuem para que as concepções binárias de gênero sejam mantidas, passando a ter caráter atemporal. Scott ressalta a necessidade de uma visão percebida do gênero, construída em diversas esferas, tais como no parentesco, na economia, no sistema político, no mercado de trabalho e na educação. Por fim, o último aspecto do gênero é a identidade subjetiva, ou seja, a maneira pela qual as identidades de gênero são construídas com base na formação imaginária e simbólica de determinados conceitos e preconceitos, “o que significa considerar sempre o espaço para as singularidades, resistências e adaptações às representações dominantes” (OLIVEIRA-CRUZ, 2016, p. 42).

Para o presente trabalho, é importante deter atenção ao terceiro aspecto, o que contempla as instituições e organizações sociais. A mídia é um grande exemplo de instituição social que contribui para a formação e perpetuação de noções binárias de gênero. É importante lembrar que tal instituição possui um espaço simbólico tão relevante que passou a ser considerada como o “quarto poder”, juntando-se aos três poderes da República (legislativo, judiciário e executivo). Segundo Rizzotto (2012), o fato que permitiu que hoje exista essa referência à mídia como quarto poder ocorreu em seu advento, quando a ela foi atribuído a potencialidade de reorganizar o poder simbólico, pois “a sobrevivência das indústrias da mídia dependia da mercantilização de formas simbólicas, o que fez com que novos centros de poder simbólico surgissem fora do controle do Estado e da Igreja” (RIZZOTTO, 2012, p. 2). Proposto por Bourdieu, o poder simbólico é considerado um poder invisível, que só pode ser exercido com a conivência daqueles que estão a ele sujeitos ou também daqueles que o exercem (BOURDIEU, 1989). Dado isso, a mídia, centralizou o poder simbólico de maneira a deter influência e persuasão sob as concepções gerais da sociedade e ainda, segundo Souza (2012), graças à sua capacidade de manejar a opinião pública, dita regras de comportamento tanto individuais quanto coletivas.

(25)

O foco deste trabalho, portanto, centra-se na observação das representações de gênero presentes na mídia – mais especificamente nas campanhas publicitárias de cerveja que, historicamente, têm se utilizado e reforçado do estereótipo da mulher objeto para construir sua mensagem persuasiva. E, quando se fala em estereótipo, significa o conjunto de pressupostos e ideias pré-concebidas que são formadas sobre como uma determinada categoria deve parecer, ser, e se comportar. Este conceito é sustentado por Lippmann (apud FILHO, 2004), classificando o termo como construções simbólicas resistentes à mudança social e disseminadas pelos meios de comunicação.

A disseminação, pelos meios de comunicação de massa, de representações inadequadas de estrangeiros, classes sociais e outras comunidades é destacada como um sensível problema para o processo democrático, cujo desenvolvimento demanda a opinião esclarecida de cada cidadão a respeito de questões capitais da vida política e social. (FILHO, 2004, p. 47)

Importa para essa pesquisa, ainda, entender as diferentes leituras e apropriações dessas mensagens, o que considera também a perspectiva de Scott de que o gênero se constitui também através de experiências singulares, em que os sujeitos podem (ou não) se reconhecer dentro de certos padrões normativos construídos e estimulados pela estrutura social.

(26)

3 MÍDIA

3.1 O GÊNERO E A MÍDIA

Conforme citado anteriormente, a mídia tem papel significativo na cultura contemporânea a partir da circulação de um discurso que é construído de acordo com a reprodução de formas e normas sociais estruturalmente definidas. À medida em que comportamentos e valores presentes nas mensagens midiáticas são associados a um ou a outro gênero, as representações da mídia reforçam a feminilidade e a masculinidade, ambas imbuídas nas relações de poder entre os gêneros (CHAVES, 2015). Essas relações reiteram e constroem desigualdades, fazendo com seja criada uma noção de realidade a respeito dos papéis destinados ao homem e à mulher. Isso tem relação em como os meios de comunicação transmitem a realidade e em como se referem à realidade apresentando, em determinados momentos, uma versão distorcida. Dessa forma, o público é cotidianamente submetido a uma realidade construída pela mídia.

A relação que existe entre a imprensa e a realidade é parecida com a que existe entre um espelho deformado e um objeto que ele aparentemente reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não é o objeto como também não é a sua imagem: é a imagem de outro objeto que não corresponde ao objeto real (ABRAMO, 2016, p.38).

Neste caso, o espelho é a mídia, o objeto é a mulher e a imagem é a sua respectiva representação na mídia. Isso tem relação com o discurso midiático, que acentua determinados estereótipos e condutas que acabam por equivocar a imagem da mulher. O espelho da mídia, por sua vez, não reflete de forma distorcida a imagem do homem. Este segue como o provedor, o bem-sucedido, orientado por sua cultura e natureza soberanas, não sendo reprimidas ou fragilizadas como as da mulher. Dessa forma, as mensagens emitidas pela mídia colaboram para a manutenção das relações de poder entre os gêneros, o que acaba por reforçar valores distintos para o homem e para a mulher – as chamadas relações sociais de gênero.

Dessa maneira, tanto o corpo do homem quanto o corpo da mulher ganham um sentido social, mediante a inscrição dos gêneros (feminino e masculino) nestes corpos, feita sob o contexto e diretrizes de uma determinada cultura vigente – no caso, a midiática – e sempre carregada com as marcas dessa cultura (LOURO, 2000).

(27)

No espaço midiático, essa inscrição de gêneros no corpo organiza-se em identidades de gênero. Identidades estas que, dado o contexto pós-moderno, não são permanentes, mas sim de caráter transitório e contingente. Graças a isso, as identidades sexuais e de gênero têm uma configuração fragmentada, instável, histórica e plural, além de estarem envolvidas em processos que compreendem diversas contextos, instituições e grupos sociais (idem).

A relação dos meios de comunicação com essas identidades de gênero parte do esforço midiático de fixá-las de acordo com uma estrutura determinada e evidente (FLAUSINO, 2002), não abrindo espaço para possibilidades que fogem do padrão. Isso porque o discurso midiático reflete relações de poder por hegemonia e razões mercadológicas. Ou seja, de acordo com essa lógica comercial, o gênero passa a ser assimilado como uma mercadoria, nas quais suas possibilidades genéricas são restritas e definidas apenas pela dicotomia masculinidade ou feminilidade (WILLIS, 1997). Isso acarreta o consenso e acordo por parte da sociedade de, ao consumir determinados produtos midiáticos, concordar com as representações ali encontradas, o que acaba por contribuir com sua respectiva naturalização.

Há um trabalho midiático na definição social de identidades, especialmente sob a identidade feminina. Dessa forma, a mídia age “como locus de reverberação e construção de identidades coletivas sobre o feminino” (FLAUSINO, 2002, p. 5). Nesse

locus é onde se reforça a construção da identidade da mulher, realizado através do

consumo de imagens montadas e de identidades coletivas hegemônicas, sempre inclinadas à estereotipação do corpo feminino e de suas atitudes. Essas representações impõem significados que reforçam as relações de poder, pois este mesmo poder situa-se nos dois lados do processo: ele delineia a maneira como se pratica a representação, a qual, por sua vez, resulta em efeitos ligados à produção de identidades culturais e sociais (SILVA apud FLAUSINO, 2002, p. 4).

Assim, os produtos midiáticos ratificam o machismo e, assim, geram uma das violências mais sutis a qual a mulher é exposta, a violência simbólica. Nesse contexto, matérias jornalísticas atenuam crimes de feminicídio a “crimes passionais”, comerciais publicitários fragmentam as partes do corpo da mulher como seios e nádegas para vender cerveja, novelas naturalizam a jornada dupla (ou tripla) de trabalho feminina, e muitos outros exemplos. A mulher sofre, com reforço dos meios de comunicação, a violência de ser desumanizada e até mesmo excluída dos espaços de decisão, além de ser vista, graças a alguns discursos, apenas como um corpo a ser consumido. Com

(28)

o agravante de vivermos em uma sociedade que, historicamente, segue uma lógica falocêntrica, essas veiculações tornam-se naturais devido ao fato de a mulher ser educada pela sociedade – estruturalmente patriarcal – a “aceitar o seu papel social imposto, sua condição de subalterna, de propriedade do homem, sua condição de inessencial” (CHAVES, 2015, p. 6). Contudo, essa violência simbólica é encoberta e socialmente aceita devido a uma falsa ideia de igualdade, que é promovida também pela mídia.

É fato que a mídia age não só na produção como na perpetuação de estereótipos através de um mecanismo de ideologia próprio que não veicula conteúdos despropositalmente. Estes são selecionados, ordenados e enunciados de acordo com forças que operam tanto para enfraquecer, esquecer ou estabilizar determinados discursos (RIBEIRO, 1996). A lógica patriarcal vigente, com apoio dos meios de comunicação, insere a mulher em um conjunto limitado de padrões de conduta e aparência sob uma falsa ideia de que a mulher pode ser o que ela quiser. É posto que a mulher pode fazer suas escolhas, contanto que estas sejam feitas dentro desses limites impostos.

Estes limites compulsórios são delineados por meio de padrões e estereótipos disseminados pela mídia e pela sociedade. Tamanha visibilidade a determinados discursos sobre o feminino faz com que se crie uma construção de sentidos que são atribuídos diretamente à conduta e postura da mulher. Isso explicita, segundo Costa (2013, p. 6), uma “tendência à biologização do sujeito feminino, que apresentaria um conjunto de padrões de expressão, cuidado de si e conduta caracterizados como ‘feminilidade’”. Costa (2013) também afirma que estes padrões se enraízam em uma essência feminina, na qual o sujeito feminino deve mantê-la sempre aparente e conservada, mesmo ao alcançar posições historicamente ocupadas por homens. Neste contexto, é possível citar pelo menos dois padrões de estereótipos principais veiculados e sustentados pela mídia: o de mulher como objeto e o de mulher empoderada. Este último, porém, é promovido e invalidado pela própria mídia sob a falsa ideia de igualdade.

3.2 DISCURSOS MIDIÁTICOS SOBRE A REPRESENTAÇÃO FEMININA

Conforme discutimos até o momento, há um padrão feminino circulante na mídia que a expõe como um produto à venda para ser consumido e ser utilizado como

(29)

atrativo. Além disso, as capacidades intelectuais femininas são tratadas como secundárias, com uma representação desumanizada que, por vezes, não a reconhece como sujeito de direito.

Ainda, é interessante observar que há uma significativa atenção a padrões estéticos os quais a mídia discriminatoriamente impõe à mulher:

O modelo ideal de beleza atual, incentivado pelos meios de comunicação de massa, é extremamente limitador: para ser bonita é necessário ser jovem, extremamente magra, alta e com traços europeizados (pele, cabelos e olhos claros, cabelos lisos). Basta andar na rua para perceber que é raríssimo alguém ter todas essas características – e praticamente impossível tê-las ao mesmo tempo. Trata-se de um modelo que ignora a diversidade racial e cultural brasileira (SEMÍRAMIS, 2012, s/p).

Porém, um ponto crucial acerca deste discurso da sexualização feminina é que ele é elaborado mediante estratégias do controle e vigilância do exercício da sexualidade, a qual é explicitamente inscrita nos corpos e deixa de ser percebida como individual para ser abordada a partir do exercício das relações de poder. Para tanto, é importante entender que o valor atribuído à sexualidade não é sinônimo de atividade sexual. Para Vance (apud HEILBORN, 1999, p. 40), a sexualidade é um termo que traz a construção histórica como agente modelador de uma dimensão interna e particular de cada sujeito.

Dessa forma, a mídia põe em prática a sexualização dos corpos através da colocação do discurso do sexo e suas estratégias, estas definidas pela inserção de marcas que delimitam quando/onde, em que situações, com quais interlocutores e em quais relações sociais se é permitido ou não falar de sexo (FLAUSINO, 2002). A mensagem emitida por esse discurso é percebida de maneira a monitorar e até mesmo a reprimir a sexualidade feminina. Esta, por consequência, acaba sendo controlada por valores inculcados na sociedade, aos quais a mulher encontra-se sujeita a cumprir. Assim, a constante vigilância do exercício da sexualidade interfere na representação das mulheres e nas suas identidades coletivas definidas no espaço midiático (ibidem). Isso porque há a imposição de uma “mulher de respeito”, demarcada claramente pela divisão entre o que é feito publicamente e o que é feito em casa – lugar onde está o sexo –, sendo este título fornecido àquelas mulheres com uma conduta disciplinada de suas práticas sexuais. Isso indica que ser uma “mulher de respeito” ou não fica por responsabilidade dela mesma e do manejo do que se julga adequado de suas atitudes. Logo, essas identidades femininas são produtos de uma

(30)

construção simbólica e social definida pela simples questão de ser mulher e de como é conduzida essa existência do ser, a qual é respeitada mediante uma conduta moral satisfatória aos olhos da sociedade. Entretanto, a equivalência na vigilância sexual masculina não se aplica pois, de acordo com Heilborn (1999), a sexualidade não ocupa o mesmo grau de importância para todos os sujeitos:

A cultura (em sentido lato) é a responsável pela transformação dos corpos em entidades sexuadas e socializadas, por intermédio de redes de significados que abarcam categorizações de gênero, de orientação sexual, de escolha de parceiros. Valores e práticas sociais modelam, orientam e esculpem desejos e modos de viver a sexualidade. (...) O regime das relações de gênero, prescrevendo condutas adequadas para homens e mulheres, intervém de maneira inequívoca nesse cenário (...), modelando a percepção de si a partir do julgamento dos pares (HEILBORN, 1999, p. 40-45).

Foi a partir desse discurso de sexualização que foi conduzida a produção de uma visão utilitária sobre a mulher, sustentada por uma subordinação feminina aos homens, repetida em todas as sociedades e cuja universalidade se justificaria pela associação entre mulher/natureza e homem/cultura. Isso porque o binarismo presente na construção social de gênero orienta a dicotomia entre sexo e gênero, onde o primeiro é o natural, o biológico, e o segundo é a expressão determinada pelo meio cultural.

A mídia, por sua vez, tem colaboração neste processo através do qual a mulher se submete a à própria desvalorização. Neste caso, de acordo com Chaves (2015), isso ocorre porque ela colabora com a perpetuação da chamada reificação da figura feminina. O conceito de reificação consiste em transformar uma realidade social ou subjetiva, de natureza dinâmica e criativa, em algo inorgânico, fixo e passivo, passando a perder sua autonomia e autoconsciência (HOUAISS & VILLAR, 2001).

Todos estes cenários apontam para práticas sexistas utilizadas pela mídia, ancoradas sob o machismo fortemente institucionalizado que acaba por reprimir a presença feminina em diversos âmbitos (FORTES, MATOS & PETERMANN, 2017). Assim, esse processo de efeito contrário à subjetivação da figura feminina, o qual a transforma em um objeto sensualizado, produz consequências severas à sociedade, pois esta passa a desestimar a violência e o desrespeito à mulher para tratar tais situações como socialmente aceitas e naturalizadas.

Este sujeito midiático foi, por muito tempo, o predominante em diversos produtos midiáticos. Entretanto, apesar de ainda ser uma estratégia bastante utilizada,

(31)

com a propagação dos movimentos sociais feministas especialmente nas redes sociais digitais nos últimos anos, trouxe como resultado uma outra representação da mulher que passou a ocupar significativamente espaços na mídia mais recentemente Trata-se da mulher empoderada, cuja abordagem tem seus primórdios ocorrendo já há algum tempo. Exemplo disso são ativistas como Carol Hanisch, da vertente radical, que reuniram esforços para elucidar a importância desta figura feminina. Sua frase “o pessoal é político”, em meio à revolução contracultural de 1960, exprime o que posteriormente foi a justificativa para a emersão deste empoderamento o qual a mídia, a certo grau, apossou-se. A ideia explicitada na frase refere-se a temas até então confinados ao espaço privado, como a sexualidade feminina ou a violência doméstica, que tornaram-se públicos e, com isso, ganharam importantes discussões (COSTA, 2013). Sendo assim, os debates sobre o tema asseguraram uma emancipação feminina, ocorrida graças a atitudes realizadas no privado e que hoje tornaram-se públicas, e que é essencial para as representações midiáticas femininas contemporâneas. Essa figura de mulher empoderada é difundida na mídia atualmente como um “estereótipo de modelo subjetivo ideal para o gênero feminino nos meios de comunicação” (COSTA, 2013, p. 1).

Conforme já mencionado, é importante ressaltar algumas origens dessa significativa representação de modelo feminino. Dentre as correntes do movimento feminista que, por sua vez, é claramente um defensor dos direitos das mulheres, uma que se destaca para a presente discussão é a pós-feminista. O pós-feminismo tem pontos congruentes com o pós-modernismo por ambos terem como objetivo a desconstrução/desestabilização do gênero enquanto categoria fixa e mutável (MACEDO, 2006). No contexto histórico e teórico, foi a partir do pós-feminismo que segmentaram-se outras correntes, uma delas é o chamado power feminism, propagado na década de 1990 por obras de feministas como Natasha Walter e Naomi Wolf. O pós-feminismo defende o empoderamento da mulher como peça chave na sua emancipação, e o faz através da exploração e conhecimento do seu próprio poder. Aliado a isso, uma das correntes do power feminism é o movimento do girl power. Este, por sua vez, está intimamente entrelaçado com o contexto midiático, com um propósito de resgatar a ressignificação da feminilidade como forma de empoderamento feminino, ou seja, tanto para o power feminism como para o girl

power, a questão da identidade subjetiva da mulher está vinculada a uma exaltação

(32)

No entanto, esse sujeito midiático empoderado, conforme Wittig (1981), é propagado pela mídia de acordo com a definição de mulher baseada nas características as quais a opressão forneceu a ela, sendo, portanto, uma defesa (e também reforço) ao mito da “essência feminina”. Conforme já mencionado sobre o processo de reificação, este é um claro exemplo do processo que reifica os papéis sociais de gênero pelo fato de conservar as estruturas de poder vigentes.

Dentro de todas essas óticas, encontra-se incutido um questionamento que remete ao quarto aspecto de Scott (1995) previamente citado, que compreende a identidade subjetiva como maneira de estabelecer a construção de identidades de gênero de acordo com uma construção simbólica. O grande ponto deste aspecto é considerar o espaço para resistências e adaptações às representações dominantes. Por isso, existe a questão de que este poder feminino enaltecido midiaticamente seria uma possibilidade de subversão e resistência das estruturas de poder as quais regulam as identidades de gênero, questão esta que considera também a configuração da categoria “sujeito feminino” como uma entidade estável e evidente (COSTA, 2013). Logo, o modelo de mulher empoderada é o modelo representativo a ser alcançado pelas mulheres contemporâneas, pois passou a ser um símbolo de resistência.

Nesse contexto, é interessante questionar o quanto esse sujeito midiático empoderado remete à aceitação feminina, uma vez que pode-se considerar como um novo modelo de mulher contemporânea a ser atingido. Há um porém, neste caso, quanto à colaboração da mídia na reificação de papéis de gênero, pois esta faz com que sejam repetidas as fórmulas do patriarcado universal e de uma identidade feminina totalizante, oriunda do fato de o modelo de mulher empoderada ter sido moldado acordo com as características oferecidas pela sua própria opressão.

Com isso, nos discursos midiáticos, “a matriz é heterossexual e as categorias são binárias: homem e mulher, sexos em guerra, poder e subordinação” (COSTA, 2013, p. 14). O uso dos prazeres é distinto nos gêneros e, às mulheres, são impostas regras de moralidade. Todo o processo de subjetivação, o qual consiste na construção de si mesmo do indivíduo como sujeito (TOURAINE, 2006), de uma identidade feminina envolve assumir identidades sexuadas e generificadas, moldadas para os sujeitos no interior das estruturas de poder vigentes. Logo, em ambos os discursos midiáticos elucidados, o gênero é parte integrante de uma dimensão cultural

(33)

articulada, cujas representações fazem parte de processos de construção, inclusão e exclusão social (FLAUSINO, 2002).

(34)

4 PUBLICIDADE

4.1 A PUBLICIDADE COMO ESPELHO DA CULTURA

Ao refletir sobre questões da contemporaneidade, Raymond Williams (2011, ap. 260) afirma que há uma dicotomia presente na sociedade atual na qual novas tecnologias convivem com formas sociais antigas, sendo possível a definição de publicidade como a “expressão mais visível dessa combinação”. De um modo geral o contato com esta prática de comunicação é constante, pois os anúncios publicitários encontram-se presentes no nosso dia a dia nos mais diferentes espaços e ocasiões e colaboram para que ela ocupe um papel central na constituição da experiência cotidiana relacionada de maneira intrínseca a uma dita cultura do consumo (PIEDRAS & JACKS, 2005a). Ainda, em comparação aos demais discursos midiáticos, é importante perceber que a relação instituída entre o público e a publicidade ocorre de forma arbitrária, não intencional.

Na relação instituída entre publicidade e sociedade, é fácil compreender sua associação ao modo de produção capitalista, podendo classificar a economia como um grande configurador desta atividade (PIEDRAS & JACKS, 2005a). Entretanto, além do âmbito econômico, há um papel cultural na realidade social propiciado pela publicidade no qual, além de interagir com demais instituições, ela passa a fazer parte dos modos de vidas dos sujeitos (ibidem, p. 205). Desse modo, a publicidade se enquadra em um conjunto de representações capaz de expressar identidades, subjetividades, comportamentos e relações, com um discurso que faz um recorte da realidade que idealiza a representação da vida social. Nessa narrativa, também são reforçados estereótipos, ideologias e preconceitos, contribuindo para forjar “um discurso que colabora na construção de uma versão hegemônica da ‘realidade’, ajudando a legitimar uma dada configuração de forças no interior da sociedade” (GASTALDO, 2013, p. 25). Isso significa que as mensagens publicitárias são produzidas de acordo com contextos onde o sistema hegemônico da estrutura econômica atua e também de acordo com as práticas culturais exercidas entre os sujeitos (PIEDRAS & JACKS, 2006).

Referências

Documentos relacionados