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6 RECEPÇÃO E METODOLOGIA

6.1 ESTUDOS DE RECEPÇÃO

Ao estudarmos práticas de recepção publicitária, analisamos mais precisamente a inclusão e análise de sentidos atribuídos a empresas e marcas, imbuídos no âmbito do consumo. Além disso, a recepção publicitária explora a dinâmica da sequência de anúncios veiculada pelos mais variados suportes e meios circulantes, motivo pela qual ela está inserida no cotidiano das pessoas (PIEDRAS, 2009). Assim, quanto ao objeto da comunicação, não priorizamos na análise o meio propriamente dito, mas sim a relação que ele estabelece com o público. Afinal, o que importa não é o que diz o meio, mas sim o que as pessoas fazem com o que leem, veem e ouvem (MARTÍN-BARBERO apud OLIVEIRA-CRUZ, 2016).

Entendemos, então, que a recepção da publicidade relaciona-se a demais discursos, tais como os presentes em textos midiáticos ou nos próprios produtos, e estes irão reforçar o seu sentido (OLIVEIRA-CRUZ, 2016). Para analisar a recepção, é necessário considerar como a forma intertextual discorrida na sequência de anúncios veiculados por diferentes anunciantes e em variados meios reflete na experiência cotidiana dos receptores (PIEDRAS, 2009).

Tendo em vista essa premissa, Elisa Piedras (2009) adaptou a noção de fluxo televisivo, desenvolvida por Raymond Williams, para estudar a recepção publicitária. Na perspectiva de Williams, os usos da televisão foram explorados como forma cultural por meio da compreensão de sua dinâmica interna, indo além no conceito estático de distribuição e elaborando uma noção móvel de fluxo para este meio (WILLIAMS apud SILVA & MORIGI, 2015). Assim sendo, o fluxo é um conceito baseado em perspectivas de análise histórica e social dos meios de comunicação como tecnologia e também como forma cultural. A proposta adotada pela por Piedras, denominada de fluxo publicitário, tornou-se referência nos estudos de recepção publicitária no país e, em função disso, será apresentada nesta fase da pesquisa.

O conceito de fluxo publicitário torna viável a compreensão das novas configurações da publicidade atual, tais como seus formatos cultural e tecnológico, tanto em termos de veiculação de anúncios em diferentes meios como também sobre a relação estabelecida com os sujeitos nas práticas de recepção publicitária. Assim sendo, o fluxo publicitário compreende as diferentes formas pelas quais ocorre a

relação entre práticas de recepção e produção, propondo um caráter multidimensional da publicidade, pois exige a articulação dos níveis macroeconômicos e microssociais do mundo (ibidem). De acordo com a proposta de Piedras, existem dois tipos de fluxo, o da produção (instituído pelos anúncios, anunciantes e meios e relacionado ao nível macro) e o da recepção (configurado pelo público receptor a partir das ofertas de produção, relacionado ao nível micro).

Nesse contexto, explorar a relação com o nível microssocial significa identificar as interações entre os receptores de acordo com padrões de comunicação, bem como a maneira como se sucedem seus confrontos com estes padrões nas práticas do seu dia a dia; já com o nível macroeconômico do mundo social estamos referindo-nos às estruturas sociais que condicionam a relação dos receptores com os meios de comunicação através das quais a publicidade faz a institucionalização de sua produção (PIEDRAS & JACKS, 2005b). Posto isso,

O fluxo publicitário da recepção corresponde às práticas de recepção e tem sua forma marcada pela lógica tática, mediada pela socialidade e pela ritualidade. Ele é construído a partir do fluxo publicitário instituído pela produção na sociedade cotidiana, pelo contato com os suportes e os meios publicitários que permeiam a vida pública. Sendo configurado por uma prática, sem objetivos específicos, marcada pelos diferentes usos dos meios, o fluxo publicitário da recepção se constitui no movimento cotidiano dos sujeitos entre os anúncios apresentados através dos meios pelo fluxo instituídos pela produção, segundo múltiplas lógicas que variam de acordo com os contextos e diferenças socioculturais. (PIEDRAS, 2009, p. 106).

O fluxo da recepção também refere-se à experiência sequencial em que os receptores, dentre as possibilidades oferecidas pela produção e também a partir de seus respectivos hábitos de consumo dos meios, interatuam com os suportes os meios responsáveis por configurar este fluxo, elegendo veículos e mudando de opção ao longo de suas práticas cotidianas. Ou seja, tanto em casa como fora dela, em momentos de lazer ou de outras atividades, para Piedras, os receptores não só acessam como são interpelados por diversos suportes e meios, selecionando aqueles para os quais opta por dar preferência.

A lógica das práticas de recepção depende da “competência cultural” dos receptores que, por sua vez, é constituída na escola e também na educação informal, tendo relação com a família, a memória e o imaginário étnico ou regional à experiência, à faixa etária, etc. A compreensão dos sujeitos nas práticas de recepção é mobilizada pela reconstituição de “suas histórias de vida e sua cultura compartilhada

com um grupo específico, além das suas relações com meios e formatos técnicos, multiplicando as leituras dos anúncios” (PIEDRAS, 2009, p. 72).

Dessa forma, podemos definir as práticas de recepção como um lugar onde ocorre a interação do receptor com os meios de comunicação e a cultura de massa, no qual há a interpretação (leitura ou apropriação) das mensagens publicitárias. Essas interpretações são permeadas pela subjetividade e vinculadas às condições socioculturais que marcam o contexto dos sujeitos implicados, uma vez que estes podem fazer usos distintos das mensagens. Em virtude disso, seu caráter é ambíguo e contraditório devido às múltiplas lógicas segundo as quais podem atuar. São práticas não-institucionais e, por estarem vinculadas ao cenário microssocial, têm correspondência com as forças culturais.

Ou seja, há uma certa autonomia dessas práticas na interação entre meios e anúncios publicitários, porém, elas também estão articuladas com a estrutura macroecononômica e com as práticas de produção das agências publicitárias (PIEDRAS & JACKS, 2005b). Logo, enquanto instituições como agências e meios possuem um lugar próprio o qual têm autonomia para, de forma estratégica, difundir seu respectivo fluxo publicitário da produção, “os receptores se movimentam taticamente dentro deste espaço de socialidade condicionado pela produção” (PIEDRAS, 2009, p. 108).

Esse movimento permite inferir que há uma relação dita complementar entre os fluxos de recepção e produção quando estes são observados pelas lógicas pelas quais operam: enquanto este encontra estratégias para atingir o público através da observação de preferências reveladas pelo fluxo de anúncios os quais os receptores realizam suas próprias leituras, conforme foi observado por Piedras.

Se é possível classificar a publicidade como categoria cultural cuja estratégia vincula produção e recepção (OLIVEIRA-CRUZ, 2016), pode-se afirmar que a ideia de articulação entre lógicas de produção e competências de recepção auxilia na percepção do processo comunicativo no qual a publicidade está inserida. Portanto, analisar a recepção publicitária é importante para entender a forma como se sucede a “apropriação dos sentidos do consumo na relação dos sujeitos com a publicidade, com outros textos midiáticos e ainda nas diversas interações comunicativas que se constituem nas mediações entre sujeitos, cultura e economia” (OLIVEIRA-CRUZ, 2016, p. 104), o que demonstra uma estreita relação entre cultura da mídia e cultura do consumo.