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6 RECEPÇÃO E METODOLOGIA

6.2 SOCIALIDADE E RITUALIDADE

Desde o final do século XX, observamos uma reconfiguração das mediações nas quais estão constituídos novos modelos de interpelação dos sujeitos e das representações dos vínculos responsáveis por darem coesão à sociedade. Os meios passaram a ter uma importância não restrita somente à veiculação ou tradução das representações existentes, mas sim como componentes da vida pública. Neste contexto, a comunicação e a cultura constituem um campo primordial no cenário que exige a retomada da dimensão simbólica por parte da política, fazendo com que esta recupere a capacidade de representar vínculos e sentimentos de pertencimento, uma vez que o mercado não é capaz de criar tais vínculos entre sujeitos, nem engendrar inovações sociais, tampouco sedimentar tradições (MARTÍN-BARBERO, 2006).

Para tanto, existem novas complexidades nas relações que constituem comunicação, cultura e política. Nesse contexto, Martín-Barbero propôs um esquema que ilustra a lógica dessas complexidades, traçando um mapa de mediações.

Figura 19 – Mapa de mediações proposto por Martín-Barbero (2006)

Fonte: MARTÍN-BARBERO (2006, p. 16).

O esquema move-se sobre dois eixos: entre Matrizes Culturais e Formatos Industriais (diacrônico) e entre Lógicas de Produção e Competências de Recepção ou Consumo (sincrônico). As relações entre Matrizes Culturais e Lógicas de Produção são mediadas pela institucionalidade, enquanto as relações entre Matrizes Culturais

e Competências de Recepção estão mediadas sob diversas formas de socialidade. Entre Lógicas de Produção e Formatos Industriam medeiam as tecnicidades e entre Formatos Industriais e as Competências de Consumo, as ritualidades (ibidem, p.16). O foco para este trabalho se concentra nas mediações da socialidade e da ritualidade. As interrelações das práticas de recepção com as práticas de recepção ocorrem na trama da socialidade, um espaço no qual os receptores podem romper com o objetivo comercial institucionalmente definido pelas práticas de produção e materializado nos anúncios publicitários (PIEDRAS & JACKS, 2005b). A socialidade diz respeito ao contexto social e cultural dos sujeitos, ocorrendo na trama das relações cotidianas, um lugar de ancoragem da práxis comunicativa e que resulta dos modos e usos coletivos da comunicação, ou seja, da interpelação dos atores sociais e de suas relações com o poder, seja hegemônica ou contra-hegemônica (MARTÍN- BARBERO, 2006). Ainda, “vista a partir da socialidade, a comunicação se revela uma questão de fins – da constituição do sentido e da construção e desconstrução da sociedade” (ibidem, p. 18).

A ritualidade é marcada pela relação com o nexo simbólico que sustenta a comunicação, ou seja, ela medeia a configuração do microfluxo pelos receptores por meio da apropriação do macrofluxo oferecido pelos formatos industriais (PIEDRAS & JACKS, 2005b). Os usos e hábitos de consumo de determinados suportes, meios ou veículos pelos receptores em suas práticas cotidianas remetem à ritualidade através da qual eles se relacionam com os anúncios publicitários (PIEDRAS, 2009). Ou seja, ao observarmos o fluxo de recepção, a ritualidade refere-se à experiência sequencial da interação dos sujeitos com os meios que, conforme já mencionado, mostra como eles elegem ou alternam veículos ao longo da prática cotidiana, de acordo com necessidades circunstanciais (ibidem).

Dessa forma, a ritualidade promove a ancoragem dos anúncios na memória dos sujeitos de modo a ajustar ritmos, formas, cenários de interação e repetição (MARTÍN-BARBERO, 2006).

Em sua relação com os Formatos Industriais, as ritualidades constituem gramáticas da ação – do olhar, do escutar, do ler – que regulam a interação entre os espaços e tempos da vida cotidiana e os espaços e tempos que conformam os meios. O que implica, da parte dos meios, uma certa capacidade de impor regras aos jogos entre significação e situação. Vistas a partir das Competências de Recepção, as ritualidade remetem, de um lado, aos diferentes usos sociais dos meios. (ibidem, p. 19)

Por outro lado, as ritualidades também estão ligadas às diversas trajetórias de leitura e apropriação condicionadas por contextos sociais marcados por níveis e qualidade de educação, posses, bem como saberes fixados na memória étnica, de classe ou de gênero, além de hábitos familiares de convivência com a cultura seja ela letrada, oral ou audiovisual (MARTÍN-BARBERO, 2006).

Atualmente, existem novas perspectivas da socialidade, derivadas em grande parte das mídias digitais, que conferem espaço para novas ritualidades (OLIVEIRA- CRUZ, 2016). Nestas, “os sujeitos são instaurados como mediadores e tornam-se peças-chave para a circulação das mensagens publicitárias – através de compartilhamentos, comentários e recriações das peças” (CASAQUI apud OLIVEIRA- CRUZ, 2016, p. 100).

Para o presente trabalho, a questão dos estudos culturais e das mediações é essencial para compreender a relação instituída entre consumidor e publicidade no seu dia a dia e de que forma o capital cultural dos receptores é convertido em suas apropriações e leituras de mensagens, anúncios e demais conteúdos publicitários. Ou seja, a forma como os sujeitos se relacionam com os meios acaba por configurar suas rotinas e os usos que fazem do conteúdo recebido. Para tanto, é necessária a observação da operacionalização das mediações observadas no âmbito da cotidianidade que, por sua vez, correspondem aos processos de ritualidade e socialidade (OLIVEIRA-CRUZ, 2016).

Desse modo, considerando a proposta de análise para este trabalho, nos inspiramos na abordagem de Oliveira-Cruz (2016) no que diz respeito à adaptação da proposta das mediações. Assim, os modos de leitura dos receptores que são evidenciados na interação com a publicidade, bem como suas experiências vividas na cotidianidade dentro de um contexto social e cultural específico, estão presentes nas interpretações que eles fazem dos sentidos contidos nos anúncios. A fim de aprimorar o exercício analítico a partir da observação empírica da recepção de anúncios publicitários, neste trabalho consta uma análise da recepção de anúncios de marcas de cerveja em geral e, mais especificamente, da Skol e de sua campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado”, com entrevistados (homens e mulheres) selecionados para integrarem dois grupos focais.

No que diz respeito à socialidade, há a observação das representações construídas pelos informantes nas suas rotinas, de acordo com a maneira como se relacionam consigo e com as demais pessoas, considerando o contexto social e

cultural, bem como o papel das instituições (família, grupos sociais, trabalho) e das representações (especialmente de gênero) na constituição de suas respectivas identidades. Isso permite observar movimentos de apropriação, negociação ou resistência ao conteúdo das campanhas publicitárias no que diz respeito à construção da autorrepresentação dos entrevistados. E, a fim de compreender as dimensões na trama da ritualidade, será observado a interrelação do consumo cultural, midiático, de bens materiais e simbólicos com os usos e competências de leitura e apropriação da publicidade.

Diante do contexto apresentado, em que o foco de análise volta-se para a relação entre a comunicação e a cultura, para tensões e relações que se constituem na vida prática dos sujeitos, percebe-se a necessidade de aplicação de uma pesquisa através do uso de técnicas qualitativas de coleta e análise dos dados. A partir disso, as duas técnicas escolhidas para este trabalho foram o grupo focal e as técnicas projetivas.