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5 SKOL

5.2 A MARCA SKOL: ANTES E DEPOIS DO SEU REPOSICIONAMENTO

5.2.1 Campanhas anteriores

No entanto, será que as relações de gênero nas campanhas publicitárias acompanharam as inovações da marca? A Skol, de maneira semelhante às outras marcas de cerveja no Brasil e no mundo, também adotava a imagem feminina como um atrativo sexual para os homens (AMARAL et al, 2016). A estereotipação da mulher, a exposição exagerada do corpo feminino, a associação de que o consumo do produto satisfazia os desejos masculinos foi, durante muito tempo, o discurso utilizado pela Skol em suas campanhas publicitárias.

Figura 7 – Anúncio posicionado estabelecimentos de comercialização de cerveja

Fonte: Pinterest7

Além do uso da mulher e do prazer sexual, eram abordadas publicitariamente ideias relacionadas a situações de “consumo ideal” de álcool, como verão, calor, praia, elementos que marcaram diversas campanhas da década de 2000 (ibidem, p. 14). O slogan “A cerveja que desce redondo” – que talvez seja o mais conhecido pelos seus consumidores – conduziu muitos conceitos visuais e identitários da marca, orientados de acordo com a palavra “redondo” (como seu logotipo), a qual transmite valores de algo que é prazeroso, harmonioso, conveniente.

Dentre as campanhas mais marcantes da Skol, temos a "Se o cara que inventou ... bebesse Skol, ela não seria assim, seria assim", hoje muito debatida devido ao impacto gerado e às divergências de interpretações e opiniões. Neste caso, novamente a publicidade usa como estratégia a objetificação da imagem feminina.

A campanha foi veiculada entre 2006 e 2008 e as peças eram compostas por uma mesma imagem em diferentes contextos (AMARAL et al, 2016) e com um texto padrão para cada situação. Neste caso, o slogan “A cerveja que desce redondo” tem ligação tanto com a sexualização do corpo feminino como quanto com os elementos utilizados na campanha.

Figura 8 – Anúncio de 2006 com a chamada “Se o cara que inventou a tarja de censura bebesse Skol, ela não seria assim. Seria assim”

Fonte: Quase Publicitários8

A peça consta um corpo feminino fragmentado, censurado na região dos seios. O “redondo” do slogan e da marca visual é um recurso aqui utilizado não só para fazer

referência ao formato natural dos seios como também para representar a tarja de censura dita “ideal” para seu público consumidor – no caso, a proposta da campanha é que essa reformulação foi feita por alguém que beba Skol.

O anúncio promove uma comparação entre a tarja convencional e a arredondada, que permite uma melhor visualização dos seios femininos. A parte textual localizada na parte superior do anúncio reforça a sua ideia principal: “Se o cara que inventou a tarja de censura bebesse Skol, ela não seria assim. Seria assim.”. O anúncio é assinado pelo produto, acompanhado do seguinte texto: “Com Skol, tudo fica redondo.”. Esse slogan foi acusado de ser machista por grupos feministas e mais uma vez o CONAR recebeu denúncias. O slogan em questão marcou diversas peças publicitárias da Skol que se apropriaram da imagem feminina, como observado na evolução de suas campanhas. (AMARAL et al, 2006, p. 7)

Outro anúncio veiculado por esta mesma campanha traz um diferente objeto que seria modificado de acordo com lógicas machistas. Novamente, a peça é dividida em dois momentos, similares em alguns elementos e (quase) opostas em seus contextos.

Figura 9 – Anúncio de 2006 com a chamada “Se o cara que inventou o bebedouro

bebesse Skol, ele não seria assim. Seria assim”

Fonte: Quase Publicitários9

A mulher do anúncio ostenta sensualidade e beleza, atributos reforçados pela utilização de roupas curtas (ibidem, p. 8), tendo seu papel na narrativa sexualizado.

Em um primeiro momento, ela toma água em um bebedouro comum, porém, o uso do texto “se o cara que inventou o bebedouro bebesse Skol, ele não seria assim, seria assim” sugere que o resultado seja um bebedouro modificado em sua estrutura física, com um novo formato arredondado – e aqui temos a presença da forma geométrica redonda novamente – para que, assim, a mulher se incline para tomar água e tenha suas pernas e nádegas em evidência, a fim de formar um imaginário totalmente sexualizado no receptor. Ambas as peças ilustradas (e as demais da campanha) são assinadas com o slogan “Com Skol, tudo fica redondo”.

Essa campanha é um clássico exemplo de uma publicidade que volta a atenção do público para o corpo feminino retratado de maneira objetificado, claramente oriundo de um processo de criação machista. As peças voltam-se somente ao público masculino, descartando o consumo de cerveja pelo público feminino, o qual não encontra identificação com este tipo de anúncio. Essa campanha, no entanto, não sofreu críticas de grande repercussão durante a sua veiculação. Isso porque a sexualização feminina na publicidade ainda era naturalizada e muito presente nos valores da sociedade, além de as mídias digitais não serem tão expressivas na época, fator que não colaborou para uma possível disseminação e compartilhamento de posições feministas contrárias.

Outra campanha realizada pela Skol, dessa vez no ano de 2015, usou, novamente, a imagem da mulher de maneira pejorativa. A campanha, elaborada pela F/Nazca Saatchi & Saatchi e intitulada “Viva RedONdo”, antecedia o carnaval e fez uso de cartazes alltype tendo como principais textos as frases “Esqueci o ‘não’ em casa” ou “Topo antes de saber a pergunta”, veiculadas durante a época festiva e em diversos pontos do país (AMARAL et al, 2016; OLIVEIRA-CRUZ, 2017). As mensagens foram interpretadas, principalmente pelo público feminino, como estímulo ao assédio sexual e apologia ao estupro, “por passar a ideia de que as mulheres estão disponíveis no Carnaval e que elas podem ser abordadas e tocadas mesmo sem nenhum tipo de consentimento” (AMARAL et al, 2016, p. 10).

A gravidade tornou-se maior ainda porque, durante o carnaval, o índice de estupros aumenta consideravelmente. Logo, a reação das pessoas a uma campanha publicitária que incita este crime foi não só de denunciar ao CONAR, que suspendeu a veiculação dos anúncios graças a mais de 30 denúncias recebidas, como também de utilizar um recurso que agora era possível: sua voz nas redes sociais.

A campanha repercutiu negativamente em diversas mídias online. Para citar um exemplo, a publicitária Pri Ferrari e a jornalista Mila Alves publicaram em seus perfis pessoais no Facebook imagens mostrando sua intervenção advinda do descontentamento com a campanha, escrevendo como complemento da frase “e trouxe o nunca”, o que resultou em altos números de curtidas, compartilhamentos e comentários (OLIVEIRA-CRUZ, 2017). Isso tudo refletiu para a conscientização das pessoas a respeito de anúncios machistas, além de mostrar que as mídias digitais poderiam ser grandes aliadas nesta reivindicação.

Figura 10 – Repúdio de internautas a peças da campanha “Esqueci o ‘não’ em casa” em 2015

Fonte: Exame10

Ao ser questionada, a marca defendeu-se alegando que o texto foi redigido baseado na atipicidade do carnaval, e que esta é uma época em que os foliões normalmente não reprimem suas vontades e o curtem de maneira muito intensa. O pronunciamento da marca foi de que a campanha “tem como mote aceitar os convites da vida e aproveitar os bons momentos” (G1, 2015, s/p). A marca ainda afirmou ter sido alertada nas redes sociais que a sua comunicação poderia resultar em um duplo entendimento: “por respeito à diversidade de opiniões, substituiremos as frases atuais por mensagens mais claras e positivas, que transmitam o mesmo conceito” (G1, 2015, s/p). O comunicado finaliza com a afirmação de que repudia todo e qualquer ato de

violência física e emocional e que firma seu compromisso com o consumo responsável. A marca, então, decidiu reposicionar-se e reformular as frases, dessa vez com cartazes que continham teor mais respeitoso, como “Quando um não quer, o outro vai dançar”, “Tomou bota? Vai atrás do trio” e “Não deu jogo? Tire o time de campo”, todas assinadas pelo texto “Neste carnaval, respeite”. Além disso, após essa polêmica, foi lançada a campanha “Ter pegada é não faltar com o respeito”, coordenada pela ONU Mulheres Brasil em resposta às propagandas machistas (AMARAL et al, 2016).

Figura 11 – Reformulação dos anúncios da campanha “Esqueci o ‘não’ em casa” em 2015

Fonte: Medium11

Tudo isso mostra que a criação de peças publicitárias está sujeita a interpretações deturpadas e reação negativa do público receptor. E, recentemente, conforme já mencionado, as mídias digitais e redes sociais têm ocupado papel crucial por dar volume a reivindicações femininas e por disseminar repúdios a campanhas que objetificam a mulher, principalmente no âmbito de cerveja. Além disso, pesquisas com interesse em compreender a identificação da mulher com tais campanhas têm surgido com cada vez mais frequência, o que permite ter acesso a dados relevantes sobre o assunto.

Hallana Vitória (et al, 2017) realizaram uma pesquisa com mulheres consumidoras de cerveja que se consideram feministas, com o objetivo de compreender se o seu respectivo consumo de cerveja é influenciado ou não pelos

ideais de mulheres feministas – e também pelos ideais das próprias marcas de cerveja. Na comparação de comerciais antigos com atuais de diversas marcas de cerveja, as participantes relataram não acreditar muito no reposicionamento da maioria das marcas, sentindo-se apenas representadas com o VT da Skol referente à campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado”, que será objeto desse estudo.

Além destes dados, a pesquisa de Custódio (2017), feita através de um questionário online com cerca de 250 respostas, indicou que 9 em cada 10 pessoas acreditam que as mulheres bebem mais hoje do que antigamente, 97% das pessoas acha que a publicidade de cerveja é prioritariamente voltada ao público masculino, 78% das pessoas acredita que a mulher é vulgarizada na publicidade de cerveja e 82% das pessoas já ouviu a frase “Acho feio mulher que bebe”.

Todas as situações mencionadas indicam um desgaste por parte do público feminino por este não se identificar com a imagem da mulher que é relacionada com a cerveja, a qual foi criada e instaurada pela publicidade. A campanha do “Esqueci o ‘não’ em casa” foi um marco importante para desencadear uma mudança de atitude por parte da Skol, resultando em um grande reposicionamento dentro da marca com o intuito de transformar suas abordagens nas propagandas (ZALUSKI, 2017).