• Nenhum resultado encontrado

6 RECEPÇÃO E METODOLOGIA

6.3 GRUPO FOCAL E TÉCNICAS PROJETIVAS

O grupo focal é uma ferramenta de pesquisa qualitativa, consistindo em um debate aberto e acessível a todos os participantes, uma vez que os assuntos em questão são de interesse comum (BAUER & GASKELL, 2002). O grupo focal tradicional tem duração de uma a duas horas e compreende de seis a oito participantes mais um moderador, o qual orienta a discussão imparcialmente obtendo depoimentos.

Tal metodologia é eficaz na identificação de tendências, preferências, hábitos e percepções do consumidor, permitindo a reflexão sobre o sentido dos valores, dos princípios e também das motivações que regem os julgamentos e as percepções das pessoas (COSTA, 2005).

Seu viés é racional, porém, não em uma conotação de que a discussão deva ser puramente lógica, mas sim porque há uma troca de pontos de vista, ideias e experiências que, mesmo sendo emocionais e sem lógica, são aceitos e de suma importância para a pesquisa (BAUER & GASKELL, 2002). Essa sinergia é gerada graças à participação conjunta dos participantes e de sua interação enquanto grupo, o que enriquece as respostas obtidas.

Segundo Silva (2007), um grupo focal apresenta todas as características mencionadas como vantagem, porém, há o contratempo quanto à disponibilidade de várias pessoas em um mesmo horário.

Figura 20 – Principais características de um grupo focal

Fonte: SILVA (2007, p. 75).

Para o presente trabalho, foram organizados dois grupos focais. O público que compôs ambos os encontros foi definido de acordo com as necessidades da pesquisa, com os participantes sendo de nível socioeconômico semelhante e grau de escolaridade idêntica (todos com ensino médio completo e, atualmente, frequentando a universidade). Em ambos os grupos focais, todos os participantes eram jovens, universitários e consumidores de cerveja. No entanto, para fins de distinção e posterior análise comparativa, os encontros foram segmentados de acordo com distinção pelo gênero, sendo o primeiro realizado somente com mulheres o segundo somente com homens. Os grupos foram assim caracterizados como homogêneos: o primeiro com seis jovens universitárias consumidoras de cerveja e o outro com seis jovens universitários, também consumidores da bebida.

Os dois grupos foram aplicados de acordo com a mecânica de entrega de uma folha para preencher os respectivos dados de identificação e de outra com o roteiro de perguntas. Duas vias de um termo de consentimento e confidencialidade foram impressas, uma entregue para o participante e a outra retida pela pesquisadora.

O primeiro grupo focal foi realizado no dia 17 de outubro, nas dependências da Antiga Reitoria da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Seis jovens universitárias consumidoras de cerveja integraram o grupo. Os nomes de todos os participantes, tanto homens quanto mulheres, foram modificados a fim de preservar a confidencialidade dos dados por eles(as) fornecidos. A renda familiar foi baseada de acordo com o salário mínimo atual de R$ 954,00.

Tabela 1 – Perfil do público do grupo focal feminino

Fonte: tabela elaborada pela própria autora.

O segundo grupo focal ocorreu no dia 7 de novembro, no mesmo ambiente, e contou com seis jovens universitários consumidores de cerveja.

Tabela 2 – Perfil do público do grupo focal masculino

Fonte: tabela elaborada pela própria autora.

As características acima foram coletadas de acordo com os dados de identificação fornecidos pelos participantes, a fim de poder traçar um perfil de cada um e compreender as conexões existentes entre sua posição social e suas respectivas vivências com os modos de leitura do conteúdo publicitário, como pressupõe a socialidade. É importante ressaltar que, em ambos os grupos, todos os participantes se declararam cisgêneros quanto à identidade de gênero. Após o preenchimento destes dados, foi entregue um roteiro de perguntas que contava com três eixos

principais: 1) cerveja; 2) publicidade de cerveja e 3) Skol, os quais foram elaborados conforme os objetivos propostos. Porém, o formato semiestruturado do roteiro permitiu que demais questões que possibilitassem aprofundar algum aspecto relacionado ao tema fossem abordadas, conforme a situação sugeria.

Figura 21 – Eixo sobre cerveja aplicado nos grupos focais

Fonte: roteiro elaborado pela própria autora.

As perguntas do eixo de cerveja são questionamentos amplos, divergentes e desestruturados, com a finalidade introdutória de apresentar a temática e ambientar os participantes no debate. Além disso, outro objetivo deste tópico é identificar experiências prévias relacionadas ao consumo de cerveja e como isso pode refletir nos seus trajetos de leitura de anúncios publicitários do produto.

Figura 22 – Eixo sobre publicidade de cerveja aplicado nos grupos focais

Fonte: roteiro elaborado pela própria autora.

Da metade para o fim do roteiro, as perguntas tornaram-se focais, convergentes e estruturadas, dedicadas especificamente à relação estabelecida dos

participantes com a publicidade, de modo a trabalhar a recepção publicitária na dimensão das mediações da ritualidade e da socialidade. Assim, o eixo avalia a compreensão dessas lógicas utilizadas pela publicidade, as quais revelam aspectos da ritualidade. A mediação da socialidade está refletida nas leituras que os participantes fazem das representações sobre a imagem feminina na publicidade de cerveja e, no caso das mulheres, de que forma elas relacionam essa interpretação com o reconhecimento de si mesmas como mulheres consumidoras do produto. Ainda do ponto de vista da socialidade, através do debate em torno desses questionamentos é possível observar as diferentes formas pelas quais os entrevistados negociam com as representações de gênero presentes nos anúncios.

Além disso, o eixo de publicidade de cerveja aborda o contato do tema nas rotinas dos participantes e sua possível manifestação de apropriação, negociação ou resistência a fim de analisar os usos que estes fazem do discurso publicitário. Para isso, foi utilizado o modelo Encoding/Decoding (em tradução livre, codificação e decodificação) da mensagem de Stuart Hall.

Ao articular produção (codificação) e recepção (decodificação) da mensagem, o autor identifica os sentidos preferenciais do texto - que estão diretamente vinculados ao discurso hegemônico, uma vez que têm embutidos toda a ordem social enquanto conjunto de significados, crenças e práticas (HALL apud OLIVEIRA-CRUZ, 2016, p. 179).

Sendo assim, Hall (apud COSTA, 2012), identificou três posições hipotéticas de interpretação da mensagem midiática: uma dominante ou preferencial, quando o sentido da mensagem é decodificado de acordo com as referências da sua construção, ou seja, a pessoa concorda com o conteúdo contido naquela mensagem; uma posição negociada, quando o sentido da mensagem entra em negociação com as condições pessoais e particulares de cada receptor; e uma posição de oposição/resistência, aquela em que o receptor compreende a proposta dominante da mensagem, mas a interpretação é feita segundo uma estrutura de referência alternativa, havendo a discordância com aquele conteúdo. Dessa forma, o modelo de Encoding/Decoding permite a observação e o entendimento das lógicas de produção e da recepção cultural a partir de um cenário na qual as subjetividades estão presentes e seus significados são interpretados de diferentes formas.

Ou seja, através do delineamento dessas questões e de seu respectivo debate, foi possível observar os modos de leitura que são evidenciados graças à interação

com a publicidade, bem como a maneira como as experiências vividas na cotidianidade e nas posições sociais que ocupam dentro de um contexto social e cultural específico se fazem presentes nas interpretações que os participantes produzem dos sentidos contidos nos anúncios.

Figura 23 – Eixo sobre Skol aplicado nos grupos focais

Fonte: roteiro elaborado pela própria autora.

No último eixo, foram apresentadas questões a respeito da Skol, tanto sobre consumo quanto sobre a imagem da marca em anúncios publicitários. O questionamento sobre consumo foi com fins de compreensão da familiaridade da Skol no contexto particular de cada participante, o que possibilitava também que os mesmos opinassem sobre a publicidade da marca. Posteriormente, foram introduzidos questionamentos sobre a “Reposter – Redondo é sair do seu passado” a fim de perceber o reconhecimento da campanha pelos participantes, bem como leituras e apropriações feitas com relação a ela. Os dados obtidos através deste eixo são complemento do que foi previamente mencionado nos eixos de cerveja e publicidade de cerveja, também abrangendo informações sobre as mediações de ritualidade e socialidade.

Para finalizar o debate, foi exibido o vídeo da campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado”, no qual apenas uma jovem do primeiro grupo focal tinha conhecimento. Após a exibição, introduziu-se a última pergunta do roteiro, que diz respeito à campanha. Os dois grupos focais tiveram duração entre uma hora e uma hora e meia e foram gravados em vídeo e áudio para posterior transcrição e análise – com autorização dos participantes. Após os debates, foi solicitado aos participantes

que completassem oito questões, cujo objetivo era trabalhar técnicas projetivas, a metodologia complementar deste trabalho.

Quando algumas informações não podem ser obtidas com precisão por métodos diretos (como, neste caso, o grupo focal), são utilizadas as técnicas projetivas. Estas técnicas consistem em formas não-estruturadas e indiretas de fazer perguntas aos entrevistados, de maneira a incentivá-los a projetarem suas motivações, percepções, concepções ou atitudes sobre o tema pesquisado por meio de diferentes estímulos, tais como frases, palavras, imagens, etc (MALHOTRA apud FRANCISCO-MAFEZZOLLI et al, 2009).

Isso porque, quando questionado em uma coleta de dados mais tradicional como o grupo focal, o participante pode reagir de maneira duvidosa e pouco compreendida, pois existem motivações abaixo do nível da verbalização que têm uma tendência de serem consideradas socialmente inaceitáveis ou fora de um padrão esperado, dificultando que aspectos inconscientes e menos racionais sejam ditos em voz alta. Logo, um dos objetivos das técnicas projetivas é transpor algumas barreiras encontradas nas situações de entrevista em grupo, sendo aplicáveis em “situações em que não é possível obter informações sobre o que as pessoas pensam ou sentem através do relato verbal” (SONCINI, STEVANATO & FORTES, 1998, p. 13).

Malhotra (apud FRANCISCO-MAFEZZOLLI et al, 2009, p. 40) classificou de forma geral as técnicas projetivas em quatro grupos: 1) associações; 2) completamento; 3) construção e 4) expressivas. A classificação considerada mais adequada para ser usada neste trabalho foi a de construção, que consiste em solicitar ao participante que ele construa uma resposta em forma de uma descrição, um diálogo ou uma história.

Assim, os participantes preencheram individualmente oito questionamentos, que também foram estruturados de acordo com os eixos cerveja, publicidade de cerveja e Skol e seguiam o objetivo de identificar como as mediações de socialidade e ritualidade se mostraram presentes nos processos de interação da mensagem. Os dois primeiros questionamentos tinham relação com o eixo de cerveja referente ao roteiro do grupo focal. O intuito foi identificar as motivações para consumir cerveja e se esse consumo, quando realizado entre mulheres e homens, tem alguma interferência a partir da questão de gênero (podendo ser considerado um ato social masculino), conforme a pergunta 1.4 do roteiro do grupo focal.

Figura 24 – Técnicas projetivas sobre cerveja aplicadas nos participantes

Fonte: elaboração da própria autora.

Os questionamentos seguintes eram sobre publicidade de cerveja e retomavam os temas previamente debatidos no eixo equivalente do grupo focal. O uso das técnicas projetivas, nesse caso, se deu com a intenção de obter respostas abaixo do nível de verbalização, o que poderia trazer um conteúdo novo não mencionado anteriormente.

Figura 25 – Técnicas projetivas sobre publicidade de cerveja aplicadas nos participantes

Fonte: elaboração da própria autora.

A última questão deste eixo exigiu diferente estruturação para homens e para mulheres, contudo, a ideia que permanece entre elas é a mesma.

Figura 26 – Técnicas projetivas sobre publicidade de cerveja aplicadas nos participantes

Fonte: elaboração da própria autora.

Para o terceiro e último eixo – Skol – podemos citar o trabalho de Kay (apud FRANCISCO-MAFEZZOLLI et al, 2009), no qual foi demonstrado o uso de técnicas projetivas no estudo de marcas.

Figura 27 – Técnicas projetivas sobre Skol aplicadas nos participantes.

Fonte: elaboração da própria autora.

O autor utilizou a personificação de uma marca como uma técnica projetiva, a fim de desenvolver um modelo para entender o imaginário e a personalidade desta marca e suas relações com estilos de vida. A técnica de personificação foi descrita por Pottes & Toledo (1991) como um método que consiste em descrever um produto

ou uma marca como se fossem uma pessoa, atribuindo-lhes características físicas, estilo de vida e personalidade.

Para este eixo, foi utilizada a técnica de personificação em uma das perguntas, pois o participante poderia imaginar a marca como uma pessoa e a resposta deveria ser algo que ele diria à Skol se pudesse. Também foi proposta a reflexão sobre a intencionalidade do novo posicionamento da Skol, se foi considerado oportuno/estratégico ou genuíno. Por fim, as técnicas projetivas foram concluídas com as primeiras palavras que vieram à cabeça do participante depois da exibição do vídeo da campanha “Reposter – Redondo é sair do seu passado”.