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A criminalização de jovens vulneráveis acusados de tráfico de drogas e a atuação do Poder Judiciário na tutela de seus direitos e garantias fundamentais

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Gabriel de Carvalho Sampaio

A criminalização de jovens vulneráveis acusados de tráfico de drogas e a atuação do Poder Judiciário na tutela de seus

direitos e garantias fundamentais

MESTRADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Gabriel de Carvalho Sampaio

A criminalização de jovens vulneráveis acusados de tráfico de drogas e a atuação do Poder Judiciário na tutela de seus

direitos e garantias fundamentais

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Processual Penal, sob a orientação do Prof. Dr. Oswaldo Henrique Duek Marques.

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Banca Examinadora

_____________________________________

_____________________________________

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Maria Aparecida de Carvalho Sampaio e Derivaldo Sampaio, por todos os esforços e privações por minha criação e de minha irmã

Lygia.

À Mariana Duarte Raphael, esposa, companheira e amor da minha vida, por

todo o companheirismo nos momentos mais difíceis.

A todos os familiares pela ternura e compreensão, especialmente, Maria de Fátima Carvalho, Mariana Pereira, Sophia Belém, Walkíria Duarte, Márcio Bessa, Elvira Duarte, meus avós Epifânio e Maria (in memorian) e Luís e Walnair.

A toda equipe de trabalho e usuários do Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes, especialmente à Rosalina Santa Cruz, exemplo de luta por uma

sociedade socialista e por um Brasil com direito à memória e à verdade.

A toda equipe de trabalho e usuários do Escritório Modelo “D. Paulo Evaristo

Arns”, especialmente à Anna Cláudia Pardini Vazzoler, que primeiro acreditou em

minha capacidade profissional.

A toda equipe do Ministério da Justiça, especialmente ao Marivaldo de Castro Pereira, exemplo de superação e dedicação à transformação de nosso país.

Ao Alessandro Oliveira Soares e ao José Eduardo Cardozo, cujo apoio foi

imprescindível para a continuidade desse mestrado.

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A teoria crítica permite não só descobrir os diferentes aspectos escondidos de uma realidade em movimento, mas sobretudo abre, então, as portas de uma nova dimensão: a da emancipação.

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RESUMO

O presente trabalho é um estudo de caso de sete jovens vulneráveis processados criminalmente pela prática de tráfico de drogas e que tem por objetivo a análise da criminalização primária por tal conduta, bem como a criminalização secundária deste grupo de jovens e a atuação do Poder Judiciário em relação à tutela de seus direitos e garantias individuais. Os objetivos serão alcançados por meio de uma abordagem criminológica e da técnica de investigação que consiste na observação participante, além de pesquisa em obras nacionais e estrangeiras a respeito da criminologia, dos direitos e garantias fundamentais, do direito penal e do processo penal, bem como de dados produzidos e fornecidos por órgãos públicos, organismos internacionais e organizações da sociedade civil.

(8)

ABSTRACT

This is a case study of seven young vulnerable criminally prosecuted for the crime of drug trafficking and aims to analyze the primary criminalization for such a crime as well as the secondary criminalization of this group and Judiciary Power regarding the protection of their individual rights and guarantees. These objectives will be achieved through a criminological approach and technical research consisting of participant observation, in addition to research on domestic and foreign works about criminology, rights and guarantees, criminal law and criminal procedure, as well as data produced and provided by government agencies, international organizations and civil society organizations.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

EUA Estados Unidos da América

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH Índice de Desenvolvimento Humano

LSD Ácido Lisérgico

MEC Ministério da Educação

OAB Ordem dos Advogados do Brasil OMS Organização Mundial da Saúde ONU Organização das Nações Unidas PIB Produto Interno Bruto

SABESP Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo

SP São Paulo

STF Superior Tribunal Federal SUS Sistema Único de Saúde

UNAS União de Núcleos, Associações e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João Clímaco

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 JOVENS EM SITUAÇÃO DE RISCO, PROCESSADOS PELO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS ATENDIDOS PELO PROJETO “REFAZENDO VÍNCULOS, VALORES E ATITUDES” ... 14

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 14

2.2 A REALIDADE DOS JOVENS DA COMUNIDADE DE HELIÓPOLIS ... 17

2.2.1 Considerações sobre a Comunidade de Heliópolis ... 17

2.2.2 Observações sobre a Realidade dos Jovens do Projeto Refazendo Vínculos ... 18

2.2.3 Elementos sobre a Realidade Individual dos Jovens ... 21

3 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 32

3.1 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ... 32

3.2 CONSTITUIÇÃO PENAL E TRÁFICO DE DROGAS ... 35

3.3 DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS E O DIREITO PENAL ... 37

3.3.1 Princípio da Legalidade ... 39

3.3.2 Princípio da Intervenção Mínima... 43

3.3.3 Princípio da Lesividade ... 45

3.3.4 Princípios da Humanidade e da Proporcionalidade das Penas ... 48

3.3.5 Princípio da Individualização das Penas e Princípio da Culpabilidade ... 51

3.4 PROCESSO PENAL E OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS ... 55

3.4.1 Considerações Iniciais ... 55

3.4.2 Princípio do Devido Processo Legal ... 56

3.4.3 Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa... 57

3.4.4 Da Inércia da Jurisdição, Imparcialidade do Juiz e a Motivação das Decisões ... 60

3.4.5 Princípio da Presunção da Inocência ... 62

3.4.6 Da Razoável Duração dos Processos ... 64

(11)

4 RELATOS PROCESSUAIS E TUTELA DOS DIREITOS E GARANTIAS

INDIVIDUAIS ... 72

4.1 RELATOS PROCESSUAIS ... 72

5 ABORDAGEM CRIMINOLÓGICA ... 124

5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: criminalização primária e política criminal de enfrentamento às drogas ... 124

5.2 A CRIMINALIZAÇÃO SECUNDÁRIA DOS JOVENS ATENDIDOS PELO “PROJETO REFAZENDO VÍNCULOS, VALORES E ATITUDES SOB A PERSPECTIVA CRIMINOLÓGICA ... 133

5.2.1 Síntese dos Dados Coletados ... 133

5.2.2 Poder Judiciário e a Tutela de Direitos e Garantias ... 135

5.2.2.1 Do direito à duração razoável do processo ... 135

5.2.2.2 Direito à liberdade ... 136

5.2.2.3 Princípio da culpabilidade ... 136

5.2.2.4 Direito à ampla defesa ... 137

5.2.2.5 Direito ao contraditório ... 137

5.2.2.6 Presunção de inocência ... 137

5.2.2.7 Individualização da pena, duplo grau de jurisdição e imparcialidade ... 137

5.2.2.8 Valoração judicial em relação ao atendimento dos jovens pelo serviço de atendimento psicossocial da Pontifícia Universidade Católica ... 138

5.3 O PAPEL DOS JOVENS NA DIVISÃO DO TRABALHO NO TRÁFICO .... 139

5.4 OS RESULTADOS DO ESTUDO DE CASO À LUZ DA TEORIA DA ECOLOGIA CRIMINAL ... 141

5.4.1 Considerações Teóricas ... 141

5.4.2 Análise à Luz dos Resultados ... 143

5.5 OS RESULTADOS DO ESTUDO DE CASO PARA ALÉM DOS LIMITES DA ESCOLA ECOLÓGICA ... 144

6 CONCLUSÃO ... 149

REFERÊNCIAS ... 154

(12)

1 INTRODUÇÃO

Atualmente, o tráfico de drogas está entre as condutas tratadas com maior rigor pela legislação brasileira. Essa constatação pode ser observada na própria Constituição que, conhecida por ser estruturada sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana e pela positivação de direitos e garantias fundamentais, estipulou normas penais dirigidas a atender aos anseios punitivos estabelecidos nacional e internacionalmente, como a equiparação dessa conduta a crime hediondo, sua inafiançabilidade e a restrição a direitos como graça e anistia.

Com isso, o país hoje conta com aproximadamente um quarto de sua população prisional composta por pessoas acusadas ou condenadas pela prática desse crime, tendo-se observado que, em apenas cinco anos após a promulgação da atual Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), esse total de presos quadruplicou, sendo a grande maioria composta por jovens.1

Esses dados apontam para a necessidade de reflexão a respeito das reais consequências sociais da atual criminalização do tráfico de drogas, avaliando-se, inclusive, a realidade vivida pelas pessoas criminalizadas e de como se desenvolve o comportamento das instâncias de controle social formal e, notadamente, do Poder Judiciário, em face de seus direitos e garantias fundamentais.

Nesse sentido, este trabalho pretende analisar a criminalização primária do tráfico de drogas e a criminalização secundária de um determinado grupo de jovens vulneráveis, o que se fará por meio de um estudo de caso que permitirá conhecer a realidade vivida por cada um deles, assim como avaliar a atuação do Poder Judiciário em relação à tutela de seus direitos e garantias fundamentais.

Para lograr o objetivo traçado foram selecionados os casos de sete jovens, atendidos pelo serviço de proteção jurídico-social e de apoio psicológico (“Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes”) da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, voltado ao atendimento de jovens em situação de risco da região de Heliópolis.2 O serviço da universidade fez parte da rede sócio-assistencial da

1BRASIL. Dados estatísticos fornecidos pelo Ministério da Justiça.

Portal Ministério da Justiça,

Brasília. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={D574E9CE-3C7D-437A-A5B6- 22166AD2E896}&BrowserType=NN&LangID=pt-br&params=itemID%3D{C37B2AE9-4C68-4006-8B16-24D28407509C}%3B&UIPartUID={2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26}>. Acesso em: 20 jul. 2013.

2A comunidade de Heliópolis é a segunda maior comunidade carente do município de São Paulo.

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Prefeitura de São Paulo, entre os anos de 2002 e 2008 e, por meio de equipe multidisciplinar composta por educadores, assistentes sociais, psicólogos e advogados, prestava atendimento a cento e vinte jovens na faixa etária de doze a vinte e quatro anos, em situação de risco social e pessoal em decorrência de condições de pobreza, uso ou abuso de drogas, violência doméstica, conflitos com a lei e outras situações de vulnerabilidade.3

Para desenvolver o trabalho adotou-se a técnica de investigação sociológica denominada ‘observação participante’, que se caracteriza pelo fato de o investigador participar ativamente da vida do grupo investigado e permitir que ele analise o comportamento de seus atores em interação.4 Isto foi possível porque o investigador compunha a equipe de profissionais que atendiam aos jovens, tornando-se o responsável pela sua proteção jurídica.

Para consubstanciar o referido estudo, o trabalho está estruturado em quatro capítulos, sendo que no primeiro será tratada a realidade dos jovens atendidos pelo

“Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes”, a partir de dados relativos à idade,

escolaridade, ocupação e aos fatores de risco, coletados ao longo da observação participante, além daqueles disponíveis nos processos criminais movidos contra os jovens. Em preservação à intimidade e identidade dos jovens, eles serão designados apenas pelas iniciais de seus nomes.

No segundo capítulo será feito o estudo a respeito dos direitos e garantias fundamentais, abordando os princípios do Direito Penal e do Processo Penal, a eles ligados, bem como de seus instrumentos de tutela consagrados em nosso ordenamento jurídico.

No terceiro capítulo serão abordados os principais dados das vinte ações criminais consultadas e associadas à tutela, ou não, dos direitos e garantias fundamentais de cada jovem. Nesse capítulo, a partir da consulta aos autos desses processos e às informações disponíveis nas páginas eletrônicas dos tribunais, será dado enfoque à atuação do Poder Judiciário, enquanto instância de controle social formal e de tutela dos direitos e garantias fundamentais.

<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/aglomerados_subnormais/agsn2010.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2013.

3A respeito: Refazendo Vínculos. Disponível em: <http://www.pucsp.br/refazendovinculos/integrantes.html>.

Acesso em: 4 jun. 2013.

4DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa.

Criminologia: o homem delinquente e a

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No quarto capítulo, por sua vez, sob uma abordagem criminológica, serão analisados elementos da criminalização primária do tráfico de drogas, assim como, sobre a criminalização secundária dos jovens atendidos pelo “Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes”.

Destaca-se, ainda, que além da técnica da 'observação participante' e das consultas às informações dos processos criminais, foram necessárias pesquisas em obras nacionais e estrangeiras a respeito da criminologia, dos direitos e garantias fundamentais, do Direito Penal e do Processo Penal, bem como de dados produzidos e fornecidos por órgãos públicos, organismos internacionais e organizações da sociedade civil.

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2 JOVENS EM SITUAÇÃO DE RISCO, PROCESSADOS PELO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS ATENDIDOS PELO PROJETO “REFAZENDO VÍNCULOS, VALORES E ATITUDES”

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Preliminarmente, é fundamental destacar as características essenciais do serviço de proteção jurídico social e de apoio psicológico prestado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por meio do “Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes”.

O projeto foi constituído em 2002, enquanto campo de extensão universitária da faculdade de serviço social da universidade e fez parte da rede sócio-assistencial da Prefeitura de São Paulo até dezembro de 2008, tendo atendido em média cento e vinte jovens da comunidade de Heliópolis. Os serviços eram pautados pela valorização da vida individual e coletiva desses jovens que se encontravam em situação de risco social e pessoal, em decorrência de privação econômica, violação de direitos, comprometimento com o círculo social da violência, uso de drogas e prática de delitos. Visavam, ainda, a construção de um novo projeto de vida e novas formas de estar na sociedade através da reconstrução e ressignificação dos seus vínculos com o desenvolvimento de uma cultura reflexiva, crítica, libertária, favorecedora da compreensão da sociedade, contribuindo para a construção da autonomia e da qualidade das relações entre mulheres e homens, e valorizando um espaço alternativo de acolhimento e convívio.5

Com o intuito de enfrentar essa demanda de trabalho, o atendimento era realizado por educadores, assistentes sociais, psicólogos e advogados, tanto de forma individual como em grupos temáticos e de discussão, além de oficinas culturais, apoio jurídico, sócio-familiar e inserção escolar. A partir da articulação com a rede de serviços sociais e assistenciais, atuavam pela retomada dos vínculos rompidos ou fragilizados entre os jovens com a família, a escola e a comunidade.6

Esse conjunto de ações esteve pautado pelo cumprimento dos direitos e garantias previstos na legislação e no reconhecimento dos jovens como sujeitos de

5REFAZENDO VÍNCULOS. Quem Somos. Disponível em:

<http://www.pucsp.br/refazendovinculos/quem_somos.html>. Acesso em: 28 abr. 2009.

6REFAZENDO VÍNCULOS. Quem Somos. Disponível em:

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seus destinos, capazes de agir como cidadãos de fato, de direitos e de desejos, agindo de forma crítica e pró-ativa na sociedade.7

O atendimento jurídico realizado no âmbito desse serviço, contou, particularmente, com a assessoria do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito “Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns”.Esse núcleo foi inaugurado em 22 de agosto de 1999, em cumprimento à Portaria nº 1.886/94 do Ministério da Educação (MEC), e autorizado pela Seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP), para prestação dos serviços jurídicos e judiciários de natureza gratuita. Ele presta assessoria jurídica à população em situação de vulnerabilidade, oferecendo estágio aos estudantes e contato com a advocacia popular desempenhada de maneira interdisciplinar e multiprofissional, articulado com as áreas da sociologia, assistência social e psicologia.8

A observação participante deste pesquisador teve início em maio do ano de 2007, quando assumiu a responsabilidade da realização do atendimento jurídico dos jovens e seus familiares que frequentavam o projeto. Os atendimentos ocorriam em dois dias da semana pela manhã, sempre acompanhados por profissional da equipe multidisciplinar, responsável pelo atendimento psicossocial do jovem e seus familiares. Além desse atendimento e das orientações jurídicas nele prestadas, eram tomadas todas as providências necessárias para a garantia do atendimento jurídico integral, como a atuação em audiências, visitas a estabelecimentos penais, delegacias e unidades de internação. Nas obras publicadas em que se utiliza o método de observação participante é adotada a descrição em primeira pessoa, de modo que prefiro usar esta forma.

Cumpre destacar que o local em que o serviço se localizava (cerca de seiscentos metros dos pontos centrais da comunidade de Heliópolis) permitia que os jovens, cuja causa de sua situação de vulnerabilidade era relacionada a conflitos com a própria comunidade, tivessem o necessário acolhimento no serviço. Essas referidas situações não eram incomuns o que possibilitou, inclusive, mediações de conflitos em que ameaças de morte eram feitas diante da comunidade.

Tendo em vista a multiplicidade de fatores que causaram a situação de vulnerabilidade vivida pelos usuários do projeto, tanto os de natureza pessoal quanto

7REFAZENDO VÍNCULOS. Quem Somos. Disponível em:

<http://www.pucsp.br/refazendovinculos/quem_somos.html>. Acesso em: 28 abr. 2009.

8REFAZENDO VÍNCULOS. Apoio Jurídico. Disponível em:

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os de natureza social ‒ como a drogadição, a privação econômica, os conflitos familiares ou com membros da comunidade e até mesmo com a lei ‒ a atuação jurídica realizada no projeto era bastante diversa, contemplando desde ações de execução de alimentos a denúncias de abuso policial à Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo, havendo ainda ações sócio-educativas, ações penais, etc.

Para a realização deste trabalho, serão analisados os casos de sete jovens, maiores de dezoito anos, acusados de tráfico de drogas e atendidos pelo serviço. A análise será feita por meio de uma abordagem criminológica, que terá como enfoque dados sobre a realidade vivida por esses jovens e a atuação do Poder Judiciário diante desses casos, enquanto instância de controle social formal e de tutela dos direitos e garantias fundamentais.

É importante mencionar que, a despeito de haver menores de dezoito anos, usuários do serviço, alguns deles acusados, inclusive, da prática de ato infracional, relacionado à conduta de tráfico de drogas, do ponto de vista metodológico não se optou pela inclusão desses casos, devido às especificidades próprias do sistema de tratamento de crianças e adolescentes em nossa legislação, que perpassa tanto pela garantia de direitos, quanto pelo modelo diferenciado de responsabilização pela prática dos atos infracionais, face à garantia constitucional de inimputabilidade penal. As acusações da conduta de tráfico de drogas foram selecionadas, por suas especiais características em relação ao processo de criminalização e reprovação social, bem como em relação ao estereótipo de criminoso vulgarmente disseminado e a relevância assumida por esta conduta nas políticas criminais vigentes, especialmente desde a década de 1940.

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2.2 A REALIDADE DOS JOVENS DA COMUNIDADE DE HELIÓPOLIS

2.2.1 Considerações sobre a Comunidade de Heliópolis

A comunidade de Heliópolis surge na década de 1970, após a Prefeitura de São Paulo alojar 'provisoriamente' na área então pertencente ao Instituto Nacional de Previdência Social, cento e cinquenta e três famílias retiradas de outras duas favelas da região, onde foram construídas vias públicas. O que era para ser um alojamento provisório, transformou-se, atualmente, em uma das maiores favelas da América Latina (com cento e vinte e cinco mil habitantes, segundo o censo de 2010), mediante a ocupação por trabalhadores do hospital que já existia no local, a ação de grileiros e a mobilização de setores populares em busca da efetivação de seu direito à moradia.9

Dados levantados pela Fundação Cásper Líbero e pela União de Núcleos, Associações e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João Clímaco (UNAS), entidade sem fins lucrativos que desde a década de 1980 organiza os moradores da região pela defesa de seus direitos e cobrança de ações do Poder Público, revelam que existem na localidade mais de cem entidades da sociedade civil, como associações de moradores, organizações não-governamentais e religiosas, além de mais de três mil pontos comerciais. O transporte público não adentra ruas e vielas da comunidade, obrigando a população a se deslocar para as principais vias que dão acesso à comunidade para utilizar esse tipo de transporte.10

Segundo dados do Governo do Estado de São Paulo, em 2006, Heliópolis contava com oito escolas estaduais, com cerca de dez mil alunos matriculados; dezessete escolas municipais, sendo oito creches com aproximadamente quatrocentas crianças atendidas; seis escolas municipais de ensino infantil, com dois mil e seiscentos e doze alunos; e três escolas municipais de ensino

9Informações obtidas em: SAMPAIO, Maria Ruth Amaral de.

Heliópolis: o percurso de uma invasão.

1990. Tese de livre docência ‒ Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990. p. 4. SÃO PAULO. Governo do Estado de São Paulo. Heliópolis. Programa Nosso Bairro. Disponível em:

<http://www.nossobairro.sp.gov.br/portal.php/heliopolis>. Acesso em: 21 jul. 2013. BRASIL. Censo 2010. IBGE, Brasília. Disponível em:<http://censo2010.ibge.gov.br/resultados>. Acesso em: 21 jul. 2013.

10União de Núcleos, Associações e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João Clímaco

(UNAS). HELIÓPOLIS. Memórias de Heliópolis. Disponível em:

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fundamental com três mil e oitocentos e quarenta e oito alunos. Em 2007, havia apenas 8% de casas servidas por água na região.11

Como resultado do Censo de 2010, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) classificou Heliópolis como um “aglomerado subnormal” que representa um conjunto de habitações carentes, ocupando, em sua origem, terrenos irregulares com urbanização fora dos padrões vigentes ou em precariedade de serviços públicos essenciais.12

A comunidade fica a cerca de dez quilômetros do centro da cidade de São Paulo13 e tem atuação conhecida do tráfico de drogas, atendendo a demanda de um público consumidor das regiões centro-sul da cidade de São Paulo e também da cidade de São Caetano do Sul, com a qual a comunidade faz divisa e que é conhecida por possuir o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil.14

Esse é o cenário social vivido pelos jovens do presente estudo de caso, e com o qual formam a sua identidade pessoal, que pode ser definida como um produto dinâmico e composto pela totalidade de significantes da sua interação dialética com a sociedade.15 Deste modo, portanto, todos os elementos, serão combinados com as situações e condições específicas da vida de cada jovem e constituirão fatores para a análise criminológica abordada neste trabalho.

2.2.2 Observações sobre a Realidade dos Jovens do Projeto Refazendo Vínculos

A observação participante me permitiu constatar um fator muito marcante nos jovens atendidos pelo serviço da universidade: sua irresignação com as dificuldades impostas ao pleno desenvolvimento de suas cidadanias.

11SÃO PAULO. Governo do Estado de São Paulo. Veja as ações do estado em Heliópolis.

Programa Nosso Bairro. Disponível em: <http://www.nossobairro.sp.gov.br/portal.php/heliopolis>. Acesso em: 21 jul. 2013.

12INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.

Censo Demográfico 2010

Aglomerados subnormais: Primeiros resultados.Rio de Janeiro: IBGE, 2011. p. 19.

13Mapas Google. Disponível em:

<

https://maps.google.com.br/maps?client=ubuntu&channel=fs&oe=utf-8&q=07780-000&ie=UTF-8&ei=Fk70UYnQOY_a8ATqhoDABQ&ved=0CAoQ_AUoAg>. Acesso em: 28 jul. 2013.

14PNUD. Atlas Brasil 2013. Ranking do IDH dos municípios do Brasil. Disponível em:

<http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/IDH_Municipios_Brasil_2000.aspx?indiceAccordion=1&li=li_R anking2003>. Acesso em: 28 jul. 2013.

15DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa.

Criminologia: o homem delinquente e a

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Evidentemente, essa irresignação, expressa de diferentes maneiras, muitas vezes, individuais e desorganizadas, mas certamente presente de alguma forma em cada jovem que participava das atividades do projeto.

Por vezes, essa característica se manifestava em forma de rebeldia contra arbitrariedades e injustiças sofridas. Outras vezes, nas expressões do hip hop e diversas manifestações culturais, na luta por direitos nas relações de trabalho, na “indisciplina” ou no abandono do colégio, no cometimento de atos considerados ilícitos, ou até mesmo na reprodução de injustiças e autoritarismos em relações privadas, afetivas ou familiares, consumo de drogas lícitas ou ilícitas, etc.

A própria forma como se deu o primeiro contato com os jovens reforça essa constatação. O início do trabalho deste pesquisador no “Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes” ocorreu após uma ‘sublevação’ dos usuários do serviço contra o então advogado que prestava atendimento jurídico. Isso se deu, não por alguma falha em seu trabalho, mas pelo fato de ele ter sido agente de segurança em uma das unidades de internação de adolescentes, na qual alguns deles já haviam cumprido medida. Esse fato, que não era de conhecimento da coordenação do projeto e, ao ser revelado por um dos jovens, gerou uma situação de tensão absolutamente associada ao fato de que, para eles, aquele profissional representava a repressão institucional que sofreram em sua trajetória de vida.

Nesse cenário, alguns fatores favoreceram a minha atuação com aquele público, como o fato de ser negro, usar tranças no cabelo, ter crescido na periferia da cidade e ter atuado em movimentos sociais. Não obstante, esses fatores também geraram outros desafios, como o de superar estereótipos e demonstrar para aqueles jovens que, com aquelas características também era possível ser um profissional competente.

(21)

luta dos moradores foi se fortalecendo e garantindo a conquista de reconhecimento por alguns direitos básicos.16

Essa característica encontrou na coordenadora do serviço, Professora Dra. Rosalina Santa Cruz, uma referência fundamental, por conta de seu histórico de militância política e de resistência à ditadura militar, além de ter sido secretária municipal de bem-estar social durante o mandato da Prefeita Luiza Erundina (1988-1992), cuja trajetória na área da assistência social do município estava diretamente ligada àquela comunidade.17

Os fatores que geravam o maior assédio para que os jovens atendidos pelo projeto se aproximassem da criminalidade, eram o desemprego e a drogadição. Havia na comunidade de Heliópolis conhecidos pontos de comércio de drogas e que sempre tinham demanda para absorção de novos jovens em atividades no varejo. Em geral, eles eram recrutados para atuar na venda direta aos usuários ou no transporte de pequenas quantidades para o ponto de venda (atividade conhecida como ‘mulas’). Nenhum chegava a integrar qualquer posto em organização criminosa e, em geral, quando atuavam na atividade ilícita eram rapidamente presos. Não encontrei naqueles jovens acusados de tráfico de drogas as características que compunham o estereótipo do traficante, de ser violento e corruptor e que obriga pessoas puras e indefesas a consumirem substâncias malignas. Daqueles que efetivamente se envolveram com atividades criminosas relacionadas ao tráfico, nenhum tinha perfil violento ou mesmo projetava uma carreira criminosa. Todos, com maior ou menor intensidade, buscavam oportunidades de emprego e subsistência em atividades lícitas, no que, na maioria das vezes, eram mal sucedidos.

As experiências prisionais dos jovens atendidos pelo projeto foram incapazes de promover a ressocialização de qualquer um deles. Em todos os casos havia regressão em relação aos avanços obtidos no trabalho realizado pelos serviços da universidade, que se demonstrou mais apto a promover de forma individualizada a superação de certas condições de vulnerabilidade vividas por cada jovem.

16Sobre o histórico de mobilização social da comunidade: SAMPAIO, Maria Ruth Amaral de. Heliópolis:o percurso de uma invasão. 1990.Tese de livre docência ‒ Universidade de São Paulo,

São Paulo, 1990. p. 5.

17BRASIL. Senado Federal, Brasília. Disponível em:

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Ao longo do estudo de caso, não foi constatado nenhum tratamento individualizado nas prisões por onde esses jovens estiveram, nem sequer uma equipe social, com a qual se pudesse intercambiar experiências de atendimento, tampouco as atividades básicas previstas na legislação, como estudo, trabalho ou qualquer outra atividade produtiva.

Em todas as visitas aos jovens nos estabelecimentos penais era possível perceber os efeitos do seu isolamento da família e das atividades do projeto, quando sequer a legislação se fazia cumprir em seus objetivos no atendimento das demandas básicas dos jovens presos, como saúde, vestuário, acesso ao trabalho e ao estudo, deixando mais evidente que o sistema penal representava em suas vidas apenas a face repressora e vingativa da sociedade.

2.2.3 Elementos sobre a Realidade Individual dos Jovens

A.S.L.

A.S.L., homem negro, magro e alto, tinha vinte e quatro anos quando foi preso. Estudou apenas até o término do ensino fundamental e trabalhava como porteiro.

Era usuário de drogas e tinha neste aspecto o principal fator pessoal de vulnerabilidade. Procurara além da ajuda do “Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes”, o apoio da religião, tornando-se assíduo frequentador de uma igreja pentecostal, influenciado por seus familiares mais próximos que já frequentavam a mesma igreja.

Contava com respaldo familiar no momento da prisão, que foi informada por sua irmã mais velha à equipe do serviço mantido pela universidade. O próprio jovem a orientou que o fizesse a fim de que sua defesa jurídica fosse prestada pelo “Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes”.

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motivos para traficar. Ele era apenas um usuário de drogas que enfrentava tal condição.

Por uma única vez antes de sua prisão atendi A.S.L., rapaz tímido e que havia buscado orientações a respeito das providências necessárias para formalizar seu pedido de auxílio-doença, uma vez que sentia fortes dores no pé e procuraria um médico. Já na prisão tive a oportunidade de visitá-lo uma vez. Ele estava preso no Centro de Detenção Provisória da Vila Independência, região da Vila Prudente18, e havia ficado ainda mais fechado e abatido com a situação que vivia. Reafirmava a sua inocência e sua maior preocupação era a de logo deixar a penitenciária. Infelizmente isso só ocorrera após um ano e quatro meses de sua prisão, quando o Tribunal de Justiça reconheceu a sua inocência.

As consequências do período em que esteve preso foram muito graves em sua vida. Não teve nenhuma oportunidade de trabalho ou de estudo, nem mesmo atenção específica pelo fato de ser usuário de drogas. Mesmo tendo sido considerado inocente, esteve preso por tempo suficiente para ter sofrido todas as consequências maléficas da prisão. Quando ele foi libertado já não podia mais contar com o atendimento do “Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes”, apesar de possuir ainda a referência dos serviços jurídicos oferecidos pela Pontifícia Universidade Católica, mas em local de difícil acesso para quem tinha que se deslocar desde Heliópolis, principal razão para que não mantivesse mais contato pessoal com os serviços da universidade.

Após seis meses em liberdade e desempregado A.S.L. foi novamente preso, desta vez, acusado da prática do crime de roubo majorado (art. 157, § 2º, I e II do CP). Sua defesa jurídica, neste caso foi feita pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Segundo informações obtidas na página eletrônica do Tribunal de Justiça fora condenado, em 03 de novembro de 2009, à pena de seis anos, dois meses e vinte dias, em regime fechado.

18Referido estabelecimento penal se localizava proximamente à comunidade de Heliópolis. Inclusive,

(24)

B.C.M.

B.C.M., homem branco, magro e de baixa estatura e tinha vinte e um anos quando foi preso. Estava desempregado há cinco meses, todavia, cursava o sétimo semestre da faculdade de Ciências da Computação. Era um jovem de classe média baixa, cujo pai era professor e a mãe dona de casa.

Os fatores determinantes de sua situação de vulnerabilidade se referiam à drogadição e a conflitos familiares. B.C.M atribuía o início do consumo de drogas à depressão causada pelas circunstâncias em que ocorrera a separação de seus pais.

A esse respeito, os conflitos familiares gerados no processo culminaram com a lavratura de boletim de ocorrência em que o pai de B.C.M. alegava ter sofrido agressões da mãe, acusando-a de abandono de lar, ao passo que ela, por sua vez, alegava maus-tratos pelo marido. A separação foi judicializada, até que, em audiência de conciliação, ambos chegaram a um acordo.

Desde que B.C.M. fora preso, ele teve pleno respaldo familiar e, tanto a mãe quanto o pai engajaram-se no seu atendimento jurídico-social, de tal modo que a experiência da prisão do filho fez com que ambos, naquele momento, superassem suas diferenças em prol de suas demandas.

Após a condenação B.C.M. foi transferido para o estabelecimento penal do município de Franco da Rocha, há aproximadamente cinquenta quilômetros da capital. Durante esse período, o jovem recebeu visitas de sua mãe em praticamente todas as datas destinadas a este fim. Seu pai também o visitou algumas vezes.

Em nenhum momento da prisão, teve garantidas atividades de trabalho ou de estudo. Ao contrário disso ainda encontrou óbices para ter garantidas saídas temporárias para exercício de suas atividades de ensino fora da prisão, uma vez que, cursando a universidade em comarca diversa não pode obter autorização para retomar seu curso universitário, até que estivesse em regime aberto.

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região e municiar o projeto das informações necessárias para a realização da defesa jurídica do filho.

Vale ressaltar que, em suas idas ao fórum ele também colaborou com a coleta de informações a respeito de processos de execução de outros jovens atendidos pelo serviço e presos na mesma comarca.

Com a colaboração dos pais o projeto atuou em favor de B.C.M. para garantia da retomada de seus estudos mediante a reativação de sua matrícula na faculdade de ciência da computação. Essa ativa participação de seus pais também foi determinante para que ele conseguisse uma oferta de emprego e com isso garantisse um melhor retorno ao convívio social.

Tive contato pessoal com o jovem logo após a sua libertação. Ele esteve acompanhado dos pais para agradecer pelo engajamento na sua defesa jurídica e celebrar a nova fase da vida, em que retomaria trabalho e estudos além de uma nova relação com seus pais.

E.S.A.

E.S.A., homem branco, magro e de baixa estatura, tinha vinte e quatro anos quando foi preso. Estava em livramento condicional, concedido na execução de pena aplicada pela prática de roubo, ocorrida em setembro de 2003.

O jovem tinha como fatores de vulnerabilidade o aspecto pessoal, além do uso abusivo de drogas e sua conturbada relação com a ex-companheira, com quem tinha uma filha.

Do ponto de vista social, ainda passava por sérias dificuldades econômicas em prover o próprio sustento e o da criança. Além disso, interrompeu os estudos ao término do ensino fundamental, tendo como profissão a de servente e auxiliar de limpeza, não possuindo, na data dos fatos, vínculo formal de emprego.

(26)

sendo a última delas no sentido de buscar o consenso em relação ao estabelecimento de regras de visita de E.S.A. à sua filha sem que tivesse contato com a ex-companheira. Essa tentativa restou infrutífera devido à sua prisão.

Por diversas vezes E.S.A. compareceu ao atendimento jurídico para tratar de temas e da sua relação com a ex-companheira, assim como para o cumprimento de suas penas, visitas, guarda e sustento de sua filha. A esse respeito, o jovem desdobrava-se para arcar com gastos essenciais para subsistência da criança, inclusive complementando sua renda como “catador de latas recicláveis”. Segundo ele, seria capaz de fazer o que fosse necessário para que sua filha não passasse fome, experiência pela qual ele já havia passado.

A dependência química era um dos motivos de seu desentendimento com a ex-companheira e suas dificuldades em superar o problema agravavam a desarmonia entre os dois afetando, inclusive, a criação de sua filha, diante das constantes discussões que tinham.

Seu envolvimento com o tráfico de drogas foi pontual e fruto da associação desses dois fatores: a dependência química e as dificuldades em prover a própria subsistência e, sobretudo, a de sua filha. E.S.A. já anunciava que preferia cometer algum ato ilícito a ser o responsável, caso ela viesse a passar fome. Cometeu o ilícito e a situação de sua filha ficou ainda pior, tornando-se ainda mais dependente da rede pública de proteção social.

F.H.S.Z.

F.H.S.Z., homem branco, magro e de estatura mediana, tinha dezoito anos quando foi preso. Estava desempregado e havia abandonado a escola antes de completar o ensino médio. Quando adolescente já havia cumprido medida socioeducativa de internação. Era dos jovens mais ativos no “Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes”, tendo representado os usuários do serviço em vários encontros e debates promovidos pela universidade e órgãos públicos, tratando da realidade vivida na comunidade e das demandas por políticas públicas na região.

(27)

renda necessária para suprir suas necessidades básicas de subsistência, dependendo, muitas vezes, da rede sócio-assistencial, articulada por meio da universidade.

F.H.S.Z. contou com a ajuda do projeto para enfrentar os problemas vividos com o desaparecimento de sua avó, única familiar conhecida e com quem morava. Segundo o jovem, ela era acusada de cometimento de pequenos estelionatos, razão pela qual desapareceu, versão essa também propalada por membros da comunidade. Ambos tinham como principal fonte de renda o aluguel de três pequenos cômodos no imóvel que ocupavam, cada um ao valor mensal de R$ 200,00.

Com o desaparecimento de sua avó, os inquilinos deixaram de efetuar o pagamento dos aluguéis, assim como das contas de água e luz do imóvel. Toda vez que cobrados pelo jovem alegavam dificuldades financeiras. Certa vez, F.H.S.Z. solicitou ajuda, pois, iria abandonar sua residência por conta de uma carta de cobrança, emitida pela fornecedora de água (SABESP), de valor superior a R$ 2.000,00. Foram tomadas pela equipe do projeto providências junto à empresa, resultando em acordo de negociação do débito. Do mesmo modo foram feitas gestões bem sucedidas com os demais moradores do local, para pagamento das parcelas do acordo, bem como das demais contas da residência, a fim de não serem agravados os problemas já vividos pelo jovem.

É de se destacar seu empenho na busca por oportunidade de emprego. Com a ajuda da equipe do projeto redigiu seu currículo profissional, e diariamente ia ao centro da cidade distribuí-lo, sendo que sempre questionava em seus atendimentos sobre o conhecimento de alguma vaga.

Chegou até conseguir alguns trabalhos esporádicos e pontuais, como auxiliar de pintor, ajudante geral e captador de clientes de uma imobiliária.

A curta duração desses trabalhos, com os quais conseguia garantir um mínimo de subsistência, era um fator que muito o perturbava e o fazia, de um lado, compartilhar momentos de depressão em seus atendimentos e, de outro, a concordar com a importância de retomar os estudos e a manifestar seu desejo de se tornar advogado ou assistente social. Paralelamente a isso, intensificava o uso de drogas.

(28)

sido atendida quando buscou ajuda para enfrentar as dificuldades em obter autorização de seus pais para visitar o namorado preso. Tal intervenção foi bem sucedida e seu respaldo foi fundamental a F.H.S.Z., durante o período da prisão, garantindo, inclusive, que ele mantivesse a posse indireta da casa em que morava.

Esteve preso por quase onze meses e em nenhum momento pode ser incluído em atividade laborativa ou de estudo, ao longo desse período.

Quando libertado retomou suas atividades no “Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes”, sendo o principal incentivador dos demais jovens do projeto para que procurassem alternativas à criminalidade. Foi dos usuários que mais se revoltou com o encerramento do serviço, em dezembro de 2008 e planejava coordenar um futuro serviço que viesse a ocupar o espaço deixado pelo projeto que o acolheu.

Contudo, segundo informações passadas por uma pessoa da comunidade atendida na universidade, F.H.S.Z. foi novamente preso no ano de 2009. Segundo dados colhidos no Distribuidor Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o jovem foi condenado, em 14 de maio de 2009, por roubo majorado. Através da mesma fonte de dados foi possível tomar conhecimento que em abril de 2012 foi novamente denunciado e, em 23 de maio de 2013, pronunciado sob a acusação da prática de homicídio qualificado tentado (art. 121, § 2º, IV e V, art. 73 e 14, II do CP).

J.K.S.A.

J.K.S.A., homem negro, magro e de estatura mediana, tinha dezoito anos quando foi preso. Frequentou por algumas vezes o “Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes” na companhia de amigos para participação em grupos de discussão coletiva, sem que tivesse tido um atendimento individual específico. Estudou apenas até o término do ensino fundamental e vivia em situação econômica bastante difícil.

(29)

Sua família passou a ser atendida pela equipe do projeto, contudo, por conta da outra face do problema das drogas, envolvendo um de seus primos, que foi encaminhado ao serviço da universidade pelo juízo da Infância e Juventude da Capital para receber atendimento psicossocial. Este primo de quatorze anos chegara à situação limite do uso abusivo de crack e esteve desaparecido por semanas, tendo perdido o contato com a própria família. Graças à intervenção da equipe da universidade, fora voluntariamente internado em uma clínica de recuperação de dependentes químicos.

Os pontos de contato mais importantes para o resgate de seus vínculos familiares eram os pais de J.K.S.A. (tios do garoto). E, ao longo de um desses atendimentos, recebiam apoio e revelavam os problemas vividos desde a prisão de J.K.S.A.

As circunstâncias da prisão do jovem abalaram psicologicamente seus pais, uma vez que, segundo sua mãe, ela havia lhe entregue dinheiro para que ele fosse à mercearia. No trajeto o jovem parou para conversar com duas amigas, momento em que após abordagem da polícia foi preso em flagrante. Não possuía drogas, apenas dinheiro. Durante todo o tempo em que ele esteve preso, seus familiares e membros da comunidade que tinham tomado conhecimento dos fatos, sempre se referiam à sua prisão como caso claro de abuso policial e de injustiça na condenação criminal.

Foram poucos os contatos mantidos com o jovem durante o período em que esteve preso e sempre ficou clara a sua ansiedade de que sua inocência fosse reconhecida pelo Judiciário, além da profunda preocupação com a situação de seus pais. Relatava que não teve qualquer oportunidade de trabalho ou estudo nas prisões por onde passou.

Depois de pouco mais de dois anos de prisão foi finalmente libertado, após ter sido reconhecida a sua inocência. Não teve mais o respaldo do “Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes”, por conta do seu fechamento, mas pode retomar o convívio de seus pais e ajudá-los a superar algumas das dificuldades pelas quais passavam.

M.A.T

(30)

O jovem iniciou suas atividades no “Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes”, aos dezesseis anos e encaminhado pelo juízo da infância e juventude para cumprimento de medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade. Mesmo após o término da medida manteve suas atividades regulares no projeto, até ser internado em hospital do sistema único de saúde, com problemas psicológicos, quando estava com dezoito anos.

Após a internação voltou ao projeto, onde participava do grupo de drogadição. Além desse aspecto pessoal, outro fator preponderante para sua situação de vulnerabilidade derivava de sua difícil condição econômica. A renda familiar era basicamente proveniente do trabalho de seu pai como vendedor de doces em ponto de ônibus.

Foi preso e processado pela prática de roubo, em janeiro de 2008, e condenado em maio do mesmo ano, à pena de quatro anos de prisão em regime inicial semiaberto.

Teve acompanhamento jurídico-social da universidade durante a execução da pena, contando com a constante participação de seu pai que demonstrou total compromisso com o enfrentamento das causas de vulnerabilidade do filho, garantindo-lhe, na medida de suas possibilidades, respaldo familiar para que ele enfrentasse o desafio.

Quando já havia progredido para o cumprimento da pena em regime aberto, fora preso e processado pela prática do crime de tráfico de drogas.

Tive a oportunidade de atender o jovem por algumas vezes e ele sempre se mostrou muito tímido e calado. O pai relatava as dificuldades que o filho sempre teve em interagir com as demais pessoas e reconhecia que ele tinha problemas psicológicos, o que sempre o sensibilizou a procurar todas as formas de ajuda, assim como o fazia ao acompanhar o cotidiano do filho no cárcere.

Por conta de referidas dificuldades M.A.T. também encontrou problemas para prosseguir nos estudos, bem como para conseguir desempenhar atividades remuneradas, por essa razão trabalhava com seu pai e conseguia, por vezes, trabalhos esporádicos como entregar galões de água na região em que morava.

(31)

trabalho, ou qualquer outra iniciativa ressocializadora ou de atenção pelo fato de ser usuário de drogas.

W.V.S.

W.V.S., homem pardo, magro e de baixa estatura, tinha vinte anos quando foi preso. Tinha sido absolvido da acusação de estelionato há pouco mais de um ano. Estudou até o ensino fundamental e estava desempregado. Iniciou o acompanhamento pelo “Projeto Refazendo Vínculos, Valores e Atitudes” aos dezesseis anos.

Como fatores que compunham sua situação de vulnerabilidade pessoal, destaca-se o uso abusivo de drogas. Iniciou o uso de maconha aos treze (13) anos e aos dezessete passou ao consumo abusivo de álcool. Foi internado para cumprimento de medida socioeducativa em razão da prática de ato infracional correspondente ao crime de furto.

Foi encaminhado pelo juízo da infância e juventude, com apoio do projeto, para uma clínica de tratamento de dependentes de drogas, onde ficou internado por aproximadamente nove meses.

Após o início da fase ambulatorial de tratamento, permaneceu em abstinência por cerca de seis meses, quando passou a consumir crack e cocaína.

Vivia em precária situação econômica, dependendo do auxílio da rede sócio-assistencial para sua própria subsistência. Por outro lado, sempre contou com o respaldo de sua mãe para o enfrentamento das questões relacionadas ao seu atendimento psicossocial.

Foi preso em flagrante, no dia 19 de Agosto de 2006, tendo ficado preso por sete meses até ter reconhecido seu direito à liberdade provisória. Uma vez em liberdade retomou suas atividades no projeto, ficando especialmente dedicado àquelas relativas ao enfrentamento de sua dependência química. Ainda assim, mantinha o uso abusivo de “crack” e, em razão dessa circunstância, foi morar nas ruas do centro de São Paulo.

(32)

Assim como todos os demais jovens do projeto em ambas as situações em que esteve preso não teve acesso a trabalho ou a estudo nos estabelecimentos penais que frequentou, tampouco atenção psicossocial contínua por parte de equipe dos estabelecimentos.

(33)

3 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Neste capítulo serão estudados os Princípios do Direito Penal e do Processo Penal, ligados aos direitos e garantias fundamentais, bem como os instrumentos de sua tutela, analisados a partir das normas aplicáveis às condutas de tráfico de drogas consagrados em nosso ordenamento jurídico. Tais elementos serão a base para a análise da atuação do Poder Judiciário nos casos envolvendo os jovens do presente estudo de caso.

3.1 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição da República de 1988 estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos de seu Estado Democrático de Direito, o que se tornou possível graças a um processo histórico mais geral e intermitente de lutas populares por liberdades, como aquelas travadas contra o domínio colonial e escravocrata19, contra as políticas oligárquicas da República Velha que culminaram com a Revolução de 1930, bem como aquelas empreendidas contra as ditaduras conduzidas por Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945, e pelos militares, entre 1964 e 1984.

Esse processo nacional também teve correspondência, no cenário mundial, com lutas contra regimes que tentaram degradar a pessoa humana e que tiveram como desfecho o desenvolvimento do Estado Social de Direito, inaugurado com as Constituições e textos internacionais que se seguiram após a Segunda Guerra Mundial, como a Constituição Francesa de 1946, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Organização das Nações Unidas, em 10 de Dezembro de 1948, a Constituição Alemã de 1949, etc.20

19Referência à Inconfidência Mineira (1789), Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates (1798), a

Confederação do Equador (1824), a Guerra da Cisplatina (1825) a Guerra da Cabanagem (1835-1840), a Guerra dos Farrapos (1835-1845), a Guerra dos Malês (1835), a Sabinada (1837), a Balaiada (1838-1841). A respeito: MOTA, Myriam Brecho; BRAICK, Patrícia Ramos. História, das cavernas ao terceiro milênio. São Paulo: Moderna, 1998. p. 379-398.

20MIRANDA, Jorge. A dignidade da pessoa humana e a unidade valorativa do sistema de direitos

(34)

Com isso, pode-se dizer que a Constituição de 1988 representa mais um avanço da luta histórica contra os autoritarismos de Estado, desenvolvendo a noção da prevalência da dignidade da pessoa humana e fortalecendo tanto os direitos individuais quanto um amplo catálogo de direitos sociais. Esse rol de direitos implicou um novo caminho para a atuação estatal, pautada pela promoção do desenvolvimento em alicerces formal e materialmente democráticos, visando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Desse modo, é consagrada a unidade de sentido, de valor e de concordância prática a um sistema de direitos fundamentais, que repousa na dignidade da pessoa humana e, portanto, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado.21 Assim, pode-se dizer que esse valor se impôs como núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional.22

Os direitos fundamentais que, por sua vez, representam os direitos humanos objetivamente vigentes na ordem jurídica, têm como função primeira a defesa da pessoa humana e da sua dignidade perante os poderes do Estado.23 Têm, ainda, como características: a universalidade, pois são aplicados a todos os seres humanos; a historicidade, uma vez que nascem, evoluem e se ampliam no curso da história das lutas sociais; a inalienabilidade, porque são indisponíveis, inegociáveis, e intransferíveis; a imprescritibilidade, pois nunca deixam de ser exigíveis.24

Esses direitos são institucionalizados em uma sequência histórica gradativa, cumulativa e qualitativa, representada em três gerações. Os direitos da primeira geração são os chamados direitos da liberdade, os direitos civis e políticos que representam a primeira fase do constitucionalismo ocidental e têm o indivíduo como titular, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam como principal característica sua subjetividade. São direitos de

21MIRANDA, Jorge. A dignidade da pessoa humana e a unidade valorativa do sistema de direitos

fundamentais. In: SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. (Orgs.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 169.

22PIOVESAN, Flávia.

Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva,

2010. p. 27.

23CANOTILHO, José Joaquim Gomes.

Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra:

Almedina, 2003. p. 393-408.

24SILVA, José Afonso da.

Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2001. p.

(35)

resistência ou de oposição perante o Estado.25 Estão consagrados, especialmente no art. 5º da Constituição brasileira de 1988.

Já os direitos humanos de segunda geração são aqueles associados ao princípio de igualdade, são os direitos econômicos, sociais e culturais, direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo pelas distintas formas de Estado Social.26 Estão positivados, em sua maioria, nos artigos 6º a 11, e 170 a 217 da atual Constituição.

Os direitos de terceira geração, por sua vez, estão relacionados ao valor da fraternidade, são os direitos difusos e coletivos que têm como destinatários o gênero humano e podem ser associados com o direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.27 Estão positivados, entre outros, nos artigos 220 a 225 da Constituição Federal.

A dignidade da pessoa humana, portanto, é o princípio que coenvolve a todos esses direitos, configurando-se como o princípio axiológico fundamental, um

“metaprincípio” irredutível, insubstituível e irrepetível que a Constituição enuncia e protege.28

Essa proteção se dá por meio das garantias constitucionais gerais e especiais. As garantias gerais dizem respeito à própria organização política dos poderes públicos e aos mecanismos de deter, constranger e impedir o seu arbítrio, em face dos direitos dos cidadãos. Tais garantias gerais se expressam tanto na forma rígida da Constituição, quanto no regime jurídico dos direitos e garantias individuais (declarados como cláusula pétrea no inciso IV, do § 4º, do art. 60 da CF), na separação de poderes capaz de garantir a estruturação de instituições voltadas a solucionar conflitos e, em especial, permitir a defesa do cidadão face aos agentes do Estado.29

Já as garantias constitucionais especiais podem ser classificadas em: garantias criminais preventivas, que compreendem a legalidade da prisão, sua comunicabilidade, a afiançabilidade do delito, o habeas corpus, a plenitude de defesa, a inexistência de tribunais de exceção, a legalidade do processo e da

25BONAVIDES, Paulo.

Curso de Direito Constitucional.São Paulo: Malheiros, 2012. p. 581-582. 26Ibid

., p. 582-583. 27Ibid

., 587-589.

28A respeito: MIRANDA, Jorge. A dignidade da pessoa humana e a unidade valorativa do sistema de

direitos fundamentais. In: SILVA, Marco Antonio Marques da; MIRANDA, Jorge. (Orgs.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 170.

29FERREIRA, Pinto.

(36)

sentença, o júri; garantias criminais repressivas que compreendem a humanização, personalização e individualização da pena, a vedação da prisão civil por dívidas (à exceção daquela por alimentos) e a vedação de extradição do nacional ou estrangeiro por crime político ou de opinião; além das garantias tributárias e das garantias civis que abrangem desde o mandado de segurança, ao habeas data, a ação popular e o direito de representação.30

Em face dessas características de formação e positivação dos direitos e das garantias fundamentais, torna-se ainda mais importante a análise de sua efetividade, sobretudo, ao envolver um grupo de jovens vulneráveis advindos de uma realidade social especialmente peculiar, tanto pelo claro défice existente na efetivação de seus direitos de segunda e terceira geração, quanto pelo fato de residirem em uma comunidade conhecida por suas mobilizações que sempre pressionaram o Poder Público ao atendimento de suas demandas. Soma-se a isso o contexto de reprovação social ao crime de tráfico de drogas que tem como consequência uma política criminal repressiva e, muitas vezes, a mitigação de parte desses direitos e garantias.

Portanto, com o presente estudo de caso será possível reduzir a distância entre o discurso abstrato da universalidade dos direitos e garantias fundamentais, e a realidade de sua aplicação a partir de um microcosmo que revela peculiaridades desafiadoras à sua concreta efetivação.

3.2 CONSTITUIÇÃO PENAL E TRÁFICO DE DROGAS

Em que pese o rígido arcabouço protetivo dos direitos e garantias fundamentais positivados na Constituição de 1988, o texto constitucional seleciona um rol de condutas para os quais legitima explicitamente uma especial ação repressiva estatal.

Esse rol de condutas é composto pelo racismo (art. 5º XLII), a tortura, o tráfico de drogas, o terrorismo, os crimes hediondos (art. 5º XLIII), a ação de grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV) e a violência ou exploração sexual da criança e do adolescente (art. 227, § 4º).

30FERREIRA, Pinto.

(37)

Essa especial legitimação repressiva atribuída pela Constituição, denominada de mandados de criminalização31 ou de Constituição Penal dirigente, foi a forma pela qual o constituinte recepcionou os anseios punitivos em relação a tais matérias e mitigou sua própria principiologia de redução da violência punitiva, formando, especialmente em relação ao tráfico de drogas, um núcleo penal dirigente plenamente realizado pelo legislador ordinário, desde sua promulgação32, como se pode observar, principalmente pela edição da Lei dos Crimes Hediondos (8.072/1990).

Pode-se mencionar, como parte desse núcleo constitucional penal dirigente, no caso específico do tráfico de drogas, a equiparação dessa conduta a crime hediondo, sua inafiançabilidade e a restrição a direitos como graça e anistia (art. 5º, XLIII). Além disso, a exceção à vedação da extradição do brasileiro, a imediata expropriação, sem indenização, de glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (art. 243), o confisco de bens apreendidos em decorrência do tráfico (art. 243, parágrafo único).

No âmbito da legislação infraconstitucional, por sua vez, este núcleo foi robustecido com a vedação ao indulto (art. 2º, I da Lei de Crimes Hediondos), a disposição do regime inicialmente fechado para cumprimento da pena (§ 1º do art. 2º da Lei de Crimes Hediondos)33, os prazos mais longos para a progressão de regime (§ 2º do art. 2º, da Lei de Crimes Hediondos)34, concessão do livramento condicional (art. 5º da Lei de Crimes Hediondos) e de duração da prisão temporária (§ 4º do art. 2º da Lei de Crimes Hediondos), além do aumento da pena mínima do crime de tráfico de drogas (art. 33, da nova Lei de Drogas).

Também no âmbito repressivo instrumentos legislativos foram acrescentados ao ordenamento jurídico, como a positivação da infiltração de agentes policiais ou de inteligência em organizações criminosas (art. 2º, V da Lei nº 9.034/95, incluído pela Lei nº 10.217/01), a internalização do instituto da delação premiada, ou seja, a concessão de redução de pena e especial proteção do Estado ao réu que colaborar com o esclarecimento de infrações penais (art. 6º da Lei nº 9.034/95 e art. 13 e

31MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Curso de Direito Constitucional. São Paulo:

Saraiva, 2011. p. 534-538. FELDENS, Luciano. A Constituição Penal. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2005. p. 80-84.

32CARVALHO, Salo de.

A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da

lei 11.343/06. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 104.

33Este dispositivo originalmente dispunha o cumprimento da pena em regime integralmente fechado,

e foi alterado pela Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007.

(38)

seguintes da Lei nº 9.807/99), o afastamento da garantia a não identificação criminal quando civilmente identificado para ‘pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas’ (art. 5º da Lei nº 9.034/95).35

Todos esses dispositivos, além de preencher o conteúdo dos mandados de criminalização emanados da Constituição Federal, consolidam o paradoxo constitucional inaugurado em 1988, sintetizado pela coexistência entre normas limitativas e normas projetivas da repressão estatal.36 Esse paradoxo, até então inexistente na história constitucional brasileira, tem inspiração em dispositivos das constituições espanhola, francesa, italiana e alemã37, contribuindo decisivamente para o impulso da política criminal repressiva às drogas.

3.3 DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS E O DIREITO PENAL

É cediço que, para estabelecer certo grau de pacificação social38, submetendo os indivíduos aos modelos e normas comunitários39 ou para conservar determinada ordem econômica e social40, a sociedade dispõe de instituições que exercem, por meios formais e informais, o que se chama de controle social.

O direito penal é, em essência, a instância de controle social formal estabelecida pelo Estado e dotada de especial poder sancionador para impor, por meio da pena, as mais graves consequências às violações às normas, a pretexto de cumprir com a missão de, ao lado de outras instituições sociais e estatais, proteger os mais importantes bens jurídicos da sociedade.41

Esse poder sancionador, também conhecido como poder punitivo, se expressa nos processos de criminalização primária consistente na seleção das condutas sancionadas pela lei penal, e nos processos de criminalização secundária,

35Destaca-se que nenhum dos referidos dispositivos esteve presente e casos envolvendo jovens do

Projeto Refazendo Vínculos Valores e Atitudes. Rigorosamente todas as prisões foram decorrência de flagrante.

36 CARVALHO, Salo de.

A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático da

lei 11.343/06.São Paulo: Saraiva, 2013. p. 303.

37MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Curso de Direito Constitucional. São Paulo:

Saraiva, 2011. p. 535.

38MIAILLE, Michel.

Introdução crítica ao direito.Tradução de Ana Prata. Lisboa: Estampa, 2005. p. 25. 39SHECAIRA, Sérgio Salomão.

Criminologia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 53. 40BATISTA, Nilo.

Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p. 21. 41MUÑOZ CONDE, Franciso; HASSEMER, Winfried.

Introduccion a la criminologia y al derecho penal.

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