• Nenhum resultado encontrado

Mana vol.9 número1

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Mana vol.9 número1"

Copied!
15
0
0

Texto

(1)

Est e mist o de ent revist a e conf erência que aqui publicamos t eve lugar em uma aula do curso “ Gregory Bat eson e a Ant ropologia” , minist rado por Ot ávio Velho no PPGAS/M useu Nacional/UFRJ. Os edit ores agradecem a colaboração de Ana M aria Cout inho Aleksandrow icz (Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz), que preparou est a apresent ação e a edição do t ext o.

Apresentação

N a s c id o e m 1 9 3 1 , n a A r g é lia , H e n r i Atla n é m é d ico, b iólog o e p rofe ssor d e b iofísica , com n u m e rosos tra b a lh os n a á re a d e b iolog ia ce lu la r, im u n olog ia e in te lig ê n cia a rtificia l. N ota b ilizou -se p or te r cria d o a a ssim ch a m a d a “ te oria d e a u to-org a n iza çã o d os se re s vivos a p a rtir d o ru íd o” (p u b lica d a e m 1972), q u e u tiliza con h e cim e n tos d e b iolog ia , cib e rn é tica e te rm od in â m ica , te n d o p a rticip a d o d o su rg im e n to e d a re ce n te re -n ova çã o d a s te oria s d a com p le xid a d e (é o e d itor-g e ra l d a re vista in te rn a cion a l

Com p le x u s, la n ça d a e m 2002 n a Su íça ).

As te oria s d a com p le xid a d e , h e rd e ira s d a cib e rn é tica – e m q u e n om e s com o o d e G re g ory Ba te son se d e sta ca m –, sã o corre la ta s a os d e se n volvim e n tos d a físi-ca d os siste m a s d in â m icos (a q u i in clu íd a s a s te oria s íd o ca os) e íd a a ssim ch a -m a d a n ov a ciê n cia, orie n ta çã o in te rd iscip lin a r q u e , e m p a re lh a n d o a im p or -tâ n cia d a s re g u la rid a d e s e d o a ca so n a com p re e n sã o d os fe n ôm e n os e a p

roxi-m a n d o p or e ste vié s a s n ov as física -q u

ím ica b iolog ia d a s “ h u ím a n id a d e s” , te -ve se u s p re ssu p ostos sin te tiza d os n o li-vro A N ov a A lian ça, d e 1984, d o q u ím

i-co Ilya Prig og in e e d a filósofa Isa b e lle Ste n g e rs. N e ssa s fron te ira s, Atla n te m se d e d ica d o à in d a g a çã o d os fu n d a m e n tos q u e in te rlig a m a s ciê n cia s n a tu -ra is e a s h u m a n a s e socia is, p e rm itin d o, sob e ste a sp e cto, tra ça r a lg u n s p a ra le -los com a ve rte n te e m a n trop olog ia q u e , d e G re g ory Ba te son a Tim In g old (ve r O tá vio Ve lh o, “ De Ba te son a In g old : Pa ssos n a C on stitu içã o d e u m Pa ra d ig -m a Ecológ ico” , M an a, 7(2):133-140) e

Bru n o La tou r, ve m te n ta n d o su p e ra r a cisã o e n tre o la d o sociocu ltu ra l e o la d o b iológ ico d a d iscip lin a . Um d os m a rcos d a con trib u içã o d e Atla n é a p rop osta d e in te rcrítica e n tre ciê n cia s n a tu ra is e

h u m a n a s/ socia is, re sg u a rd a n d o a e sp e cificid a d e d os vá rios sa b e re s e b u sca n d o su a s sin ton ia s a p a rtir d e u m su b stra -to on -tológ ico e e p iste m ológ ico com u m a tod os e le s, e m con form id a d e com u m a re le itu ra a tla n ia n a d a filosofia e sp i-n osista , se g u i-n d o a q u a l se h ie ra rq u iza , e m n íve is su ce ssivos d e a u toorg a n iza -çã o, u m a u n id a d e q u e se e xp re ssa su b s-ta n cia lm e n te e m d ife re n ça s.

Em te rm os m e tod ológ icos, Atla n in -d a g a a ce rca -d a a n trop olog ia e -d a filo-sofia d a ciê n cia con te m p orâ n e a a tra vé s d e u m vié s b e m p e cu lia r, p ois con tin u a a e xe rce r a tivid a d e cie n tífica e m la b o-ra tório. Em J e ru sa lé m , fu n d ou e d irig e o C e n tro d e Pe sq u isa e m Biolog ia H u -m a n a e ch e fia o De p a rta -m e n to d e

Bio-C O N FERÊN Bio-C IA/ EN TREVISTA

RUÍDO E DETERMIN ISMO: DIÁLOGOS

ESPIN OSISTAS EN TRE AN TROPOLOGIA E BIOLOGIA

(2)

física M é d ica e M e d icin a N u cle a r, n o H osp ita l Un ive rsitá rio H a d a ssa h . Atla n p osicion a -se a fa vor d a h ip óte se d e e s-ta r su rg in d o u m n ovo p a ra d ig m a (n o se n tid o k u h n ia n o) e m b iolog ia , q u e va -loriza o p a p e l d a e m e rg ê n cia e d a com-p le xid a d e n os m e ca n ism os d e a u toorg a n iza çã o b iolótoorg ica . A p a rtir d a í, d e se n -volve u u m m od e lo p ion e iro, a p lica n d o o form a lism o d a s re d e s n e u ra is à im u -n olog ia , d e su b d e te rm i-n a çã o d a s te oria s e m re la çã o a os fa tos, q u e fa cu lta con -siste n te s (e cu id a d osa s) a n a log ia s com os m e ca n ism os q u e p e rm ite m a com-p re e n sã o in te rsu b je tiva e in te rcu ltu ra l a p e sa r e p or cau sa d a im p ossib ilid a d e

d e con trole tota l d a s m ú ltip la s e s-tru tu ra s e d in â m ica s e n volta s n o p roce sso. Divid in d o se u te m p o e n tre J e ru -sa lé m e Pa ris, é d ire tor d e p e sq u i-sa s n a École d e s H a u te s Étu d e s e n Scie n ce s Socia le s, on d e criou u m a ca d e ira d e Fi-losofia e Ética d a Biolog ia . Um a d e su a s á re a s d e in ve stig a çã o con ce n tra -se n a a n á lise d a lin g u a g e m d os d iscu rsos sob re o se r vivo e sosob re a s a ssim ch a m a -d a s “ ciê n cia s -d a vi-d a ” – te rm o a m b íg u o q u e a g re g a à b iolog ia q u e stõe s d e fu n -çã o e sig n ifica -çã o a p rin cíp io d e com-p e tê n cia d a s ciê n cia s socia is e h u m a n a s –, a í re ssa lta n d o a form a e o e sta tu to d a s e xp lica çõe s ca u sa is e m b iolog ia . Re vê o p olê m ico te m a d a fin a lid a d e e d a in te n -cion a lid a d e n a n a tu re za e n a cu ltu ra , con sid e ra n d o a visã o d e m u n d o d e ori-g e m k a n tia n a – q u e p ostu la u m a b a r-re ira a b solu ta e n tr-re corp os p u ra m e n te m a te ria is, d e u m la d o, e corp os vivos e ca p a ze s d e con h e ce r e tom a r d e cisõe s “ livre m e n te ” , a n im a d os p or u m a a lm a n ã o-m a te ria l, d o ou tro – in a d e q u a d a a os con h e cim e n tos a tu a is a ce rca d o con tin u u m corp o e m e n te . Prop õe , com b a

-se n a filosofia n a tu ra l d e Esp in osa , u m a re tom a d a con te m p orâ n e a d a n oçã o d e n e ce ssid a d e , d e m a n e ira a su g e rir u m a re con ce itu a liza çã o d e lib e rd a d e e re

sp on sa b ilid a d e d e sp ossíve is a m sp la s re -p e rcu ssõe s n a s ciê n cia s h u m a n a s e so-cia is – ta m b é m a q u i n os p rop iso-cia n d o con ve rg ê n cia s d e su a s id é ia s com a e ta -p a fin a l d a ob ra d e G re g ory Ba te son .

(3)

O. Velho

Eu e sta va p e n sa n d o e m com o p od e ría -m os te n ta r e sta b e le ce r con e xõe s e n tre o tra b a lh o d o p rofe ssor Atla n e o n osso cu rso. O q u e d e m a is g e ra l ve m à m e n -te é a q u ilo q u e e stive m os d iscu tin d o e s-ta m a n h ã , a re sp e ito d a forte ru p tu ra q u e te m vig ora d o e n tre a b iolog ia e os e stu d os sociocu ltu ra is. Esta é p a rte d e n ossa tra d içã o n e ste s ú ltim os... n ã o se i... se te n ta ou oite n ta a n os. N ã o m a n te m os m u ito con ta to com b iólog os e , e m ce rto se n tid o, isto se ju stifica com m u ito b on s m otivos: a p re ocu p a çã o com o b iolog im o e o ra cisim o, e tod a s a s q u e stõe s a s-socia d a s. N o e n ta n to, p a re ce h a ve r, a tu a lm e n te , u m in te re sse re n ova d o p e -lo d iá -log o com a b io-log ia , co-loca d o e m n ova s b a se s. Pe rg u n to, e n tã o, se você p od e ria n os d ize r a lg o sob re su a visã o d e ssa con e xã o e n tre b iolog ia , e stu d os sociocu ltu ra is e a n trop olog ia .

At lan

E u c h e g u e i a e sse lim ia r a t r a v é s d o m e u t r a b a lh o so b r e sist e m a s a u t o o r -g a n iza d os. Te n ta re i e xp lica r.

O s siste m a s a u to-org a n iza d os, p a ra m im , fora m u m m od o d e d e scre ve r a q u e la s q u e e ra m tid a s com o a s m a is in -trig a n te s e d e sa fia d ora s p rop rie d a d e s d os org a n ism os vivos: su a ca p a cid a d e d e se a u toorg a n iza re m . C om o você s sa b e m , os a n os 60 fora m a é p oca d a s g ra n -d e s -d e scob e rta s e m b iolog ia m ole cu la r. A e stru tu ra d o DN A e o p a p e l d e ste n a re p rod u çã o fora m d e sve n d a d os; ve rificou se q u e os g e n e s sã o, d e fa to, m olé -cu la s d e DN A, e foi ob se rva d o o p roce s-so p e lo q u a l e la s se d u p lica m e d e q u e m od o a in form a çã o q u e ca rre g a m é tra n sm itid a , ta n to à s n ova s g e ra çõe s co-m o n o in te rior d a s cé lu la s e d o p róp rio org a n ism o. En tã o, n a q u e le te m p o, h a -via d u a s d ire çõe s p ossíve is e m b iolog ia . Um a e ra o ca m in h o m a is fá cil e triu n fa n -te , q u e re corria a m e tá fora s frou xa s, p

o-ré m m u ito p od e rosa s, e m p re sta d a s à te oria d a in form a çã o e à cib e rn é tica . Afirm a va q u e , u m a ve z q u e lid a m os com m olé cu la s p orta d ora s d e in form a -çã o, com o DN A e p rote ín a s, p od e m os p or con se q ü ê n cia com p a ra r o fu n cion a -m e n to d a cé lu la viva ou d o org a n is-m o com o d e u m com p u ta d or. O DN A se ria o p rog ra m a d o com p u ta d or. Esse é o a s-sim ch a m a d o “ p rog ra m a g e n é tico” .

E n ós, os q u e se g u ia m a se g u n d a d ire çã o, é ra m os m in oria . N a é p oca , p e n sá va m os q u e a a n a log ia d a p rog ra m a çã o n ã o p a ssa va d e m e tá fora , u m a m e tá fora m u ito frou xa . De fa to, q u a n d o ob se rva m os o DN A, n ã o e n con tra m os n e -n h u m si-n a l d e li-n g u a g e m com p u ta cio-n a l. O cód ig o g e cio-n é tico, ta l com o d e s-ve n d a d o, é u m a p roje çã o d a s e stru tu ra s lin e a re s d o DN A n a s e stru tu ra s lin e a re s d a s p rote ín a s. N o e n ta n to, cod ifica çã o n ã o d e ve se r con fu n d id o com p rog ra -m a çã o. Porta n to, p e n sá va -m os q u e n ã o d e vía m os n os sa tisfa ze r com a q u e le tip o d e d e scriçã o m e ta fórica , e tip rocu rá -va m os ou tra s a lte rn a ti-va s. Ve rificou -se p oste riorm e n te q u e os m e ca n ism os d e a u toorg a n iza çã o con stitu ía m a a lte rn a -tiva p rocu ra d a .

(4)

M in h a con trib u içã o a e sse tra b a lh o foi m ostra r q u e u m a con d içã o n e ce ssá -ria p a ra a a u to-org a n iza çã o – n ã o su ficie n te , p oré m n e ce ssá ria – e ra q u e h ou -ve sse u m m e io d e in te g ra r a o siste m a a lg u m g ra u d e a le a torie d a d e , d e a ca so. Por te r e m p re g a d o o form a lism o d a te o-ria d a in form a çã o – n e la , o a le a tório é u m a fon te d e e rros n a tra n sm issã o, q u e ch a m a m os “ ru íd o” –, ch a m e i e ssa te o-ria d e “ com p le xid a d e a p a rtir d o ru íd o” . Be m , d e vo d ize r q u e , n a é p oca , e ssa id é ia n ã o e n ca n tou a m a ioria d os b iólo-g os. M a s a s coisa s m u d a ra m a o lon iólo-g o d os ú ltim os a n os e h oje , com o p roje to d o g e n om a h u m a n o q u a se con clu íd o e com ou tra s n ova s d e scob e rta s e m b iolg ia , id é ia s d e sse tip o e n tra ra m n a m o-d a . N a q u e la oca siã o, e la s n ã o a tra ía m m u itos b iólog os, p ois tod os se a tira va m à e n g e n h a ria g e n é tica e a ssim ila va m d e m od o lite ra l a m e tá fora d a p rog ra m a -çã o. Por ou tro la d o, n o e n ta n to, e sse ti-p o d e m e ca n ism o d e a u to-org a n iza çã o a tra iu a lg u m a s p e ssoa s d a s ciê n cia s h u -m a n a s, e p or vá ria s ra zõe s – p or ve ze s b oa s ra zõe s, p or ve ze s m á s. En tre os p rop on e n te s m a is a tivos d a a u toorg a -n iza çã o e m sociolog ia e sta va Ed g a r M orin . Alg u n s ou tros ta m b é m se se n ti-ra m a tti-ra íd os p e la id é ia , e su rg iu a q u e s-tã o q u a n to a o g ra u e e xte n sã o e m q u e m od e los d e sse tip o – in sp ira d os d e fa to p e la ob se rva çã o d e fe n ôm e n os b iológ i-cos – sã o re le va n te s p a ra a org a n iza çã o h u m a n a , se ja a d a p siq u e ou a d a s so-cie d a d e s.

In te ra g ía m os m u ito com p e ssoa s com o M orin , C a storia d is, J e a n Pie rre Du p u y e ou tros. Eu , p e ssoa lm e n te , ch e -g u e i, n a é p oca , à se -g u in te con clu sã o (n ã o se i o q u e e u p e n sa ria h oje [risos]): e m m u itos d e sse s m od e los d e a u toorg a n iza çã o, se u p rin cip a l sitoorg n ifica d o b a -se a va --se n a situ a çã o d o cie n tista v is-à-v is o siste m a q u e e le e stu d a is-à-va . Q u a n d o

n ós, com o b iólog os, e stu d a m os cé lu la s

viva s, ou b a cté ria s, ou u m sa p o, ou q u a l-q u e r org a n ism o, e sta m os n u m a p osiçã o d e ob se rva çã o e xte rior. O b se rva m os a e stru tu ra d o org a n ism o e , n a m e d id a d o p ossíve l, o d e sin te g ra m os e olh a m os p a ra a s d ive rsa s p a rte s q u e o con sti-tu e m . O b se rva m os o fu n cion a m e n to d o org a n ism o com o u m tod o, ou com o su b -siste m a s, m a s n ã o p re se n cia m os o tod o e a s p a rte s con ju n ta m e n te , a o m e sm o te m p o, com a s m e sm a s té cn ica s d e ob -se rva çã o e d e m e d id a . Essa situ a çã o é b e m c o n h e c id a : q u a n d o se p e n sa n a cé lu la viva , im a g in a -se a cé lu la com o n ú cle o, a m e m b ra n a e d ive rsa s coisa s d e tod os os tip os, e te m -se ta m b é m u m a im a g e m d a q u ilo q u e a cé lu la e stá fa -ze n d o. Q u e m p e n sa n a cé lu la sa b e q u e e xiste o DN A, os crom ossom os n o n ú -cle o, m itocôn d ria s n o citop la sm a , m e mb ra n a s com a s m a is d ive rsa s e e stra -n h a s p rop rie d a d e s, m u ito in te re ssa n te s e com p lica d a s e m ca d a u m d os n íve is d e ob se rva çã o. Esse é o q u a d ro ta l co-m o o fa ze m o e stu d a n te d e b iolog ia , o b iólog o.

(5)

torn a a d u lto, e e stu d a m os, d e u m p on to in icia lm e n te e xte rior, tod a s a s tra n sfor-m a çõe s d a e sfor-m b riog ê n e se . Esfor-m se g u id a , te n ta m os com p re e n d e r os d ife re n te s p a ssos n e sse p roce sso, re corre n d o à a n á lise d e d ife re n te s com p on e n te s. Por e xe m p lo, h oje e m d ia con h e ce m os m a is sob re a s m olé cu la s re sp on sá ve is p e lo d e se n volvim e n to d os d ive rsos te cid os, e ve rifica m os q u e e la s m ig ra m d e u m lu g a r p a ra ou tro. M a s o sa b e m os g ra -ça s à q u e la m e sm a form a d e com b in a r té cn ica s d ife re n te s q u e n ã o p od e m se r u sa d a s a o m e sm o te m p o. E q u a n d o q u e -re m os com p -re e n d e r m a is, p -re cisa m os ju n ta r tod a s e ssa s coisa s e con stru ir u m a e sp é cie d e m od e lo.

C om o e u d isse , o m od e lo p re fe rid o p e los b iólog os, d u ra n te , p e lo m e n os, d u a s ou trê s d é ca d a s, foi o d o com p u ta -d or, p orq u e e ra u m m o-d e lo sim p le s, u m a a n a log ia ou u m a m e tá fora . Re cor-re -se à a n a log ia com o p rog ra m a d e com p u ta d or, e fica -se sa b e n d o q u e u m p rog ra m a se rá e xe cu ta d o e q u e tod os os p a ssos se d a rã o, u m d e p ois d o ou tro. O e m b riã o d e se n volve se com o a e xe cu çã o d e u m p rog ra m a . É cla ro q u e e n -te n d ía m os q u e isso n ã o e sta va corre to, q u e e ra a p e n a s u m a m e tá fora tosca . N a ve rd a d e , e ra , e a in d a é , n e ce ssá rio e n -te n d e r d e q u e m od o a m a té ria p od e p or si m e sm a m u d a r su a form a e su a s a tivi-d a tivi-d e s, tivi-d e p e n tivi-d e n tivi-d o tivi-d e su a p róp ria h is-tória . Eis e n tã o, a p roxim a d a m e n te , o q u e sig n ifica a a u torg a n iza çã o: o m o-d o p e lo q u a l é cria o-d o a q u ilo q u e , p a ra n ós, a p a re ce com o se n d o u m a fu n çã o. Em ou tra s p a la vra s, o zig oto in icia l n ã o fa la , n ã o p e n sa , n e m m e sm o se m ove , a n ã o se r e m g ra u m ín im o. E, n o e n ta n to, a p a rtir d e le , le n ta e ce rta m e n te , d e se n -volve -se u m org a n ism o q u e fa la , se m o-ve e tc.

C om o su rg e m e ssa s d ife re n te s a ti-vid a d e s? H a via , n os sé cu los XIX e XX, u m a p a la vra q u e te n ta va d e scre ve r e

sse tip o d e a n om a lia : “ e m e rg ê n cia ” . Pe n -sa va -se q u e a “ vid a ” tive sse e s-sa p ro-p rie d a d e m u ito ro-p e cu lia r d e fa ze r coisa s n ova s su rg ire m , e m e rg ire m . O q u e e ta m os d ize n d o é d ife re n te , p orq u e e s-sa e m e rg ê n cia n ã o e xig e q u e n os e q u ivoq u e m os q u a n to a m iste riosa s p rop rie -d a -d e s -d a v i-d a . C o n -d iç õ e s p u r a m e n t e física s ou q u ím ica s p od e m p rod u zir, e m d e te rm in a d a s circu n stâ n cia s, fe n ôm e n os e m e rg e n te s ou d e a u toorg a n iza -çã o.

De ve m os a g ora p e rg u n ta r: e m q u e g ra u isso tu d o é re le va n te n o q u e con ce rn e a os fe n ôm e n os h u m a n os? De p e n -d e -d o m o-d o com o os con si-d e ra m os. Se ve m os os fe n ôm e n os h u m a n os d o e xte -rior ou , e m ou tra s p a la vra s, se e u olh o p a ra u m org a n ism o h u m a n o com o u m siste m a q u e n ã o p osso con h e ce r d e d e n -tro, in te riorm e n te , e n tã o p osso tom a r e sse se r h u m a n o com o u m siste m a a u -to-org a n iza d o, e xa ta m e n te d a m e sm a fo r m a c o m o c o n sid e r o u m c ã o o u u m p e ixe . N o e n ta n to, e ssa p osiçã o é só u m a p a rte d a h istória , p ois e stá cla ro q u e e u d isp o n h o d e p e lo m e n o s u m e xe m p lo d e in d ivíd u o h u m a n o q u e p osso ob se rva r d o in te rior: e u m e sm o. O b -via m e n te , p osso p roje ta r-m e e m a lg u n s ou tros e , com a lg u m a g e n e rosid a d e , a ce ita r a id é ia d e q u e a lg u n s d e você s, ou ta lve z tod os você s, p ossa m se r com o e u . N o ca so d e u m a socie d a d e h u m a n a , e stá cla ro q u e ob se rvá -la d o e xte rior é a p e n a s p a rte d a situ a çã o, p orq u e ta mb é m e stou n o in te rior d e u m a socie d a -d e e se i, -d e -d e n tro -d e la , com o a s in for-m a çõe s sã o tra n sfor-m itid a s d e u for-m a p a rte p a ra ou tra . Assim , d e sse p on to d e vista , n ã o é p ossíve l a firm a r q u e a socie d a d e se ja ap e n as u m siste m a a u toorg a n iza

(6)

-m e n to d a socie d a d e d e p e n d e d os -m a is d ive rsos p rog ra m a s con scie n te s, form u -la d os p e -la s m a is d ive rsa s p e ssoa s, q u e fa ze m a q u ilo q u e q u e re m ou o q u e p e n sa m q u e q u e re m fa ze r. N ã o se p od e e n -tã o d ize r q u e tu d o é visto d o e xte rior e q u e n ã o com p re e n d e m os com o a in for-m a çã o é tra n sfor-m itid a e n tre d ife re n te s p a rte s d a socie d a d e . Em u m siste m a b iológ ico, a q u e stã o d o sig n ifica d o é m u ito im p orta n te e d ifícil, p orq u e n ã o con h e ce m os a p riori o sig n ifica d o d a in

-form a çã o. O sig n ifica d o d a in -form a çã o b iológ ica é con h e cid o a p e n a s a p oste riori, d e p ois q u e ve m os q u a l é o re su lta

-d o, i.e ., q u a l é a fu n ção, e a p ós ve rm os

o q u e a cé lu la fa z, o q u e o org a n ism o fa z. En tã o é q u e d ize m os: “ A-h a ! Esse é

o sig n ifica d o d a in form a çã o!” N ã o sa -b e m os, é cla ro, d e q u e m od o ta l sig n ifica d o é cria d o, e é p or isso q u e p re cisa m os d e sse s m od e los d e a u toorg a n iza -çã o – p a ra d e scre ve r o q u e ocorre .

H á u m a b oa d ose d e ig n orâ n cia d e s-crita n e sse s m od e los, com o n a e sta tísti-ca e n a te oria d a s p rob a b ilid a d e s, q u e sã o ta m b é m m e ios d e lid a r com a ig n o-râ n cia . Q u a n d o n ã o con h e ce m os a s ca u sa s d e u m fe n ôm e n o, p od e m os a in -d a a ssim ch e g a r a a lg u m a com p re e n sã o p or m e io d e le is e sta tística s. É m a is ou m e n os a m e sm a h istória . N a ve rd a d e , q u a n d o u sa m os a te oria d a in form a çã o, a h istória é e x atam e n te a m e sm a , u m a

ve z q u e a te oria d a in form a çã o é u m a te oria q u e e m p re g a m e ios e sta tísticos e n os p e rm ite lid a r, d e m od o p re ciso, com coisa s q u e n ã o con h e ce m os – e xa ta -m e n te co-m o a e sta tística . É p or isso q u e , p a ra d e scre ve r a cria çã o d e n ovos sig -n ifica d os, som os força d os a le va r e m con sid e ra çã o o ru íd o, q u e é o p u ro a le a -tório. Pa re ce p a ra d oxa l, p ois é cla ro q u e o ru íd o, p or d e fin içã o, n ã o te m sig n ifi-ca d o. M a s isso é p orq u e som os ob se r-va d ore s e xte riore s, p a ra os q u a is a ori-g e m d e n ova in form a çã o, a oriori-g e m d e

n ovos sig n ifica d os d e n tro d o siste m a ob se rva d o, só p od e se r a ssocia d a a o q u e a in d a n ã o con h e ce m os – ou se ja , a o ru íd o. É u m a situ a çã o in trín se ca a o n os-so e sta d o d e ob se rva d ore s e xte riore s. N o e n ta n to, q u a n d o lid a m os com fe n ô-m e n os h u ô-m a n os – se ja in d ivid u a is ou cole tivos – ta m b é m te m os a p ossib ilid a -d e -d e ou tra p osiçã o, n a q u a l, a o m e n os e m p a rte , con h e ce m os d ire ta m e n te o sig n ifica d o d e a lg u m a in form a çã o. Por-ta n to, n ã o p od e m os a g ir com o se n ã o con h e cê sse m os e ssa p a rte d o sig n ifica d o, e m b ora p or ve ze s isso se ja n e ce ssá -rio. Q u a n d o o fa ze m os, p oré m , d e ve m os le m b ra r q u e e sta m os a g in d o c om o s e

n ã o tivé sse m os ta l con h e cim e n to, e q u e e sta m os a b d ica n d o, p or ra zõe s m e tod ológ ica s, d e p a rte d e n ossos m e ios d e e n -te n d im e n to.

O. Velho

Alg u é m te m a lg u m a q u e stã o a p rop or? M u ita s coisa s fora m m e n cion a d a s. Por e xe m p lo, e u m e p e rg u n to se a id é ia d e q u e con h e ce m os a q u ilo q u e re a lm e n te

a con te ce n a socie d a d e n ã o tra z ce rto

b ias q u e n ã o n os a ju d a ria m u ito, a fin a l.

At lan

Eu n ã o e stou a firm a n d o isso! Eu n ã o e stou d ize n d o q u e n ós con h e ce m os, e xa -ta m e n te , o q u e se p a ssa n a socie d a d e . Em socie d a d e , con h e ce m os d o in te rior p a rte d a q u ilo q u e ocorre . Pois b e m , n a m e d id a e m q u e n ã o con h e ce m os o q u e ocorre , é cla ro q u e p od e m os u sa r m o -d e los -d e a u to-org a n iza çã o. N a m e -d i-d a e m q u e con h e ce m os p a rte d a s coisa s, e sse s m od e los n ã o sã o re le va n te s.

O. Velho

(7)

At lan

O K, Esp in osa e a u to-org a n iza çã o. Pa ra m im , e ste é u m a ssu n to re la tiva m e n te n ovo, p ois d e scob ri Esp in osa h á a p e n a s q u a torze a n os, a o p a sso q u e tod o o tra -b a lh o so-b re o q u a l e u e sta va fa la n d o é b e m m a is a n tig o. De scob ri Esp in osa p orq u e p e ssoa s d e d ife re n te s form a çõe s m e d isse ra m q u e e u d e ve ria lê -lo. Dis-se ra m q u e h a via m p e rce b id o e m m e u s tra b a lh os a lg u m a s coisa s q u e , p a ra e le s, soa va m com o u m a e sp é cie d e e sp in o -sism o in con scie n te . Isso se re p e tiu d u a s ou trê s ve ze s, e e n tã o d e cid i q u e e u n ã o tin h a e scolh a , se n ã o a ve rig u a r d ire ta m e n te , le n d o a s ob ra s d o su je ito. É cla -ro q u e n ã o m e a rre p e n d i. M a is ta rd e , e n con tre i p e ssoa s q u e h a via m cre scid o n a com p a n h ia d e Esp in osa , p rim e iro co-m o e stu d a n te s d e filosofia e , p oste rior-m e n te , corior-m o p rofe ssore s d e filosofia . N a Fra n ça , h á u m a e scola e sp in osista m u ito im p orta n te e g e ra çõe s in te ira s d e filósofos cre sce ra m d e n tro d o e sp in osis-m o. En con tre i a lg u n s d e le s, q u e osis-m e m ostra ra m com o m e u tra b a lh o e ra e sp i-n osista . De vo d ize r q u e m e coi-n ve i-n ci. Esp a n te im e com n ã o o te r sa b id o a n -te s... En tã o, o q u e p osso d ize r a g ora é o re su lta d o d e m e u s con h e cim e n tos re la -tiva m e n te re ce n te s sob re a u to-org a n i-za çã o e e sp in osism o.

H á d e in ício a lg o ób vio, q u e e stá n o com e ço d a Ética, e q u e é a d e fin içã o d e

De u s, i.e ., d a N a tu re za ou Su b stâ n cia , p or Esp in osa . Um a d a s d e fin içõe s é

cau sa su i: ‘ca u sa d e si m e sm o’. Q u a n d o

se p e n sa u m p ou co, fica cla ro q u e a a u toorg a n iza çã o n a d a m a is é q u e a ca u -sa -d e -si-m e sm o. O b via m e n te , h á a lg o d e a rd iloso n a id é ia d e ca u sa -d e -si-m e s-si-m o, q u e o p róp rio Esp in osa a fir-si-m ou com m u ita cla re za : n ã o p od e h a ve r ta l coisa , n a d a p od e se r a ca u sa d e si m e s-m o. De ve h a ve r u s-m a d ife re n ça e n tre ca u sa e e fe ito, e , p orta n to, se a ca u sa e o e fe ito sã o u m a só e m e sm a coisa , n ã o

p od e h a ve r re la çã o ca u sa l. Esta é u m a a firm a çã o m u ito im p orta n te , q u e Esp in osa d e se in volve b a sta in te . N ã o ob sta in -te , n o q u e con ce rn e a De u s, ou se ja , n o q u e con ce rn e à n a tu re za e m su a tota li-d a li-d e , cau sa su i e stá corre to. Por q u ê ?

Porq u e n o in te rior d a n a tu re za a s vá ria s ca u sa s e e fe itos n ã o sã o ig u a is, e é p or isso q u e a n a tu re za in te ira p od e se r p e n sa d a com o ca u sa d e si m e sm a . A n a -tu re za fa z a con te ce re m coisa s e m su a s d ife re n te s p a rte s, q u e se d istin g u e m d o tod o e e n tre si. Porta n to, h á u m a e sp é -cie d e in te rca u sa lid a d e q u e é a d e fin i-çã o d o p róp rio cosm o.

Pois b e m , a con te ce q u e , q u a n d o se e xa m in a a te oria d o in d ivíd u o n a Ética

d e Esp in osa , vê se q u e a te oria e stá b a -se a d a e m su a n oçã o d e con atu s, o d e se

jo d e d e vir. M u itos tra d u ze m com o d e -se jo d e p e r-se ve ra r n o e sta d o d e -se r. É u m a com p re e n sã o e rra d a , p orq u e d á a im p re ssã o d e a lg o e stá tico, d e q u e é u m d e se jo d e p e rm a n e ce r com o e stá , e e ste ce rta m e n te n ã o é o ca so. É o d e se jo d e p e rm a n e ce r n u m e sta d o d in â m ico q u e e volu i a tra vé s d e e n con tros com ou tros in d ivíd u os a o lon g o d e tod a a su a e xis-tê n cia . M a s, é cla ro, h á a lg o in va ria n te , q u e fa z o in d ivíd u o se r o m e sm o a p e sa r d e tod a s a s m od ifica çõe s q u e lh e a d -vê m . Assim , e sse d e se jo, ou con atu s, su

(8)

e stã o a tiva s. Ela s se m d ú vid a n ã o sã o o re su lta d o d e d e cisõe s con scie n te s. C om -p orta m -se , -p orta n to, m a is com o u m sis-te m a a u to-org a n iza d o.

A q u e stã o, ob via m e n te , é a se g u in te : q u a l a re la çã o e n tre a u toorg a n iza -çã o, n o se n tid o m od e rn o, e o con atu s d e

u m se r h u m a n o, se g u n d o Esp in osa ? Pa -ra re sp on d ê -la , d e ve -se p rim e iro le m-b ra r q u e o con atu s, p a ra Esp in osa , n ã o

é e sp e cífico d os se re s h u m a n os. Tod o se r – in clu sive u m a p e d ra , u m a n u ve m – te m se u co n atu s. Porta n to, n ã o h á , a p riori, n e n h u m a re la çã o com a con

s-ciê n cia . Pois b e m , a n a tu re za d os d ive r-sos con atu s d os d ive rsos se re s d e p e n d e

d o g ra u d e com p le xid a d e d o corp o d e sse s in d ivíd u os. Esp in osa d iz e xp licita m e n te q u e é isso q u e fa z o h om e m d ife -re n te d e u m ca va lo ou u m a p e d ra , e m-b ora ca d a u m d e le s te n h a se u con atu s,

com sig n ifica d o id ê n tico. Por se r o cor-p o h u m a n o m a is com cor-p le xo, e m ou tra s p a la vra s, p or p od e r ocu p a r m u ito m a is “ e sta d os” (com o d iría m os h oje ), n ova s ca p a cid a d e s d o corp o e d a m e n te e m e r-g e m . O corp o e a m e n te vã o ju n tos, é cla ro, “ com o u m a ú n ica coisa vista sob d ife re n te s a sp e ctos” ; e a p e d ra ta m b é m te m m e n te . A m e n te d a p e d ra , p oré m , é a p e n a s a id é ia d a p e d ra , e a p e d ra n ã o

te m con sciê n cia d e su a p róp ria id é ia . O m e sm o q u e u m e lé tron ... C om o você s sa b e m , u m e lé tron n a d a m a is é q u e u m a e q u a çã o. O e lé tron n ã o te m con sciê n cia d a e q u a çã o; n o e n ta n to, e le se g u e a le i d a e q u a çã o. O m e sm o va le p a -ra a p e d -ra . A id é ia d a p e d -ra ta m b é m é fe ita d e tod a s e ssa s e q u a çõe s, m a s a p e -d ra m e sm a n ã o te m con sciê n cia -d e ssa id é ia .

Ap a re n te m e n te , os a n im a is tê m circu itos d e con sciê n cia , e a e sp é cie h u m a n a , d e vid o à com p le xid a d e d o cé re b ro h u m a n o, te m a ca p a cid a d e d a ra -zã o. M u itos a n im a is a p a re n te m e n te tê m con sciê n cia , n o se n tid o d e e sta re m

con scie n te s d e si, m a s os h u m a n os tê m a ca p a cid a d e d a ra zã o, q u e sig n ifica p o-d e r lio-d a r com p rop rie o-d a o-d e s com u n s. (Ra zã o, p a ra Esp in osa , é a ca p a cid a d e d e lid a r com p rop rie d a d e s com u n s, co-m u n s a tu d o: n ã o só a os h u co-m a n os co-m a s ta m b é m a tod a s a s coisa s n o m u n d o.) É a tra vé s d a ra zã o q u e p od e m os lid a r com a s le is d a n a tu re za , n o se n tid o d e q u e a s le is d a n a tu re za d ize m re sp e ito a p e -n a s a fe -n ôm e -n os g e ra is. (N ote m q u e a Ra zã o n ã o é su ficie n te p a ra lid a r com fe n ôm e n os sin g u la re s. Se g u n d o Esp i-n osa , p a ra a lca i-n ça r o coi-n h e cim e i-n to d a s coisa s sin g u la re s é n e ce ssá rio a q u ilo q u e e le ch a m a d e te rce iro tip o d e co -n h e cim e -n to, ou “ ciê -n cia i-n tu itiva ” .) Só a e sp é cie h u m a n a , a o q u e p a re ce , te m e ssa ca p a cid a d e d a ra zã o, e a q u e stã o é , e vid e n te m e n te , d e q u e m od o a ra zã o in te rfe re n o siste m a a u to-org a n iza d o d a s p a ixõe s.

Em u m a rtig o q u e ve io a se r u m ca -p ítu lo d e u m d e m e u s -p rim e iros livros,

En tre o Cristal e a Fu m aça, p rop u s u m

m od e lo d e in te ra çã o e n tre , d e u m la d o, p roce ssos d e a u to-org a n iza çã o n u m corp o h u m a n o e , d e ou tro, con sciê n cia , ig u a lm e n te n o corp o h u m a n o. Esse m o-d e lo, m u ito e sq u e m a tica m e n te , fu n cion a a ssim : a cocion sciê cion cia é a sim p le s m e -m ória d o p a ssa d o e a a u to-org a n iza çã o é a con stru çã o d o fu tu ro. Ao con trá rio d o q u e p e n sa m os a p riori, a con sciê n cia

(9)

s-ciê n cia p od e d e cid ir d o fu tu ro, ou q u e a a u toorg a n iza çã o d iz re sp e ito a o p a ssa -d o, a o p a sso q u e , a p riori, d á se ju sta

-m e n te o op osto.

O. Velho

Posso fa ze r u m a p e rg u n ta b re ve ? N os te rm os d e n osso voca b u lá rio m od e rn o, com o fa la ría m os d e su b stâ n cia s, a trib u -tos e m od os [id é ia s b á sica s p a ra a filosofia e sp in osista ]. Q u a l se ria o voca b u -lá rio p a ra e ssa s n oçõe s?

At lan

Be m , você s sa b e m q u e , se g u n d o Esp in osa , só h á d ois tip os d e coisa s e xiste in -te s: a su b stâ n cia e os m od os. Atrib u tos sã o a p e n a s a q u ilo q u e o e n te n d im e n to a p re e n d e d a e ssê n cia d a su b stâ n cia . Atrib u tos sã o re a is a p e n a s n o se n tid o d e q u e é re a l a q u ilo q u e o e n te n d im e n -t o a p r e e n d e d a su b s-t â n c ia . A -t r ib u -t o s sã o a m a n e ira com o o e n te n d im e n to – o v e rd a d e iro e n t e n d im e n t o , n ã o a p e

-n a s o e -n te -n d im e -n to h u m a -n o, m a s ta m-b é m o e n te n d im e n to in fin ito – e n te n d e a su b stâ n cia . As ú n ica s coisa s q u e e xis-te m n a n a tu re za sã o a n a tu re za e m su a tota lid a d e – q u e é a su b stâ n cia – e os m od os. Em te rm os m od e rn os, p od e m os c h a m a r a su b st â n c ia d e “ n a t u r e z a ” , m a s e n fa tiza n d o q u e e la é ta n to a tiva q u a n to p a ssiva , q u e n ã o é u m e sta d o d e “ a p a rê n cia ” m a s ta m b é m u m a d in â -m ica , o p od e r d in â -m ico d a n a tu re za , q u e n os é p ossíve l ve r n os se u s m od os. O q u e sã o os m od os? O q u e sã o a s p a r-te s? Tod a s a s p a rr-te s d a n a tu re za sã o m o d o s , n o s e n t id o d e q u e s ã o m o d o s p a rticu la re s d e e xistê n cia d a n a tu re za . Por e xe m p lo, a p e d ra é ce rta m e n te u m m od o. O p á ssa ro é u m m od o. A á rvore é u m m od o, u m se r h u m a n o é u m m o -d o... E n o in te rior -d e ssa s p a rte s, -d e sse s in d ivíd u os, ve m os o p od e r d a n a tu re za a a g ir, e o ve m os a tra vé s d a s le is d a q u ím ica e d a física , e d e com o e la s se

org a n iza m ta m b é m e m siste m a s b ioló-g icos.

O. Velho

M a s h á u m p rob le m a , a q u i, p ois p e n so q u e Esp in osa su g e re q u e n ã o p od e m os te r u m a re la çã o d ire ta com a p e d ra . N ossa m e n te n ã o p od e te r u m a re la çã o d ire ta com a p e d ra p orq u e n ossa m e n te corre sp on d e a u m a trib u to e a p e d ra corre sp on d e a ou tro. C om o é q u e você lid a com isso...

At lan

Em p rim e iro lu g a r, a se p a ra çã o e n tre a trib u tos é u m a d ivisã o se g u n d o o e n -te n d im e n to. N a re a lid a d e , tod os os a tri-b u tos e stã o u n ifica d os n u m a ú n ica su tri-b stâ n cia , e os a trib u tos sã o a p e n a s d ife -re n te s m a n e ira s d e d e sc-re ve r a m e sm a coisa . Porta n to, a p e d ra n ã o é a p e n a s m a té ria : a p e d ra ta m b é m te m u m a m e n -te , m e n s. Pois b e m , o q u e é e ssa m e n te ?

Aq u i, d e ve -se te r m u ito cu id a d o. Q u a n d o d ize m os q u e a p e d ra n ã o é a p e n a s m a té ria , n ã o p od e m os, é cla ro, in corre r n a q u e la e sp é cie d e visã o a n im ista , q u e d iz q u e a p e d ra é con scie n -te , ou p e n sa , ou se n -te , ou o q u e m a is n ã o se ja . Você s sa b e m q u e m u ita s p e s-soa s p e n sa m a ssim , h oje e m d ia , p or e xe m p lo n o m ovim e n to N ova Era ... A m e n te d a p e d ra é a id é ia d a p e d ra . N ã o é u m a con sciê n cia q u e a p e d ra te m d e si. A id é ia d a p e d ra é a p e n a s o con ju n to d e e q u a çõe s q u e p od e ría m os e m p re g a r p a ra d e scre ve r a d e q u a d a m e n te a q u ilo q u e a p e d ra é re a lm e n te . É e xa ta m e n te com o d isse Esp in osa , a o fa ze r a d istin -çã o e n tre a id é ia d e a lg o, a id é ia d e u m

corp o, e a id é ia q u e a p e ssoa t e m.

Ag ora , q u a n to a os h u m a n os, a m e n -te d o corp o h u m a n o é ta m b é m a id é ia

(10)

m a is b e m tra d u zid a p or “ m in d ” [a m e n -te , e m p ortu g u ê s]. Em fra n cê s é m a is d

i-fícil, p ois a p a la vra é “ e sp rit” , e n e m se m p re sa b e m os o q u e sig n ifica isso. Em tod o ca so, a m e n s h u m a n a , a m e n te

h u m a n a , ta m b é m é d e scrita com o id é ia

d o corp o h u m a n o, e xa ta m e n te com o a

id é ia d a p e d ra . N o e n ta n to, d e vid o à

com p le xid a d e d o cé re b ro h u m a n o, a id é ia d o corp o h u m a n o te m u m com p n e n te re fle xivo. Em ou tra s p a la vra s, p o-d e se torn a r a io-d é ia o-d e u m a io-d é ia . N isso con siste a con sciê n cia , é o lid a rm os com id é ia s d e id é ia s.

Assim , a m e n te h u m a n a n ã o é a p e -n a s u m a id é ia , m a s ta m b é m t e m id é ia s,

q u e sã o id é ia s d e id é ia s. Essa s id é ia s sã o, p or su a ve z, id é ia s d e e sta d os cor-p ora is, cor-p ois ca d a e sta d o corcor-p ora l corre s-p on d e a u m a id é ia . A q u e stã o, a se g u ir, é e m q u e m e d id a e ssa s id é ia s d e e sta -d os corp ora is h u m a n os (e , -d ig a -se -d e p a ssa g e m , n ã o a p e n a s h u m a n os) sã o a d e q u a d a s ou in a d e q u a d a s. Isso le va a u m a tra n sform a çã o, com q u e se p a ssa a te r m a is e m a is id é ia s e p e la q u a l n ossa m e n te p od e vir a torn a r-se u m con ju n to e m q u e p re d om in a m a s id é ia s a d e q u a -d a s. O b via m e n te , n ã o p o-d e m os e lim i-n a r i-n ossa s id é ia s ii-n a d e q u a d a s, m a s e la s a o m e n os se ria m m in oria . Essa é , p a ra Esp in osa , a d ire çã o d o ca m in h o p a ra a p e rfe içã o.

Ag ora , p a ra re sp on d e r à q u e stã o sob re a re la çã o e n tre a ca so, p rosob a sob ilid a -d e s, e sta tística , ru í-d o e tc. e Esp in osa ... É cla ro q u e e ssa é u m a q u e stã o im p or-ta n te , p ois Esp in osa a p a re n te m e n te n ã o tin h a m u itos con h e cim e n tos d e e sta tís-tica e cá lcu lo d e p rob a b ilid a d e s, o q u a l, com o você s sa b e m , foi d e scob e rto n a m e sm a é p oca p or Pa sca l e Fe rm a t. É m u ito in te re ssa n te q u e te n h a m sid o con te m p orâ n e os, m a s n ã o h á , a p a re n -te m e n -te , lig a çã o e n tre e le s.

Q u a n d o Esp in osa fa la d e con tin g ê n -cia , é a p e n a s e m te rm os q u a lita tivos,

se m n e n h u m a id é ia d e cá lcu lo d e p rob a rob ilid a d e s e d e e sta tística . H oje , q u a n -d o li-d a m os com o a le a tório n u m con te x-to d e e sta tística e cá lcu lo d e p rob a b ili-d a ili-d e s, é com o u m m e io ili-d e liili-d a r com re a lid a d e s ob se rvá ve is, q u a n d o te m os d e lid a r com u m n ú m e ro in fin ito d e ca u sa s q u e d e scon h e ce m os. Isso, n o e n ta n to, n ã o e xclu i a p ossib ilid a d e d e u m d e -te rm in ism o a b solu to com u m n ú m e ro in fin ito d e ca u sa s d e scon h e cid a s.

O. Velho

Esp in osa fa la va d a in d e te rm in a çã o co-m o a lg o lig a d o à n ossa ig n orâ n cia .

At lan

Exa ta m e n te . N ossa s n oçõe s d e e n trop ia e ru íd o sã o d e riva d a s d e n oçõe s e sta tís-tica s. E, p orta n to, m a is u m a ve z, n ã o con tra d ize m a id é ia d e d e te rm in ism o a b solu to. Ela s sã o m e d id a s d a n ossa ig -n orâ -n cia . M a s é ób vio q u e , e m b ora -n ã o con tra d ig a m o d e te rm in ism o a b solu to, n a d a p rov a m a ce rca d e le . Esta é a clá

s-sica q u e stã o d a n a tu re za d o a ca so: se rá e le in trín se co, on tológ ico, ou a trib u íve l a p e n a s à n ossa ig n orâ n cia ? Pod e -se a ce ita r q u e e le re flita n ossa fa lta d e con h e cim e con to, m a s con ã o h á m e io d e p ro -va r q u a lq u e r d e sse s p ostu la d os a se u re sp e ito; n ã o h á m e io d e p rova r q u e só e xiste o a ca so on tológ ico, in d e p e n d e n -te d a ig n orâ n cia , n e m , a o con trá rio, q u e o a ca so se ja u n ica m e n te a trib u íve l a e sta . De n tro d o siste m a e sp in osissta , o a ca -so d e ve -se a p e n a s à ig n orâ n cia .

(11)

vã o p rod u zir o q u e h á . Por con se q ü ê n -cia , q u a n d o a lg o a con te ce r a m a n h ã se m q u e e u te n h a a n te cip a d o, fica re i su rp re -so. Pa ra m im , se rá a lg o n ovo. Isso sig n i-fica q u e o d e te rm in ism o a b solu to n ã o n e g a a e xp e riê n cia d o te m p o, e m b ora n os e n sin e q u e o te m p o é u m a e sp é cie d e ilu sã o. Posso sa b e r q u e o te m p o é u m a ilu sã o, m a s isso n ã o m e fa z vive r fora d o te m p o. Porta n to, te n h o d u a s e xp e riê n cia s d istin ta s. N ã o h á n isso n e -n h u m m isté rio: tod os os q u e lid a m com m a te m á tica e física tê m e xp e riê n cia s d o m e sm o tip o, e xa ta m e n te . Q u a n d o d e s-cre vo fe n ôm e n os físicos p or m e io d e le is m a te m á tica s e m q u e o te m p o é u m p a -râ m e tro, e stou e lim in a n d o o te m p o. Se m p re q u e m e for p ossíve l d e scre ve r a lg o m a te m a tica m e n te , e xp e rie n cia re i o te m p o com o ilu sã o. Ao m e sm o te m p o, é cla ro, con tin u o a in d a a vive r n o te m-p o, e n tã o te n h o ou tra e xm-p e riê n cia , q u e con trib u i p a ra a p rim e ira . Essa é a n os-sa con d içã o h u m a n a .

O. Velho

Volta n d o à n ossa q u e stã o in icia l, a in te ra çã o e n tre a b iolog ia e os e stu d os so -ciocu ltu ra is, h á h oje , n a a n trop olog ia , a lg u m a s p e ssoa s fa la n d o d e u m p a ra -d ig m a e cológ ico. Isso te m a ve r com a id é ia d e q u e n ã o h á p rog ra m a in icia l, m a s u m a in te ra çã o com o a m b ie n te . Vo-cê vê a í ta m b é m u m m e io d e lig a r a b io-log ia e o sociocu ltu ra l...

At lan

Sim , m a s e u te ria m u ito cu id a d o, a í, p orq u e , m a is u m a ve z, q u a n d o a firm a m os a lg o a ssim , é com o se n ã o tivé sse -m os a ce sso à s p a rce la s con scie n te s d os fe n ôm e n os h u m a n os. É com o se d issé s-se m os: “ N ã o. A con sciê n cia n ã o d e s-se m-p e n h a n e n h u m m-p a m-p e l. O m-p la n e ja m e n to n ã o te m lu g a r n os fe n ôm e n os h u m a n os. Tu d o é m e ra a u to-org a n iza çã o, se m u m p rop ósito.” E e sse n ã o é o ca so.

O. Velho

Um p rob le m a q u e ve jo n a q u e le s q u e tra b a lh a m e m ou tros ca m p os, q u a n d o d ia log a m con osco... O p e ssoa l d a s n e u rociê n cia s, e le s só q u e re m sa b e r d o cé -re b ro e d o q u e a con te ce d e n tro d e le , n ã o q u e re m d iscu tir a in te ra çã o. E p a -re ce -m e q u e isso é a lg o im p orta n te , q u e d e ve ría m os se r ca p a ze s d e d iscu tir...

At lan

C e rta m e n te . M a s d e ve -se le m b ra r q u e tu d o é in trin se ca m e n te d ifícil. J á é b a s-ta n te d ifícil lid a rm os com m u itos n e u rô-n ios, e m u ito m a is d ifícil a irô-n d a lid a r com in te ra çõe s e n tre re d e s d e n e u rôn ios. É ve rd a d e q u e n osso cé re b ro é u m a re d e d e n e u rôn ios e q u e n ossa con sciê n cia , a u tocon sciê n cia , con sciê n cia d o su je ito, a re sp on sa b ilid a d e m ora l e le g a l e to-d a s e ssa s coisa s sã o p rop rie to-d a to-d e s e m e r-g e n te s d e n ossa s re d e s n e u ron a is. M a s isso n ã o sig n ifica q u e os p rob le m a s socia is d e va m se r tra ta d os a p e n a s n o q u a d ro d a com p re e n sã o d a s in te ra çõe s e n -tre fa m ília s d e re d e s n e u ron a is. Ta l a b ord a g e m n ã o d a rá ce rto. Por e xe m-p lo, se você q u ise r d e scre ve r o q u e a con te ce n u m trib u n a l e m q u e se ju lg a u m a a çã o le g a l, e n tã o fisica m e n te , ou b iolog ica m e n te , e m e sm o n e u rolog ica -m e n te , você p od e rá d ize r q u e tu d o q u e e stá a con te ce n d o a li é in te ra çã o e n tre re d e s n e u ron a is. M a s é cla ro q u e , se vo-cê te n ta r d e scre ve r o q u e re a lm e n te a con te ce n o trib u n a l a p e n a s e m te rm os d e re d e s n e u ron a is, sin to d ize r q u e e s-ta rá d e se n te n d e n d o a q u ilo q u e e stá e m d iscu ssã o.

O. Velho

(12)

i-re çõe s? N ã o se rá volta r n o te m p o, p ro-cu ra r tã o ta rd ia m e n te , e n tre De sca rte s e Esp in osa ...

At lan

Em p rim e iro lu g a r, De sca rte s ve m a n te s d e Esp in osa , e Esp in osa é u m g ra n d e crítico d e De sca rte s. Be m , n a m in h a in te rp re ta çã o — e , cla ro, n ã o sou h istoria -d or -d a filosofia —, De sca rte s foi a ce ito g ra ça s à fa cilid a d e d o d u a lism o. É fá cil se r d u a lista , p orq u e corre sp on d e à n ossa p e rce p çã o im e d ia ta , à s n osossa s e xp e riê n cia s im e d ia ta s. N ós te m os a e xp e -riê n cia d e te r u m a m e n te , u m a m e n te n ã o m a te ria l, p orq u e n ã o sa b e m os co-m o co-m a te ria lizá -la , co-m a s te co-m os a o co-m e s-m o te s-m p o a e xp e riê n cia d e te r u s-m cor-p o. E ta m b é m e xcor-p e rim e n ta m os o fa to d e q u e , d e a lg u m a m iste riosa m a n e ira , a lg o q u e a con te ça n a m e n te p od e p ro-d u zir u m e fe ito n o corp o, com o q u a n ro-d o d e cid im os re a liza r u m m ovim e n to. C o-m o p od e isso se d a r?

Tu d o isso corre sp on d e à p e rce p çã o im e d ia ta . Ve io Esp in osa e d isse : “ N ã o. Tu d o isso é ilu sã o. N ã o h á re la çã o ca u -sa l e n tre corp o e m e n te , e vice -ve r-sa ; n ã o p or se re m d u a s su b stâ n cia s d istin -ta s, m a s p orq u e sã o a m e sm a . E u m a ve z q u e sã o id ê n ticos, u m n ã o p od e se r a ca u sa d a ou tra (e vice ve rsa ).” O b via -m e n te , isso é -m u ito -m a is d ifícil d e co-m- p re e n d e r, p orq u e é p re ciso e n tã o com-p re e n d e r o q u e fa ze m os com n ossa s e x-p e riê n cia s d e se n so com u m .

De m a is a m a is, é p re ciso re cord a r a in flu ê n cia d a tra d içã o filosófica id e a lis-ta , q u e te m sid o m u ito forte , e sp e cia l-m e n te d e p ois d e Ka n t. Ka n t l-m old ou a h istória d a filosofia m od e rn a , ta n to n o p la n o d a e p iste m olog ia com o n o d a é tica ou filosofia m ora l. É m u ito d ifícil ch e -g a r e p ôr Ka n t d e ca b e ça p a ra b a ixo, e d ize r: “ N ã o, Esp in osa e sta va corre to, Ka n t e sta va e rra d o” . Pois m u itos filóso-fos d iria m : “ Isso é volta r a o p ré

-criticis-m o” . N ã o, isso n ã o é re torn a r a o p ré -cri-ticism o. Re corre r a Esp in osa é fa ze r a crítica d o criticism o.

(13)

Pergunt a do público

Profe ssor, você p od e ria fa la r u m p ou co sob re se u s e stu d os a re sp e ito d o e stoi-c is m o e s u a r e la ç ã o stoi-c o m a s id é ia s d e Esp in osa ?

At lan

Eu m e in te re sse i p e lo e stoicism o, e sse n -cia lm e n te , a tra vé s d e Esp in osa . É cla ro q u e h á m u ita s sim ila rid a d e s, m a s ta m-b é m m u ita s d ife re n ça s, q u e e le m e sm o e n fa tiza n a in trod u çã o à q u in ta p a rte d a

Étic a. Ele d iz q u e os e stóicos p a re ce m

te r u m a filosofia se m e lh a n te , m a s q u e sã o d ife re n te s – e e le e xp lica p or q u ê .

Por ou tro la d o, ta m b é m é ve rd a d e q u e h á m u ita s con e xõe s e n tre a lg u n s te xtos ca b a lísticos e o e stoicism o. A m a ior p a rte d a lite ra tu ra ca b a lística é in sp ira d a p or u m a e sp é cie d e com b in a -çã o e n tre n e op la ton ism o e e stoicism o. Porta n to, a id é ia d e log os sp e rm atik os,

q u e é cla ra m e n te u m con ce ito e stóico, e stá p re se n te n a lite ra tu ra ca b a lística . H á d ive rsos n om e s p a ra e le , m a s é a m e sm a id é ia . Esse , d e fa to, é o te m a p rin cip a l a q u e se re fe re o títu lo d e m e u ú ltim o livro, Ce n te lh as d o A caso [Etin -ce lle s d u H asard ]. O a ca so d e q u e fa lo,

a í, é u m a tra d u çã o lite ra l d o h e b ra ico, q u e d e sig n a a s g ota s d o e sp e rm a q u e Ad ã o p e rd e u – a ssim com o Eva , a liá s – q u a n d o e stive ra m se p a ra d os p or 130 a n os, d e p ois d a Q u e d a . E o q u e a con te -ce u com e ssa s g ota s (q u e sã o g ota s d e a ca so, ou ce n te lh a s d o a ca so, con for -m e ch a -m a d a s, co-m b a se n u -m jog o d e p a la v r a s e m h e b r a ic o ), s e g u n d o e s s a tra d içã o ta lm ú d ica m e d ie va l, é tod a a h istória d a h u m a n id a d e . Essa tra d içã o ta lm ú d ica ve io d a r n a lite ra tu ra ca b a -lística .

O. Velho

Q u e re la çã o você vê e n tre se u tra b a lh o e o d e Va re la , q u e é ou tro b iólog o p e lo q u a l se in te re ssa m os cie n tista s socia is?

At lan

Be m , Va re la e M a tu ra n a d e ra m u m e n -foq u e d ife re n te a e sse m e sm o p rob le m a d a a u to-org a n iza çã o. Ele s e n fa tiza m o q u e ch a m a m d e “ fe ch a m e n to in form a cion a l” , o fa to d e q u e , p a ra p ossu ir a u -to-org a n iza çã o, você d e ve te r u m a d i-n â m ica ii-n te ri-n a , e e ssa d ii-n â m ica ii-n te ri-n a é o q u e p rod u z a s m u d a n ça s e o q u e e le s ch a m a m “ a u top oe se ” , a “ cria çã o d e si m e sm o” . J á e u e n fa tizo u m a sp e c-to d ife re n te , a sa b e r, o d a n ovid a d e , q u e a p a re ce p a ra n ós com o a ca so e ru íd o, e q u e ve m ta n to d e d e n tro com o d e fora .

O. Velho

J á se d isse q u e e ssa ta m b é m p od e se r con sid e ra d a a d ife re n ça e n tre Ba te son e N . Lu h m a n n . Ba te son e sta ria m a is p róxim o d e sta su a p osiçã o.

At lan

É o q u e p e n so.

O. Velho

E com o você ve ria a q u e stã o d o e n tre la -ça m e n to e m n ossa lin g u a g e m d o q u e Esp in osa ch a m a va a trib u to d o p e n sa -m e n to e a trib u to d a e xte n sã o?

At lan

A id é ia é q u e isso é a lg o a o m e sm o te m-p o e stra n h o e m u ito fa m ilia r. Pod e m os p e rce b ê -lo q u a n d o p e n sa m os n o q u e a con te ce u com a n oçã o d e log os sp e r-m atik os e r-m n ossa lin g u a g e r-m . É cla ro

q u e n ã o e n con tra m os p e ssoa s n a ru a fa -la n d o e m log os sp e rm atik os, m a s ou

vm os p e ssoa s fa la n d o sob re id é ia s se vm i-n a is, q u e é ou tra e xp re ssã o e stóica . O q u e e stá p or trá s d e ssa s p a la vra s? Pa re ce h a ve r u m a n oçã o d e q u e n ã o h á se -p a ra çã o e n tre o q u e se -p a ssa n a m e n te – in clu sive a ra zã o, log os – e o q u e se d á

(14)

-d ê -lo -d e m a n e ira m e ta fórica . Dize m os: “ O K. É u m a a n a log ia ” , p or e xe m p lo q u a n d o fa la m os d e con ce itos. O con ce i-to é o m e sm o q u e u m con ce p tu s, ta n to

b iológ ico, q u a n to in te le ctu a l. Be m , e o q u e isto q u e r d ize r? É isso q u e e m n os-sa lin g u a g e m p e rm a n e ce u d a s ve lh a s tra d içõe s, n a s q u a is tu d o isso e ra a p re e n d id o im e d ia ta m e n te com o u m a re a lid a d e u n ifica d a . Pa ra os e stóicos n ã o h á d ife re n ça : a m e n te é m a te ria l e , p orta n to, tu d o q u e a con te ce é m a te ria l; o q u e a con te ce n o corp o é ig u a l a o q u e a con te ce n a m e n te . É p orta n to n a tu ra l q u e , se e xp e rim e n ta m os a cria çã o p or m e io d o in te le cto, e ssa e xp e riê n cia se ja ig u a l à e xp e riê n cia corp ora l d a cria çã o. C on ce b e r u m a id é ia é e xa ta m e n te com o con ce b e r u com a cria n ça . O s re su lta -d os p o-d e m n os p a re ce r -d ife re n te s, m a s o p roce sso é o m e sm o e a q u ilo q u e se p a ssa e m n ós é ig u a l.

Tod a s e ssa s le n d a s q u e e n con tra -m os n os ve lh os -m itos, in clu sive os -m itos ju d a icos, a Bíb lia , o Ta lm u d e e a C a b a -la , se p a ssa m n e ssa e sp é cie d e u n ive rso, on d e n ã o h á d ife re n ça e n tre o in te -le ctu a l e o corp ora l, on d e a s coisa s sã o a s m e sm a s e se d ã o d a m e sm a m a n e ira e m a m b os os p la n os. A m e sm a visã o e s-tá p or trá s d a le n d a d a s g ota s d e e sp e r-m a q u e sã o ch a r-m a d a s “ g ota s d e a ca so” e m h e b ra ico – u m jog o d e p a la vra s q u e n os fa z e n te n d e r q u e e stã o se re fe rin d o a o m e sm o te m p o a o e sp e rm a e a o a ca -so. Essa le n d a e o e p isód io b íb lico d a á r-vore d o con h e cim e n to d e scre ve m fe n ô-m e n os q u e a con te ce ô-m a o ô-m e sô-m o te ô- m-p o n u m m u n d o m a te ria l e n u m m u n d o e sp iritu a l ou in te le ctu a l. N a Bíb lia , o “ con h e cim e n to” , com o você s sa b e m , ta n to é in te le ctu a l q u a n to se xu a l. Q u a n d o se d iz e m h e b ra ico q u e Ad ã o te ve re la çõe s se xu a is com Eva , d iz-se q u e Ad ã o con h e ce u Eva , e o sig n ifica

-d o é e xa ta m e n te a q u e le . N a h istória -d a se rp e n te , a se rp e n te é a lg o m a te ria l e

ta m b é m in te le ctu a l. A se rp e n te é , ob -via m e n te , u m a re p re se n ta çã o d o se xo, m a s, a o m e sm o te m p o, a p a la vra h e -b ra ica p a ra se rp e n te sig n ifica a d ivi-n h a r, sig ivi-n ifica o coivi-n h e cim e ivi-n to fortu ito. Isso é q u e torn a a le itu ra d e ssa s le n d a s a lg o tã o e stra n h o e d ifícil, p ois h á se mp re e sse va ivé m e n tre u m d om ín io e ou -tro. É d ifícil p a ra n ós e n te n d e r, n u m p rim e iro olh a r, d o q u e é q u e e la s e stã o fa la n d o. Estã o fa la n d o a g ora d e a ve n tu -ra s in te le ctu a is ou se xu a is? Ela s t-ra n si-ta m e n tre os d ois d om ín ios.

O. Velho

Be m , e stá n a h ora . De vo, e m n om e d e tod os n ós, a g ra d e ce r m u ito a o p rofe ssor Atla n p or n os te r ofe re cid o e ssa a d m irá -ve l e xp osiçã o d e se u p e n sa m e n to. Ach o q u e Esp in osa d iria q u e n a d a a con te ce p or a ca so [risos]. Isso te m m u ito a ve r com a q u ilo q u e te m os d iscu tid o...

At lan

Um m om e n to! Esp in osa n ã o d iria q u e a lg o a con te ce , ou n ã o a con te ce , p or a ca so; e le d iria q u e n ã o con h e ce m os a s ca u sa s e , p orta n to, d e ve m os se r cu id a -d osos n a in te rp re ta çã o q u e -d a m os à s coin cid ê n cia s.

O. Velho

J u sta m e n te .

(15)

Bibliografia selecionada de Henri Atlan

1992 [1972]. L’O rg an iz ation Biolog iq u e e t la Th é orie d e l’In form ation . Pa ris: H e rm a n n .

1992 [1979]. En tre o Cristal e a Fu m aça: En saio sob re a O rg an iz ação d o S e r V iv o. Rio d e J a n e iro: Za h a r.

1994 [1986]. Com Raz ão ou S e m Ela: In -te rcrítica d a Ciê n cia e d o M ito.

Lis-b oa : Pia g e t.

1991. Tu d o, N ão, Talv e z , Ed u cação e V e rd ad e . Lisb oa : Pia g e t.

1999. Le s Étin ce lle s d e H asard . Tom e I: Con n aissan ce S p e rm atiq u e . Pa ris:

Se u il.

1999. La Fin d u “Tou t G é n é tiq u e ”? V e rs d e N ou v e au x Parad ig m e s e n Biolo-g ie . Pa ris: IN RA Ed ition s.

2002. La S cie n ce e st-e lle In h u m ain e ? Essai su r la Lib re N e ce ssité . Pa ris:

Referências

Documentos relacionados

FERN AN DES, Flore

Porém, o relato que sustenta que um missionário da Ordem Salesiana encarregou alguns habitantes de tra- zerem do Chile uma imagem de um santo contrabandeada para edificar uma igreja

Tucson: Th e Un ive rsity of Arizon a

Em primeiro lugar, é apenas a reunião formal das três formas de poder que ainda não se completou integralmente já que, de um ponto de vista estritamente material, o

O capítulo 5 expõe informações his- tóricas sobre o baixo Amazonas no pe- ríodo colonial, tanto para retratar vários aspectos da sociedade tapajó em dife- rentes momentos quanto

Dissertação de Mestrado, Departamento de História/ UFRJ.. Pa ris:

[r]

Lisboa/ Paris: Cent re Cult urel Caloust e Gul- benkian/ Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobriment